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A importância dos vínculos familiares para o desenvolvimento psíquico do sujeito

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL-UNIJUÍ

DHE-Departamento de Humanidades e Educação Curso de Psicologia

PATRÍCIA GEUSEMIN

A IMPORTÂNCIA DOS VÍNCULOS FAMILIARES PARA O DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO DO SUJEITO

Santa Rosa - RS 2015

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PATRÍCIA GEUSEMIN

A IMPORTÂNCIA DOS VÍNCULOS FAMILIARES PARA O DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO DO SUJEITO

Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado ao curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul-UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do título de Psicólogo.

ORIENTADORA: Angela Maria Schneider Drügg

Santa Rosa – RS 2015

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AGRADECIMENTOS

Quero agradecer primeiramente a minha família por acreditarem em mim e em especial aos meus pais, Alcedir Rude Geusemin e Marlete Denise Zeppe Geusemin, que sempre me apoiaram em todos os momentos e apostaram nos meus objetivos. Dedico essa vitória para vocês meus Heróis e obrigada por sempre estarem ao meu lado.

Agradeço também minha Professora Orientadora Angela Maria Schneider Drügg pelos ensinamentos, suporte e dedicação que concedeu-me.

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RESUMO

Realiza-se um estudo sobre as transformações da família na contemporaneidade e seus efeitos na subjetividade. Quando nascemos precisamos realizar nossas necessidades e satisfazer nossas vontades e quem nos auxilia nisso é o Outro. Precisamos do Outro para sobreviver. O pai e a mãe são quem sustentam o lugar da criança dentro da família. Esta serve de modelo e base para o sujeito. A criança é o espelho da família e irá transparecer e desenvolver tudo o que absorve nesse ambiente. A família deveria garantir um ambiente satisfatório para um bom desenvolvimento da criança, porém não é sempre assim que acontece. Com o passar dos anos observamos uma mudança no campo familiar e no lugar que a criança ocupava dentro deste. Em meio disso os vínculos acabam tornando-se cada vez mais frouxos podendo acarretar consequências no bom desenvolvimento da criança.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...5

1.A FAMÍLIA NA HISTÓRIA ...7

2.O LUGAR DA CRIANÇA NA CONTEMPORANEIDADE ...14

CONCLUSÃO ...26

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho de conclusão de curso possui como proposta desenvolver o tema da importância dos vínculos para a formação do psiquismo do sujeito dentro do contexto familiar, partindo da ideia de que o lugar que a criança ocupa hoje nesse ambiente foi se modificando com o decorrer dos anos, assim como os laços entre seus membros.

Observa-se que no decorrer dos tempos houve muitas mudanças na estrutura da família. Em função disso, é importante que o tema seja estudado para uma melhor compreensão das questões que acontecem dentro do âmbito familiar, juntamente com as mudanças que estamos vivendo no mundo de hoje e quais as consequências que isso pode acarretar no desenvolvimento psíquico das crianças que convivem nesses ambientes.

A importância de aumentar os conhecimentos em relação ao assunto, é justamente para compreender melhor esses movimentos, e de que maneira nós como profissionais da Psicologia podemos trabalhar com essas questões.

O motivo que moveu o desenvolvimento desse tema foi querer compreender os efeitos que uma possível não formação de vínculos pode causar nas crianças, e o que isso pode acarretar na subjetividade delas pensando no desenvolvimento psíquico da mesma. O surgimento da ideia de pesquisar sobre esse assunto partiu de observações que fiz de algumas situações que aconteceram com pessoas da minha convivência.

Para dar conta dessa questão, o trabalho foi dividido em dois capítulos que possui como principal referencial teórico os autores Phillipe Ariès, Elizabeth Roudinesco, Lacan, Winnicott. No primeiro capítulo foi desenvolvido um estudo sobre a história da família. Iniciamos situando como ela era constituída nos séculos passados e como foi modificando-se até os dias atuais, dando ênfase ao lugar da criança dentro da família que com as decorrentes mudanças também foi se movimentando. A família é considerada uma das instituições mais antigas e é por isso que as primeiras ligações afetivas são constituídas nesse meio, pois é nosso primeiro espaço de convivência. Ela deveria servir de modelo e suporte para a criança.

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No segundo capítulo, foi trabalhado como ocorre a formação de vínculos entre pais e filhos e o que isso acarreta no desenvolvimento do psiquismo da criança. Sabemos que é no âmbito familiar que as primeiras vinculações se realizam, e isso serve de base para um desenvolvimento saudável do bebê. A família serve como mediação da criança para o mundo. Quando isso não ocorre de uma maneira favorável o que pode se desencadear na criança? Que problemas podem surgir futuramente nelas? Percebe-se que dificuldades podem aparecer por causa de um fator que seria o enfraquecimento das funções parentais. A falta de autoridade dos pais acaba influenciando num aumento de imposições dos filhos sobre eles.

As primeiras relações vinculares do sujeito acontecem antes mesmo de seu nascimento. Quando ele nasce é que elas assumem uma maior proporção precisando dos cuidados que os pais têm a oferecer e é junto com esses cuidados que a formação dos vínculos acontece, sendo vital para o bom desenvolvimento do sujeito.

Observamos que com o decorrer dos tempos a família acabou sofrendo modificações. Antigamente o pai provedor saía para trabalhar, e a mãe ficava cuidando da casa, passando mais tempo com seus filhos. Hoje em dia, esses papéis, muitas vezes acabam se invertendo e no meio disso tudo está a criança tentando achar seu espaço. Parece que as funções materna e paterna estão ficando de lado dando espaço a um ritmo de vida corrido e ao individualismo. Esses são alguns dos motivos pelos quais os laços familiares podem acabar se enfraquecendo.

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1. A FAMÍLIA NA HISTÓRIA

Na obra Família em Desordem (1944), Elisabeth Roudinesco trabalha sobre a história da família e como ela foi construída até os dias de hoje. Para ela existe uma evolução na história da constituição da família fazendo que esta seja dividida em três períodos. Num primeiro momento ela era conhecida como a Família Tradicional e era formada apenas para fins lucrativos e transmissão do patrimônio e com finalidade de manter o nome e o dote da família com casamentos arranjados pelos seus pais nos quais quase nada era levado em conta, nem o amor, afetividade, carinho e respeito a não ser o dote. Nessa época prevalecia a monarquia tendo como autoridade máxima o Pai. Philippe Ariès (1975), no livro História Social da Criança e da Família afirma também que no século XV o que importava era manter a aparência da família. Nesta época a imagem da família estava mais presente na sociedade, porém, no social, o lugar da criança ainda permanecia mais oculto.

Quando começa a segunda fase, entre o século XVIII e meados do século XX, a família era conhecida como Moderna. Algumas transformações começam a acontecer como os casamentos que passaram a ser baseados no amor tamponando os desejos carnais deixando de lado aquela ideia de que o casamento servia apenas para aumentar o poder da família. Essa era a fase conhecida como romântica, pois o que prevalecia era o casamento por amor. Outra coisa que se modifica nessa fase é a divisão de trabalho entre marido e mulher. A esposa começa a ter mais autoridade dentro do casamento e deixa de ser submissa ao marido. É nesta fase que a função paterna começa a entrar em declínio fazendo com que seu poder e autoridade perdessem força. Ariès (1975) afirma que somente a partir do século XVI é que o personagem da criança começa entrar em cena. Não excluindo a ideia de que ela não era amada ou não era vista pela família, porém o lugar que ela ocupava na sociedade era quase invisível.

Nesta época a mulher e a criança aparecem nas pinturas e na sociedade ao lado do homem que não estava mais sozinho como há algum tempo atrás. Assim como a criança, a mulher também começa estar mais presente, juntamente com a família, ajudando seu marido tanto fora, no campo, assim como dentro de casa. Então é nesse momento que o sentimento de família começa a surgir assim como o sentimento de infância. Esse acontecimento é que diferencia a família moderna das

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famílias medievais. Com esse movimento que a criança provocou na família, os pais também se movimentaram em prol dela preocupando-se mais com sua educação, carreira e futuro. Mas, ainda não era ela que ocupava um lugar maior na família e sim o chefe, o pai.

Somente a partir dos anos 60 é que a família dita como Contemporânea ou Pós-moderna começa ser construída. Aqui todo aquele romantismo vai sendo substituído pelos casamentos baseados em relações intimas com realizações sexuais. Ideia esta quase contrária a da fase anterior. Para Ariès (1975), os casais não se formam somente por aquele amor idealizado, precioso ou como a autora mesmo diz, amor cortês. Continuando com Roudinesco (1944), para ela ao mesmo tempo em que o direito a escolha de seu parceiro foi crescendo, aumentaram também os divórcios, separações e recomposições conjugais resultando na família de hoje, com inversão de papeis, com pais perdendo autoridades deixando feridas e lembranças recalcadas. A individualidade ganhou mais força. Aquela família autoritária de antigamente está perdendo força e no meio disso tudo estão os filhos tentando encontrar seu lugar dentro dessa família atrapalhada.

Através desses dois autores podemos observar que desde a antiguidade até hoje a família vem sofrendo modificações. Não somente ela como um todo, mas também os sujeitos que a compõem como a mulher, o homem e a criança. As mulheres e as crianças não eram muito vistas, desde então, com o passar dos tempos foram criando-se forças fazendo com que a função do homem diminuísse. Segundo Ariès (1975), esses altos e baixos das capacidades do homem e da mulher ocorrem desde o século X onde a família possuía laços frouxos obrigando o pai a manter sua autoridade porque precisava manter a integridade do patrimônio e que por consequência a posição da mulher entrou em declínio. E assim segue nessas oscilações até os tempos atuais.

Ainda para esse autor, os laços sanguíneos constituem dois tipos de grupos distintos como a família ou mesnie como era chamada na época, que seria igualada a nossa família conjugal moderna, e a linhagem, que estendia sua solidariedade a todos os descendentes de um mesmo ancestral. Os progressos de uma provocariam o enfraquecimento da outra, ao menos entre a nobreza. A família ou mesnie entende-se como vários casais morando juntos, várias pessoas entende-sem uma mesma casa. O

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segundo grupo seria constituído pelas pessoas que se recusaram a morar com a família, esses eram chamados de frereche ou fraternistas. A frereche agrupava em torno dos pais os filhos que não tinham bens próprios, os sobrinhos ou os primos solteiros. Essa tendência à indivisão da família, que aliás não durava além de duas gerações, deu origem às teorias tradicionalistas do século XIX sobre a grande família patriarcal.

Com essas transformações e com o aparecimento mais frequente da criança a questão da educação também passa por mudanças. Roudinesco (1944) aponta que na Idade Média a educação das crianças era garantida pela aprendizagem junto aos adultos e não pela escola. Nas famílias com mais poder contratavam-se os chamados preceptores que eram pessoas voltadas para acompanhar e orientar a educação das crianças em casa ou se não, em torno dos seis ou sete anos, os pais as enviavam para a casa de outras famílias para receber os ensinamentos daquelas pessoas. Muitas crianças, depois de adultos, acabavam voltando para suas casas de origem, outras nem voltavam. Isso fazia com que a família não pudesse criar muitos vínculos com seus filhos, não significando que os pais não gostassem deles, pois o sentimento de preocupação estava sempre presente. A família era uma realidade moral e social. Para os mais ricos servia para honrar o nome e assegurar a transmissão da vida.

É dessa época em diante que os laços entre escola e família se estreitam cada vez mais. Essa substituição faz com que ocorra uma aproximação da família com a criança porque ela passa há ficar mais tempo com os pais. Porém, no começo ainda as crianças tinham que sair de casa, pois as escolas eram longe fazendo com que os pais do século XVII se questionassem se era vantagem mesmo mandar seus filhos para tão longe estudar. É a partir deste momento que podemos observar uma preocupação e uma movimentação maior em torno da criança. Ela passa a não ocupar mais somente um espaço dentro da casa e sim a ser colocada junto da família.

Essa evolução da família medieval para a família moderna durante muito tempo se limitou apenas aos nobres, aos burgueses, aos artesões e aos lavradores ricos, ou seja, para a alta elite. Já para a população mais pobre do século XIX e que por sinal era de maior proporção, as crianças ainda eram obrigadas a ficar afastadas da casa dos pais. Naquela época não existia um sentimento de formar uma família, uma casa. Foi a partir do século XVIII que esse sentimento foi se espalhando, estendendo-se cada vez mais para outras camadas sociais. Na Inglaterra, no fim do século XVIII,

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foram observados progressos da vida familiar. Os trabalhadores agrícolas deixaram de morar na casa de seus patrões para se instalarem em casas próprias. Esse espaço contribuiu para que a casa delimita-se apenas para a família.

Ariès (1975) afirma que até o século XVII os indivíduos tinham suas vidas vividas em público. A sociedade era muito invasiva tanto na reorganização da casa, como nos costumes, e isso fazia com que as pessoas não conseguissem ter intimidade. Muitas vezes os empregados acabavam morando na mesma casa de seus patrões. Com o passar do tempo este contexto foi se modificando e a família foi reduzida aos pais e às crianças, da qual se excluíam os criados, os clientes e os amigos. A família moderna, assim, separa-se do mundo e opõe à sociedade o grupo solitário dos pais e filhos. Toda a energia do grupo é consumida da promoção nas crianças, cada uma em particular, e sem nenhuma ambição coletiva: as crianças passaram a ser mais importantes do que a família.

Outra coisa que podemos observar e que também mudou refere-se as formas de tratamento que as pessoas tinham umas com as outra. Antigamente era tudo muito regrado, deveria se chamar uma mulher de Madame, de Senhora ou Senhorita. Os filhos recebiam apelidos carinhosos assim como eles nomeavam seus pais também de maneira afetiva para diferenciar de uma pessoa mais distante de seus convívios. O respeito que existia antigamente foi se perdendo com o passar do tempo.

A mais antiga de todas as sociedades e a única natural, é a família. Ainda hoje os filhos não ficam ligados ao pai se não ao tempo que precisam dele para se preservarem a si próprios. Mal cessa essa necessidade, o laço natural se desmancha. Os filhos, isentos de obediência que deviam ao pai, o pai, isento dos cuidados que devia aos filhos, ingressam todos igualmente na independência. Embora continuem unidos, não é mais naturalmente, é voluntariamente, e a própria família só se mantém por convenção... A família é portanto, se quisermos, o primeiro modelo das sociedades políticas, o chefe é a imagem do pai, o povo é imagem dos filhos, e todos, tendo nascido iguais e livres, não alienam sua liberdade se não por necessidade pessoal (ROUDINESCO, 1944, p. 31).

Em torno disso, sabemos que a família serve de modelo para os filhos. Assim como os filhos se moldam dentro da família, ela também deveria se moldar para os filhos. Roudinesco (1944) diz que em meio a essa evolução, surgem os métodos contraceptivos. Antigamente isso não era muito bem visto porque o ato sexual deveria ser somente por amor e para procriar, então não havia necessidade de evitar a

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gravidez. Por isso havia aquelas famílias com vários filhos, muitos não eram planejados e chegavam num momento em que o casamento não ia muito bem. Alguns pais depositavam na criança toda esperança de que talvez aquele bebê pudesse melhorar o clima da casa. Isso permanece até os dias de hoje, o que leva a colocação das questões: mas e se o clima da casa não melhorar como que vai ser a relação pai-mãe-filho? Será que vai ser saudável esse convívio? Existem também aqueles casais que desejam ter filho e iniciam um movimento em prol da criança e começam a exercer suas funções de pai e mãe muito antes da criança nascer.

Esse direito de escolha em ter ou não um filho acaba abrindo espaço para a individualização da família. Ariès (1975) aponta também que um dos motivos para que isso ocorra são as próprias mudanças na estrutura da casa na qual cada sujeito tem o seu espaço e sua privacidade. Todas essas mudanças fazem com que muitos pais não consigam repassar os valores para seus filhos e acabem se perdendo na criação deles sendo que isso deveria ser ao contrário, pois os pais deveriam ser a base para suas crianças.

A família é uma das instituições mais antigas e é através dela que a criança forma suas primeiras ligações afetivas, pois é o primeiro espaço de convivência dela. É aqui que ocorrem os primeiros cuidados com o bebê. A família serve de suporte e modelo para criança. É nesse âmbito que os primeiros laços se realizam, no qual estes possuem uma grande intensidade emocional.

A Família como expressão máxima da vida privada é lugar da intimidade, construção de sentidos e expressão de sentimentos, onde se exterioriza o sofrimento psíquico que a vida de todos nós põe e repõe. É percebida como nicho afetivo e de relações necessárias à socialização dos indivíduos, que assim desenvolvem o sentido de pertença a um campo relacional iniciador de relações excludentes na própria vida em sociedade. É um campo de mediação imperdível (COSTA, 2003, p. 271).

Os primeiros anos de vida de uma criança decorrem no seio da família, na qual as relações possuem uma grande intensidade emocional. O circuito familiar formado atualmente por poucas pessoas implica na manutenção de vínculos muitos íntimos, entre os quais salientamos a relação afetiva que se estabelece entre um bebê e as pessoas que tratam dele. Desta relação nasce a possibilidade dos pais servirem de modelo desde os primeiros meses de vida e esse contato é crucial, uma vez que é

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nele que se estabelece o futuro desenvolvimento afetivo social e por ultimo, a construção da personalidade.

Para Lacan (1938), a família tem como função garantir a sobrevivência do sujeito e tem como objetivo transmitir a cultura, justificando a existência do sujeito e da família enquanto instituição. Para ele isso garantiria um processo de desenvolvimento psíquico adequado. Ele aponta também que as famílias do passado organizavam os laços em torno da lei e dos maiores símbolos e tudo era padronizado por isso eles tinham uma ideia do futuro. Atualmente o padrão de família está se modificando com casamentos homossexuais, separações cada vez mais frequentes.

Como passar dos séculos houve um aumento das tecnologias colocando em risco o tradicionalismo das famílias. Como já mencionado, a mulher ficava em casa cuidando dos filhos e do lar enquanto o homem saia em busca de trabalho. Hoje isso não é mais assim, a mulher também possui um espaço maior no meio social e é mais vista do que antigamente. Isso provocou uma inversão nos papeis dentro de casa porque com a saída da mulher, o homem teve que se fazer mais presente no lar. Roudinesco (1944) afirma que com essas mudanças sua autoridade dentro de casa diminuiu.

Para o autor Anthony Giddens (2002), o que faz modificar a estrutura familiar na contemporaneidade, através de novos laços familiares, são a velocidade das transformações das tecnologias e as mudanças no campo eletrônico e virtual e isso produz um impacto muito grande nos sujeitos, pois ele sofre os efeitos dessas mudanças porque percebe sua família se fragmentando cada vez mais e vê que aqueles valores, hábitos e as regras daquela família tradicional também estão se modificando.

Antigamente o pai tinha poder absoluto sobre os filhos e a mulher e ocupava um espaço maior dentro da família. Observa-se que a figura paterna na contemporaneidade está sofrendo transformações e com isso sofre um processo de declínio da sua imagem, devido essas modificações. Lacan, no livro Complexos Familiares (1938) afirma que essa imagem internalizada da figura paterna é de ordem simbólica independente da real presença ou ausência do pai. Sua função é promover na criança a identidade dela.

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Segundo Ariès (1975), as mudanças em relação ao sentimento de infância somente começam a ocorrer a partir do século XVII. Há muitos casos também em que os pais acabam se colocando no lugar de filhos e os filhos impondo algumas situações. Entretanto, nem sempre, quando existe uma mãe e um pai que vivem juntos significa que eles farão suas funções. Também ocorrem situações de famílias monoparentais nas quais a mãe ou o pai vivem separados e eles conseguem fazer função.

Com todas as mudanças que vem ocorrendo no convívio familiar colocam-se em questão quais referências as crianças da contemporaneidade estão tendo de seus pais e de suas famílias.

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2. O LUGAR DA CRIANÇA NA CONTEMPORANEIDADE

Como foi abordado no primeiro capítulo, a família é uma das instituições mais antigas e é através dela que a criança forma suas primeiras ligações afetivas, pois é o primeiro espaço de convivência, intimidade e desenvolvimento dela. É aqui que ocorrem os primeiros cuidados com o bebê. A família serve de suporte para criança. É nesse âmbito que os laços se realizam, no qual estes possuem uma grande intensidade emocional, pois, são a base do desenvolvimento saudável do bebê. A família serve como mediação da criança para o mundo.

Em seu livro Tudo Começa em Casa, Winnicott (1986) afirma que o desenvolvimento de uma criança, especialmente nos primeiros meses de vida, depende de um suprimento ambiental satisfatório. Pode-se dizer então que este facilita as várias tendências individuais herdadas, de tal forma que o desenvolvimento ocorra de acordo com elas. Sendo assim, para Winnicott (ibid., p. 11), “num ambiente que propicia um ‘segurar’ satisfatório, o bebê é capaz de realizar o desenvolvimento pessoal de acordo com suas tendências herdadas. O resultado é uma continuidade da existência, que se transforma num senso de existir”.

O processo maturacional impulsiona o bebê a relacionar-se com objetos; no entanto, isso só pode ocorrer efetivamente quando o mundo é apresentado ao bebê de modo satisfatório. A mãe que consegue funcionar como um agente adaptativo apresenta o mundo de forma a que o bebê comece com um suprimento da experiência de onipotência, que constitui o alicerce apropriado para que ele, depois, entre em acordo com o principio da realidade (WINNICOTT, 1999, p.13).

Para o autor o meio satisfatório começa com um alto grau de adaptação às necessidades individuais da criança. E quem proporciona essa primeira adaptação às necessidades do bebê é uma mãe. Geralmente a mãe é capaz de provê-lo, por causa do estado especial em que ele se encontra. Winnicott denomina isso de “preocupação materna primária”. A adaptação e dependência vão diminuindo de acordo com a crescente necessidade que o bebê tem de experimentar reações à frustração. A mãe saudável pode retardar sua função ao não conseguir se adaptar até que o bebê tenha se tornado capaz de reagir com raiva, em vez de ficar traumatizado pelas incapacidades da mãe.

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A imbricação entre pais e filhos vai muito além da realidade de sua presença. Pela condição de dependência geral em que o bebê vem ao mundo, cabe ao desejo dos pais um lugar fundamental, tanto na constituição como na sustentação de sua vida concreta e simbólica (MOLLOY, 2008, p. 91).

A criança, antes mesmo de nascer, já ocupa um lugar e quem a convoca para esse espaço é o Outro, ou seja, os pais. A criança ao nascer é considerada um organismo sem nenhuma significação, uma carne, que sozinha não consegue manter-se. Sendo assim, encontrará suas possibilidades de existência no discurso do Outro, pois são esses que representam o bebê, inscrevendo-se na cadeia de significantes e são essas marcas simbólicas que vão constituindo o sujeito. Lacan (1999) chama de Outro Primordial aquele que cuida e as atribuições de sentido que transmite em seu discurso respondem pela humanização do bebê e são peças-chave na constituição de muitas de suas funções.

Quando a criança nasce ela não é nada e precisa de alguém que lhe dê referências, significantes, que se fazem presentes tanto a nível consciente como inconsciente, com o intuito de representar e determinar o sujeito. Essas marcas se inscrevem no psiquismo do sujeito e o constituem.

A constituição do sujeito implica a assunção de uma dívida face ao outro, sem o qual o sujeito não teria condições de existir. De fato, se o sujeito não é a causa de si mesmo e apenas pode advir a partir do outro, sendo um conjunto de identificações, então a constituição do sujeito implica o estabelecimento de uma dívida inefável com as potências que lhe oferecem as possibilidades de ser produzido (BIRMAN, 1997, p. 33).

Leda Mariza Fischer Bernardino e Maria Cristina Machado Kupfer escrevem num artigo publicado na revista Mal-Estar Subjetividade (2008), que é nos significantes do Outro que a criança se agarra, produzindo e construindo seu próprio Eu através destes. Com isso, o bebê vai criando seu próprio modo de se relacionar com o mundo. A família possui um discurso muito rico em significantes. É ela quem determina qual é o lugar da criança dentro desse ambiente. Quando isso não é apresentado de uma maneira adequada para a criança, ela poderá ter dificuldades em seu desenvolvimento inclusive com grande risco de problemas estruturais, assim como alguns sintomas clínicos e dificuldades em relacionar-se com social. Segundo Freud (1925-1926), o sintoma é uma revelação, uma mensagem cifrada que diz

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respeito ao desejo relativo da criança dentro da estrutura familiar que a cerca e a constitui, porém só pode ser considerado sintoma aquilo que perturba a própria pessoa.

Pode-se observar que quando existe um excesso ou falta de cuidados, isso produzirá um incômodo na criança e desencadeará sintomas como: comer demais ou recusar-se a comer; dificuldades de dormir, sono excessivo ou interrompido por terrores noturnos, dificuldades de conter ou regrar as funções excrementícias (enurese e encoprese); problemas para ir à escola; medo excessivo ou crise de angustia; confusões na sexuação; problemas na fala; crises de agitação (Cf. Molloy et. al. 2008, p.85) Freud afirma em Inibições, Sintomas e Angústias que os fenômenos ditos psicossomáticos, que se encontram em diferentes estruturas, nos quais o corpo está no centro da cena. Aparecem nos transtornos de funções, tais como: dores de barriga, dores de cabeça vômitos, febres, bronquite asmática, dermatites, irrupções cutâneas (ibid. p. 90).

Assim como os pais podem oferecer ao filho o significante “meu amado filho”, “meu anjinho”, por exemplo, eles podem ofertar também “é o terror da casa”, “só me incomoda” e ele vai começar se portar dessa maneira porque o sujeito é um efeito da palavra. Para os autores:

A constituição subjetiva da criança, portanto, resultará do encontro de traços que lhe são próprios com o campo significante da subjetividade dos pais. Cabe a ela “escolher” suas marcas identificatórias no vasto repertório que lhe é oferecido, uma vez que depende de sua singularidade o sentido que ela dá àquilo que recebe. (ibid, 2008, p. 92)

Essas marcas que o Outro deixa se instauram no psiquismo do sujeito e se dão através dos vínculos. Uma gestação não é gerada somente por um indivíduo, mas sim pelo casal. Sendo assim, os pais vão construindo a história de seu filho desde as primeiras semanas. São eles que vão atribuindo significados para cada momento. Durante essa fase os sentimentos podem ir se modificando como amor, preocupação, ansiedade, medo assim como também insegurança em ter o bebê. Os bebês precisam desse contato, pois são indefesos. O nosso instinto é diferente do instinto dos animais que conseguem se defender sozinhos. O bebê humano necessita do cuidado do Outro

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principalmente nos primeiros meses de vida. É nesse tempo que começa a formação psíquica do sujeito e as primeiras aquisições.

É nesse contexto que os vínculos começam se formar. Eles podem dar-se de diferentes formas, tanto como vínculos de amor ou ódio. Estes se apresentam, primeiramente, nas relações de pais e filhos como um meio de subsistência e manutenção de um ambiente adequado para o desenvolvimento da criança. A proximidade de ambos funciona como uma busca pela segurança e apoio, quer seja nos momentos de adversidade ou para proporcionar uma capacidade funcional à personalidade da criança.

O termo “vínculo” tem sua origem no étimo latino vinculum, que significa, uma atadura, uma união duradoura (...) também o conceito de “vínculo” alude alguma forma de ligação entre as duas partes que a um mesmo tempo, estão unidas e inseparáveis, apesar de que elas apareçam claramente delimitadas entre si (ZIMERMAN, 2004, p.398).

Então, o vínculo é o carinho, o toque, a atenção, o sentimento de cuidado dos pais para com o filho, porque não é apenas suprir as necessidades deste, mas sim de que maneira elas vão ser realizadas. É como a mãe se porta diante daquele pequeno ser que foi gerado por ela. É a partir disso que se estabelece um sentimento de trocas e este primeiro vínculo que servirá futuramente como marca que a criança vai repetir nas relações tanto intrafamiliares quanto as externas. Estas relações são à base da estruturação de qualquer sujeito. Quando uma criança é privada disso vem junto a angustia de se sentir sozinha, o medo, inquietação, necessidade de amor, carência. Quando a mãe falta e o bebê não consegue elaborar isso de uma boa maneira gera-se na criança uma gera-sensação de abandono provocando um estado de raiva porque ele esperava que a mãe a protegesse.

Para Bowlby (2004), o primeiro laço afetivo do bebê é a figura materna ou de quem faz essa função. É nela que a criança projeta todas as suas necessidades e desejos quando ela se revela como uma base segura. Nessa primeira vinculação é que a criança encontra a sustentação primaria para iniciar outros vínculos. A mãe é quem faz a ligação do bebê com o resto da família e é ela quem apresenta esse sujeito para um terceiro. Inicialmente o bebê acredita que o mundo é ele e passa por um

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processo de dependência no qual a mãe precisa ajudá-lo a se tornar menos dependente de uma maneira saudável.

Lacan (1953-1980), em suas obras afirma que a mãe é a peça chave para a construção do psiquismo do sujeito. O primeiro grande Outro é a mãe. Ela vai emprestando para o seu filho o olhar, sua voz, seu seio, seus movimentos, até que ele próprio consiga apropriar-se de si mesmo, da sua própria identidade e, mais tarde, de sua alteridade. Os cuidados maternos são indispensáveis para sobrevivência da criança. A criança depende da atenção do Outro para satisfazer suas necessidades. Ele também define que a mulher somente transmite ao seu bebê os significantes, quando há o desejo em ser mãe e reconhece o mesmo como filho.

No livro A Família e o Desenvolvimento Individual, Winnicott (1965) comenta que quando o par mãe-filho possui um vinculo que funciona bem, o ego da criança se torna um ego muito forte, pois recebe apoio em todos os aspectos. O ego reforçado (e, portanto, forte) da criança é desde muito cedo capaz de organizar defesas e desenvolver padrões pessoais fortemente marcados por tendências hereditárias.

O autor afirma ainda que:

Há em algumas culturas um esforço deliberado para impedir que a mãe se torne uma pessoa, de tal modo que a criança fica desde o começo assegurada contra o choque associado à perda. Em nossa cultura, a tendência é encarar como um fato normal que a criança experimente o choque em toda a sua extensão, à medida que a mãe se torna uma pessoa adaptadora externa, embora tenhamos que admitir que há vitimas. (WINNICOTT, 1965, p. 126)

A mãe suficiente boa, como Winnicott descreve em suas obras, é aquela que efetua a adaptação do recém nascido ao mundo. É ela que monta o corpo do bebê a partir do seu olhar, do seu cheiro, de suas palavras, de suas carícias. A necessidade orgânica do bebê é interpretada pela mãe que oferece recursos para aplacar o mal-estar da criança. Essa vinculação só ocorre quando existe um desejo de ser mãe e de fazer a maternagem com essa carne chamada bebê. Ele diz também que (1965, p. 216), “as principais funções dessa mãe baseiam-se no holding (proteção da mãe com o bebe), manipulação do corpo do bebê e apresentação de objetos nas primeiras fases da criança”.

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Para que a mãe consiga modelar esse corpo imaginário ela precisa marcar primeiramente seu lugar e estar presente para construir sua imagem psíquica inicial, de maneira que depois vai se ausentando e dando espaço progressivamente para um terceiro, ou seja, o pai, o qual possui a função de estabelecer desafios para a criança. Joël Dor (1992), no livro Introdução à Leitura de Lacan afirma que a função paterna é a de romper com a dualidade, não havendo mais completude provocando uma falta, sendo que esta se manifesta sob três formas específicas: castração, privação e frustração. Para ele a frustração se refere a uma falta imaginária de um objeto real, na qual nenhuma possibilidade de satisfação pode ser encontrada. A privação é a falta real de um objeto simbólico, um buraco que não sabemos como tampar. E a castração é a falta simbólica de um objeto imaginário, isso remete e interdição do incesto e é a referência que nos organiza. Na castração o objeto faltante é inteiramente imaginário, de forma alguma poderá ser real. É essa falta que vamos tentar dar conta à vida inteira.

É através da entrada da função paterna nessa relação que possibilita a separação mãe e bebê promovendo assim uma vida psíquica saudável para a criança. Para Winnicott (1986), o pai entra no quadro geral, até certo ponto, como uma duplicação da figura materna. Winnicott escreve que no início a função do pai é dar sustentação a célula mãe-filho.

Lacan (1957-1958) aponta que pai faz função de um significante que substituiu outro significante. Um pai que faz significação do desejo da mãe.

O pai não é um objeto real, então o que é? (...) o pai é uma metáfora. “o que é uma metáfora? (...) é um significante que vem no lugar de um outro significante. O pai é um significante que substitui um outro significante. E aí está o alcance, o único alcance essencial do pai ao intervir no complexo de Édipo (LACAN, 1957-1958, p. 180).

Com isso, os cuidados que a mãe dá transformam-se num cuidado oferecido por ambos os pais, que juntos assumem a responsabilidade por seu bebê e pela relação entre todos os filhos. Mesmo um dando lugar para o outro, os dois devem permanecer fazendo suas funções juntos, pois um acrescenta ao outro e isso influencia no bom desenvolvimento da criança que assim pode crescer num ambiente organizado e estruturado.

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Bons pais comuns constroem um lar e mantêm-se juntos, provendo então uma ração básica de cuidados à criança e mantendo, portanto um contexto em que a criança encontra gradualmente a si mesma (seu self) e ao mundo, e uma relação operativa entre ela e o mundo (WINNICOTT, 1986, p. 118).

A transmissão que ocorre dentro da família organiza o psiquismo e também instaura as leis. Esta transmite a cultura e a educação para as crianças. Os pais devem sustentar essa transmissão por mais que a mídia e as tecnologias muitas vezes se fazem mais presentes e tem ocupado quase o espaço deles, eles têm que tentar manter sua posição. Isso acaba gerando angustia tanto para os pais que por muitas vezes acabam sendo vazios assim como para as crianças que buscam nos pais esse suporte.

É no convívio familiar que a criança vai formando sua identidade e se construindo, é aqui que ela aprende valores e vai construindo sua conduta. Ainda para esse autor o ambiente do lar, contudo, é de responsabilidade dos pais e não da criança. A família é considerada o centro e a criança como parte da mesma. Os pais são o espelho para a criança. Quando eles conseguem manter a união no lar eles estão, na verdade, prestando a seus filhos um serviço de inestimável importância. Winnicott (1965) afirma também que, quando a família é unida, ou quando possui alguém que faça função materna e função paterna, por mais que as crianças apresentem alguns sintomas, mesmo assim ocorrerá um crescimento sadio.

Isso não significa que, de um modo geral, quando a família não está totalmente constituída, vão obrigatoriamente desencadear-se o aparecimento de distúrbios clínicos nas crianças, porque, como já foi mencionado, se existe alguém que de uma forma ou outra faz as funções materna e paterna, isso acarretará em crescimento emocional e no estabelecimento precoce da independência e do sentido de responsabilidade com traços saudáveis.

A primeira maneira como o bebê se relaciona e forma vínculos é através do mamar. É nessa relação amorosa entre mãe-bebê que ocorrem trocas de carinho, o aconchego do bebê. O mamar oferece momentos de prazer para ambos assim como, quando não realizado adequadamente desenvolve sentimentos de frustração e mal-estar. O medo da perda fica registrado no psiquismo do bebê. O bebê procura o olhar

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da mãe. Outro aspecto importante é o desmame e isso deve ser bem realizado, pois é o primeiro momento de rompimento com a mãe.

Winnicott (1993, p. 22) afirma que “quando a mãe normal vai deixando de preocupar-se com seu filho o que ocorre é uma espécie de desmame”. Quando a mãe não consegue desmamar o filho é porque esta nunca o teve de fato para si, de modo que o desmame deixa de ter sentido e perde o significado; uma mãe que é incapaz de desmamar tenta fazê-lo subitamente, sem dar atenção à crescente necessidade da própria criança de ser desmamada. Algumas crianças pedem para ocorrer essa separação porque a mãe não consegue por si só fazer isso. Sendo assim deve-se dar atenção ao estado psíquico da mãe porque este também determina a qualidade dos cuidados que ela oferece ao seu filho. Portanto, as vivências psicológicas dos pais também são marcadas pela própria história de vida e isso acaba interferindo na formação do vínculo afetivo com o filho, uma vez que determinam a qualidade dos cuidados oferecidos à criança e o envolvimento emocional com a mesma. É como se fosse um ciclo, pois, a maneira como os pais foram criados e cuidados é que será repassada para seus filhos.

As primeiras relações vinculares se dão na família, e a partir desta, vão se abrindo espaços para a criança se inserir de maneira saudável em outros grupos sociais como a escola, grupos de amigos, possibilitando-lhe participar de outros grupos de vínculos. Porém está ocorrendo uma modificação no papel da família em relação à transmissão do bom desenvolvimento da criança no convívio com terceiros. Essa falha pode causar danos no processo da formação de vínculos e provocando uma tendência antissocial.

Como vimos até aqui, através da posição de diversos autores, as crianças precisam da proteção materna e paterna nos primeiro anos de vida, porque é isso que lhe dará o suporte necessário futuramente. Porém, hoje em dia houve ainda mais modificações. As mulheres passaram a trabalhar fora de casa, diferentemente do que acontecia há tempos atrás quando apenas o homem saía de casa em busca do sustento para a família e a mulher era a dona do lar, a que servia para cuidar da casa, do marido e dos filhos. A rotina atual é muito mais rápida e necessita que acompanhemos essa evolução. Juntamente com isso as tecnologias avançaram ainda mais, tomando conta dos relacionamentos, das rodas de conversa, das brincadeiras

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onde a virtualidade começa ganhar mais espaço, colocando em risco a formação saudável dos laços.

Diante disso nos questionamos sobre qual é o lugar da criança hoje no convívio familiar. Antigamente a criança possuía um lugar determinado e os pais eram colocados como autoridades. Com as mudanças que foram ocorrendo ao longo das ultimas décadas podemos observar um declínio da autoridade dos mesmos. Parece que a imagem de âncora que os pais significavam está se apagando. Houve uma inversão da relação adulto-criança. São elas que tomam as decisões, pois os pais não conseguem mais se impor. Essa falta de implicação dos pais pode acarretar muitos problemas como já foi citado acima. A falta de investimento dos pais para com a criança pode causar problemas no seu processo de estruturação psíquica.

Antes as crianças possuíam uma proteção familiar maior. Elas iam para a escola somente depois de determinada idade, após terem seu espaço dentro da família bem marcado. A segurança familiar serve de ponto de referência para formação de sua identidade, isso faz com que o convívio social depois ocorra de uma maneira menos frustrante. Nessa passagem parece que essa segurança foi se esfacelando juntamente com aquela imagem familiar unida de antigamente. Agora as crianças são obrigadas a irem para as escolinhas logo nos primeiros meses de vida. Um dos fatores dessa mudança é a falta de tempo de alguns pais para cuidar delas. Com isso pais e mães acabam passando menos tempo com os filhos.

Muitas crianças estão ocupando o lugar do adulto. Em função de estarem em busca da falta que sentem e evitando o desprazer elas manipulam os pais. Observam-se crianças mandando nos pais, escolhendo suas roupas, Observam-seus calçados, onde querem ir. Elas acabam brincando de ser adultos. Há algumas décadas isso não era permitido, pois quem era autoridade máxima seriam os pais. Quem passava os ensinamentos e decidia sobre as coisas eram os mais velhos.

[...] necessidade de autoridade é fundamental. As crianças precisam de autoridades que as orientem e tranquilizem. Os adultos realizam uma parcela essencial de si ao serem autoridades: é um modo de expressarem interesse por outrem. Há um medo persistente de sermos privados dessa experiência (SENNETT, 2001, p.27).

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Alguns pais na tentativa de acalmar seus filhos acabam suprindo essa falta com objetos materiais como brinquedos e objetos eletrônicos por ser mais fácil para os pais porque com isso eles não precisam ficar muito tempo com o filho e podem fazer seus trabalhos. Isso faz com que o laço afetivo se enfraqueça, pois aquele vínculo que deveria existir entre pais e filhos é substituído por meios eletrônicos. Algumas crianças testam seus pais para saber até onde eles vão para protegê-las e cuidá-las e muitas acabam se perdendo nesse caminho, não conseguindo realizar suas funções.

Para os pais a criança ocupa um determinado lugar. Eles demandam algo do filho, seja em benefício deles mesmos ou para a criança. Molloy (2008, p. 95) afirma que quando se fala em demandas constituintes da subjetividade da criança, refere-se à posição que ocupa, ou seja, o lugar de promessa de realização de sonhos dos pais -, carregada de certo caráter passional que não tem como não afetá-la.

Quando a criança não pode encarnar imaginariamente os ideais parentais, seja por questões relativas à subjetividade dos pais ou por problemas no decorrer da gravidez, o narcisismo dos pais fica ferido. Na falta dessa paixão inaugural a mãe, impedida de sua função de libidinizar seu filho, dificulta a instauração do eu-ideal na criança. Esta não encontra no discurso materno, um lugar de valor simbólico com o qual se identificar. Sua constituição psíquica pode sofre falhas severas e levar às patologias mais graves (MOLLOY, 2008, p. 94).

Muitos pais depositam no filho uma expectativa de preenchimento de um vazio e quando a criança nasce e isso não acontece eles acabam não conseguindo se ver nessa posição porque não existe um real desejo em relação ao filho. Com isso, os filhos perdem aquele lugar fálico dentro da família fazendo com que se perguntem que lugar estão ocupando no desejo de seus pais e isso, muitas vezes, para as crianças é confuso. Muitos filhos convocam os pais com atitudes para saber desse desejo.

Para os autores Gabriel Balbo e Jean Bergès (1997), a criança, ao invés de estar localizada no lugar de objeto fálico dos pais, se localiza no lugar do Outro social na tentativa de permitir aos pais um lugar de inclusão neste campo. A criança deteria o poder e o saber de completar o Outro social, como se dela dependesse a transmissão do que este Outro quer o que a mídia não deixa de apresentar a ela. No lugar da transmissão da falta dos pais à criança, a transmissão de uma demanda de preenchimento do Outro social que a criança encaminha para os pais resolverem.

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Com a falta de autoridade de alguns pais a instauração da lei acaba não se estabelecendo aumentando a falta de limite das crianças. Elas acabam ficando perdidas e não conseguem identificar até onde vai o espaço delas porque os pais não conseguem delimitar isso. Um exemplo, disso é quando os pais não conseguem dizer NÃO fazendo com que elas utilizem isso para satisfazer totalmente suas vontades. Conforme a criança vai se desenvolvendo vão se desencadeando transtornos de conduta como resposta a uma não simbolização da falta, o que deveria começar a acontecer já nos primeiros anos da infância.

[...] os sujeitos não só preexistem ao tecido de relações, mas são efeitos delas. A falta de referentes simbólicos culturais produzidos nas sociedades complexas promove o sentimento de não-pertencimento, de não filiação. Os filhos desse social encontram-se perturbados, muitas vezes em uma procura desesperada de uma referência que os proporcione um sentimento de pertencimento, de inclusão. O que “sem a dimensão da filiação, exercer a própria subjetividade é muito difícil, reserva um destino de sofrimento e loucura” (CALLIGARIS, 1996, p.13).

Vivemos na constante busca de satisfazer nossas necessidades e evitando o desprazer desde que nascemos e é isso que vamos tentando construir ao longo da nossa vida. Procuramos um ambiente bom que supra nossas carências. O pai e a mãe são quem deveria sustentar esse ambiente e proteger seus filhos dos ataques do meio. A criança é o espelho da família, nela refletem todos os desgastes que ocorrem nesse contexto. Como vivemos, num tempo de individualismo, alguns pais também estão nessa posição individualista. Parece que uma parte dos pais da contemporaneidade tem medo de realmente serem pais, pois vivem na busca do que é mais cômodo e essencial para si próprios esquecendo que os filhos também possuem desejos e buscam um lugar.

Recapitulando, desde que nascemos possuímos uma falta imaginária que faz com que nos movimentemos em busca de suprir a mesma. Por isso é importante que os pais permitam que as crianças sintam essa falta, se frustrem porque cuidar também é isso. Elas precisam sentir que tudo tem um limite e que nem todas nossas vontades momentaneamente podem ser supridas. O limite não é uma barreira, mas sim uma demarcação do que pode e do que não pode. A imposição dos pais afirma na criança que existem regras e uma lei maior e que essa lei nos organiza para a vida no social.

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Isso marca na criança até onde vai o espaço dela e onde começa o espaço do outro. Muitos pais acreditam que dizer um não irá traumatizar a criança, enquanto isso ela receberá um não quando entrar no social e isso causará nela ansiedade e angústia ainda maiores. Por isso, percebe-se um aumento no número de crianças agitadas, teimosas, respondonas, que não respeitam os outros, briguentas, nervosas, etc.

Seria importante que o tempo que os pais passam com seus filhos seja utilizado com mais qualidade, porque não basta passar mais tempo com as crianças, mas sim dar a elas atenção. Por mais que vivemos numa sociedade individualista, tumultuada e com pouco tempo para atividades que não seja o trabalho, o pouco tempo que alguns pais têm para suas crianças poderia ser aproveitado de uma maneira melhor.

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CONCLUSÃO

A partir do que foi apresentado neste trabalho conclui-se que os primeiros tempos da constituição psíquica de uma criança ocorrem no seio da família. O circuito familiar é o responsável pela implicação dos primeiros vínculos na criança. É o contexto familiar em que a criança está inserida que a constitui e deixa marcas no seu psiquismo. Isso significa que para que ela possa ter um bom desenvolvimento psíquico tornando-se um sujeito com uma futura vida psíquica saudável ele precisa ter uma base nos primeiros tempos de vida, desde seu nascimento até a fase da adolescência em que seu psiquismo ainda está em construção, quem dá essa base, essa sustentação são os pais juntamente com o resto da família. Essa raiz é que nos alimenta durante toda nossa vida.

Constatamos ao longo de nossa pesquisa que no decorrer dos anos a ideia de família foi modificando de acordo com as transformações da sociedade. Não somente ela como um todo, mas também os sujeitos que a compõem. Antigamente as mulheres e as crianças não ocupavam um lugar de destaque na sociedade, desde então, foram criando seus espaços dentro de casa e na vida social. Paralelamente a isso veio o enfraquecimento da autoridade dos pais fazendo com que as crianças ocupassem o lugar do adulto se posicionando como tais, causado nas crianças uma falta de limites que repercutirá depois no social.

Quando ocorre uma boa vinculação dentro da família e os pais conseguem fazer sua função e dar à criança toda a base necessária que ela precisa para acontecer um desenvolvimento saudável e a estrutura psíquica dela se formará de uma maneira adequada. Quando isso não acontece a criança apresenta sintomas de que algo não está indo bem, surgindo transtornos psíquicos. Muitos pais não sabem como trabalhar com isso e acabam não dando a devida atenção a estes sintomas provocando ainda mais desestruturação.

Os pais tem como função cuidar da criança, dar atenção, amor, carinho, impor regras e limites para que depois quando elas ingressarem na vida social não sofram, e saibam que existem leis e que estas devem ser cumpridas. Eles são responsáveis pela educação e de repassar ensinamentos para as crianças, cuidam da casa e dão exemplos porque os pais são o espelho. Tudo o que acontece na vida da criança vai

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deixando marcas em seu psiquismo e através disso que o desenvolvimento vai acontecendo podendo este ocorrer de maneira regular ou não.

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