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Desafio de implementação do pluralismo de Caldwell à luz das contribuições de Lacey.

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA (UFSC) CENTRO SOCIOECONÔMICO

DEPARTAMENTO DE ECONOMIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

JOÃO VICTOR TARGINO FOZ

DESAFIOS DE IMPLEMENTAÇÃO DO PLURALISMO DE CALDWELL À LUZ DAS CONTRIBUIÇÕES DE LACEY

Florianópolis – SC 2019

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JOÃO VICTOR TARGINO FOZ

DESAFIOS DE IMPLEMENTAÇÃO DO PLURALISMO DE CALDWELL À LUZ DAS CONTRIBUIÇÕES DE LACEY

Monografia apresentada ao Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para obtenção de título de Bacharel em Ciências Econômicas.

Área de concentração: Economia.

Orientadora: Professora Doutora Brena Paula Magno Fernandez.

Florianópolis – SC 2019

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JOÃO VICTOR TARGINO FOZ

DESAFIOS DE IMPLEMENTAÇÃO DO PLURALISMO DE CALDWELL À LUZ DAS CONTRIBUIÇÕES DE LACEY

Este Trabalho Conclusão de Curso foi julgado adequado para obtenção do Título de Bacharel em Ciências Econômicas e aprovado com nota 10 em sua forma final pelo Curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Santa Catarina

Área de concentração: Economia.

Monografia aprovada em: 03 / 12 / 2019

___________________________________________________________ Professora Doutora Brena Paula Magno Fernandez

Presidente da Banca Examinadora (Orientadora)

___________________________________________________________ Professora Doutora Solange Regina Marin

1º Examinadora

___________________________________________________________ Professor Doutor Daniel de Santana Vasconcellos

2º Examinador

Florianópolis – SC 2019

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Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD F783d Foz, João Victor Targino

Desafios de implementação do pluralismo de Caldwell à luz das contribuições de Lacey / João Victor Targino Foz. – 2019. f.52

Monografia (Bacharelado) – Departamento de Economia e Relações Internacionais / Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2019.

Área de concentração: Economia.

Orientação: Professora Doutora Brena Paula Magno Fernandez 1.Economia. 2. Pluralismo metodológico de Caldwell. 3. Metodolo- gia econômica. 4.Bruce Caldwell. 5.Hugh Lacey I Fernandez, Brena Paula Magno, Orientadora. II. Título.

CDD 338.09 CDU 330.1

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AGRADECIMENTOS

À minha família, em especial à minha mãe Ana Carla, ao meu pai Jean Pierre e a Cristina, que estiveram comigo sempre e sempre.

À minha avó, cuja ajuda foi essencial na finalização desta monografia.

À minha orientadora, Brena Paula Magno Fernandez, que manteve total paciência frente à minha desorganização.

Ao seleto grupo de professores, os quais conseguiram marcar minha passagem pelo Curso de Economia da Universidade Federal de Santa Catarina.

Aos meus amigos, de dentro e de fora da Universidade, que em meio de tanto vai e vem, acabaram ficando ao meu lado.

Aos amigos do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA), que muito contribuíram para minha formação pessoal e profissional, além de tornar meus dias de bolsista mais alegres.

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It's long overdue I'm overpowered

As science struggles on to try to explain.

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RESUMO

O pluralismo de Bruce Caldwell constitui proposta epistemológica que visa superar o monismo neopositivista e viabilizar a proliferação de teorias na ciência econômica graças à aceitação de novos métodos de investigação científica. A economia, em sua condição de ciência, tem muito a ganhar com a proposta: novas abordagens tendem a trazer à tona problemas outrora desconsiderados pela ortodoxia. Assim, em consonância com o objetivo mais amplo – aprofundar o debate em torno da proposta da epistemologia pluralista na economia, segundo Caldwell e à luz das contribuições de Hugh Lacey – trata-se de ampla pesquisa bibliográfica, que objetiva coletar dados e informações essenciais em torno do objeto de estudo. Ademais, classifica-se como pesquisa qualitativa, no classifica-sentido de que classifica-se dispõe a analisar as particularidades e as experiências que cercam a temática, através de revisões críticas da bibliografia disponível sobre o tema. Em termos de resultados mais amplos, assegura-se que o pluralismo de Caldwell encontra problemas de aplicação, não considerados quando de sua formulação, os quais impedem sua adoção bem-sucedida. É imprescindível estudar as contribuições de filósofos e estudiosos do método, desde os mais canônicos da metodologia clássica, como Thomas Kuhn, até os mais contemporâneos, como Hugh Lacey, sempre com o intuito de esclarecer o escopo dos problemas encontrados na aplicação da proposta pluralista. Pode-se também iniciar um empreendimento da construção de uma nova proposta pluralista a partir da contribuição inicial de Caldwell e dos autores utilizados ao longo do trabalho.

Palavras-chave: Economia. Pluralismo metodológico de Caldwell. Metodologia econômica. Bruce Caldwell. Hugh Lacey.

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ABSTRACT

Bruce Caldwell's pluralism constitutes the epistemological proposal that wishes to overcome the neopositivist monism and allow the proliferation of theories in economic science thanks to the acceptation of new methods of scientific investigation. Economy, in its condition as a science, has much to gain with this proposal: new approaches tend to bring up problems formerly ignored by the mainstream. Thus, in consonance with the more ample objective of this work – an initial approach to develop the debate surrounding the pluralist epistemology in economic science, according to Bruce Caldwell and in the light of Hugh Lacey's contribution – consists in bibliographic research, with the objective of collecting data and essential information regarding the object of study. It is a qualitative research, in a sense that it proposes to analyze the particularities and the experiences surrounding the theme by critical revision of the available bibliography. In terms of results, it seems clear that Caldwell's pluralism encounters application problems, not considered in the author's initial formulation, which impede its successful implementation. In this context, it is indispensable to study the contributions of philosophers and methodologists, from the more canonical ones like Thomas Kuhn, to the more contemporary ones like Hugh Lacey, always with the objective of clarifying the scope of the problems encounters in the application of the pluralist proposal. One can also start the enterprise of the formulation of a new pluralist proposal from the bases of Caldwell and the authors used in this work.

Keywords: Economy. Caldwell's methodological pluralism. Economic methodology. Bruce Caldwell. Hugh Lacey

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SUMÁRIO

p. 1 INTRODUÇÃO 9 1.1 Problemática 9 1.2 Objetivos 11 1.2.1 Objetivo geral 11 1.2.2 Objetivos específicos 11 1.3 Justificativa 12 2 METODOLOGIA 14 3 REFERENCIAL TEÓRICO 16

3.1 Pluralismo metodológico em essência 16

3.2 Pluralismo metodológico na economia 17

3.3 Pluralismo metodológico de Bruce Caldwell 18

4 THOMAS KUHN: PRIMEIRO OBSTÁCULO PARA O PLURALISMO

METODOLÓGICO 22

4.1 Sobre Thomas Kuhn: breve introdução 22

4.2 Paradigma kuhniano 23

4.3 “Falácia do método único” 26

4.4 Valores cognitivos e novos problemas do pluralismo

metodológico 27

5 CONTRIBUIÇÕES DE HUGH LACEY AO PLURALISMO

METODOLÓGICO DE BRUCE CALDWELL 29

5.1 Ciência: neutralidade, imparcialidade e autonomia 29

5.2 Valores sociais e pluralismo 32

6 PLURALISMO DE BRUCE CALDWELL À LUZ DAS

CONTRIBUIÇÕES DE HUGH LACEY 37

6.1 Críticas e contribuições ao programa pluralista 37 6.2 Contribuições de Hugh Lacey para a defesa do pluralismo 39 6.2.1 A Proposta de Hugh Lacey como passo adiante de Thomas Kuhn e de

Bruce Caldwell 40

6.2.2 Adesão, discurso e amadurecimento da proposta de Hugh Lacey 41 6.2.3 Competição paradigmática e competição por recursos: o papel dos

valores sociais 42

6.2.4 Diálogo de surdos? Aceitação crítica dos valores para o

desenvolvimento da proposta pluralista 45

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 47

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De início, apresentam-se a problemática central do estudo, e, por conseguinte, os objetivos pretendidos – gerais e específicos – os quais, de uma forma ou de outra, estão respaldados por justificativas que referendam o estudo.

1.1 Problemática

Quando do estudo da metodologia nas ciências econômicas, o pesquisador enfrenta problemas um tanto quanto peculiares dessa disciplina científica. Grande parte – se não toda – literatura da metodologia científica canônica / clássica propõe-se a estudar a dinâmica das ciências naturais, em especial, os problemas na esfera da física. A pesquisa realizada só é considerada rigorosa, e, portanto, conquista o status de “científica” ou aceitável / confiável, caso siga as normas estabelecidas pelos cânones metodológicos estabelecidos nas ciências naturais.

Ao se universalizar a física como modelo para as demais ciências surgem entraves para o desenvolvimento do estudo científico de disciplinas que não se encaixam nos parâmetros idealizados de imparcialidade e de neutralidade, a exemplo da ciência econômica e das outras ciências sociais em geral. A este respeito, Hugh Lacey (1998, 1999), Pesquisador Sênior e Professor Emérito de Filosofia no Swarthmore College, em Swarthmore, Pensilvania, Estados Unidos (EUA), afirma que a imparcialidade sustenta que a aceitação de uma teoria como científica respalda-se unicamente e exclusivamente em relação ao nível que a referida teoria manifesta determinados valores cognitivos, independentemente de determinada perspectiva de valor. Em sua visão, no caso da neutralidade, uma teoria pode ser acatada não obstante a perspectiva de valor adotada pelos indivíduos praticantes da ciência. Isto é, a teoria pode ser colocada a serviço de distintas expectativas de valores, haja vista que a seleção de determinada teoria não advém de valores fundamentais dos indivíduos ou das coletividades.

Entre os problemas metodológicos enfrentados por economistas-pesquisadores, em termos amplos, está a definição dos procedimentos metodológicos corretos para a investigação na ciência econômica: que método devemos adotar? A resposta mais

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campo da Economia deveria adotar apenas o método hipotético-dedutivo, tal como o fazem os físicos, com frequência.

Diversos economistas, filósofos e cientistas sociais desenvolveram métodos e abordagens alternativas ao método hipotético-dedutivo preconizado pela ortodoxia metodológica. Como exemplo clássico pode ser citada a escola histórica alemã, que utilizava amplamente o método indutivo em seus trabalhos de pesquisa.

Paralelamente ao surgimento de novas abordagens e/ou de novos métodos, surge a questão: “entre esses métodos, qual será o correto?” Tal problemática é contemplada por Bruce Caldwell (2003) como o persistente problema da escolha do método, ao qual subjazem fortes conotações positivistas, principalmente, no que diz respeito ao monismo metodológico que o problema suscita nas ciências econômicas. Em outras palavras, Caldwell, historiador estadunidense de economia e docente de pesquisa em economia na Duke University, Durham, Estado da Carolina do Norte (EUA) dá um passo a mais ao caracterizar o problema da escolha do método correto como um problema em si.

A busca por um só método correto para direcionar a investigação científica na economia é reducionista e degenerativo. Afinal, como por descrito pelo teórico supracitado na versão original de sua publicação, a tradição filosófica do crescimento do conhecimento (Growth of knowledge tradition) há muito classificara um empreendimento que busca um único e prescritivo método científico universal como esforço inútil e infrutífero (CALDWELL, 2003).

Na versão original de seu texto “The case for pluralism”, em 1982, Caldwell menciona três grandes filósofos como integrantes do “Growth of knowledge tradition.” São eles: o norte-americano Thomas Samuel Kuhn; o húngaro Imre Lakatos e o austríaco Paul Karl Feyerabend. Tais pensadores e filósofos da tradição do crescimento do conhecimento reforçam a ciência como empreendimento dinâmico e sempre crescente, de tal forma que o processo de desenvolvimento científico não se resume à constante aplicação de um único método imutável.

O pluralismo de Caldwell, denominação adotada por Ana Maria Bianchi (1992) para nomear a proposta de Caldwell com vistas a um programa pluralista na economia, figura como proposta metodológica para a área. Busca estimular o debate entre as escolas de pensamento e reformular o papel do metodólogo na ciência econômica, o qual não deve se limitar a avaliar qual o “melhor método”, mas, sim, realizar a

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“reconstrução racional do conteúdo metodológico tanto dos escritos de metodólogos da economia quanto dos vários programas de pesquisa da disciplina” (CALDWELL, 2003, p. 245, tradução nossa).1

A proposta de Caldwell transcende os limites da metodologia. Configura-se como proposição de como os economistas devem agir e se portar num mundo onde diferentes teorias e teóricos podem interagir e intercambiar conhecimentos e visões de mundo. Na realidade, o pluralismo de Caldwell consiste em um esforço filosófico com forte ênfase na aplicabilidade prática, embora, paradoxalmente, mantenha problemas de aplicação: como efetivamente implementar o pluralismo metodológico na prática de uma profissão tão ampla como a de um economista? Assim sendo, a proposta pluralista, sem plano de implementação prática, constitui esforço escolástico e idealista. Mas, entraves que antes consistiam em impedimento para a aplicação da metodologia pluralista encontram um horizonte de solução a partir das contribuições de Hugh Lacey (1998, 1999, 2012). A contribuição do autor porém, não é final. Resta iniciar a estruturação de nova proposta pluralista condizente com o status quo das ciências econômicas nos dias atuais, em pleno século XXI. Como decorrência, a partir do conceito do pluralismo metodológico proposto por Bruce Caldwell, ainda em 1982, e à luz das contribuições de Hugh Lacey sobre a questão do pluralismo, o presente trabalho busca elencar os principais problemas de aplicação de um programa pluralista para a comunidade científica das ciências econômicas.

1.2 Objetivos

1.2.1 Objetivo geral

Aprofundar o debate em torno de um programa de pesquisa pluralista nas ciências econômicas por meio da proposta do pluralismo metodológico na economia, segundo Caldwell (2003) e à luz das contribuições e propostas de Lacey (1998, 1999, 2012).

1.2.2 Objetivos específicos

● Caracterizar o debate metodológico em torno do pluralismo de Caldwell.

1 Original: The starting point of methodological analysis is the rational reconstruction of the methodological content

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● Revisar a metodologia kuhniana para apreender como ela ajuda a definir e entender melhor o debate em torno do pluralismo metodológico.

● Sintetizar questões, como a adesão à proposta pelo cientista e a retórica da metodologia pluralista, enfatizando como o referencial teórico dos valores sociais na teoria de Hugh Lacey contribui para o avanço da proposta de Bruce Caldwell.

● Avaliar as possibilidades de adoção de uma metodologia pluralista para o economista.

● Identificar os primeiros passos para elaboração de um nova metodologia pluralista.

1.3 Justificativa

O pluralismo metodológico, tal como preconizado por Caldwell (2003), é uma proposta metodológico de ampla ambição: busca mudar tanto a relação do cientista e do metodólogo com a ciência econômica quanto sua relação com outros colegas de profissão. Porém, se, em termos ideais, o pluralismo metodológico aparenta ser solução quase perfeita para os problemas metodológicos que rondam o debate teórico na ciência econômica, desde seu primeiro arcabouço, ainda, em 1982, poucos avanços têm sido registrados quanto à implantação e à implementação do programa na comunidade científica da economia.

O estudo crítico da proposta pluralista é fundamental para compreensão efetiva da proposta em si e, em especial, sua viabilidade prática no mundo real. Questiona-se, então: o que impede (ou impediu até hoje) a implementação do pluralismo de Caldwell nas ciências econômicas? Quais são as dificuldades práticas para a adoção da referida proposta, dificuldades estas, que incluem também tanto os entraves de natureza política e ideológica quanto as dificuldades de arrecadação de fundos para o financiamento de pesquisas relativas à temática?

São respostas a tais questões que propomos esquadrinhar, até porque é pequena a quantidade de trabalhos acadêmicos em português sobre o assunto. Eis um tema pouco explorado, com muito a ser discutido e aprofundado. De fato, não é apenas um objeto de estudo pouco estudado no mundo acadêmico brasileiro, mas o pluralismo

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de Caldwell ou o pluralismo metodológico em geral consiste em proposta deveras importante no contexto atual tanto no âmbito do ensino das ciências econômicas no Brasil quanto na esfera política e econômica de crise e de reformas preconizadas como indispensáveis e incontestáveis para o paradigma dominante na Economia.

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2. METODOLOGIA

Em consonância com os objetivos enunciados, trata-se de ampla pesquisa bibliográfica, independentemente do suporte das fontes, da proposta pluralista formulada por Caldwell (1998,2003), apontando suas recomendações e seus principais pontos teóricos e práticos. Acrescentamos que a pesquisa bibliográfica objetiva coletar dados e informações essenciais para a construção da investigação proposta a partir de determinado tema. Como decorrência, classifica-se como pesquisa qualitativa, no sentido de que se dispõe a analisar as particularidades e as experiências que cercam a temática, através de revisões críticas da bibliografia disponível sobre o tema (MARCONI; LAKATOS, 2010).

A partir de então, é possível fazer uma revisão crítica da proposição, atualizando as discussões, tendo como foco central as dificuldades de sua implementação efetiva, com o intuito de contribuir com possíveis soluções ou para o avanço do pluralismo de Caldwell à luz das contribuições de Lacey. Quer dizer, ao tempo em que analisamos a bibliografia disponível sobre o tema, poderemos delinear uma possível oposição entre as recomendações normativas preconizadas por Caldwell (1998,2003) e por outros autores, ênfase para Lacey (1998, 1999, 2012).

Para a consecução dos objetivos, estudamos referenciais teóricos da metodologia clássica, em especial, os referenciados Kuhn (2017) e Lakatos (1979) e os trabalhos mais proeminentes sobre pluralismo metodológico, tanto na economia quanto em outras ciências, incorporando, naturalmente, além de Bruce Caldwell, Hugh Lacey e Feyerabend; Bianchi (1992, 2010) e outros autores, a exemplo de Borba (2013); Fernandez (2003,2006, 2011); e Garnett Jr. (2006).

Em se tratando do primeiro objetivo – caracterizar o debate metodológico em torno do pluralismo de Caldwell, analisamos a trajetória do pluralismo metodológico na economia, com origem em John Neville Keynes (1917) até seu desenvolvimento posterior em Caldwell (2003). O segundo objetivo – revisar a metodologia kuhniana para apreender como ela ajuda a definir e entender melhor o debate em torno do pluralismo metodológico – requer estudo da oposição entre as recomendações da proposta metodológica do pluralismo para a comunidade científica no campo da economia e a prática efetiva dos economistas, ou seja, como eles agem como profissionais e cientistas no dia a dia. A execução do terceiro objetivo – priorizar o referencial teórico dos valores sociais na teoria de Hugh Lacey para a proposição de

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Bruce Caldwell – demanda questionamentos envolvendo a compatibilidade da proposta pluralista para a comunidade científica das ciências econômicas, desde a pesquisa pura até o ensino da ciência econômica nas universidades.

A consecução dos últimos objetivos – avaliar as chances de adoção de uma metodologia pluralista para o economista e identificar os primeiros passos para a elaboração de nova metodologia pluralista – demanda o levantamento de conjecturas sobre os primeiros passos de implementação de uma metodologia pluralista na práxis do economista e no mundo acadêmico das ciências econômicas em geral. Como decorrência, trata-se de etapa do estudo que exige acurada revisão de literatura acerca das visões críticas da comunidade científica no Brasil deste século à luz dos argumentos apresentados pelo filósofo da ciência Hugh Lacey (1998, 1999, 2012).

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3. REFERENCIAL TEÓRICO

Este capítulo destina-se a dissertar sobre o pluralismo de Caldwell com argumentos e contra-argumentos que o acompanham, trazendo, a priori, sua essência, e, a posteriori, sua trajetória no universo da ciência econômica. Adiante, a ênfase recai, com força total, no pluralismo apregoado pelo professor, economista e historiador Bruce Caldwell.

3.1 Pluralismo metodológico em essência

O pluralismo metodológico, como idealizado por Bruce Caldwell (2003) extrapola o nível de corrente da metodologia econômica e se impõe como movimento acadêmico, social, profissional e político envolvendo os profissionais da ciência econômica. Anteriormente relegado a momentos de crise financeira e teórica, o pluralismo metodológico tem início com esse teórico. É ele quem assume os holofotes com uma proposição metodológica suficientemente forte para enfrentar a herança positivista que domina até então o campo acadêmico das ciências econômicas.

Caldwell (2003) prevê, desde a divulgação de seu trabalho, críticas pertinentes (ou não) que poderiam surgir à sua proposta e estas foram respondidas por ele mesmo em edições posteriores de seu trabalho inicial, com pertinência e sensatez. De início, dizia-se que o pluralismo metodológico levaria ao anarquismo metodológico, denominação utilizada para designar uma não metodologia apresentada por Feyerabend (2011) com o objetivo de potencializar a proliferação de teorias nas ciências. Trata-se, de fato, de uma pretensão diametralmente oposta ao positivismo, em que as estratégias materialistas são as únicas capazes de caracterizar uma pesquisa de qualidade e de credibilidade.

Posteriormente, acresce-se que a visão de Caldwell do papel do metodólogo na economia estaria equivocada, quando, ao se dirigir aos metodólogos, recomenda o abandono da busca pelo método perfeito, face ao monismo positivista deletério em que se fundamenta essa empreitada científica. Em linha oposta, sugere que o papel do especialista deve ser a “reconstrução racional do conteúdo metodológico tanto dos escritos de economistas metodólogos quanto dos vários programas de pesquisa dentro da disciplina” (CALDWELL, 2003, p. 245). E prossegue:

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A menos que uma visão metodológica específica seja persuasiva, sua existência, em geral, é inconsequente. A defesa de uma posição metodológica específica raramente convencerá as pessoas de fora até que existam exemplos relevantes dos benefícios advindos dessa visão. Somente depois que contribuições substanciais à teoria econômica forem comprovadas, os oponentes estarão prontos para discutir sobre a metodologia adequada (CALDWELL, 2003, p. 251)2.

Porém, há diversos pontos no pluralismo de Caldwell (2003) que não foram objeto de crítica rigorosa, ou, simplesmente, não foram discutidos com profundidade. Segundo ele próprio, “a crítica interna é a mais poderosa” (p. 250). Por esta razão, este trabalho adota uma revisão crítica da proposta pluralista de Caldwell, não com o objetivo de desconsiderá-la como movimento válido para a comunidade acadêmica das ciências econômicas, mas, visando atualizá-la para o contexto do debate metodológico contemporâneo nas ciências econômicas, com foco nos trabalhos apresentados no Brasil e na América Latina.

O objetivo deste capítulo é, fazer uma revisão bibliográfica da proposta de Caldwell, ressaltando sua importância para o momento de crise mundial que atinge nações e povos. Serão, levantados pontos não trabalhados ou pouco abordados por Caldwell acrescidos de observações alusivas ao programa pluralista em sua concepção original, com contribuições de outros autores, como Lacey (1998, 1999, 2012) e Bianchi (2010) para a discussão.

3.2 Pluralismo metodológico na economia

A corrente metodológica conhecida como pluralista possui histórico um tanto quanto singular na história da ciência econômica. Keynes (1917) foi um dos primeiros profissionais da área a abordar a questão. Sua primeira abordagem se deu num momento de forte discussão e polarização: a contenda do método (Methodensteit) entre a escola histórica alemã, defensora do método histórico com bases indutivistas; e a escola da economia clássica inglesa, adepta do método hipotético-dedutivo e apriorista.

O cerne desse primeiro debate (ou polêmica) abordado por Keynes (1917) caracterizou-se por uma polarização excessiva. Tanto os partidários da escola histórica

2 Original: Unless a particular methodological view is persuasive, its existence is usually inconsequential. And again,

the advocacy of a particular methodological position will rarely convince outsiders until substantive examples of the benefits of holding such a view also exist: only after substantive contributions to economic theory are made will opponents be ready to listen to discussions of methodology proper (CALDWELL, 2003, p. 251)

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alemã quanto os da escola clássica inglesa defendiam seu método como o único correto a ser adotado para os programas de pesquisa na economia. Um método não poderia aceitar a existência do outro.

Keynes (1917) tentou, tanto quanto possível, manter tom conciliatório, denunciando falhas argumentativas de ambas as escolas, ressaltando que os dois lados poderiam se beneficiar, pelo menos em parte, do desenvolvimento teórico promovido pelo outro. Buscou superar a retórica polarizada que permeava o debate entre as correntes teóricas e atestar que os métodos possuíam méritos e limitações, quer dizer, nenhum dos dois era (ou é) infalível. A habilidade do cientista estaria na combinação de ambos os métodos para superar as limitações individuais de cada um.

Para Bianchi (1992), as polêmicas sobre metodologia e hard sciences na economia, inevitavelmente, tendem a repetir tópicos antes abordados, de maneira repetitiva e, por conseguinte, improdutiva. A proposta pluralista, cerne do presente trabalho, repete alguns itens da polêmica liderada por Keynes (1917). Aliás, há muitas propostas denominadas de pluralistas, tanto no campo das ciências econômicas quanto nas ciências sociais em geral, confirmadas por Borba (2013), ao delinear panorama do conjunto de propostas pluralistas para as ciências econômicas, agrupando autores, como Dow (1997); Hands (1994); e Garnett (2006), não obstante nosso foco analítico se restringir à proposta de Bruce Caldwell e às suas críticas

3.3 Pluralismo metodológico de Bruce Caldwell

Em Caldwell (2003), a ideia do pluralismo metodológico começa a assumir forma e se torna, efetivamente, uma proposta metateórica para a ciência econômica. O autor agrupa um conjunto de posturas profissionais e metodológicas para que o ambiente acadêmico das ciências econômicas se torne efetivamente plural. E mais, formula sua proposta num período, quando o campo da metodologia econômica era fortemente influenciado pela metodologia do filósofo e professor austro-britânico Karl Raimund Popper, (BIANCHI, 1992), na qual metodólogos e economistas tendiam a refutar teorias “rivais” com o intuito de estabelecer seu programa de pesquisa como o correto. Nesse contexto, apenas um programa de pesquisa poderia estar certo. Os demais programas não adeptos dos métodos e dos valores apregoados pela ortodoxia não seriam considerados científicos.

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Buscando inspiração não apenas em Keynes (1917), mas também nos clássicos da tradição do crescimento do conhecimento (Growth of knowledge tradition), Caldwell denuncia o caráter quixotesco da busca pelo método ideal, além das fraquezas e das inconsistências da metodologia popperiana, em especial, quando aplicada à economia. Relembramos que para Popper (1972, 1975), a possibilidade de uma teoria ser refutada constituía o próprio cerne da natureza científica, ou seja, qualquer teoria só poderia ser considerada científica se falseável / se possível de ser provada falsa. É o que se nomeia de falseabilidade ou refutabilidade. Na realidade, considerado um dos maiores filósofos da ciência do século XX, Popper se tornou conhecido, exatamente, por essa rejeição das visões indutivistas clássicas sobre o método científico em favor do falsificacionismo. Paradoxalmente, o próprio teórico reconhecia que a falseabilidade teria problemas de aplicação quando executado de maneira muito estrita e, também, perderia força prescritiva, se adotado de maneira mais flexível.

O principal ponto de oposição do pluralismo metodológico (como Bruce Caldwell irá denominar sua proposta mais adiante) e a filosofia de influências positivistas é a consideração que se dá ao monismo. Enquanto correntes filosóficas influenciadas pelo positivismo visam chegar a um método único e universal, as correntes pluralistas reconhecem que a fecundidade de novas teorias e sua aceitação como correntes de pensamento válidas são essenciais para avanço e desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Consequentemente, Caldwell reconhece que as pretensões positivistas – como rigor matemático, previsibilidade etc. – não podem ser adequadamente adaptadas à ciência econômica. Tendo a corrente do pensamento positivista idealizado critérios e princípios inicialmente formulados para as ciências naturais, a economia falha ao tentar aderir a tais formulações: as previsões dos economistas não são precisas; testes de hipótese são de difícil execução pelo excesso de condições iniciais; as leis do universo econômico nem são universalmente aplicáveis nem tampouco infalíveis.

Diante dessas críticas às visões metodológicas de herança positivista, identificadas como fúteis ou deletérias para a comunidade de pesquisadores das ciências econômicas, Caldwell (2003) procura enfatizar uma das principais contribuições da tradição do crescimento do conhecimento para a ciência em geral. Prossegue afirmando que, na condição de fenômeno dinâmico, mutável, ininterrupto e imprevisível, a ciência não tem condições de manter crescimento linear e previsível. Seu sucessos impressionantes e, com frequência, inesperados, advêm não de

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procedimentos imutáveis e objetivos. Ao contrário. A história evolutiva da ciência envolve constância e alterações, conjecturas corajosas e criticismo rigoroso, ciência “normal” e crises revolucionárias. Para esse teórico, a fixação positivista ainda presente na ciência econômica relegou e relega, de forma brutal, a metade de um belo e complexo fenômeno, haja vista que a vida se mescla com a ciência e vice-versa.

O ponto de partida principal da proposta de Caldwell para um pluralismo metodológico é a aceitação de que inexiste método único universalmente aplicável para caracterizar teorias científicas, com a ressalva de que, em momento posterior, Lacey (1998, 1999) trabalha a definição de ciência ao elaborar uma proposta pluralista. A busca por um método único e infalível, como Caldwell (2003) insiste é quixotesca. Chega à conclusão ser essencial uma redefinição dos objetivos do metodólogo da economia, não mais como um “guardião da verdade” ou como “avaliador do status científico de teorias.” O metodólogo deve, em seus trabalhos, reconstruir racionalmente os princípios fundamentais das teorias econômicas e explicitar o conteúdo metodológico dos programas de pesquisa na economia, ou seja: deixar claro o método utilizado pelos pesquisadores, seus valores cognitivos e, eventualmente, suas ideologias.

O próximo passo é a “avaliação crítica do conteúdo metodológico revelado pela reconstrução racional” (CALDWELL, 2003 p. 246). Tal avaliação permite criticar a teoria não a partir de um outro programa de pesquisa, mas criticar uma teoria ou um programa de pesquisa em seus próprios termos, reforçando suas forças e suas limitações. A adoção da postura metodológica sugerida pelo teórico ora referendado propiciaria à comunidade científica da economia espaço para a proliferação de teorias e programas de pesquisa. Resumindo: teorias e programas de pesquisa descartados ou deixados de lado devido a posturas de origem positivista ou neopositivista teriam, a partir de então, espaço para se desenvolver legitimamente e de forma equânime. Dizendo de outra forma, a adoção da postura metodológica sugerida por Caldwell (2003) daria à comunidade científica da economia um espaço legítimo para a proliferação de teorias e programas de pesquisa.

Vale ressalvar que, neste ponto, Caldwell (2003) reconhece e se previne da crítica de que sua proposta levaria ao anarquismo metodológico defendido por Feyerabend (2011), como antes mencionado. O pluralismo não é uma proposta que advoga o “vale tudo”, mas defende o reconhecimento de que a discussão metodológica constitui, também, uma forma de persuasão. Ou seja: quando um método ou programa

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de pesquisa novo não for suficientemente convincente, ou enquanto o programa de pesquisa não gerar contribuições reais para a teoria econômica, Caldwell considera sua existência irrelevante. Isto significa dizer que o pluralismo permite a proliferação de teorias simultâneas (ou não). No entanto, por meio de críticas metodológicas das teorias em si, paulatinamente, descartam-se as correntes teóricas que falham em obter resultados empíricos e avanços teóricos.Caldwell também corrobora uma certa continuidade da metodologia proposta por Lakatos (1979).

Indo além, Caldwell (2003) conclui seu estudo ao reforçar o novo papel / a nova função dos metodólogos conforme sua proposta do pluralismo metodológico. Cabe ao metodólogo ao longo de sua atuação, em trabalhos, pesquisas, aulas, seminários e quaisquer outras atividades ou eventos, ressaltar que “[...] não há método perfeito para investigação da realidade social” (CALDWELL, 2003, p. 252) e, assim, promover o debate plural que permita a proliferação de novas teorias. Mesmo com essa afirmação, acrescenta que há sempre lugar para críticas em quaisquer programas de pesquisa. E é através da adoção dessa nova postura metodológica que é possível um ambiente científico mais transparente, com pesquisadores conscientes dos seus próprios limites e das limitações de seus programas de pesquisa, conduzindo à comunidade científica da ciência econômica a uma prática científica mais e mais plural e ética.

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4. THOMAS KUHN: PRIMEIRO OBSTÁCULO PARA O PLURALISMO

METODOLÓGICO

O quarto capítulo discute a posição teórica do norte-americano Thomas Kuhn como um dos entraves para a consolidação do pluralismo metodológico em geral e do pluralismo metodológico de Caldwell. Ocupando lugar de destaque, na prática, como a única proposta do pluralismo, é um tanto difícil entender porque não foi ela implementada prontamente. De início, pode parecer perfeita. Porém, quando colocada na prática efetiva da ciência econômica, o pluralismo metodológico soa, para alguns, a exemplo de Fernandez (2011) como sugestão romântica e, quiçá, próxima da utopia.

Dissertamos também sobre as dificuldades existentes na contraposição ou oposição entre a adoção de um único método (o método mais adequado) e o idealizado pluralismo metodológico trabalhado por Bruce Caldwell. De início, tratamos da quase impossibilidade de se manter um método unívoco tanto face às peculiaridades das áreas com suas múltiplas subáreas quanto às singularidades dos cientistas, como indivíduos e cidadãos com valores próprios. Mais adiante, discorremos sobre os valores cognitivos e novas questões que emergem frente ao pluralismo metodológico

4.1 Sobre Thomas Kuhn: breve introdução

Reiteramos, aqui, que o primeiro problema prático na adoção do pluralismo metodológico de Bruce Caldwell esbarra na elaboração de Kuhn (2017) sobre a ciência, os paradigmas e as revoluções científicas. Enquanto Caldwell (2003) chega a abordar Kuhn em diversas seções de seu trabalho, acaba ignorando algumas questões mais práticas da abordagem de Kuhn (2017), tais como, o caráter essencialmente social da ciência, ou melhor, a concepção da ciência como empreendimento social.

Logo no prefácio de sua obra clássica “A estrutura das revoluções científicas” (já na décima terceira edição), Kuhn (2017, p. 62) começa a semear críticas à metodologia científica e à própria imagem da ciência de seu tempo por meio de estudo sócio-histórico da ciência, Como decorrência, aspectos antes ignorados começam a ganhar destaque. Em sua opinião, “em primeiro lugar, ao menos na ordem de apresentação, está a insuficiência das diretrizes metodológicas para ditarem por si só, uma única conclusão substantiva para várias espécies de questões científicas.” E continua logo adiante: “as conclusões particulares a que ele [o cientista] chegar serão provavelmente

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determinadas por sua experiência prévia em outras áreas, por acidentes de sua investigação e por sua própria formação individual” (p. 63, grifo nosso).

Nessas passagens, vemos o porquê da crítica kuhniana ter causado tanto alvoroço na comunidade científica da época: em apenas seis linhas, ele conseguiu pôr em xeque boa parte da metodologia científica neopositivista então dominante. E essas afirmações começam a fazer mais sentido quando o autor introduz os conceitos de paradigma, de ciência normal e da chamada cegueira paradigmática.

4.2 Paradigma kuhniano

Em se tratando do paradigma, na concepção de Kuhn (2017, p. 281) é “[...] aquilo que os membros de uma comunidade compartilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que compartilham um paradigma.” É evidente numa leitura contextual e mais ampla que, para ele, inexiste a opção de pluralismo ou convivência pacífica entre múltiplos paradigmas. Estes competem entre si (ou melhor, os membros da comunidade científica concorrem entre si) para assegurar às suas teorias ou às suas escolas o status de paradigma. Tal conceituação consta do posfácio, quando o autor parece tentar corrigir as possíveis incongruências do significado por ele atribuído ao termo paradigma no texto original. Imprime, então, uma definição mais precisa à ambígua expressão em discussão, mas não consegue alterar, de maneira significativa, o sentido contido no texto original.

O paradigma é um sinal de maturidade na pesquisa científica de qualquer campo. Fornece os modelos a partir dos quais as tradições científicas se desenvolvem. Um partícipe de uma comunidade científica se torna efetivamente membro da mesma ao estudar e se adequar a determinado paradigma. Essa adesão lhe permite praticar a ciência normal e a dar continuidade à tradição de pesquisa subjacente a seu paradigma. Na visão kuhniana, um paradigma define o escopo de problemas ou questões relevantes para as diferentes comunidades de cientistas graças ao processo de educação e de acomodação do cientista ao paradigma:

[...] pode até mesmo afastar uma comunidade daqueles problemas sociais relevantes que não são redutíveis à forma de quebra-cabeças, pois não podem ser enunciados nos termos compatíveis com os instrumentos e conceitos proporcionados pelo paradigma (KUHN, 2017, p. 106).

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Um paradigma não apenas molda o que o cientista pode ver e considerar em suas pesquisas, mas também define o que deve desconsiderar ao realizar a atividade científica. Isto corresponde a afirmar que o paradigma assume a função tanto de definição quanto de restrição. O compromisso paradigmático proporciona ao cientista um conjunto normativo que lhe permite, através do escopo e das limitações do paradigma, estudar a natureza e o mundo, concentrando-se em problemas definidos pelas regras paradigmáticas.

Em seu celebrado ensaio, Kuhn (2017) reconhece que, ao longo da prática cientifica regular (ciência normal), o cientista, na ciência normal, não busca anomalias. Elas aparecem de maneira quase natural na solução de quebra-cabeças. E mais, o surgimento de anomalias não necessariamente leva a crises: um paradigma pode se adaptar e solucionar a anomalia emergente dentro de seu próprio escopo. Também, para esse controverso estudioso, não há como abandonar um paradigma sem haver outro para que se dê a conversão dos cientistas. Não há também como existir a prática científica sem um paradigma:

Os procedimentos e [as] aplicações do paradigma são tão necessários à ciência como as leis e teorias paradigmáticas – e têm os mesmos efeitos. Restringem inevitavelmente o campo fenomenológico acessível em qualquer momento da investigação científica (KUHN, 2017, p. 138). Restrição e especialização paradigmática levam o cientista a considerar apenas seu paradigma como critério de demarcação. Em ambientes monistas, o único paradigma existente, suas teorias e as práticas derivadas são o que definem a ciência. O cientista, treinado num ambiente dominado por determinado paradigma, possui, cada vez mais, no decorrer de sua prática profissional, dificuldades em visualizar outras práticas ou teorias como científicas: nutre crescente resistência à mudança de paradigmas. Para Kuhn (2017), no dia a dia do cientista, existe apenas a substituição de um paradigma por outro, no momento em que a comunidade científica perde a fé num paradigma e deposita suas apostas noutro. Em oposição, num ambiente pluralista, como o idealizado por Caldwell (2003), é possível a coexistência pacífica de diversos paradigmas, sem necessidade de crises paradigmáticas para que um novo modelo se instale.

É evidente que, diante do foco do objeto de estudo da monografia, não contemplaremos, aqui, os pormenores da psicologia social que levam o cientista a resistir às mudanças paradigmáticas. De qualquer forma, é inegável que o processo de

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ensino e educação sob um paradigma possui forte influência na “gestaltização”3 da percepção científica. E nessa linha de pensamento, ao longo de sua obra, Kuhn (2017) solidifica um problema não trivial num ambiente pluralista / multiparadigmático, antes já mencionado: a tendência de o cientista apreender seu paradigma como o único critério para definir a cientificidade de uma teoria. Ademais, há novo entrave frente à implementação do pluralismo metodológico, introduzido por Hugh Lacey (2012): a competição por recursos. Paradigmas e/ou seus adeptos não competem apenas pelo status de paradigma vigente, mas, também, para angariar recursos que assegurem a reprodução dos modelos.

Reiteramos que os cientistas tendem a limitar seu campo de visão àquele definido pelo paradigma. Debates entre escolas comumente degeneram-se em altercações entre surdos: “quando os paradigmas participam – e devem fazê-lo – de um debate sobre a escolha de um paradigma, seu papel é necessariamente circular. Cada grupo utiliza seu próprio paradigma para argumentar em favor desse mesmo paradigma (KUHN, 2017, p. 180).

De fato, não é difícil defender o pluralismo de Caldwell (2003), quando consideramos tão somente os pontos nos quais Kuhn (2017) define a incomensurabilidade dos paradigmas e a cegueira que estes tendem a incutir no cientista através da pedagogia do ensino científico. As ciências econômicas e seu estado atual podem ser, aqui, levadas em conta. Mesmo após uma infinidade de trabalhos de filosofia e metodologia denunciando o monismo como algo deletério e prejudicial à ciência econômica num prazo longo, os economistas-cientistas-pesquisadores continuam em competição paradigmática quase equivalente à corrida paradigmática kuhniana, como autores afirmam e reafirmam, à semelhança de Bianchi (2010); Caldwell (2003); e Garnett Jr. (2006).

Como Fernandez e Vieira (2006) asseguram, na economia, coexistem diversos paradigmas, situação não descartada por Kuhn (2017). O que acontece é que, no universo da ciência econômica, os paradigmas não deixam necessariamente de existir, quando substituídos por outro modelo dominante, como no caso da queda do keynesianismo e da ascensão do paradigma novo clássico. Ou seja, na economia, não se elimina um paradigma concorrente, mas se convence (por “n” meios) que certo

3 Gestalt, gestaltismo ou psicologia da forma consiste em doutrina da psicologia baseada na ideia da compreensão

da totalidade para que haja a percepção das partes. Gestalt é uma palavra de origem germânica, com uma tradução aproximada de “forma” ou “figura.”

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paradigma é superior e deve obter o status de paradigma dominante, como McCloskey (1983) discorre com propriedade.

A economia não é, porém, um ambiente pluralista como idealizado por Caldwell (2003). O paradigma dominante e seus adeptos continuam a propagar um discurso monista com domínio no território de congressos, currículos e editais. Consequentemente, um estudante de economia recém-ingressado no curso universitário terá a sensação de que o desenvolvimento pleno das ciências econômicas está destinado a alcançar o paradigma novo-clássico, devido ao poder de determinar boa parte da prática científica na economia atual, em território nacional.

Esse monismo – tanto no discurso quanto na filosofia de influência positivista e neopositivista – foi o principal ponto atacado por Caldwell (2003), ao introduzir o conceito de “falácia do método único.”

4.3 “Falácia do método único”

A denominada “falácia do método único” designa a caracterização dada por Caldwell (2003) para a busca quixotesca e positivista por um método único e infalível para todas as ciências, a tal ponto que consiste num dos principais pontos de sua argumentação para a defesa do pluralismo metodológico. Porém, ao reconhecer e aceitar a “falácia do método único”, surge novo problema: o da escolha do método, não para a comunidade científica em sua totalidade, mas para cada cientista individualmente. Afinal, o entrave não diz respeito à comunidade científica como um todo. O objetivo não é definir um método infalível e aplicável universalmente. O problema da escolha do método diz respeito ao pesquisador individual, participante de determinado campo científico, com a ressalva antes citada, de que o método per se não é algo independente e singular, e, sim, determinado por um paradigma científico.

Então, se não há método perfeito, qual método utilizar? Certamente, o teórico supracitado não tinha intenção de promover o anarquismo metodológico apregoado pelo austríaco Paul K. Feyerabend (2011). Como mencionado, Caldwell nunca escondeu certa aversão à presunção do autor da não metodologia: a proposta do pluralismo metodológico não busca apenas a infinita proliferação de teorias, mas também sua crítica profunda e metodológica. Em outras palavras, sem a existência de um único método correto e infalível para a ciência econômica, supera-se o discurso e a

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filosofia monista dominante na competição paradigmática, o que gera visível dificuldade na escolha do método de pesquisa.

A este respeito, Caldwell (2003) acresce que cada pesquisador tende a escolher seu método de pesquisa ou sua escola de pensamento tomando como referência seus valores cognitivos, conceito utilizado por Kuhn, no posfácio da segunda edição de “A estrutura das revoluções científicas”, obra canônica, posteriormente utilizada e ampliada também por Hugh Lacey em diversos trabalhos, anos 1998,1999, 2012.

4.4 Valores cognitivos e novos entraves ao pluralismo metodológico

Para Kuhn (2017, p. 289), os valores cognitivos ou valores epistêmicos amplamente compartilhados são parte do que denomina em seu posfácio e em trabalhos posteriores como matriz disciplinar. Em sua visão, é matriz, porque integra elementos ordenados de várias espécies, cada um deles exigindo uma determinação mais pormenorizada. É disciplinar, porque se refere a uma posse comum aos praticantes de uma disciplinar particular.

Para o estudioso em foco, os valores possuem importância singular para a comunidade científica, quando os membros dessa coletividade precisam identificar métodos, crises e soluções. Num ambiente pluralista, poderíamos expandir a colocação e argumentar que os valores cognitivos possuem importância singular para cada comunidade científica particular. Ainda segundo o estadunidense Thomas Samuel Kuhn, cujo trabalho privilegiou a história da ciência e a filosofia da ciência, os valores cognitivos –aqueles amplamente compartilhados pela comunidade dos cientistas – são: […] mais amplamente partilhados por diferentes comunidades do que as generalizações simbólicas ou modelos. Contribuem bastante para proporcionar aos especialistas em ciências naturais um sentimento de pertencerem a uma comunidade global. Embora nunca deixem de ter eficácia, a importância particular dos valores aparece quando os membros de uma comunidade determinada precisam identificar uma crise, ou mais tarde, escolher entre maneiras incompatíveis de praticar uma disciplina. Provavelmente os valores aos quais os cientistas aderem com mais intensidade são aqueles que dizem respeito a predições: devem ser acuradas; predições quantitativas são preferíveis à qualitativas, qualquer que seja a margem de erro permissível, deve ser respeitada regularmente numa área dada; e assim por diante (KUHN, 2017, p. 292).

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Os valores cognitivos ou epistêmicos por ele identificados são compartilhados pela comunidade científica, na acepção ampla que representa o grande conjunto de pesquisadores e cientistas que praticam a ciência e a pesquisa, sem separação por disciplina científica. Nesse meio tempo, ele não identifica os valores, de imediato, como pessoais ou baseados em crenças não científicas. Inicialmente, os valores cognitivos dizem respeito aos valores que o cientista considera relevantes para a ciência especificamente. Adiante, no mesmo trabalho, reconhece que podem haver “[...] outras espécies de valores – por exemplo, a ciência deve ou não ter uma utilidade social?” (KUHN, 2017, p. 293). E segue:

Em suma, embora os valores sejam amplamente compartilhados pelos cientistas e esse compromisso seja ao mesmo tempo profundo e constitutivo da ciência, algumas vezes, a aplicação dos valores é consideravelmente afetada pelos traços da personalidade individual e pela biografia que diferencia membros do grupo (KUHN, 2017, p. 293).

Pelo indicativo de Kuhn (2017), fica aberta a possibilidade de existência de influências externas às ciências, quais sejam, valores sociais ou pessoais, além de intervenções não triviais, desconsideradas até então pelos autores em geral e pelo mainstream da metodologia. O reconhecimento da existência e da interveniência de elementos alheios ao universo científico torna ainda mais difícil a defesa sustentada por Caldwell (2003), ao sintetizar sua proposta. Isto porque, a cegueira paradigmática dos cientistas deixa de ser o único entrave para sua implementação.

O problema agiganta-se: como garantir o pluralismo num ambiente infestado por valores exteriores à ciência? Aqui, no entanto, cabe uma digressão: tomar conhecimento de que o fato de existir fatores externos à ciência pode definir seus rumos não equivale a afirmar que devemos nos render ao irracionalismo ou deixarmos de defender a autonomia da ciência. E, de fato, a abordagem de Lacey (1998,1999, 2012) mostra que, não obstante a possível ascendência de valores externos à ciência ainda pode haver um modelo de escolha de teorias, e além disso, é viável formular um modelo pluralista de escolha de teorias.

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5.

CONTRIBUIÇÕES

DE

HUGH

LACEY

AO

PLURALISMO

METODOLÓGICO DE BRUCE CALDWELL

O presente capítulo trata das contribuições do Pesquisador Sênior e Professor de Filosofia, Hugh Lacey, ao pluralismo metodológico de Caldwell, a partir do momento em que analisa os valores sociais x pluralismo, explorando, com propriedade e pertinência, a neutralidade, autonomia e imparcialidade da ciência, e, por conseguinte, o conhecimento científico e a produção científica.

5.1 Ciência: neutralidade, imparcialidade e autonomia

A abordagem de Lacey (1998, 1999, 2012) dos valores da ciência quando sobre pluralismo e conhecimento tradicional contribuem de forma valiosa para defesa crítica do programa pluralista no campo da economia. A priori, põe em xeque o discurso da ausência de valores na ciência derivada do que ele chama de estratégias materialistas, terminologia por ele adotada para nomear a busca positivista de um único método, matemático, preciso e infalível para a consecução de previsões científicas. O objetivo das estratégias materialistas é “representar o mundo tal como ele é” (LACEY, 1998, p. 20), ao tempo em que esclarece que a justificativa para a adoção de tais estratagemas advém do sucesso de empreendimentos científicos e do desenvolvimento recente das inovações tecnológicas, mediante as quais o homem consegue, cada vez mais, dominar a natureza. Porém, a seu ver, nessa ambição, ocorre um paradoxo:

O objetivo é representar o mundo tal como ele é, independente (sic) das suas relações com os seres humanos, mas, para nós, a representação é apenas linguística ou simbólica, as representações são produtos humanos, construções históricas de práticas científicas, que empregam métodos também provenientes de nossa própria construção [...] Nossa experiência nunca é simplesmente “do mundo”, mas do mundo em interação conosco (LACEY, 1998, p. 20).

A concepção de que a ciência é um empreendimento autônomo e livre de valores não cognitivos, como defendido pelo materialismo científico, é colocada em xeque. De fato, esse teórico infere que não há:

[...] razões para aceitar que a pesquisa conduzida pelas estratégias materialistas produza um entendimento do mundo tal como ele é – em lugar disso, produz um entendimento do mundo sob a perspectiva do valor social de controle da natureza (LACEY, 1998, p. 30, grifo nosso).

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As estratégias materialistas, mencionadas ainda no item 3.1 alusivo ao pluralismo metodológico e à sua essência, não conseguem, mesmo com seu estrondoso sucesso no avanço de tecnologias e de métodos de controle da natureza, afirmar que os objetos de estudo são representados tais como eles são. Não há como garantir que os tais objetos avaliados pelas estratégias materialistas sejam representados de maneira absolutamente verdadeira ou livre de valores não cognitivos. Dizendo de outra forma, “[...] por um lado, o materialismo científico é capaz de explicar o sucesso da ciência, mas não pode explicar como a metodologia científica poderia produzir conhecimento do mundo tal como ele é.” (LACEY, 1998, p. 28).

Não havendo justificativa metafísica para afirmar que as estratégias materialistas conseguem reproduzir o mundo real de maneira perfeita, somos levados a crer que seu status científico vem do êxito em produzir tecnologias, moldando a natureza às vontades humanas. O conhecimento produzido por meio de estratégias materialistas é celebrado como verdadeiro e correto, porque produz um entendimento do mundo, segundo perspectiva de valor particular: o valor social de controle da natureza.

Aliás, esse controle não consiste em perspectiva neutra. A dominação do mundo natural é algo valorado por uma sociedade fundada na produção e na reprodução da vida material através da transformação da natureza pelo homem. Trata-se de uma perspectiva valorativa da relação do ser humano ante a natureza. A justificativa para a defesa das estratégias materialistas é em si uma justificativa valorativa. E, para Lacey (1998, p. 31), o valor atribuído ao controle da natureza aparece como neutro ou até natural, pois serve a “[...] perspectivas de valor e aos projetos morais que têm em alta estima o valor de ampliar nossa capacidade de controle da natureza.”

A tese geral da neutralidade da ciência, baseada nos pilares da imparcialidade e da autonomia científica – essenciais para a sustentação do materialismo científico e da concepção canônica da ciência moderna – está comprometida. Segundo Lacey (1998, 1999, 2012), a concepção de uma ciência livre / isenta de valores está fundamentada nas subteses de neutralidade, imparcialidade e autonomia da ciência no âmago da sociedade. A neutralidade atesta que uma teoria pode ser aceita independentemente da perspectiva de valor adotada pelos indivíduos praticantes da ciência, ou melhor, podem ser postas a serviço de qualquer expectativa de valores, haja vista que a escolha de uma teoria não decorre dos valores fundamentais que o indivíduo ou a

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sociedade mantém. Isto é, na ciência, segundo a tese da neutralidade, inexistem valores extracientíficos ou extracognitivos atuando nas teorias.

A imparcialidade, por sua vez, diz que a aceitação de uma teoria como científica sustenta-se unicamente e exclusivamente em relação ao nível em que a teoria manifesta determinados valores cognitivos, não importa se a teoria concorda ou se está a serviço de determinada perspectiva de valor. Afinal, para Lacey (1998, 1999, 2012), aceitar uma teoria é “subscrever que [tal teoria] seja incluída no estoque de conhecimentos ou de crenças racionalmente aceitáveis, ou ainda de itens que (segundo os cânones metodológicos disponíveis) não requerem investigações suplementares” (LACEY, 1998, p. 76), uma vez que pesquisas e estudos suplementares acarretariam replicações adicionais do que já fora replicado, às vezes, em muitas ocasiões.

Em se tratando da subtese da autonomia, as agendas de pesquisa da comunidade científica tendem a refletir tão somente os interesses dessa comunidade. Outras instituições não podem exercer pressão ou interferência para que os cientistas desenvolvam posturas ou interesses que não sejam da ciência em si, como Fernandez (2003, 2006) e Lacey (1998) argumentam.

Em suma, mesmo que a imparcialidade científica seja um ideal a ser perseguido, a ciência está, sim, contaminada por valores não cognitivos que alteram seu desenvolvimento. Ademais, a alegada imparcialidade não implica neutralidade. A aceitação de uma teoria como científica não significa considerá-la além ou aquém dos valores individuais e/ou sociais. Ainda sobre este tópico, ao argumentar como os valores de controle da natureza servem a determinado projeto valorativo, Lacey (1998, p. 32) vai além e afirma:

No momento atual, as práticas de controle da natureza estão nas mãos do neoliberalismo, e assim, servem a determinados valores e não a outros. Servem ao individualismo em vez de solidariedade; à propriedade particular e ao lucro em vez de aos bens sociais; ao mercado em vez de ao bem-estar social de todas as pessoas; à utilidade em vez de ao fortalecimento da pluralidade de valores; à liberdade individual e à eficácia econômica em vez de à libertação humana; aos interesses dos ricos em vez de aos direitos dos pobres; à democracia formal e vez de à democracia participativa; aos direitos civis e políticos sem qualquer relação dialética com os valores sociais, econômicos e culturais.

O controle da natureza como justificativa para a adoção de estratégias materialistas figura como argumentação permeada por valores determinados, que

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tendem a oprimir ou a desencorajar o incremento de outras estratégias de pesquisa ou de outros paradigmas, recorrendo-se, aqui, à terminologia kukniana. Diante do argumento de Lacey (1998), percebemos mais um problema não trivial na implementação do pluralismo: paradigmas e teorias que servem a determinadas perspectivas de valores tendem a ser mais aceitas de acordo com sua afinidade valorativa e com a aceitação dos valores sociais, políticos, econômicos e ideológicos dominantes em determinada época ou sociedade.

Reconhecer isto não significa, porém, afirmar que teorias atreladas a uma perspectiva de valor não possuem nível de cientificidade. O sucesso do avanço tecnológico expressivo ora vivenciado pela humanidade atesta que as teorias recentemente desenvolvidas possuem, no mínimo, certo alcance de verdade ou de cientificidade. Mesmo que o conhecimento científico não represente o mundo tal como ele é, como antes citado, parece ser bem-sucedido ao conseguir, pelo menos em parte, exercer controle sobre o mundo.

5.2 Valores sociais e pluralismo

Com suas pesquisas referentes aos valores sociais na ciência e em seu texto em defesa do conhecimento tradicional, Hugh Lacey (1998, 1999, 2012) fornece elementos valiosos para defesa crítica do pluralismo metodológico na economia. Em que pese o fato de ele utilizar as ciências biológicas, a biotecnologia e a agroecologia como pontos de partida para sua tese, sua argumentação é facilmente adaptável à economia e a outras ciências sociais.

Inicialmente deixados de lado na proposta pluralista formulada por Bruce Caldwell (2003), os valores são parte do núcleo argumentativo de Lacey. Para ele, o que é um valor? Enquanto analisa o que são valores (pessoais e sociais) num de seus trabalhos, ano 1998, o autor não traz, de fato, uma única solução definitiva para a pergunta. Após discorrer sobre os diversos significados de valor, procura demonstrar que o considerado, com frequência, como valor, não é algo intrinsecamente ou naturalmente subjetivo. Se assim fosse, não poderia haver alegação estruturada que priorizasse a tolerância, a qual figura como princípio explícito do pluralismo metodológico em detrimento da imposição autoritária de valores de determinado grupo. Isso levaria a questões éticas graves quando transportado para a teoria jurídica ou para a metodologia, por exemplo.

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Ainda para Lacey (1998), valores pessoais (desejo de primeira ordem visto com alta valia para a caracterização de uma vida subjetivamente realizada) não são absolutamente subjetivos. Eles se exprimem e se moldam, seja na psique ou na prática humana, em interação dialética com valores sociais não considerados ou desejados por certos sujeitos portadores de valores; e com outros valores sociais, os quais estão articulados nas tradições, ideologias, explicações sobre instituições e retóricas da liderança de uma sociedade. A escolha da estratégia ou do método para um projeto de pesquisa é inseparável dos fenômenos a serem estudados: os valores cognitivos, pessoais e sociais definem o escopo de análise do objeto e da realidade contextual / realidade social. Esclarecemos que a expressão – valores cognitivos – definem aqueles amplamente compartilhados pela comunidade dos cientistas. Eis um conceito introduzido inicialmente por Kuhn (2017) em seu posfácio e, posteriormente, adotado e refinado por Lacey (1998, 1999, 2012), que diz:

Os compromissos de valor e os compromissos metafísicos influenciam o que é considerado de interesse, e aqueles que adotam uma estratégia para moldar suas pesquisas podem fazer assim, em parte por causa de tais compromissos, embora estes não proporcionem boas razões para que esse tipo de estratégia seja adotado em todas as pesquisas científicas (LACEY, 2012, p. 428).

A ciência não é, na visão desse autor, um empreendimento independente, quase como algo sagrado para a tradição positivista, dos diversos complexos da vida social e de sua reprodução. Ampliando o conceito de ciência para pesquisa empírica sistemática (FERNANDEZ 2003), afastando-se da noção de pesquisa objetiva e avalorativa, legitima a prática de múltiplas abordagens e paradigmas. Distanciando-se dos limites rígidos impostos pela valorização apenas das estratégias materialistas, cria-se espaço também para a ciência econômica avançar no plano teórico, de maneira plural e mais ética.

Como dissemos antes, o reconhecimento de valores acarreta problemas práticos na aplicação do pluralismo metodológico, mesmo depois de todas as constatações positivas sobre sua influência teórica na metodologia. E é assim que um novo obstáculo para o pluralismo se estabelece: como garantir a existência de um ambiente pluralista na economia, quando teorias inseridas em determinada perspectiva de valor tendem a ser priorizadas pela academia ou por influências externas, a exemplo das agências de fomento que “comandam” a ciência?

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