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PORTAS ABERTAS PELO CIBERATIVISMO BRASILEIRO: A DIVULGAÇÃO DE MOVIMENTOS SOCIAIS ATRAVÉS DA REDE 1. Júlia Cabral Rinaldi 2

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PORTAS ABERTAS PELO CIBERATIVISMO BRASILEIRO: A DIVULGAÇÃO DE MOVIMENTOS SOCIAIS ATRAVÉS DA REDE1

Júlia Cabral Rinaldi2

Grace Neutral, nascida em Dubai, filha de artistas plásticos e conhecida por suas modificações corporais como a beleza alienígena, youtuber, trabalha hoje em um estúdio de tatuagem britânico fazendo tatuagens sem uso de máquina com uma técnica conhecia como

hand poke tattoo. Atualmente com 27 anos, ela começou a trabalhar com tatuagem em 2012,

ano em que também começou suas modificações corporais. Ela tem o corpo quase todo tatuado, escarificações em seu rosto, alargadores no nariz, a língua bipartida, orelhas de fada, não tem mais umbigo e pratica a pigmentação da parte branca do olho.

Grace começou seu trabalho no Youtube há dois anos e seu canal se propõe a discutir a beleza humana em suas diferentes formas, com a preocupação de mostrar como o mundo

fashion pode ser escravizador e que o bonito não depende de um padrão mercadológico. Seus

vídeos mostram marcas, ícones de empoderamento e ações que tentem fazer da moda um espaço mais justo considerando todas as diferenças de corpos que existem no mundo.

Em 2016, Grace Neutral inaugurou uma série em seu canal que busca entender peculiaridades em questões do corpo e dos padrões estéticos em diferentes países. Sua primeira visita foi à Coréia do Sul onde a indústria de cosméticos é imensa e considerada uma das melhores do mundo. Além disso é um país em que a cirurgia plástica é bastante difundida. Porém as modificações corporais como as da tatuadora são motivo para preconceito no local, já que existe uma premissa de que tatuagem é uma característica da máfia, inclusive é proibido fazer tatuagens na Coréia se o tatuador não for um médico, por esse motivo, todos os estúdios são clandestinos. As tatuagens não podem nem ser veiculadas em TV. Caso algum artista tenha tatuagens ele deve cobrí-las com roupas ou ela será escondida com efeitos de tratamento de imagem na pós-produção.

1 PORTAS ABERTAS PELO CIBERATIVISMO BRASILEIRO: A DIVULGAÇÃO DE MOVIMENTOS

SOCIAIS ATRAVÉS DA REDE. Artigo apresentado ao Eixo Temático 02 – Movimentos sociais / Ciberativismo / Resistência do IX Simpósio Nacional da ABCiber.

2 Pesquisadora é mestranda em Linguagens, mídia e arte pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas,

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O segundo destino do canal é o Brasil. O vídeo completo foi lançado no dia 28 de outubro. A primeira abordagem questiona a fama da beleza brasileira ao redor do mundo e sugere a cobrança que isso pode trazer. A obsessão com o corpo, a questão das academias, cirurgia plástica e cosméticos. Grace cita Gisele Bündchen, Adriana Lima e Alessandra Ambrosio como exemplos da beleza da mulher brasileira. O vídeo todo parece mostrar que os padrões, as expectativas e as providências a fim de atingi-lo são uma questão feminina. Esse foco faz sentido na abordagem do programa, mas sabe-se que os homens no Brasil também têm uma grande preocupação estética, especialmente com o corpo, sendo um público massivo em academias e esportes. Em 2013, o público masculino que fazia alguma intervenção cirúrgica estética já representava 12,8% do total3 e, no Brasil, o número de plásticas

masculinas está aumentando.

Figura 1: Grace Neutral na favela do Sapo em São Paulo

Fonte: canal i-d, disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=Cja_ND2iIWI>

As primeiras brasileiras no vídeo são Priscila e Thais, ambas com cabelo bem curto e questionadoras do padrão brasileiro, segundo elas, um padrão europeu que não condiz com a realidade da população. Pelos exemplos de representação de beleza do Brasil no exterior citado pela tatuadora no início do vídeo, essa constatação fica apenas mais discriminada com

3 Dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP):

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o comentário da entrevistada. Para Grace, esse padrão tão distante das ruas brasileiras pode ser unicamente uma referência midiática, como é sugerido ao longo do vídeo, porem vale destacar aqui o conceito de Nelson Rodrigues sobre o complexo de vira lata.

O Brasil sofreu uma colonização europeia bastante superposta. Nossos índios foram caçados ou catequizados, sua raça e cultura desvalorizados. Foram trazidos muitos escravos e a inferioridade da cor de pele negra só foi reforçada desde então. A maior parte da população é negra ou mestiça, mas até hoje o ideal parece ser o europeu, seja aparência ou cultura. Por esse motivo parece natural que os padrões a serem seguidos sejam de uma realidade de cores e biotipos que não condizem com a maior parte da população.

Algumas teorias explicam que uma possível quebra de paradigma pós-moderno se deve ao declínio das sociedades disciplinares, explicadas por Foucault, e a necessidade de um agente mais passivo, como explicam autores da ecosofia como Maffesoli. O homem, branco, fecundador e colonizador já não satisfaz a sociedade atual, estamos caminhando para uma realidade mais horizontal e fraternal. (Maffesoli, p.99, 2007)

Por esse motivo movimentos de empoderamento como os mostrados no vídeo ganham força em todo o mundo com o passar dos anos, especialmente no Brasil onde a maior parte da população não se encontra nos modelos midiáticos, em que a população sofreu séculos de subjugação cultural, em que grande parte da população sofre com racismo e onde as mulheres sofrem abusos a todo tempo. No vídeo há um encontro com Nayara Justino, modelo e atriz, que foi globeleza em 2013, e ela conta um episódio em que sofreu racismo nas redes sociais. Nayara comenta sobre a falta de representatividade, seja na mídia ou em brinquedos, em um país onde a maior parte da população é negra.

Grace se surpreendeu com a força dos movimentos feministas e negros no país. Porém, o vídeo também mostra, propositalmente ou não, que algumas mulheres estão transformando seu corpo através de cirurgia ou academia e se vestindo para agradar o sexo masculino. Também se fala da preocupação com a segurança, mas parece que, quando a tatuadora deixa os bairros nobres de São Paulo, há uma sensação de segurança maior. O pensamento machista e racista ainda está impregnado na população brasileira.

As gêmeas Tracie e Tasha Okereke convidaram a tatuadora para conhecer sua casa na favela do Sapo em São Paulo e participar de uma festa na comunidade. As jovens apresentam

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uma preocupação com a reapropriação das músicas locais que são deslocadas para o público do centro da cidade.

Há um reconhecimento de um movimento de empoderamento nesse espaço. Jovens que tentam descontruir um padrão estético e comportamental a partir de informação. Muitas delas começaram a seguir estilos de moda que representam as origens africanas e a força da mulher negra, assumindo cabelos naturais ou estilizados de modo a valorizar suas origens e não tentando se transformar num modelo de imposição social.

Um tema bastante abordado no vídeo é o abuso com a mulher no Brasil. São vários os depoimentos sobre o assunto, inclusive com a Youtuber e ativista Nátaly Neri4 e Catharina

Doria, criadora do aplicativo SaiPraLá5. Personalidades da rede que abordem as causas

feministas são atualmente uma grande força para o movimento.

“Assim, entendo que o uso da internet, apesar dos seus limites e das repressões, possibilita uma forma mais democrática de retratar e divulgar as ideias feminitas, viabilizando uma produção estética bastante ampla e inúmeros debates sobre as ideias difundidas, já que para cada postagem abre-se a possibilidade de comentários para o público receptor.” (Ferreira, 2013, p.38)

A rapper Lay também aparece no vídeo. Sua música, lançada em 20156, aborda a

questão da força da mulher de maneira agressiva, pouco comum em músicas de vocal feminino. Por esse motivo ela ganhou muita notoriedade no movimento. É interessante perceber como palavras que dizem respeito ao órgão genital masculino são pronunciadas sem problemas por mulheres, porém, as palavras referentes ao órgão genital feminino parecem ter uma conotação pejorativa. Ainda existe uma necessidade de amenizar e decorar o sexo feminino, ainda se fala em deflorar uma jovem, por exemplo.

O projeto foi viabilizado através do contato com as pessoas que fizeram parte do vídeo. O ciberativismo no Brasil vem ganhando força e trazendo informação para grupos e comunidades que não possam consultar fontes acadêmicas ou internacionais. Muitos jovens também utilizam o conhecimento proveniente de alguns influenciadores para repassar para

4 Canal Afro e Afins: https://www.youtube.com/channel/UCjivwB8MrrGCMlIuoSdkrQg 5 Aplicativo para denunciar abusos contra a mulher com geolocalização.

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pessoas que não tem acesso à internet. Por esse motivo está muito mais fácil conseguir informações sobre o feminismo e o movimento negro e disseminar esse conhecimento adquirido para o público em geral: quanto mais os temas forem debatidos, mais ele será difundido no país e no mundo.

As redes possibilitam uma troca intelectual que seria inviável há alguns anos. Hoje é possível conhecer pessoas com os mesmos ideais que estejam do outro lado do mundo ou participar de uma produção de Youtube de uma celebridade da web que nunca esteve no seu país. O ciberativismo é um movimento muito importante para o alastramento de ideais de igualdade e mudança de sistemas vigentes. O alcance das causas abordadas num local ou comunidade podem tomar uma proporção global em pouco tempo.

É possível que em alguns anos não precisemos mais falar em causas de minorias ou movimentos de igualdade. Existe a possibilidade de que as redes sejam capazes de disseminar conceitos, referencias, proporções, biotipos, posicionamentos, quebras de paradigmas, ou qualquer outra referência de discriminação como parte de um todo. A aceitação de diferenças e o empoderamento de grupos que ainda são menosprezados parecem um horizonte possível com o ciberativismo atual.

Palavras-chave: corpo, padrões estéticos, empoderamento, movimento feminista, movimento

negro, ciberativismo.

Referências bibliográficas

FERREIRA, G. de S. Feminismo e redes sociais na marcha das vadias no Brasil. Revista

Ártemis, Vol. XV nº 1; jan-jul, 2013. pp. 33-43. Disponível em

<http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/artemis/article/view/16636>

FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes, 1987.

RODRIGUES, N. Complexo de vira-latas. Projeto Releituras. Disponível em <http://www.releituras.com/nelsonr_viralatas.asp>

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MAFFESOLI, M. Tribalismo pós-moderno: da identidade às identificações. Ciências Sociais

Unisinos, janeiro;abril, 2007. Disponível em <

Referências

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