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A efetividade do processo civil e a questão do acesso à justiça.

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Academic year: 2021

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CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS

UNIDADE ACADÊMICA DE DIREITO

CURSO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS

NAYARA VIEIRA DE ALMEIDA ESTRELA RESENDE

A EFETIVIDADE DO PROCESSO CIVIL E A QUESTÃO DO

ACESSO À JUSTIÇA

SOUSA - PB

2011

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A EFETIVIDADE DO PROCESSO CIVIL E A QUESTÃO DO

ACESSO À JUSTIÇA

Monografia apresentada ao Curso de

Ciências Jurídicas e Sociais do CCJS da

Universidade Federal de Campina

Grande, como requisito parcial para

obtenção do título de Bacharela em

Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: Professora Ma. Geórgia Graziela Aragão de Abrantes.

SOUSA - PB

2011

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A Efetividade do Processo Civil e a Questao do Acesso a Justica

Trabalho Monografico apresentado ao Curso de P6s-graduacao lato sensu em Direito Processual Civil do Centro de Ciencias Juridicas e Sociais da Universidade Federal de Campina Grande, como exigencia parcial da obtencao do Titulo de Especialista em Direito Processual Civil.

Orientador(a): Georgia Graziela Aragao de Abrantes

Banca Examinadora: Data de Aprovacao:

Orientador: Prof(a). Georgia Graziela Aragao de Abrantes

Examinador: Prof(a). Jacyara Farias Souza

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A DEUS porque sempre esta comigo.

A Deocleciano, meu esposo, muito amado, o mais amado, que esteve comigo como companheiro de banca durante toda essa especializacao.

Aos meus Professores e colegas de turma.

A minha orientadora, Prof.3 Georgia Graziela Aragao de Abrantes.

Aos meus pais, por todo o apoio durante minha vida estudantil. As minhas irmas, sogros, cunhados, parentes e amigos.

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direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter". (Guiseppe Chiovenda)

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O presente estudo foi realizado com o fito de compreender as razoes da crise de credibilidade e efetividade da jurisdicao estatal sob a otica do acesso a justica. A partir da ideia de que a funcao jurisdicional do Estado tem deixado a desejar no que tange a efetividade da tutela prestada, por intempestiva e ineficaz, discute-se os obstaculos que se impoem a busca dessa efetividade, abordando-se tanto aqueles de ordem estrutural e administrativa, quanto os de cunho juridico-legal. Aponta-se, por fim, algumas solucoes legislativas adotadas com o proposito de promover uma maior celeridade e efetividade dessa jurisdicao. 0 metodo empreendido para o desenvolvimento desse trabalho monografico foi o exegetico-dogmatico e o historico-comparativo, o qual se utiliza de ampla bibliografia sobre o tema, incluindo doutrinas e artigos cientificos, alem da propria legislacao; tudo com o objetivo de contribuir favoravelmente para a promocao de uma relacao harmonica entre a seguranca das relacoes juridicas e o amplo e efetivo acesso a uma ordem juridica justa e tempestiva.

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This study was conducted with the aim of understanding the reasons for the crisis of credibility and effectiveness of state jurisdiction under the perspective of access to justice. From the idea that the courts of the State has left to be desired with regard to the effectiveness of the protection provided by untimely and ineffective, we discuss the obstacles that are required for seeking such effectiveness, approaching those of both structural and administrative matters as the nature of legal status. It points out, finally, some legislative solutions adopted for the purpose of promoting greater speed and effectiveness of such jurisdiction. The method undertaken for the development of this monograph was the dogmatic

and exegetical-historical-comparative, which uses a wide bibliography on the topic, including doctrines and scientific articles in addition to the legislation itself, all with the goal of contributing positively to the promotion of a relationship harmony between the security of legal relations and the broad and effective access to a just legal order and timely.

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1 INTRODUgAO 09 2 O DIREITO, SOCIEDADE E TUTELA JURIDICA 12

2.1 A evolucao do direito como instrumento de controle social 12 2.2 Formas de solucao de conflitos: da autotutela a jurisdicao 14 2.3 A inafastabilidade da jurisdicao, o devido processo legal e seus desdobramentos 20

3 A EFETIVIDADE COMO PRINCIPIO ORIENTADOR DO PROCESSO 27

3.1 Conceitos iniciais 28 3.1.1 A evolucao do conceito de acesso a justica 30

3.2 A efetividade na prestacao jurisdicional 32 3.2.1 Obstaculos para uma prestacao jurisdicional efetiva 35

4 BOAS PERSPECTIVAS: REFORMAS PROCESSUAIS E UMA NOVA POSTURA 45

4.1 As principals alteracoes trazidas pelas reformas 45 4.1.1 Breves comentarios sobre Tutela Antecipada, Tutela Inibitoria, Juizados Especiais e

Ar-bitragem 46 4.1.2 Lei n ° l 1.187/05 51 4.1.3 Lei n ° l 1.232/05 52 4.1.4 Lei n° 11.276/06 53 4.1.5 Lei n ° l 1.277/06 54 4.1.6 Lei n° 11.280/06 55 5 CONSIDERAQOES FINAIS 56 REFERENCIAS 60

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1 INTRODUgAO

A jurisdicao, que o Estado exerce em regime de monopolio, e sua efetividade sao os objetos fundamentais do presente estudo, o qual se debrucara sobre a garantia constitucional do acesso a justica a partir de uma otica mais atual, abrangendo, alem do acesso aos orgaos do Poder Judiciario, o direito a receber do Estado uma tutela jurisdicional tempestiva, justa e efetiva.

Partindo dessa ideia inicial, investigar-se-a, a principio, se a tutela prestada pelo Poder Judiciario Brasileiro tem alcancado esse ideal de efetividade, rapidez e seguranca. Num segundo momento, comprovando-se a hipotese de que, ao contrario do desejado, o Estado Brasileiro, mais especificamente nas contendas que se desenrolam no ambito do processo civil, deixa a desejar no que tange aos ja mencionados requisitos de efetividade da tutela prestada, enfrentar-se-a a questao relativa as possiveis razoes que conduzem ao total descredito da jurisdicao estatal nesse pais; se sao motivos de ordem apenas organizacional; se e um problema cultural; se trata-se de um entrave juridico ocasionado por procedimentos complicados e recursos exaustivos.

A resposta a esses questionamentos e de suma importancia para a saude juridica brasileira. Identificar as causas de um problema e o primeiro passo em direcao ao deslinde satisfatorio do mesmo. E, ademais, foi-se o tempo em que era possivel ao operador do direito - aqui entendidos nao so advogados, magistrados, doutrinadores, mas tambem e principalmente, os legisladores -, manter-se a parte da realidade social; em verdade, esse tempo nunca existiu, embora muitos desses profissionais prefiram se achar superiores ao povo para o qual trabalham, em nome de quern agem.

Espera-se que, ao final dessa pesquisa, seja possivel tracar um panorama limpido e objetivo dos males que obstaculizam a efetividade do processo civil brasileiro; que causam sua morosidade; que deixam marginalizada uma enorme parcela da populacao, a qual constitucionalmente, tem assegurado o direito de receber, em tempo, uma resposta do Estado a qualquer contenda que leve a seu conhecimento.

Como ja salientado, identificando-se os vetores de acao sera possivel aqueles a que cabe promover uma jurisdicao efetiva, anular, senao imediatamente, mas de forma gradativa, a atuacao dessas forcas, ate que se alcance o ideal do processo: uma igualdade substancial da partes e uma solucao rapida e efetiva dos contlitos.

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Para se chegar a esse objetivo maior, que sera a contribuicao desse estudo ao mundo juridico, alem de servir de fonte de pesquisa para outros operadores do direito, utilizar-se-a o metodo de abordagem multidisciplinar, valendo-se do auxilio de outras areas do conhecimento tais como a Sociologia e a Historia. As tecnicas de pesquisa que guiarao o presente estudo se valerao do conhecimento doutrinario e jurisprudencial, vez que, sendo este problema de tao grande relevancia para a moderna processualistica, nao foram poucos os que sobre ele se debrucaram e deixaram sua contribuicao em livros, revistas, jornais, artigos e em outros documentos escritos ou verbais, que constituem fonte inesgotavel de conhecimento sobre o tema.

Aplicar-se-ao os metodos de procedimento exegetico-dogmatico e historico-evolutivo para fundamentar os posicionamentos que confirmem ou refutem as hipoteses acima destacadas, bem como as conclusoes que se verifiquem ao final desse trabalho monografico, haja vista ser necessario a boa compreensao do tema proposto a interpretacao exaustiva dos dogmas e principios juridicos, bem como a realizacao da analise historica do desenvolvimento, nao apenas do principio da efetividade, como dos mais variados postulados que sobre ele refletem, a exemplo do acesso a justica e do duplo grau de jurisdicao.

O presente estudo nao se servira especificamente de estatisticas para confirmar ou refutar as hipoteses formuladas, mas sim, de uma aproximacao com o ambiente estudado, de modo que os dados coletados serao descritivos, e nao numericos, fruto de uma pesquisa aplicada, com base bibliografica e interdisciplinar, pois abrange alem do Direito Processual Civil, sobre muitos aspectos, tambem o Direito Constitucional.

O presente estudo, portanto, realizar-se-a como uma forma de contribuicao ao progresso do direito em sua busca pela efetividade; e parte da premissa de que o principio da efetividade, num sentido amplo, e mais do que os meios executorios que garantem a tutela prestada; alcancando tambem aspectos como a celeridade de tramitacao do processo, a justica e a adequacao das decisoes.

No primeiro capitulo, tratar-se-a do deslinde historico das formas de composicao dos conflitos, desde os mais primitivos, como a autotutela (hoje proibida) e a autocomposicao, ate a jurisdicao estatal, como atualmente e conhecida. Nao se olvidara tambem as formas alternativas de solucao dos litigios, das quais merece destaque a arbitragem, ainda pouco difundida no Brasil, mas que vem ganhando forca em face do descredito em que parece ter se enterrado a jurisdicao publica.

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Ainda nesse capitulo, abordar-se-a, como consequencia logica do monopolio da jurisdicao pelo Estado, dois grandes postulados constitucionais do processo civil brasileiro: a inafastabilidade da jurisdicao e o devido processo legal com todos os seus desdobramentos.

No capitulo seguinte, o presente estudo debrucar-se-a mais especificamente, sobre a questao do acesso a justica, sua evolucao atraves dos tempos, e sua atual ligacao com a efetividade, inclusive, com a releitura do principio da inafastabilidade da jurisdicao, agora compreendido como a possibilidade de acesso a uma ordem juridica efetiva.

Discutir-se-a a efetividade e sua relacao com a seguranca juridica, investigando-se ate que ponto e possivel mitigar, por exemplo, a possibilidade de defesa em prol de um processo mais celere e efetivo.

Em seguida, dentro desta mesma secao, serao analisados os mais variados obices que, por ventura, apresentem-se a efetividade do processo, desde aqueles de cunho administrativo e estrutural, ate os de ordem tecnica e legislativa.

Observar-se-a nesse momento, se existe uma causa unica para a crise de credibilidade por que passa o Poder Judiciario, ou se ha um somatorio de fatores que culminam com uma justica sem efetividade, intempestiva, lenta, burocratica, ou seja, na contramao de todas as

aspiracoes sociais.

Por fim, apontar-se-a, no ultimo capitulo, algumas contribuicoes a efetividade processual e ao acesso a justica, trazidas pelas ondas reformistas que se iniciaram no ano de

1994 e perduram ate hoje com os estudos feitos para a elaboracao do Novo Codigo de Processo Civil, cujo Projeto de Lei ja se encontra em discussao no Congresso Nacional.

No referido capitulo, destacar-se-a entre outras inovacoes a criacao dos Juizados Especiais, a Arbitragem, a sumula impeditiva de recursos, a fase de cumprimento de sentenca, a declaracao da prescricao de oficio, entre tantas outras.

E de se dizer que, a presente pesquisa nao tem pretensoes de esgotar o tema em debate. Sequer podera analisar todos os aspectos e nuances que permeiam esta questao, pois sao tantos e tao variados, que quase inesgotaveis. Tambem, nao se pretende entrar no merito das reformas, deixando-se essa abordagem para outros estudos mais profundos. 0 que se busca e dar uma contribuicao, por menor que seja, para a solucao deste problema, para auxiliar, a quern couber decidir, no enfrentamento da questao acerca da maior importancia para o processo da tutela efetiva ou da seguranca das relacdes juridicas.

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2 DIREITO, SOCIEDADE E TUTELA JURIDICA

O entendimento dos estreitos lacos que unem direito e sociedade sao determinantes para a compreensao de todo e qualquer instituto, conceito ou principio juridico, especialmente os que ora se vislumbram, a saber, o acesso a justica e a efetividade.

Nas linhas que seguem cuidar-se-a de tracar um esboco historico de todo movimento que culminou com a jurisdicao como atualmente e conhecida: monopolio do Estado, exercida enquanto funcao jurisdicional pelos juizes de direito togados, como grande garantia constitucional, caracteristica do Estado Democratico de Direito.

2.1 A evolucao do direito como instrumento de controle social

Direito e sociedade sempre caminharam lado a lado, numa relacao de dependencia; deste modo, a conhecida maxima ubi societas ibijus e precisa, mas insuficiente para explicar a relacao existente entre eles, como atualmente sao estudados. Se nao ha sociedade sem direito, de outro lado, tambem nao germina o direito senao no meio social. Explica-se: desde o inicio dos tempos, a coexistencia pacifica entre os homens sempre dependeu do necessario desenvolvimento de formas de controle social. E o direito, certamente, foi e ainda e o mais importante exemplo dessa especie de controle, na medida em que estabelece a ordem e compoe os contlitos de interesses intersubjetivos que inevitavelmente surgem na vida em sociedade.

Dizendo de outra forma, o direito e o instrumento atraves do qual a sociedade busca harmonizar as relacoes entre os individuos, sempre que no meio social se verifica um embate. E pelo direito que os homens, seres sociais que sao, resolvem suas questoes da maneira mais justa e menos dispendiosa para as partes envolvidas no caso.

Cintado Cintra, Grinover e Dinamarco (2002, p. 19): "O criterio que deve orientar essa coordenacao ou harmonizacao e o criterio do justo e do equitativo, de acordo com a conviccao prevalente em determinado momento e lugar".

Mas nem sempre foi assim. Embora o direito tenha surgido junto com a vida em sociedade, nos primordios da humanidade nao havia um Estado com poder suficiente sobre seus individuos de modo a impor-lhes regras de conduta socialmente justas. Na verdade,

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sequer havia leis a serem seguidas, uma vez que historicamente, a figura do Estado-juiz surgiu antes do proprio Estado-legislador.

Afirmar que nao havia um Estado a impor regras de conduta socialmente justas, contudo, nao quer dizer que nessa epoca o direito inexistia. Se o homem e um ser eminentemente social; se desde o inicio dos tempos, afirmam os cientistas, os homens se organizaram em grupos, ainda que nomades; se a sobrevivencia de cada membro dependia da harmonia e unidade do grupo; essa harmonia requeria uma hierarquia, um controle que se estabelecia dentro do grupo e, embora esse controle esteja longe do que hodiernamente se entende como direito, nao ha como negar que a essentia desse meio de controle social esteve presente ja nesse momento historico. Senao leia-se o que diz a respeito Araujo (2010, p. 24):

Outra questao importante e saber se nas sociedades antigas existia a emanacao de regras tuteladoras dos individuos nela vinculados.

A resposta ha de ser positiva, pois mesmo nessas sociedades havia meios de controle do interesse de seus membros, nem que fosse atraves de escritos ou de entendimento verbal adstrito a vontade de uma ou mais pessoas.

Portanto, o que ocorre e que, diferente do que se verifica hoje, no inicio, a humanidade gozava da justica privada, da justica parcial (realizada pelas proprias partes envoividas), tambem conhecida com vinganca privada. A resolucao dos conflitos, inclusive aqueles de ordem criminal, era feita pela submissao do mais fraco a vontade do mais forte. Sem duvida, esse nao era o melhor criterio de justica, mas inegavelmente era o criterio eleito pelos homens da epoca.

Ademais, se ao direito cabe tutelar os interesses socialmente relevantes para uma dada sociedade, cada sociedade tera o direito que reflita os axiomas que seus individuos adotem. Ainda hoje, o direito que se consagra no Brasil, nao e igual aquele que regula as relacoes sociais na China. Isso ocorre independentemente de serem, todos os envolvidos, contemporaneos. O que se pode dizer, entao, do direito que regulava aquelas sociedades antigas, cujos valores primordiais eram tao diferentes daqueles que as sociedades modernas privilegiam?

Seria leviano negar sua existencia, ou julga-lo pelos parametros atuais. E preciso estuda-lo e compreende-lo como uma etapa necessaria na evolucao constante do fenomeno social chamado direito.

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2.2 Formas de solucao de conflitos: da autotutela a jurisdicao

A necessidade de solucionar satisfatoriamente os conflitos que se formavam entre os individuos a partir do momento em que eles se organizaram em grupos era inegavel. Mas, como se sabe, o Estado, ainda rudimentar, nao tinha forca para interferir nas relacoes dos particulars e impor-lhes suas decisoes.

Na verdade, tal concepcao era inadmissivel, pois os individuos gozavam de grande liberdade; encontravam-se, nesse momento, ainda, numa posicao de superioridade em relacao ao Estado.

Essa fase caracterizou-se pelo que se convencionou intitular de justica privada, quando as proprias partes decidiam e solucionavam suas contendas, por isso ter sido tambem chamada de justica parcial (feita pelas partes) em contraposicao a justica impartial que o Estado oferece nos dias atuais.

Deste modo, nos primordios, se um conflito de interesses se instalava, qualificado por uma pretensao resistida - " A " queria algo de " B " que se recusava a entregar-lhe de boa vontade - , as proprias partes envolvidas no embate se compunham, por assim dizer, atraves de formas de composicao dos conflitos conhecidas como autotutela ou autodefesa e autocomposicao.

A autotutela no entender de Arenhart e Marinoni (2006, p. 31) era o meio pelo qual "aquele que tinha um interesse e queria ve-lo realizado fazia, atraves da forca, com que aquele que ao seu interesse resistisse acabasse observando-o. Na verdade, realizava o seu interesse aquele que tivesse forca ou poder para tanto [...]".

A autocomposicao, por sua vez, e bem explicada por Cintra, Grinover e Dinamarco (2002, p. 21):

[...] a autocomposicao (a qual, de resto, perdura residualmente no direito moderno): uma das partes em conflito, ou ambas, abrem mao do interesse ou de parte dele. Sao tres as formas de autocomposicao (as quais, de certa maneira, sobrevivem ate hoje com referenda aos interesses disponiveis): a) desistencia (reniincia a pretensao); b) submissao (renuncia a resistencia oferecida a pretensao); c) transacsio (concessoes reciprocas). (grifo dos autores).

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Essas formas de resolucao dos conflitos conviveram por muito tempo. A grande diferenca entre elas era que, enquanto a autotutela buscava a satisfacao da pretensao em si, as especies de autocomposicao apenas declaravam a existencia ou inexistencia de uma determinada situacao de direito; deste modo, caso a situacao declarada nao fosse voluntariamente cumprida pela outra parte, restava ao prejudicado recorrer a autotutela para ver satisfeita sua a pretensao.

Nesse ponto, abre-se um parentese para reforcar a afirmacao dos referenciados autores, e lembrar que, hodiernamente, na jurisdicao civil, quanto aos direitos disponiveis, a autocomposicao ainda e uma forma de solucao de conflitos utilizada e ate recomendavel, dado o atual estado de assoberbamento em se encontram os orgaos judiciarios.

Retomando, pois, a ideia central, e de dizer que ate que o Estado se fortalecesse minimamente a ponto de poder interferir nos conflitos interindividuais, foi atraves da justica privada que estes foram resolvidos, com a imposicao da vontade do mais forte. Nao obstante o reconhecimento dessa verdade, mesmo o homem dos primordios guardava em si um senso comum inato acerca do que e justo, e comecou a ficar insatisfeito com as solucoes dadas aos seus conflitos sempre de forma tao parcial. Os conflitantes passaram a preferir a assistencia de arbitros que elegiam, comumente, entre sacerdotes ou anciaos que gozassem de sua confianca, para resolver suas contendas.

E foi somente com o inicio do direito romano arcaico, conforme Cintra, Grinover e Dinamarco (2002, p. 22 e 23) o qual se desenvolveu ate o seculo I I a.C, que o Estado passou a participar da solucao desses conflitos de interesses. As partes comecaram a recorrer ao Estado, na figura de seu pretor, para perante ele firmarem o compromisso, chamado de

litiscontestation de aceitarem a decisao que pelo arbitro fosse tomada para o caso. Depois

disso, as partes elegiam o arbitro que julgaria a lide.

Esse sistema, com algumas modificacoes - passagem da arbitragem facultativa (escolhida pelas partes) para a arbitragem obrigatoria (escolhida pelo pretor) - perdurou durante todo o periodo do direito romano classico, ou da fase conhecida como ordo

judiciorum privatorum.

Ainda durante essa fase, surgiu a figura do legislador, quando a autoridade publica passou a fixar algumas regras vinculativas de carater abstrato a fim de dar maior imparcialidade as decisoes dos arbitros. Para as partes ainda era dificil acatar a decisao de terceiros na solucao de seus conflitos particulares e, portanto, regras gerais pre-estabelecidas serviam para lhes dar mais seguranca de que os arbitros agiriam a despeito de qualquer simpatia ou rusga.

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Esse foi um grande passo para que se entrasse na fase seguinte de evolucao do direito: a cognitio extra ordinem. Nesse periodo, iniciado a partir do seculo III d.C, o pretor, que com a arbitragem obrigatoria ja escolhia o arbitro para julgar o litigio, passou ele mesmo a conhecer da causa e proferir sua decisao, impondo-a aos particulares, atraves do poder de um Estado ja bastante fortalecido.

Dai em diante fecha-se o ciclo: da autotutela a jurisdicao; da justica privada a justica publica. Nao foi uma caminhada evolutiva linear. Uma forma de composicao dos litigios nao excluiu necessariamente a outra. Aquelas que se excluiram mutuamente encontraram resistencia. A ingerencia final do Estado, tomando para si o poder-dever de dizer o direito e aplica-lo ao caso concreto, certamente nao se firmou entre os particulares de forma rapida e eficaz.

O fato e que direito e sociedade, caminhando juntos, partiram de um estagio embrionario, em que a justica era realizada de forma precaria pelas proprias partes envolvidas nos conflitos, e chegaram ao atual momento historico, no qual todo cidadao tem o direito de recorrer ao Estado para dele receber uma tutela satisfativa.

Nos dizeres de Arenhart e Marinoni (2006, p. 31), quando falam sobre composicoes de litigios, "o Estado, ao proibir a autotutela, assume o monopolio da jurisdicao. Como consequencia, ou seja, diante da proibicao da autotutela, ofertou-se aquele que nao podia mais realizar o seu interesse atraves da propria forca o direito de recorrer a justica [...]"•

A jurisdicao, estagio atual da evolucao do direito, e ainda conceituada por Cintra, Grinover e Dinamarco (2002, p. 23), tratando de sua trajetoria historica, como o meio pelo qual "[...] os juizes agem em substituicao as partes, que nao podem fazer justica com as proprias maos (vedada a autodefesa); a elas, que nao mais podem agir, resta a possibilidade de

fazer agir, provocando o exercicio da funcao jurisdicional". (grifo dos autores)

A funcao primordial da jurisdicao, portanto, e a pacificacao com justica, que realiza o objetivo maior do Estado Social, qual seja, o bem-comum. Essa pacificacao e o escopo social da jurisdicao, mas alem dela ha de se observar tambem escopos politicos e juridicos, que se complementam, na precisa licao de Cintra, Grinover e Dinamarco (2002, p. 24):

A doutrina moderna aponta outros escopos do processo, a saber: a) educacao para o exercicio dos proprios direitos e respeito aos direitos alheios (escopo social); b) a preservacao do valor liberdade, a oferta de meios de participacao nos destinos da nacao e do Estado e a preservacao do ordenamento juridico e da propria autoridade deste (escopos politicos); c) a atuacao da vontade concreta do direito (escopo juridico). (grifo dos autores)

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Cumpre falar, ainda, que a jurisdicao civil hoje, no Brasil, embora realizada em regra pelo Estado, nao exclui formas alternativas de composicao dos conflitos. Conforme sera melhor estudado mais adiante, bem ao contrario, quanto aos direitos disponiveis, o Estado incentiva a utilizacao de outros metodos que nao o manejo do processo judicial para solucao das contendas civis.

Ainda tendo o Estado tornado para si o monopolio da jurisdicao, algumas das formas primitivas de composicao dos litigios, como a autocomposicao, sobreviveram e sao utilizadas ate hoje. Observe-se que mesmo a autotutela, que e energicamente reprimida nos dias atuais, pode ser vislumbrada em algumas situacoes determinadas em lei; isso ocorre porque o Estado nao tem como estar presente sempre que um direito se achar em vias de ser violado e nesses casos, nos limites da lei, o particular pode se opor a essa violacao. Cintra, Grinover e Dinamarco (2002, p. 29) apontam algumas dessas situacoes:

Constituem exemplos o direito de retencao (CC, arts. 516, 772, 1.199, 1.279 etc), o "desforco imediato" (CC, art. 502), o penhor legal (CC, art. 776), o direito de cortar raizes e ramos de arvores limitrofes que ultrapassam a extrema do predio (CC, art. 558), a auto-executoriedade das decis5es administrativas, sob certo aspecto, podem-se incluir entre excec5es o poder estatal de efetuar prisSes em flagrante (CPP, art. 301) e os atos que, embora tipificados como crime, sejam realizados em legitima defesa ou estado de necessidade (CP, arts. 24-25; CC, arts. 160, 1.519 e 1.520).

Todavia, nunca e demais alertar que essas sao excecoes: a regra, desde que o Estado tomou para si o poder-dever da jurisdicao, e a de que a autotutela e absolutamente proibida.

E se a jurisdicao e a regra, e a autotutela, a excecao das excecoes, durante muito tempo, a autocomposicao foi relegada ao ostracismo, como se ela, assim como a autotutela, que e um crime (exercicio arbitrario das proprias razoes ou abuso de poder), fosse uma forma antissocial de solucao de conflitos. Essa realidade comecou a mudar, com o incentivo de meios alternatives de pacificacao social, como a mediacao e arbitragem as quais serao discutidas mais a frente.

Tais metodos colocaram em xeque o exercicio da propria jurisdicao que vem falhando em sua missao pacificadora, haja vista, realizar-se necessariamente atraves do processo, cuja natureza eminentemente formal, se de um lado garante a seguranca das relacoes juridicas, de outro compromete a efetividade da prestacao jurisdicional, porque demanda tempo e altas custas, dos quais, muitas vezes, o jurisdicionado nao dispoe.

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A tutela juridica esta sempre relacionada ao bem da vida que se pretende, ao direito material. Diversamente, a tutela jurisdicional e o mesmo que funcao jurisdicional; e a propria jurisdicao e esta relacionado ao direito processual.

A esse proposito diz Gama (2002, p. 10):

Assim, a tutela jurisdicional pode significar: a) qualquer forma de protecao ao bem da vida; b) a sentenca favoravel que protege o bem da vida; c) o procedimento estruturado para assegurar o exercicio de um direito lesado ou ameacado; d) todo ato judicial tendente a proteger o bem da vida; e) a atividade jurisdicional.

Portanto, quando se fala em obter uma tutela jurisdicional efetiva nao se quer dizer precisamente, que ao autor deve ser dado o bem da vida pretendido (tutela juridica), mas que a jurisdicao caminhe de tal forma a dar a solucao mais justa ao caso, no menor tempo possivel.

Nao e outra a licao de Dinamarco (2001, v. 1, p. 88):

Assim conceituada, a tutela jurisdicional nao e necessariamente tutela de direitos, mas tutela a pessoas ou a grupos de pessoas. Com muita frequencia ela e" legitima-mente dispensada a quern nao tem direito algum, (a) ou porque o autor nao tem o di-reito que afirmou, sendo improcedente a sua demanda e portanto recebendo o reu a tutela jurisdicional, (b) ou porque ele viera a juizo precisamente para pedir a declara-?ao de que entre ele e o r£u inexiste determinada relacao juridica material (p.ex., acao declaratoria negativa de obrigacao cambial). [...]

Na medida do que for praticamente possivel, o processo deve propiciar a quern tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de receber (Chiovenda), sob pena de carecer de utilidade e, portanto, de legitimidade social. O processo vale pelos resultados que produz na vida das pessoas ou grupos, em relacao a outras ou aos bens da vida - e a exagerada valorizacao da acao n5o e" capaz de explicar essa vocacao institucional do sistema processual, nem de conduzir a efetividade das vantagens que dele se esperam. Dai a moderna preferencia pelas consideracdes em torno da tutela jurisdicional, que e representativa das projecoes metaprocessuais das atividades que no processo se realizam e, portanto, indica em que medida o processo sera util a quern tiver razao.

Ultrapassada essa diferenciacao, e de se retomar dizendo que, enquanto a tutela jurisdicional, que e a regra, tem-se mostrado a cada dia menos efetiva e mais dispendiosa para os jurisdicionados, os meios alternatives de pacificacao social acertam naquilo em que ela

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falha: sao metodos celeres, informais e gratuitos (ou baratos), a exemplo da conciliacao e da arbitragem.

Cabe aqui frisar que a conciliacao tanto deve ser perseguida em todo o tramite do processo civil, ja que a propria lei determina que o juiz busque a qualquer tempo conciliar as partes, quanto num momento extraprocessual, atraves do trabalho dos Promotores de Justica.

A arbitragem, por sua vez, instituida pela Lei n° 9.307/96, determina que as partes envolvidas num litigio relativo a bens patrimoniais disponiveis, desde que tenham capacidade para contratar, podem eleger um arbitro para solucionar a contenda, afastando, por sua propria vontade a jurisdicao publica.

Observe-se que, nesse caso, nao e o Estado que se nega a tutelar jurisdicionalmente os interesses dos sujeitos - o que, ademais, e defeso em face do principio da inafastabilidade da jurisdicao; mas os proprios envolvidos e que optam por um meio de pacificacao do conflito

mais rapido e menos dispendioso.

E importante notar: qualquer que seja o metodo utilizado, o que de fato se persegue e a pacificacao, escopo maximo da jurisdicao, e se ela - a pacificacao - e obtida por outros meios que nao o processo, nao e menos relevante por isso. O que nao se pode permitir e que o Estado caia num tal descredito que deixe de ser procurado pelo jurisdicionado, haja vista que sempre existirao conflitos aos quais o exercicio de uma jurisdicao imparcial, estatal e indispensavel.

Veja-se o que traz Cintra, Grinover e Dinamarco (2002, p. 31) a proposito do assunto:

Em certas materias nao se admitem excecoes a regra da proibicao da autotutela, nem e\ em principio, permitida a autocomposicao para a imposicao da pena. E o que sucedia de modo absoluto em materia criminal (ordem juridica brasileira anterior a lei n. 9.099/95) e quanto a algumas situacSes regidas pelo direito privado (anulacao de casamento, suspensSo e perda de patrio poder etc.). Em casos assim, o processo e o unico meio de obter a efetivacao das situacSes ditadas pelo direito material [...]. As pretensoes necessariamente sujeitas a exame judicial para que possam ser satisfeitas sao aquelas que se referem a direitos e interesses regidos por normas de extrema indisponibilidade [...]. (grifo dos autores)

Ter consciencia de que essa "jurisdicao privada" realizada pelos arbitros nao substitui a jurisdicao do Estado, e de suma importancia, pois como asseveram Arenhart e Marinoni (2006, p. 36), nao se pode permitir que a jurisdicao publica torne-se obsoleta. Leia-se:

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Alem disso, como o juizo arbitral, em alguns casos, afasta a justica estatal, e" preciso muito cuidado para que nao se passe a cuidar dessa "justica alternativa" deixando-se de lado a justica estatal. O perigo de a onda neoliberal influenciar aqueles que se preocupam com o processo civil, fazendo com que a "justica estatal" seja posta de lado, como algo obsoleto e inutil, 6 muito grande. Ora, a "justica" do Estado sempre vai ser o unico socorro, principalmente aos menos favorecidos, bem como a unica saida para direitos nao disponiveis e absolutamente fundamentals para o homem. Em outras palavras, e fazendo-se breve comparacao, espera-se que a arbitragem, frente a justica do Estado, nao se transforme em um "piano de saiide privado" frente a esquecida "saiide publica".

A preocupacao revelada pelos autores tem razao de ser e nao e outra, senao esta, a motivacao que leva juristas e legisladores a buscarem alternativas dentro do proprio processo, de modo a torna-lo um meio de pacificacao social mais efetivo.

O presente estudo, portanto, nao pretende se aprofundar na conceituacao do que seja jurisdicao, nem nas alternativas extraprocessuais de pacificacao, mas, sim, investigar como

esses juristas e legisladores estao se utilizado dos principios que orientam a jurisdicao para torna-la efetiva e tempestiva, como se vera a seguir.

2.3 A inafastabilidade da jurisdicao, o devido processo legal e seus desdobramentos

Desde os gregos, os homens tem buscado um ideal de justica. Nao por acaso, foi Aristoteles, grande pensador grego, que mandou tratar desigualmente os desiguais para, de fato, consagrar-se a igualdade entre os homens. Essa ideia continua atual. Nasceu na antiguidade, floresceu na idade media e perdura ate hoje, nao como uma realidade, mas como um desafio diario de legisladores e aplicadores do direito.

Esse ideal de justica social que vem sendo sedimentado atraves da historia deu um grande passo no sentido de melhor se efetivar com a transformacao do Estado Liberal para o Estado Moderno. Em principio, porem, o Estado apenas se propos a proclamar a presuncao de que todos eram iguais, sem qualquer preocupacao com a efetivacao dessa maxima. Somente no seculo XX, com o Estado Social de Direito, as Constituicoes alem de garantir direitos, passaram a elencar meios, instrumentos que tornassem os direitos nela garantidos acessiveis e efetivos.

Foi a partir do periodo posterior a Segunda Guerra Mundial, quando o mundo viveu talvez seu momento mais catastrofico, quando nacoes inteiras foram arrasadas, que surgiu um

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movimento denominado neoconstitucionalismo, o qual alterou substancialmente, a posicao valorativa da Constituicao e das leis, passando aquela a figurar num patamar de supremacia face a estas. Dai em diante, o estudo do ordenamento juridico de cada pais passou a fundar-se nos vetores fixados em sua Carta Constitutional e os paises do pos-guerra preocuparam-se sobremaneira em garantir, atraves de suas Constitutes, a valorizacao da pessoa humana.

No entender de Marinoni (2008, v. 1, p. 46), tratando sobre jurisdicao, justica e efetividade, "[...] nao ha mais qualquer legitimidade na velha ideia de jurisdicao voltada a atuacao da lei; nao e possivel esquecer que o judiciario deve compreende-la e interpreta-la a partir dos principios constitutionals de justica e dos direitos fundamentals".

A Constituicao brasileira, seguindo a linha neoconstitucionalista, elevou a condicao de direitos fundamentals varias garantias processuais que, portanto, nao podem ser olvidadas pelo legislador, quando da elaboracao de normas infraconstitucionais, ou pelo juiz, quando da aplicacao de quaisquer normas aos casos concretos.

Observe-se o que assevera Filiar (2010, p. 4):

Tal constituicao, em seu Preambulo, institui o Estado Democratico de Direito destinado a assegurar, entre outros, o exercicio dos direitos sociais e individuais, alem de detenninar como um de seus valores supremos, o exercicio da justica. Assim, nao apenas o acesso a justica seria uma garantia constitucionalmente prevista, mas tambem o exercicio efetivo da prestacao jurisdicional. Para regular essa efetiva prestacao, surge o neoprocessualismo.

Desse modo, em contrapartida ao poder ou a funcao jurisdicional do Estado, surgiu para os jurisdicionados o direito de acesso a justica. Em outras palavras, na medida em que o Estado monopolizou a jurisdicao, proibiu a autotutela, criou para si a obrigacao de conhecer todos os conflitos que os particulares quisessem levar ao Judiciario, nao podendo se furtar a solucionar os conflitos que lhe chegam a conhecimento.

No Brasil, esse direito esta consagrado no artigo 5°, inciso X X X V da Constituicao Federal, que preceitua que "a lei nao excluira da apreciacao do Poder Judiciario lesao ou ameaca a direito". Trata-se do principio da inafastabilidade da jurisdicao, que durante anos foi encarado como um direito que garantia apenas o acesso aos orgaos do Poder Judiciario. Essa conceituacao, no entanto, conforme ja se vislumbrou, a partir das bases em que se funda o neoprocessualismo, e vista como pobre e insuficiente porque nao atende aos anseios sociais. Hodiernamente, nao se concebe que o acesso a justica seja formalmente garantido a todos,

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mas que nao atenda a realidade, por descuidar de causas outras de desigualdade que impedem o acesso efetivo a justica.

Gracas a pensadores como Mauro Cappelletti, que realizou um grande estudo com o fim de identificar as causas da ineficiencia da jurisdicao, a ideia de acesso a justica hoje, abrange tambem o direito a gozar de uma ordem juridica justa e efetiva. Bebendo nas licoes desse mestre, dizem Arenhart e Marinoni (2006, p. 32) que "o direito de acesso a justica, atualmente, e reconhecido como aquele que deve garantir a tutela efetiva de todos os demais direitos".

Assim e que, pode-se afirmar que o acesso a justica e a senna de validacao de toda a ordem juridica, pois nada sao os direitos materials tutelados, se a tutela que para eles se oferta nao for adequada, tempestiva e eficaz.

Essa adequacao, tempestividade e eficacia tambem dependem de uma outra garantia constitucional, qual seja a de que "ninguem sera privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal", conforme dispoe o artigo 5°, inciso LIV da Constituicao Federal.

Esse artigo consagra o principio do due process of law pelo qual todo cidadao tem o direito fundamental a gozar de um processo justo, equitativo, efetivo, e sua origem remonta ao Decreto Feudal Alemao de 1037 d.C, que inspirou a Magna Carta de 1215.

No entender de Didier Jr. (2010, v. 1, p. 41), essa garantia abrange tanto o processo legislativo de elaboracao das leis em abstrato, quanto o processo administrativo de criacao das normas administrativas, quanto o processo jurisdicional de formacao das leis concretas, ou das normas individualizadas jurisdicionais, como este autor prefere chamar. Ao presente estudo, no entanto, interessa apenas a faceta jurisdicional deste principio.

E de se prosseguir, portanto, dizendo que, sendo o devido processo legal um principio geral ou uma clausula geral de direito, o seu conceito sofreu, atraves dos tempos, o que o citado autor chamou de concretizacoes, que foram se incorporando ao que hoje entende-se como parte do conteudo do devido processo legal. Dizendo de outra maneira, assim como o direito evoluiu historicamente, levando sempre em consideracao o momento e o lugar em que estava sendo utilizado, tambem o devido processo legal modificou-se conforme o entendimento vigente na sociedade que o empregava em um dado momento historico; e isso continuara a ocorrer atraves dos tempos, uma vez que a generalidade do conceito, que da abertura a todo o sistema juridico-processual, nao se esvaziou, e pode sempre sofrer novas insercoes.

Acerca desse rico principio fundamental de direito processual, e importante ainda falar que pode o mesmo ter natureza de um devido processo legal formal ou substancial. No que

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tange a sua natureza formal o conteudo deste principio abrange varias garantias processuais. Deste modo, valendo-se da precisa licao de Didier Jr. (2010, v. 1, p. 43), hoje, no Brasil, para se ter um processo legitimo do ponto de vista formal:

E preciso observar o contraditorio e a ampla defesa (art. 5°, LV) e dar tratamento paritario as partes do processo (art. 5°, I , CPC); proibem-se provas ilicitas (art. 5°, LVI); o processo ha de ser publico (art. 5°, L X ) ; garante-se o juiz natural (art. 5°, X X X V I I e LIII); as decisOes hao de ser motivadas (art. 93, IX); o processo deve ter uma duracao razoavel (art. 5°, L X X V I I I ) , o acesso a justica e garantido (art. 5°, X X X V ) etc. Todas essas normas, principios e regras, sao concretizacSes do devido processo legal e compoem o seu conteudo minimo. (grifo do autor).

Ja quanto a faceta substancial do devido processo legal, a qual se desenvolveu nos Estados Unidos da America, e de dizer-se que substancialmente devido e o processo que produz uma decisao (no caso do processo judicial) que guarda proporcao e razoabilidade com a realidade.

E um conceito um tanto vago e impreciso, mas pode ser melhor compreendido se aproximado aos principios da razoabilidade e da proporcionalidade. Por esse angulo, pode-se perceber que o devido processo legal substancial vem equilibrar todos os principios que estao contidos na ideia de devido processo legal formal, a fim de que dentro do processo melhor se acomodem os valores celeridade e seguranca.

Mas nao sao apenas garantias explicitas que decorrem do principio do devido processo legal formal, mas tambem principios implicitos, que sao verdadeiros corolarios do due

process of law, tais como o principio da adequacao, da boa fe processual e, de forma

relevante, o principio da efetividade.

Deste modo, a efetividade tanto advem do devido processo legal como e reflexo da inafastabilidade da jurisdicao. Merece transcricao o que diz a respeito Didier Jr. (2010, v. 1, p. 68):

Esse posicionamento e reforcado pela moderna compreensao do chamado "principio da inafastabilidade" (examinado no capitulo sobre jurisdicao, neste volume do Curso), que, conforme celebre licao de Kazuo Watanabe, deve ser entendido nao como uma garantia formal, uma garantia de pura e simplesmente "bater as portas do Poder Judiciario", mas, sim, como garantia de acesso a ordem juridica justa, consubstanciada em uma prestacao jurisdicional celere, adequada e eficaz. "o direito a sentenca deve ser visto como direito ao provimento e aos meios executivos capazes de dar efetividade ao direito substancial, o que significa o direito a

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efetividade em sentido estrito". Tambem se pode retirar o direito fundamental a efetividade desse principio constitucional, do qual seria corolario.

Portanto, a moderna tendencia conceitual do devido processo legal e do acesso a justica, sao as bases sobre as quais se ergue o principio da efetividade.

Se algum dia foi importante a ideia de que o direito de acesso a justica correspondia ao direito de receber uma sentenca de merito, isso ja nao e mais suficiente, haja vista que o processo nao pode ser entendido como um fim em si mesmo, mas o meio de que o jurisdicionado lanca mao para obter uma tutela jurisdicional satisfativa, individual e socialmente justa. Segundo Arenhart e Marinoni (2006, p. 32), o processo nao "[...] poderia ser estudado de maneira neutra e distante da realidade social e do direito material".

Em consonancia com esse entendimento, Cappelletti apud por Filiar (2010, p. 4):

O estudioso do processo e o aplicador das normas processuais tem [...] de dar ouvidos a todo o clamor que se ouve no meio socio-economico sobre o qual o Direito Processual deve atuar. Somente assim se conseguira dar ao processo e as normas que o regem, forca de garantir, e nao apenas de declarar, direitos na vida social.

Alem dele, varios processualistas comungam desse pensamento: o processo nao e mais apenas um conjunto de atos destinados a satisfazer os interesses das partes envolvidas no caso, e sim um meio de pacificacao social, na medida em que tutela um conjunto de preceitos juridicos que visam garantir a solucao dos conflitos que ameacam o bem-comum. Esses

preceitos como visto anteriormente, sao aqueles que decorrem do due process of law.

Nesse ponto, e mister lembrar que dentro do proprio conceito de devido processo legal existem ideias que aparentemente se contrapoem. Como garantir um processo efetivo e tempestivo, tendo de respeitar sempre a ampla defesa, o contraditorio, a paridade de armas? Como um processo pode ser celere diante da possibilidade de tantos recursos, que no fim sao indispensaveis a seguranca juridica?

A esse respeito e esclarecedora a licao de Dinamarco (2009, p. 22), em sua obra "Nova era do processo civil":

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[...] que toda experiencia processual se desenvolva com plena observancia dos preceitos e regras inerentes ao exercicio da jurisdicao, da ac2o e da defesa (due process of law) etc. - esses sao os modos pelos quais, segundo a experiencia multissecular, com mais probabilidade se podera propiciar a quern tiver razao o efetivo acesso a justica. E preciso, no entanto, n3o se ofuscar tanto com o brilho dos principios nem ver na obcecada imposicao de todos e cada um a chave magica da justica, ou o modo infalivel de evitar injusticas. [...]

[...] todos os principios e garantias constitucionais sejam havidos como penhores da obtencao de resultados justos [...]. Manda tambem que eles sejam interpretados sistematicamente e em consonancia com os valores vigentes ao tempo da interpretacao. Muitas vezes e preciso sacrificar a pureza de um principio, como meio de oferecer tutela jurisdicional efetiva e suficientemente pronta, ou tempestiva [...].

E nao poderia ser diferente. Se o devido processo legal comporta tanto a efetividade do processo quanto a seguranca juridica, um jamais poderia excluir o outro. O acesso a uma ordem juridica efetiva, importa em que seja ela tambem justa para com todos os envolvidos, autores ou reus, que devem gozar das mesmas oportunidades de defesa de seus interesses, e para com a propria sociedade que tem o direito de saber-se destinataria de uma jurisdicao inteira, sem reparos, capaz de pacificar o meio social.

O segredo do avanco, a modernidade, a tendencia dessa nova processualistica esta na importancia que o principio da efetividade tem na realizacao da jurisdicao e do processo. Diz Emerson Batista da Silva (2009, p. 1), que "[...] o Processo Civil disciplina o exercicio da jurisdicao por intermedio de principios e regras que visam conferir a mais ampla efetividade,

trazendo o maior alcance pratico ao menor custo possivel [...]".

Conforme o que ja foi exposto, o principio do devido processo legal, que tem natureza aberta, constantemente preenchida por novas garantias, que em dado momento sao consideradas importantes por determinada sociedade; bem, este principio hoje traz em seu conceito uma serie de outros principios corolarios, que sao o que minimamente exige-se para dizer que o processo em questao e devido.

Nesse caso, o primeiro ponto a merecer uma maior reflexao e quanto ao cumprimento que se tem dado ao que recomenda o due process of law, e mais, e importante investigar a necessidade ou nao de cumprir integralmente todas essas exigencias.

Ja com relacao a inafastabilidade da jurisdicao, e de se reconhecer que muito foi feito pela populacao mais pobre com o advento dos Juizados Especiais Civeis e Criminals. Aqueles que ate entao nao tinham acesso aos orgaos do Poder Judiciario, passaram a te-lo, atraves de uma justica que se pretendia mais simples e celere.

No entanto, se de um lado, de fato os Juizados cumpriram seu papel de trazer as pessoas menos favorecidas economicamente para o mundo juridico, de outro, eles nao fizeram

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mais que isso. A prometida justica celere esbarrou em montanhas de processos que se estendem indefinidamente, por falta de juizes e servidores para dar-lhes andamento. E o tao so fato de ver garantido seu direito de acao, nao implica em que essas pessoas estejam gozando de uma justica efetiva, ja que restam presentes ainda, sua condicao de inferioridade material e intelectual, bem como, o fato de que elas nao dispoem de recursos para combater em juizo, em pe de igualdade, com partes economicamente mais fortes e esclarecidas, melhor assistidas por advogados qualificados.

Essa realidade foi reconhecida e lamentada pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux durante sua sabatina no Senado Federal (informacao verbal), quando o iminente jurista mostrou-se indignado com a comum situacao em que o juiz e obrigado a manter-se inerte diante do perecimento do bom direito da parte mal assistida juridicamente. Por todas essas consideracoes e que ganha grande importancia o principio da efetividade, que e um desdobramento dos aqui ja tao explorados principios do devido processo legal e da inafastabilidade da jurisdicao. Um equilibrio, o ponto exato ate onde o legislador e o aplicador do direito devem caminhar em busca da efetividade ainda que mitigando outros principios e o objeto maior da presente investigacao e passara a ser melhor elucidado nas paginas seguintes.

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3 A EFETIVIDADE COMO PRINCIPIO ORIENTADOR DO PROCESSO

Como ficou bastante claro por toda a discussao levada a efeito no item anterior, o principio da efetividade nao se encontra explicito no texto constitutional, mas e decorrencia de outros dois principios: o devido processo legal e a inafastabilidade da jurisdicao. Essa afirmacao e reforcada por Cintra, Grinover e Dinamarco (2002, p. 84) que explicam: "Hoje, mais do que nunca, a justica penal e a civil sao informadas pelos dois grandes principios constitutionals: o acesso a justica e o devido processo legal. Destes decorrem todos os demais postulados necessarios para assegurar o direito a 'ordem juridicajusta'". (grifo dos autores)

Assim, nao apenas o principio da efetividade, como todos os demais principios processuais tem por base a construcao legislativa, doutrinaria e jurisprudential dos dois mais importantes postulados do direito moderno, que sao fundamento do proprio Estado Democratico de Direito: o due process of law e o acesso a justica.

Alguns doutrinadores pretendem determinar exatamente, de qual desses dois principios decorreria o subprincipio da efetividade - a expressao subprincipio aqui usada, conforme Didier Jr. (2010, v. 1, p. 32) explica, e apenas "uma tecnica de demonstrar em que posicao o principio esta em relacao com um outro principio".

Observe-se que, para Arenhart e Marinoni (2006), citados anteriormente, nao restam duvidas quanto ao fato de ser a efetividade uma especie de qualificacao dada pela moderna processualistica ao direito de acesso a justica. E o direito de acesso a uma ordem juridica efetiva.

Ja Didier Jr. (2010), cuja licao tambem foi oportunamente mencionada, acredita que o principio da efetividade juntamente com a boa fe processual e a adequacao sao corolarios do

due process of law.

Pois bem, nao e demais dizer que razao assiste a todos.

Na verdade, tanto a efetividade pode ser vislumbrada como um corolario do devido processo legal, ja que processo devido e processo efetivo; como tambem e certamente parte do atual conceito de acesso a justica, que vai alem do acesso aos orgaos do Poder Judiciario atingindo o direito a propria tutela jurisdicional, a qual nao sendo efetiva restara prejudicada.

Inegavel, no entanto, que enquanto o principio da efetividade junto ao due process of

law e apenas mais uma das garantias minimas que resguardam o processo devido, no que

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releitura do proprio principio da inafastabilidade da jurisdicao, observado agora a partir de uma otica social e economica.

Assentada essa questao, antes de qualquer coisa, e de se investigar a propria natureza de principio que a efetividade possui. E para tanto, cumpre perguntar: o que e um principio?

3.1 Conceitos Iniciais

Para responder a questao - o que e um principio? -, inicialmente, lanca-se mao de um conceito geral fornecido por Aurelio Buarque de Holanda Ferreira, em seu Mini Aurelio -Seculo X X I (2002, p. 557), que ve o principio como " 1 . Momento ou local ou trecho em que algo tem origem. 2. Causa primaria; origem. 3. Preceito; regra".

Acquaviva (2001, p. 555), por sua vez, preceitua quanto aos principios gerais de direito "que decorrem do proprio fundamento da legislacao positiva, que, embora nao se mostrando expressos, constituem os pressupostos logicos necessarios das normas legislativas" (grifo do autor).

Reali apud Pistori (2000, p. 42) enuncia:

[...] principios sao 'verdades fundantes', de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas tamtam por motivos de ordem pratica de carater operacional, isto e, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da praxis.

Deste modo, principio, do ponto de vista juridico, e o resultado de uma solucao reiterada que se repete na legislacao; e a ideia que informa, orienta e inspira a lei, de maneira a ser reconhecida como necessaria a validade em maior ou menor grau de todo o sistema.

Cabe aqui transcrever a precisa licao de Marinoni (2008, v. 1, p. 49):

[...] Enquanto as regras se esgotam em si mesmas, na medida em que descrevem o que se deve, nao se deve ou se pode fazer em determinadas situacOes, os principios sao constitutivos da ordem juridica, revelando os valores ou os criteYios que devem orientar a compreensao e a aplicacao das regras diante das situacoes concretas.

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A diferenciacao trazida aqui pelo autor, separando regras e principios, e sumamente importante para se compreender o tema do presente estudo e a ela retornar-se-a a posteriori. No momento, e de se prosseguir citando, por fim, o entendimento de Didier Jr. (2010, v. 1, p. 30) que se vale do pensamento de Humberto Avila sobre o assunto para dizer:

Principio e especie normative*. Trata-se de norma que estabelece um fim a ser atingido. Se essa especie normativa visa a um determinado "estado de coisas", e esse fim somente pode ser alcancado com determinados comportamentos, "esses comportamentos passam a constituir necessidades praticas sem cujos efeitos a progressiva promocao do fim nao se realiza". (grifo do autor).

Todos esses conceitos congregam-se para que se possa afirmar a natureza principiologica da efetividade, que vem sendo uma preocupacao constante da processualistica moderna.

Sobre o caso, diz Pistori (2000, p. 43) que "[...] a efetividade hoje e sinonimo de linha de atuacao, 'verdade fundante', regra de conduta e ate um postulado de perfeicao na busca do justo pelo exercicio jurisdicional. E isto a caracteriza como um principio [...]".

Desta feita, pode-se conceituar a efetividade como um principio fundamental cuja natureza de garantia processual-constitucional decorre de sua origem como corolario do devido processo legal e do acesso a justica.

O estudo desse principio da efetividade esta bastante em voga, dada a crise de legitimidade pela qual o Poder Judiciario tem passado. A busca pela efetividade e vista como uma especie de redentora de todo o sistema juridico processual, porque o seu conteudo que alcanca a tempestividade, a utilidade e a justa decisao, uma vez cumprido, e suficiente para satisfazer os jurisdicionados efetivamente, o que nao acontece, em grande parte dos casos, nos dias de hoje.

E mister lembrar, ainda, que juristas como Cappelletti, veem a efetividade a partir de propostas juridico-institucionais-processuais, que alcancam, alem dos aspectos citados acima, outros, de cunho social que precisam ser combatidos para que de fato o processo possa se mostrar efetivo; um exemplo seriam as desigualdades financeiras que impedem um justo embate no processo.

O grande mestre em seu Projeto Florenca desenvolvido na decada de 70 foi um dos primeiros a falar em efetividade da jurisdicao.

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Nao obstante, para uma melhor compreensao do principio da efetividade e da importancia que o mesmo goza atualmente, precisa-se relembrar sua origem, a qual se confunde com a evolucao da nocao de acesso a justica, conforme se ve adiante.

3.1.1 A evolucao do conceito de acesso a justica

A priori, cumpre frisar que durante o periodo da justica privada quando o homem

providenciava por si mesmo, a defesa de seus interesses, seja porque tratava-se de uma sociedade pre-estatal, seja porque o Estado rudimentar ainda nao tinha forcas para arregimentar para si o exercicio da jurisdicao, nao ha que se falar em acesso a justica; tal expressao so tem lugar com o advento do Estado Liberal, quando a autotutela e proibida, e ao Estado cabe o monopolio da jurisdicao.

Nesse momento historico, o acesso a justica surgiu como um direito natural do cidadao, que podia, portanto, provocar a jurisdicao. Sendo um direito natural, nao necessitava que o Estado criasse mecanismos que garantissem a sua satisfacao. Esse modelo conceitual era decorrencia da visao individualista dos direitos, que vigorava nos Estados Liberals dos seculos X V I I I e XIX.

Sobre os direitos naturais a Declaracao dos Direitos do Homem de 1789, citada por Araujo (2010, p. 25), explicava: "[...] assim, o exercicio dos direitos naturais do homem nao tem outros limites senao os que asseguram aos demais membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Esses limites somente a lei podera determinar."

Marinoni (2008, v. 1, p. 192) esclarece a respeito do direito de acao no Estado Liberal:

Os direitos fundamentals, a epoca do Estado liberal classico, eram vistos apenas como direitos de liberdade ou de defesa. Considerados atributos da pessoa humana, eram titularizados pelo individuo - compreendido como o cidadao "sem rosto", como ser abstrato e nao como pessoa de carne e osso -, tendo o objetivo de lhe dar a possibilidade de impedir a interferencia do Estado na sua esfera privada.

Portanto, nos Estados Liberais, garantia-se apenas o acesso formal a justica. Aqueles que tinham poder economico para fazer frente as despesas do processo e podiam lutar em juizo para ver respeitados os seus direitos, o faziam. Aos demais, cuja pobreza e

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desinformacao impediam de ter um acesso efetivo a justica, restava se consolarem a si mesmos. Durante esse periodo, conhecido como laissez-faire, o Estado nao fez nenhum movimento no sentido de transformar a igualdade formal, que tanto proclamavam, numa igualdade efetivamente garantida.

Destaca-se o que diz a respeito Filar (2010, p. 2):

Mais tarde, o conceito de acesso a Justica evoluiu com a passagem da concep?ao liberal para a concepcao social do Estado modemo. Ab initio, o Estado se limitava a declaracao formal dos direitos humanos, epoca esta em que vigorava o laissez-faire, no qual todos eram presumidos iguais, sendo que a ordem constitucional se limitava a criacSo de instrumentos de acesso a Justica. Nesse periodo, nao haveria preocupacao alguma com eficiencia e efetividade.

Apenas com os Estados Modernos, passou a existir um sentido real na expressao "acesso a justica". A partir deles, as sociedades pouco a pouco foram se distanciando da visao individualista de justica e os direitos sociais ganharam forca. A esse respeito dizem Arenhat e Marinoni (2006, p. 29):

E importante frisar, por^m, que os conflitos, atualmente, nao sao mais apenas individuals (entre Caio e Ticio). Os conflitos podem envolver direitos que dizem respeito a uma coletividade de pessoas (direito coletivo; por exemplo, direito dos estudantes de determinada escola a nao pagar uma mensalidade fixada em clausula abusiva) ou indeterminadamente a todas as pessoas (direito difuso; por exemplo, direito a higidez do meio ambiente).

Com o surgimento de situacoes de perigo ou de lesoes dessa natureza, as quais os citados autores chamam lesoes em massa, a atuacao positiva do Estado passou a ser determinante para a garantia da paz social atraves da realizacao dos direitos constitucionalmente assegurados, fossem eles de cunho individual ou coletivo.

No entanto, o ideal intervencionista do Estado Moderno provocou um tal crescimento das situacoes em que ele e chamado a intervir, que ocorreu um caos juridico. A maquina estatal inchou e nao consegue responder satisfatoriamente aos cidadaos que buscam a justica social.

Mais uma vez, o conceito de acesso a justica precisou ser revisado, para melhor atender aos cidadaos que, embora, tenham a possibilidade de chegar aos orgaos judiciarios

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nao tem deles recebido uma tutela jurisdicional efetiva, tempestiva e adequada. Sao muitas demandas, poucos juizes, muitos recursos, principios e garantias que pretendem promover a seguranca das relacoes juridicas, mas que acabam por fomentar uma tramitacao demorada e inefetiva da causa.

E o uso indevido desses principios, garantias e recursos processuais que findam por dificultar a fluidez do processo; porque se numa relacao processual controvertida, autor e reu tem os mesmos direitos processuais, apenas um deles, em regra, tem a titularidade do direito material em questao, e a esse, justamente, nao interessa a demora na tutela jurisdicional. Os mecanismos processuais que tambem sao conferidos aquele que nao e titular do direito material, em respeito ao principio da paridade de armas, se usados procrastinatoriamente, podem conduzir a inefetividade da tutela, que em ultima analise e uma injustica legal.

Por esta razao, a cada dia ganha mais vigor a ideia da efetividade dentro do conceito de acesso a justica, nos termos que adiante se descreve.

3.2 A efetividade na prestacao jurisdicional

Quando Mauro Cappelletti falou em efetividade processual, como resposta aos anseios sociais, de gozo de uma ordem juridica justa, o conceito de acesso a justica mudou de foco mais uma vez.

Cappelletti apud Araujo (2010, p. 41), diz que o direito de acesso a justica:

Tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importancia capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos sociais e" destituida de sentido, na ausencia de mecanismos para sua efetiva reinvindicacao. O acesso a justica pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental - o mais basico dos direitos humanos - de um sistema juridico moderno e igualitario que pretenda garantir, e nao apenas proclamar o direito de todos.

O direito de acesso a justica passou entao a agrupar, nao apenas a garantia de obter uma tutela jurisdicional, mas tambem a certeza de que essa tutela deve ser efetiva e tempestiva. Dizendo de outra forma, todo aquele que se sentir em perigo ou lesado num direito material que lhe seja juridicamente garantido, pode procurar o Poder Judiciario com o

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proposito de receber um posicionamento - favoravel ou nao ao seu interesse - acerca daquela situacao de conflito, num espaco de tempo razoavel.

E onde entraria a efetividade nesse conceito? E simples, para que a tutela jurisdicional prestada pelo Estado nao reste prejudicada; para que seja realmente util as partes e a propria sociedade, e necessario que o processo, atraves do qual se manifeste a jurisdicao, seja adequado, tempestivo, substancial e, nao sendo a decisao voluntariamente cumprida, executado de forma rapida e eficaz.

O principio da efetividade esta nessa caracteristica indispensavel ao processo, como atualmente ele e pensado - o processo mais celere, mais simples, menos formal, utilizado como instrumento de resolucao dos conflitos.

Didier Jr. (2010, v. 1, p. 67 e 68) parte da premissa de que o principio da efetividade em sentido estrito e aquele que "garante o direito fundamental a tutela executiva", ou seja, nao basta que se garanta o direito de acao, se, uma vez prestada a tutela, esta nao possua meios executivos capazes de dar efetividade a decisao, a sentenca.

Reforca essa ideia Marinoni (2008, v. 1, p. 216 e 217), quando diz que "[...] por efetiva tutela jurisdicional, deve-se entender a efetiva protecao do direito material, para a qual sao imprescindiveis a sentenca e o meio executivo adequados".

Nao ha duvida quanto a assertividade dessas licoes, mas o processo civil efetivo e muito mais abrangente do que isso. A efetividade, como pensada por Cappelletti e seus discipulos, esta mais voltada para o direito fundamental ao gozo de uma ordem juridica justa e efetiva, sendo o direito fundamental a tutela executiva apenas um de seus desdobramentos.

Na verdade, como expos Salvio de Figueiredo Teixeira, em conferencia proferida no " I I Congresso Nacional de Direito Processual Civil", ocorrido em Porto Alegre/RS, em

17.08.93:

[...] "efetividade", expressao multiforme e polivalente, de rico conteudo semantico nos contrafortes da ciencia juridica contemporanea e nas inquietacoes culturais de quantos convivem com o Direito Processual e buscam o seu aprimoramento, hoje tambem com marcante presenca no Direito Constitucional, especialmente ante a colocacao de que as normas constitucionais nao sao meramente programaticas. Aptidao, metodo, orientacao, postura juridica ou mesmo principio, tendo um pouco de cada um e em nenhum deles se confinando, o certo e que cada vez mais sua presenca se faz notar entre os pensadores e mais e mais se reclama sua incidencia como fator imprescindivel de um bom processo e de uma boa Justica.

(35)

Assim, a efetividade deve ser encarada como uma tendencia da moderna processualistica, que vem se engajando no sentido de promover um processo mais celere e com decisoes uteis e justas.

Essa tendencia abrange inclusive, a flexibilizacao do formalismo processual e a mitigacao de alguns principios processuais, em favor de um processo efetivo. Veja-se a respeito o que diz Damasceno (2007, p. 4):

A partir dessa perspectiva de analise e que se defende a supremacia da efetividade em detrimento do formalismo processual. E de inarredavel importancia que o direito processual e os profissionais do direito busquem priorizar celeridade e eficacia, inclusive com certa mitigacao do devido processo legal (pelo menos, visto sob o paradigma da perfeicao formal), da ampla defesa e da seguranca juridica (utilizada aqui em sua acepcao tradicional de realidade imutavel).

0 professor Maior apud Pistori (2000, p. 45), reforca o entendimento de que a efetividade deve ser alocada em um patamar superior ao formalismo:

[...] os objetivos dos estudos em busca da efetividade do processo sao bastante amplos. Compoem-se nao so da busca da celeridade, mas e, principalmente, do reforco da ideia de que os atos processuais devem ser eficazes para produzir resultados no mundo real. Para tanto, deve o processo estar apto a reproduzir essa realidade e impedir que qualquer rigorismo formalista obstrua tanto a investigacao da realidade quanto a presteza dos provimentos, ou seja, a sua utilidade.

Nao obstante, indaga-se: ate que ponto a efetividade da tutela deve sobrepor-se aos demais principios processuais, em especial ao formalismo que garante a seguranca juridica? Como se pode harmonizar esses principios, de modo que o jurisdicionado nao se veja desprovido de nenhum de seus direitos processuais?

Essa e uma das grandes questoes da problematica da efetividade processual, mas sua solucao nao guarda misterios. Conforme ja ficou assentado, a efetividade, entre outras acepcoes, e um principio de direito processual que orienta a jurisdicao no sentido de promover o gozo aos cidadaos de uma ordem juridica justa e efetiva. Sendo, pois, um principio implicito na Constituicao Federal, nao pode entrar em choque com nenhum outro principio do texto constitucional, ao contrario, todos os principios constitucionais, implicitos ou explicitos,

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devem se harmonizar e sua aplicacao devera ser feita em menor ou maior grau a depender de cada caso concreto.

Por isso e tao importante que a efetividade goze dessa natureza de principio constitucional fundamental. Nesse ponto, e de se retomar a licao do insigne mestre Luiz Guilherme Marinoni, em sua explicacao acerca da diferenca entre principios e regras, a qual ja foi citada em item precedente.

Observe-se que, na esteira do ensinamento esposado por Marinoni (2008, v. 1, p. 50), quando explicita essa diferenciacao, "[...] as regras contem determinacoes em um ambito fatico e juridicamente possivel, ao passo que os principios podem ser realizados em diferentes graus, consoante as possibilidades juridicas e faticas".

Assim, se numa determinada situacao fatica levada a juizo, o bom senso recomendar que a efetividade seja priorizada em face da seguranca juridica, isso nao implicara em que a seguranca juridica seja afastada, mas que seu conteudo podera ser mitigado numa proporcao razoavel, a fim de dar um provimento tempestivo e util a demanda.

Superado esse entrave, outros tantos existem que obstaculizam a realizacao de um Processo Civil mais efetivo, conforme se demonstrara a seguir.

3.2.1 Obstaculos a uma prestacao jurisdicional efetiva

0 direito e, por excelencia, formalista. O processo judicial, que e o meio atraves do qual o direito e aplicado ao caso concreto, e talvez ainda mais apegado as formas. Isso ocorre porque e preciso se assegurar de que todos os que venham a juizo tenham os mesmos direitos e deveres dentro do processo. E a igualdade ou paridade de armas que se garante como uma satisfacao do Estado aos particulares, em vista de sua ingerencia nos assuntos de interesse destes.

Assim, todos os principios que orientam o processo e todas as garantias de que ele se reveste (devido processo legal, duplo grau de jurisdicao, contraditorio e ampla defesa etc.) sao necessarios e indispensaveis para que o jurisdicionado se conforme de que o Estado intervenha em sua propriedade particular, em sua esfera de interesses, e sobre eles decida, inclusive, podendo julgar contrariamente a vontade do particular que dele se socorreu para tutelar seu direito.

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A interpretacao harmonica de todos os principios processuais, conforme se viu, e necessaria para que se garanta entre outras coisas, a justica das decisoes. Essa busca por justica, pela efetividade da tutela jurisdicional prestada, muitas vezes importa numa

flexibilizacao das formas que, para alguns, fere o principio da seguranca juridica. Nao obstante entender-se que a forma em menor ou maior grau e de inarredavel importancia para o desenrolar do processo, a amarra dogmatica que a ve como um extremo precisa ser desfeita, sob pena de o direito se perder na inutilidade de um sistema moroso, desacreditado, falido.

Premente e a critica do grande Dinamarco (2009, p. 20 e 21), a qual nao se pode deixar de transcreve-la:

As Reformas do Codigo de Processo Civil tiveram como objetivo central a aceleracao da tutela jurisdicional e, como postura metodologica predominante, a disposicao a liberar-se de poderosos dogmas plantados na cultura processualistica ocidental ao longo dos seculos. O exagerado conceitualismo que dominou a ciencia do processo a partir do seculo X I X e a intensa preocupacao garantistica que se avolumou na segunda metade do seculo X X haviam levado o processualista a uma profunda imersao em um mar de principios, de garantias tutelares e de dogmas que, concebidos para serem fatores de consistencia metodol6gica de uma ciencia, chegaram ao ponto de se transmudar em grilhSes de uma servidao perversa. Em nome dos elevados valores residentes nos principios do due process of law, acirraram-se formalismos que entravam a maquina e abriram-se flancos para a malicia e a chicana. Para preservar as garantias do juiz natural e do duplo grau de jurisdicao, levaram-se a extremos as regras tecnicas sobre a competencia. Nos,

doutrinadores e operadores do processo, temos a mente povoada de um sem-numero de preconceitos e dogmas supostamente irremoviveis que, em vez de iluminar o sistema, concorrem para uma Justica morosa e, as vezes, insensivel as realidades da vida e as angustias dos sujeitos em conflito.

Nao e por outra razao, senao por esses preconceitos e dogmas, que muitas das leis processuais que implementaram as recentemente reformas no "modo de ser" do processo civil brasileiro, sofreram grandes criticas, inclusive, sendo questionadas quanto a sua constitucionalidade.

Mas e na licao do proprio Dinamarco (2009, p. 16) que se firma o sentido de que mesmo essas resistencias sao valiosas para a consolidacao das mudancas propostas em prol da efetividade do processo, porque uma estrutura gigantesca como e a ordem juridica deve se movimentar de forma lenta e consistente, sob pena de se romper e dar lugar ao caos. O questionamento e a discussao das reformas, antes e apos serem elas implementadas, sao de grande valia, no entender do mestre, para que se evite idas e vindas dentro do direito - que

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