I - HISTÓRICO
Em 24 de julho de 2015, o médico Dr. Abel Red submeteu Geena Blue a uma
mamoplastia redutora e em razão disso está sendo processado pelo Conselho Regional de
Medicina do Estado de São Paulo.
Em razão do falecimento de sua filha durante o ato cirúrgico a Srª Hilda Blue
apresentou denúncia contra o médico Dr. Abel Red, em razão de possíveis infringências aos
artigos 2
º, 29, 30, e 57 do Código de Ética Médica.
A denúncia foi aceita e o processo disciplinar após ser devidamente instruído
aguarda julgamento sem designação de data. Os últimos atos processuais foram as Alegações
Finais.
A denunciante Hilda Blue apresentou os seguintes argumentos por
oportunidade das alegações finais:
a) Da má avaliação das condições da paciente
A denunciante entende que houve ação negligente e imprudente do médico,
informando que ele não procedeu à avaliação cardiológica completa, colocando a vida da
paciente sob risco, tendo em vista tratar-se de cirurgia de grande porte.
Essa foi a opinião do Dr. Hugo Green em seu parecer (médico contratado pela
denunciante para avaliar o caso antes da denúncia), afirmando:
"a anamnese e avaliação clínica realmente existiram, porém para uma cirurgia considerada de médio porte para grande porte com previsão de longa duração, para uma paciente de 46 anos, fumante crônica, seria no mínimo de bom senso uma avaliação cardiológica completa, e uma avaliação pré-anestésica, o que não aconteceu".
b) Da quantidade de anestésico aplicado
A denunciante sugere a aplicação de quantidade incorreta de marcaína a gerar o
choque anafilático que acometeu a vítima.
Essa foi a opinião do Dr. Hugo Green em seu parecer:
“Discute-se, sim, a quantidade de anestésico aplicado. Conforme consta às folhas 53, temos a cópia da folha de gastos do centro cirúrgico do Hospital Saint Paul e depreende-se que foram utilizados depreende-seis frascos de maracaína (dodepreende-se total 600 mg) e um frasco de xylocaína (20 mg de lidocaína). Considerando o peso da paciente, sessenta e dois quilos, e a altura 1,70 m e a dose administrada dos anestésicos locais conclui-se que a paciente recebeu dose excessiva de maracaína, podendo ter sido o responsável pela apnéia e colapso circulatório.”
No mesmo sentido o Dr. Hugo Green destaca:
“.... às 15:15 horas chamada a anestesista Dra. Purple à Sala de Operação. A paciente encontrava-se agitada c/ sat. 02 nº 96%, queixando-se de dispnéia e desconforto abdominal. Estava em uso de CNF c/ 02 5I/min. Realizada sedação com 25 mg% de dolantina e 1 amp de Eucil ev e após 10 minutos a agitação se agravou aparecendo em seguida com sudorese e broncoespasmo clinicamente detectado ...’’
A denunciante entende que o depoimento do Dr. John Orange comprova tanto
o fato, como a hipótese do ocorrido, vejamos:
“(...) ficou com a opinião de que o quadro seria decorrente de um bronco espasmo, apresentado pela paciente ainda durante a cirurgia, com possível relação a um choque
anafilático, e que esta foi a sua interpretação do ocorrido” (Depoimento do Dr. John Orange, fls. 447)
c) Da necessidade de médico auxiliar
A denunciante entende que houve ação imprudente do médico, pela ausência
de médico auxiliar na cirúrgia, pois o denunciado submeteu a paciente à mamoplastia ajudado
por uma enfermeira e por uma instrumentadora, procedimento discutível em cirurgias de grande
porte.
Essa também foi a opinião do Dr. Hugo Green em seu parecer, afirmando:
"Também entende este Parecerista que em função de todas as determinantes que culminaram com o óbito da paciente, um auxiliar médico durante o ato operatório sem dúvida que poderia ter mudado o rumo desta triste história."
O denunciado Dr. Abel Red apresentou os seguintes argumentos por
oportunidade das alegações finais:
a) Da má avaliação das condições da paciente
O médico informou que tomou todas as cautelas necessárias para a realização
da cirurgia, conforme provam os documentos constantes do prontuário. Da mesma forma, a
qualificação da cirurgia como sendo de grande porte, não encontra suporte técnico por ser uma
mamoplastia redutora.
Nesse sentido foi o entendimento do Dr. Ivo Brown, anestesiologista contratado
pelo denunciado para avaliar o caso:
“Considere-se a imputação que nele se faz ao médico de ter sido negligente, por ter submetido uma paciente de 46 anos e tabagista, sem avaliação cardiológica completa, a uma cirurgia considerada de médio para grande porte com anestesia local (fls. 320 e 324).
Os exames pré-operatórios, chamados complementares (laboratoriais, radiológicos, cardiológicos etc.), como o próprio nome o indica, decorrem das informações colhidas pela história e pelo exame físico do paciente. Não se os requisita a esmo. Não fora assim e ter-se-ia de esgotar a investigação complementar em cada caso a ser submetido a uma cirurgia.
No caso, médico experiente consoante seu currículo, fls. 142 a 152, solicitou os exames que julgou indispensáveis e suficientes para a situação. E não foram poucos, fls. 167 a 173. A paciente não apresentava em sua história clínica queixas cardíacas e a parada cardíaca que veio a sofrer não teve origem em disfunção cardíaca primária, conforme o que reconhece o Parecerista contratado pela denunciante.”
b) Da quantidade de anestésico aplicado
Os depoimentos colhidos nos autos demonstraram de modo incontroverso que
nenhuma quantidade abusiva de anestésico foi ministrada, ao contrário, todos os depoimentos
confirmam que a dosagem foi correta, vejamos com nossos destaques grifados e em negrito:
“(...) se o depoente reconhece a anestesia regional em cirurgia de mamoplastia e se o mesmo a recomenda, responde que reconhece a técnica, e que a recomenda por ser de menor morbidade.”
(Depoimento do Dr. Pero Gold, fls. 449)
(...) responde que considera que a conduta tenha sido correta, assim como a quantidade de anestésico utilizado, também está correto, que esta conduta cirúrgica e anestésica tem sido bastante utilizado e que estão dentro dos padrões utilizados tecnicamente”
(Depoimento do Dr. Pero Gold, fls. 449)
(...) o mesmo repergunta como eram preparadas a solução de anestesia, responde que utiliza 60 ml de macaína 0,5%, diluída com 59 ml de soro fisiológico 0,9% e 1 ampola de adrenalina; Reperguntada se para a paciente foram utilizados 6 frascos de macaína, responde que não; questionada pelo Conselheiro Instrutor o porquê na conta hospitalar aparecerem 6 frascos de macaína, responde que não sabe, reafirmando que só utilizou 3 frascos.
(Depoimento da Sra. Cléo Pink, fls. 451).
Como se vê, não houve dose elevada de anestesia loco-regional e assim se infere
dos fatos.
Por outro lado, a alegação de intoxicação por excesso de marcaína, também não
merece prosperar diante das explicações do assistente técnico, Dr. Ivo Brown (fls. 170) vejamos:
Afaste-se, igualmente, a intoxicação por anestésicos locais, apontada pelo Dr. Parecerista, fls. 319, posto que esta intoxicação se exterioriza por sinais bem definidos – tremores, loquacidade, distúrbios da fonação, zumbido no ouvido, convulsões etc. – nenhum deles relatados nos autos (ANESTHESIA – edited by RONALD D. MILLER, CHURCHILL LIVINGSTONE, 1981, p. 582). E tal intoxicação não se pode inferir pelas folhas de anotação e faturamento de gastos de sala de cirurgia, como o fez o Dr. Parecerista, sabido que tais documentos são manipulados por atendentes de sala cirúrgica que devem prestar contas aos seus empregadores do estoque de medicamentos e materiais de uso nas cirurgias, pelo que incluem em determinadas relações material extraviado, ou por ter deixado de ser anotado em outras cirurgias, ou por quebra ou contaminação dos frascos, ou, ainda, por ter sido rejeitado pelo cirurgião em virtude de alteração da cor ou do aspecto do medicamento.
(...)
Está registrado no relatório dos médicos anestesistas de fls. 35 e 36 ou 154 e 155, que após cerca de 10 minutos da aplicação da medicação sedativa – Dolantina, 25 mg e Eucil, uma ampola por via endovenosa – a paciente apresentou um broncoespasmo exigindo as providências seguintes de submeter a paciente a intubação traqueal e respiração controlada mecânica sob anestesia geral., baldados que foram os esforços de debelá-lo com a medicação apropriada. – Aminofilina, Adrenalina, Cortizona.
Esta explicação ganha plausibilidade quando se tem certo que antes da medicação sedativa aplicada pela Dra. Purple a paciente, embora com desconforto, apresentava boa oxigenação de seu sangue, saturação de 96 % de sua hemoglobina (fls. 35 e 36 ou 154 e 155).
Observe-se agora, por oportuno, que os depoimentos indicam nessa direção.
Todos referem que antes da sedação a paciente encontrava-se bem, sem qualquer queixa, senão
o desconforto por posição. Vamos relembrar:
“(...) e ao se apresentar a sala, foi informado de que a paciente apresentava queixas de desconforto abdominal; refere que tal desconforto é comum nas pacientes que se submetem a mamoplastia, pela própria posição em que é colocada para a cirurgia, com esta avaliação decidiu pela utilização de dolantina em dose baixa (25 miligramas) e Eucil;”
(Depoimento da Dra. Ana Purple, fls. 442)
(...) que pelo fato da paciente apresentar desconforto abdominal, fora chamado pelo Dr. Red, o serviço de anestesia, sendo inicialmente atendido pela Dra. Purple e logo a seguir pelo depoente e pelo Dr. Renato”
“(...) que a cirurgia teve seu início por volta das 08:00 horas; que após mais ou menos 1 hora, teve falta de energia elétrica, sendo que os geradores foram acionados, porém com funcionamento precário; que se aguardou o restabelecimento da luz, por volta de 1 hora e 30, tendo então sido dado seqüência à cirurgia; que após este período a paciente passou a apresentar queixas de desconforto postural; questionada, respondeu que a paciente não apresentava queixas respiratórias, apenas as dores no corpo pela própria posição na mesa cirúrgica; (...) e que durante a anestesia loco-regional realizada pelo Dr. Abel Red, não apresentou queixas de dores, nem desconforto respiratório; refere que a paciente manteve-se consciente, durante todo o ato cirúrgico”. (Depoimento da Sra. Cely Grey fls. 445)
“(...) que durante o ato cirúrgico, antes da indução da anestesia geral, a paciente apresentou queixas de desconforto, com dores no corpo, relacionada esta queixa com o fato de ter havido falta de luz elétrica, durante a cirurgia e a demora no restabelecimento da mesma, fazendo com que o ato cirúrgico se prolongasse.”
(Depoimento da Sra. Cléo Pink, fls. 451).
Os depoimentos colacionados comprovam tanto o fato, como a hipótese do
ocorrido, vejamos também a opinião do Dr. John Orange:
“(...) ficou com a opinião de que o quadro seria decorrente de um bronco espasmo, apresentado pela paciente ainda durante a cirurgia, com possível relação a um choque anafilático, e que esta foi a sua interpretação do ocorrido”
(Depoimento do Dr. John Orange, fls. 447)
Como restou cabalmente demonstrado, a ingênua idéia de que poderiamos ter
no caso um choque decorrente do excesso de anestesia local não pode prosperar.
A fraca argumentação não se sustenta diante dos fatos relatados, da análise
técnica de dois profissionais da área, dos depoimentos e da experiência comprovada do
denunciado, que jamais poderia cometer um erro tão primário como errar na dose do anestésico.
c) Da necessidade de médico auxiliar
A necessidade de ter médico assistente ou não na cirurgia é decisão do médico
responsável pelo ato cirúrgico, pois o próprio Conselho Regional de Medicina, em parecer da lavra
do Conselheiro Fausto Júnior, já entendeu que tal obrigatoriedade deriva da avaliação do médico
cirurgião, senão vejamos:
"APARTICIPAÇÃO DO MÉDICO ASSISTENTE EM CIRURGIA É OBRIGATÓRIA? Processo consulta n. 1437-18/83, aprovado na 1102a. reunião plenária, realizada em 31.07.84. (...) A necessidade do auxílio de assistente médico, seja para procedimentos cirúrgicos ou para exames subsidiários deve ser sempre relacionada com a complexidade do caso. A simples codificação de cirurgias em grande, pequeno e médio porte atende frequentemente os aspectos adminstrativos, mas a necessidade do auxílio médico deve ser sempre determinada pelo médico responsável pelo ato cirúrgico.
Entendemos, respondendo aos quesitos, que a obrigatoriedade ou não da presença do médico assistente, deve ser determinada pelo cirurgião, que frente ao seu diagnóstico, a cirurgia proposta ao seu paciente, determinará a presença ou não de seus auxiliares médicos."
In, Ética Médica, n. 1, 1988, Conselho Regional de Medicina, pág. 53
Acrescente-se a tudo o que foi dito que o denunciado é médico experiente, que
conta com toda a habilidade e prática para realizar o bloqueio como pretendido e assim
confirmam tanto os depoimentos abaixo, como outros que indicavam que a paciente estava em
perfeito estado antes da sedação. Vejamos:
(...) já presenciou a realização do mesmo procedimento anestésico em outros pacientes, e desconhece que tenha havido algum problema com outros pacientes.”
(Depoimento da Sra. Cely Grey fls. 446)
(...) o mesmo (denunciado) repergunta desde quando a técnica anestésica utilizada nesta paciente é utilizada pelo Dr. Abel Red, respondeu que há aproximadamente 8 a 10 anos.”
(Depoimento da Sra. Cely Grey fls. 446)
“(...) que após este período a paciente passou a apresentar queixas de desconforto postural; questionada, respondeu que a paciente não apresentava queixas respiratórias, apenas as dores no corpo pela própria posição na mesa cirúrgica; (...) e que durante a anestesia loco-regional realizada pelo Dr. Abel Red, não apresentou queixas de dores, nem desconforto respiratório; refere que a paciente manteve-se consciente, durante todo o ato cirúrgico”. (Depoimento da Sra. Cely Grey fls. 445)