ESTUDOS ETNOBOTANICOS DE PLANTAS MEDICINAIS EM CAMPOS CERRADOS DE IPAMERI (GO).
Lílian Lúcia Costa1,3; Farley Henrique Fernandes1,3; Roniram Pereira da Silva1,3 e Marcelo Ribeiro Zucchi 2,3.
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Voluntário de Iniciação Cient ífica PVIC / UEG
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Pesquisador – Orientador
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Curso de Agronomia da Unidade Universitária de Ipameri, UEG.
Resumo
A utilização desordenada dos recursos naturais tem elevado as taxas de extinção de espécies vegetais. Com área de 204 milhões de hectares, o ecossistema cerrado abriga a segunda maior biodiversidade do planeta. Nos campos de cerrado são encontradas espécies muito difundidas por suas propriedades medicinais. Portanto, o resgate dessas espécies nativas é de fundamental importância para a descrição da vegetação característica de cerrado e, em especial, da região de Ipameri (GO); para preservá- las, devido ao risco de extinção pelo desmatamento e coletas indiscriminadas; e para registrar a cultura de seu povo, quanto à utilização das plantas medicina is. Por tudo isso, há necessidade de se tentar "domesticar" essas espécies para que possa ocorrer o uso apenas das plantas cultivadas para a produção de fitoterápicos. Neste sentido, os objetivos deste trabalho foram a realização de um estudo etnobotânico de plantas medicinais e a avaliação do potencial para armazenamento e germinação de sementes de alguma espécie medicinal nativa da região de Ipameri. Entrevistas etnobotânicas foram realizadas com pessoas da região de Ipameri, muito conhecedoras das espécies nativas com propriedades medicinais. Para os estudos de germinação de sementes, a espécie escolhida foi Pterodon emarginatus (sucupira-branca). As entrevistas etnobotânicas resultaram em informações relativas a 31 plantas nativas com propriedades medicinais, porém nem todas as propriedades mencionadas pelos entrevistados estão de acordo com a literatura existente. De acordo com os resultados dos experimentos de germinação, verificou-se que a taxa de germinação foi irrisória: apenas dois frutos-sementes de todos os lotes experimentais. Conclui-se, portanto, que os métodos / tratamentos testados não foram eficientes para superar a dormência destas sementes.
Introdução
A utilização desordenada dos recursos naturais tem gerado a degradação de áreas em quase todo o território nacional (Ferreira, 2000), levando a taxas preocupantes de extinção de espécies vegetais (Borris, 1996, citado por Nodari et al., 2000).
Com área de 204 milhões de hectares, 22% do território nacional, o ecossistema cerrado abriga a segunda maior biodiversidade do planeta. Nos campos de cerrado são encontradas espécies muito difundidas por suas propriedades medicinais. O resgate dessas espécies nativas é de fundamental importância para a descrição da vegetação característica de cerrado e, em especial, da região de Ipameri; para preservá- las, devido ao risco de extinção pelo desmatamento e coletas indiscriminadas; e para registrar a cultura de seu povo, quanto à utilização das plantas medicinais. O levantamento etnobotânico permite o resgate do conhecimento popular, subsidiando pesquisas em áreas afins, ao mesmo tempo que contribui para priorizar espécies necessitadas de conservação (Vieira e Martins, 1996).
Por tudo isso, há necessidade de se tentar "domesticar" essas espécies para que possa ocorrer o uso apenas das plantas cultivadas (Sangali, 2000) para a produção de matéria-prima para a indústria de fitoterápicos. Para iniciar um processo de domesticação das espécies medicinais, são necessárias informações básicas que indiquem a melhor época de coleta de sementes ou de partes vegetativas para a propagação e quais os tratamentos para a quebra de dormência ou indução à formação de raízes e brotação de estacas, pois as espécies nativas de cerrado geralmente apresentam problemas de propagação (Molinari et al., 1996).
A temperatura e a disponibilidade de água são fatores determinantes da porcentagem final de germinação de sementes e o substrato utilizado também influencia grandemente na germinação. Outros processos também interferem na germinação das sementes, podendo ser citados o fenômeno da dormência e da perda de viabilidade, que são comuns em sementes agrícolas e florestais (Jeller e Perez, 1999).
Os objetivos deste trabalho foram a realização de um estudo etnobotânico de plantas medicinais e a avaliação do potencial para armazenamento e germinação de sementes de alguma espécie medicinal nativa da região de Ipameri.
Material e Métodos
1 - Estudo etnobotânico de plantas medicinais nativas de Ipameri - A partir de agosto de 2004 até abril de 2005, foram realizadas entrevistas com pessoas da região de Ipameri, muito conhecedoras das espécies com propriedades medicinais da vegetação nativa, característica de campo cerrado e/ou subespontânea conservada. Essas pessoas foram entrevistadas seguindo-se o mesmo modelo de ficha de informações de Rodrigues e Carvalho (2001). As informações obtidas nas entrevistas foram organizadas para cada planta, incluindo-se os nomes vulgares, de família, gênero e espécie, além das suas respectivas propriedades medicinais. Todas essas informações populares foram comparadas com a bibliografia existente para a confirmação ou não das propriedades medicinais das plantas me ncionadas.
2 - Estudos de armazenamento e germinação de sementes de plantas medicinais nativas - A planta escolhida para estes estudos foi a espécie Pterodon emarginatus Vogel (sucupira-branca). Os frutos-sementes utilizados no experimento foram obtidos a partir de diversas plantas, em área que apresenta vegetação característica de Cerrado, no Município de Ipameri. Após a coleta, procedeu-se a retirada das “asas” dos frutos-sementes para serem semeados imediatamente ou armazenados a 8 °C durante dois, quatro e seis meses. Os frutos-sementes de cada período de armazenamento, antes do semeio, foram tratados com KNO3
(0,1%) por 48 h, embebidos em água por 24 h ou semeados diretamente (testemunha). Os testes de germinação foram feitos em condições de campo, em areia, e no laboratório, em rolos de papel-toalha, sob temperatura de 25 °C. Para cada época de armazenamento, o experimento foi arranjado em fatorial 3 x 2, no delineamento inteiramente casualizado, com quatro repetições. Para cada etapa dos experimentos, foi estipulado um período de 55 dias, com as verificações quanto à ocorrência de germinação sendo realizadas com 7, 14, 21 e 35 dias após a semeadura, conforme procedimentos de Coelho et al. (2001). Todas as unidades experimentais foram regadas com água diariamente. A unidade experimental foi constituída de 20 sementes.
Resultados e Discussão
1 - Estudo Etnobotânico de plantas medicinais nativas de Ipameri - As entrevistas etnobotânicas foram realizadas com as pessoas conhecedoras de plantas nativas do cerrado e suas propriedades medicinais, na região de Ipameri, conforme Tabela 01.
TABELA 01. Nomes e idades (em anos) das pessoas informantes de plantas medicinais na região de Ipameri (GO).
NOME IDADE
Berthier Pereira Peixoto 51
Eurípedes Mariano Camilo 43
Eurípedes Rodrigues da Caridade 52
José Carlos Lyra Fleury – “Caio Capim” 74
Josefina Vaz de Araújo 80
Lyra Alves Fernandes 78
Sebastião Ferreira – “Capitão” 71
Vasconcelos de Jesus Fernandes 49
As informações obtidas nas entrevistas são relativas a 31 plantas nativas com propriedades medicinais. Abaixo são apresentadas informações relativas a algumas delas: 1) Nome popular: Algodãozinho
Nome científico: Calotropis procera (Aiton) W.T. Aiton. Família: Asclepiadaceae.
Habitat: Cerrado. Indicações: a) Para o tratamento de infecções gastrointestinais, renais e de ovários. b) Para o tratamento de infecções genitais. Parte usada: Raiz. Preparo e Dosagem: a) Amassar a raiz e colocar de molho em água por um período de 12 horas e beber a água (100ml), duas vezes ao dia.
2) Nome popular: Barbatimão
Nome científico: Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville. Família: Mimosaceae.
Habitat: Cerrado. Indicações: a) Cicatrizante, combate infecções e úlceras. b) Enrijecimento da vagina. Parte usada: Casca do caule. Preparo e Dosagem: a) Amassa a casca e coloca de molho na água. Tomar 2 xícaras (100ml), duas vezes ao dia. b) Banho de assento, com a casca amassada na água.
3) Nome popular: Copaíba
Nome científico: Copaifera langsdorffii Desfl. Família: Caesalpiniaceae.
Habitat: Cerrado. Indicações: Reumatismo, artrose, artrite e contusões. Parte usada: Óleo do tronco. Preparo e Dosagem: a) Algumas gotas diluídas em chá de outra planta. b) Aplicar um punhado no local afetado.
4) Nome popular: Japecanga
Habitat: Cerrado. Indicações: Combate o colesterol e diabetes; anti-reumática e depurativa. Parte usada: Folhas e raiz. Preparo e Dosagem: a) Ferver as folhas aproximadamente 20 minutos e tomar o chá. b) Decocto ou infusão: 1 colher de sopa da raiz picada para um litro de água. Tomar 3-4 xícaras de café do chá ao dia.
5) Nome popular: Sucupira-branca
Nome científico: Pterodon emarginatus Vogel. Família: Fabaceae.
Habitat: Cerrado/cerradão. Ind icações: Infecções de garganta, infecções em geral e reumatismo. Parte usada: Frutos (com sementes) e casca do caule. Preparo e Dosagem: a) Amassar os frutos, associados com vinho branco ou biotônico ou água (1 fruto em 250ml). b) Amassar um punhado de cascas em 1 litro de água. Tomar 3-4 vezes ao dia.
É importante destacar que nem todas as propriedades mencionadas pelos entrevistados estão de acordo com a literatura existente.
2 - Estudos de armazenamento e germinação de sementes - A primeira etapa dos experimentos teve inicio no dia 13/10/2004, quando os frutos-sementes recém coletados foram submetidos aos tratamentos referidos na metodologia. Esta etapa terminou no dia 07/12/2004, sem ter ocorrido germinação. Na segunda etapa dos experimentos, foram semeados os frutos-sementes mantidos durante dois meses à temperatura de 8 ºC e submetidos aos mesmos tratamentos referidos acima. Esta etapa teve inicio no dia 13/12/2004 e término no dia 06/02/2005. Nas quatro observações estipuladas não foi verificada germinação, porém, no dia 03/02/2005, com 52 dias de semeadura, foi detectada a emergência de uma plântula a partir de um fruto-semente (testemunha) em laboratório. Após o tempo determinado para os experimentos (55 dias), foi constatada a germinação de uma plâ ntula a partir de um fruto-semente embebido em água (24hs antes da semeadura) e mantido em laboratório, com 62 dias de semeadura. A terceira etapa dos experimentos foi iniciada no dia 14/02/2005, com frutos-sementes armazenados por quatro meses à temperatura de 8 ºC e submetidos aos mesmos tratamentos referidos acima. Esta etapa terminou no dia 10/04/2005, sem ter ocorrido germinação. Na quarta e última etapa dos experimentos, foram semeados os frutos-sementes armazenados durante seis meses à temperatura de 8 ºC e submetidos aos mesmos tratamentos referidos anteriormente. Esta etapa iniciou-se no dia 15/04/2005 e terminou no dia 09/06/2005, sem ter ocorrido germinação.
De acordo com estes resultados, verificou-se que a taxa de germinação foi irrisória: apenas dois frutos-sementes de todos os lotes experimentais. Segundo Heringer (1971), a propagação por semente nesta espécie apresenta sérios obstáculos aos métodos normalmente
utilizados pelo fato de a semente ser coberta com envoltório lenhoso do fruto e ainda ser essa camada pontuada de glândulas oleosas que impedem a penetração d’água. Em condições naturais, a semente necessita de mais ou menos quatro anos para produzir plântulas. Conclui-se que os métodos / tratamentos testados não foram eficientes para superar a dormência dessas sementes. Para isto, sugere-se outros métodos / tratamentos: escarificação mecânica, escarificação química com ácido sulfúrico, ácido clorídrico, soda, acetona e álcool (Santarém e Áquila, 1995).
Referências bibliográficas
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