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Neste tópico o foco central é na infância como um artefato cultural social e historicamente variável.

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Academic year: 2021

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O conteúdo deste tópico foi retirado do artigo “Infância e adolescência social e culturalmente contextualizada: concepções de infância e adolescência, universalidade de direitos e o respeito às diversidades”, de Benedito Rodrigues dos Santos.

O texto possui adaptações realizadas por Daniela de Macedo B.R.T. de Sousa, para a adequação do material à temática proposta.

Introdução

Este tópico é um chamamento para que profissionais envolvidos com crianças e adolescentes em processos judiciais reconheçam as especificidades da criança e do adolescente em relação ao adulto, a variabilidade das concepções de infância e adolescência através da história e entre as diferentes culturas e para a necessidade de uma prática social pautada no respeito às diversidades de infância no país.

Uma distinção nos parece útil antes de prosseguir essa reflexão: a diferença entre infância e criança. Enquanto infância é um constructo social sobre as idades da vida, a criança é o sujeito empírico concreto que vivencia suas experiências na sociedade.

Neste tópico o foco central é na infância como um artefato cultural social e historicamente variável.

Por muitos séculos, o pensamento ocidental concebeu a infância como um dado natural universalmente existente em todas as sociedades e em todas as culturas.

Foi somente a partir dos anos 1930 e, mais detidamente, a partir dos anos 1960, que pesquisadores concluíram que o sentimento de infância [moderna] foi descoberto por volta do século XVIII e que a adolescência é uma invenção do final do século XIX, mas que não existe em todas as sociedades e culturas.

Contudo, hoje é possível falar da ocorrência de uma “globalização da infância” devido à disseminação massiva de culturas infanto-juvenis ocidentais modernas por intermédio, principalmente, dos meios de comunicação de massa.

Embora hoje esta chamada “infância e adolescência” moderna tenha se transformado no “paradigma de infância e adolescência” que impacta as subjetividades de crianças e adolescentes,

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quase em escala planetária, esta deve ser apreendida nos seus contextos, sentidos e significados locais.

A infância e adolescência moderna: uma construção histórico social.

Teria existido alguma sociedade onde uma concepção de infância não tenha sido construída ou teria havido algum momento das sociedades ocidentais e/ou orientais no qual este conceito não tenha sido gestado?

Dificilmente essas perguntas estariam sendo realizadas não fosse pela polêmica tese do historiador francês Philippe Ariès, enunciada no livro - hoje um clássico - a História Social da Infância e da Família, publicado nos inícios dos 1960, sobre a ausência de um conceito de infância nas sociedades medievais e sua lenta construção na modernidade.

Na sociedade medieval, que tomamos como ponto de partida, o sentimento da infância não existia - o que não quer dizer que as crianças fossem negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O sentimento de infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo. Essa consciência não existia. Por essa razão, assim que a criança tinha condições de viver sem a solicitude constante de sua mãe ou de sua ama, ela ingressava na sociedade dos adultos e não se distinguia mais destes [...] (ARIÈS, 1960, p. 156).

Para Ariès, a criança muito pequenina (abaixo dos sete anos de idade), ainda muito frágil para se misturar à vida dos adultos, “não contava”.

Parte dessa pouca importância era atribuída aos altos índices de mortalidade infantil, numa época em que a sobrevivência era pouco provável.

Assim que a criança ultrapassava esse período de risco e a fase de maior solicitude da mãe, "ela se confundia com os adultos”.

A dimensão temporal da infância estava relacionada ao tempo em que ela dependia fisicamente dos cuidados dos adultos - "enquanto o filhote de homem não conseguia abastar-se".

De criancinha pequena "ela se transformava imediatamente em homem jovem, sem passar pelas etapas da juventude [...]"(ARIÈS, 1960, p. 10).

Daí por diante, sua socialização e a transmissão dos valores e dos conhecimentos a ela, de modo mais geral, [...] não eram, portanto, nem asseguradas nem controladas pela família.

A criança se afastava logo de seus pais e pode-se dizer que durante séculos a educação foi garantida pela aprendizagem graças à convivência da criança ou do jovem com os adultos.

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A criança aprendia as coisas que devia saber ajudando os adultos a fazê-las (ARIÈS, 1960, p. 157).

Esse sistema era pautado pela reciprocidade e solidariedade social.

Para Ariès, o sentimento de infância que temos hoje foi uma lenta construção social ocorrida ente os séculos XIII e XIX.

Como todo trabalho pioneiro, as teses de Ariès despertaram volumosas análises, severas críticas e apaixonadas defesas por essas mais de quatro décadas que se sucederam à publicação do seu livro.

A conclusão desse reexame pode ser sintetizada nas palavras do historiador Adrian Wilson (1974, p. 142-143), “What that society ‘lacked’ was our awareness [...]”

[O que aquela sociedade não possuía era a nossa consciência da natureza particular da infância].

Essa conclusão de Wilson foi bastante referendada por outros historiadores como Pollock (1983), Gélis (1991), que possibilitaram responder às questões anteriormente apresentadas na negativa: tão longe se pode retroagir na história da humanidade, estudiosos encontraram evidências que demonstram a especificidade da condição infantil em relação à idade adulta, muito embora o tempo de duração da infância, formas de socialização e papéis atribuídos viessem variando de cultura para cultura, de momento histórico, para momento histórico.

Tivesse a pesquisa de Ariès sido informada por estudos antropológicos ele teria incorporado no seu trabalho, além da variabilidade histórica, a “descoberta” da variabilidade cultural das noções de infância e adolescência.

Traços característicos da concepção moderna de infância e adolescência.

As sociedades ocidentais contemporâneas possuem uma consciência da natureza particular da infância e adolescência.

As crianças têm o seu “próprio” mundo distinto dos adultos, assim como, instituições, bens e serviços destinados exclusivamente a elas, nas áreas da: Psicologia, Medicina, Direito, Literatura, Cinema, Mídia (programas de televisão), Entretenimentos (Jogos e Brincadeiras), Indústria de confecção, etc.

Mas nem sempre foi assim. Nas sociedades passadas, a criança partilhava trabalho, festas, jogos - enfim, a vida com os adultos. A idade não era critério escolar essencial, e crianças e adultos estudavam na mesma classe na escola. Os colegiais geriam suas escolas e elegiam o seu reitor, e um adolescente de dezoito anos já podia ser oficial do Exército (Ariès,1986; Charlot, 1986).

Essas concepções modernas de infância e adolescência são relativamente recentes na história da humanidade.

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Elas nascem com um modo diferente de estruturar e dar significação às passagens da vida, no bojo das diversas mudanças ocorridas no processo de modernização da sociedade com passagem do padrão agrário/rural para industrial/urbano.

Com o advento do capitalismo a modernização não foi somente econômica e tecnológica, mas também sociológica e antropológica - mudou o ambiente físico, o tipo de vida em comunidade, a cosmovisão, o modo de organizar a vida diária, a qualidade emocional das famílias e redefiniu os espaços públicos.

Essas mudanças geraram uma nova maneira de ver e educar as crianças.

A infância e a adolescência, como são concebidas na modernidade, são o tempo da vida dedicado à formação e à preparação para a fase adulta.

Os espaços de socialização das crianças são a família, a escola e os grupos de pares (colegas, companheiros, amigos).

A complexidade e a especialização da vida moderna nas sociedades modernas impactam a socialização das crianças de três maneiras:

1) A separação das esferas sociais de crianças e adultos.

Ocorre uma apartação entre as esferas sociais de adultos e crianças, embora continue havendo conexões e mediações entre esses dois mundos. Nas sociedades do passado a infância era vista como uma etapa ‘natural’ de uma progressão que leva a criança a se tornar adulta. A noção de infância se vinculava à primeira fase da vida da pessoa, a que atualmente designamos ‘criancinhas’ ou ‘bebês’ e, a partir dos seis ou sete anos ela começava a participar da esfera social dos adultos (Ariès, 1986).

2) Prolongamento do tempo de infância.

O tempo de preparação das crianças para entrada na vida adulta é prolongado e o conceito de adolescência é ‘inventado’, no período de vida intermediário entre a infância e a juventude. Os limites etários anteriormente entre 5 e 7 anos foram estendidos até os dezoito ou dezenove anos, a partir de quando se passa para a juventude (Ariès, 1986).

3) A segmentação dos espaços de socialização.

Nas sociedades da era Medieval as crianças eram educadas na família até os 6 ou 7 anos depois disso eram colocadas numa espécie de ‘sistema de aprendizagem’ - elas eram enviadas à casa de vizinhos, amigos e parentes para serem educadas tanto por intermédio da convivência quanto do aprendizado de um ofício. Elas aprendiam pela observação direta ‘com’ os adultos e não apenas por instruções verbais ou informações conceituais, como em nossas sociedades

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modernas. Esse sistema era pautado pela reciprocidade e solidariedade social, de modo que os filhos de uma família sempre eram educados por outros familiares e pela comunidade.

O lócus da socialização deixa os espaços da família e da comunidade e surgem como novos espaços de socialização da criança e do adolescente como a escola e o grupo de pares.

A noção de infância se vincula de tal maneira à condição de estudante que alguns autores chegam a afirmar que foi a escola que construiu a visão moderna de infância.

Assim o tempo de infância se vincula ao tempo de estudar e não de trabalhar. A preparação para vida adulta não se fará mais como no sistema de aprendizagem antigo e sim através da escola. A escola passa a assumir um lugar tão importante no desenvolvimento cognitivo das crianças que estudar e trabalhar são atividades de difícil conciliação sem prejuízos mútuos.

A ausência de ritos institucionalizados e a descontinuidade entre a vida de criança e a de adulto.

Traçando um paralelo entre a concepção moderna de infância das sociedades industriais e das chamadas sociedades primitivas, pode-se dizer que nestas últimas, a infância tem uma duração mais curta, e a entrada no mundo dos adultos se faz mais cedo e de maneira fortemente ritualizada e institucionalizada.

Crianças acima de 4,5 anos são chamadas a tomar parte da divisão social do trabalho da tribo, desempenhando funções que são compatíveis com suas habilidades e capacidades físico-intelectuais. Os comportamentos e hábitos ensinados às crianças guardam continuidade com os que se lhes serão requeridos quando adultas, e as fronteiras entre trabalho e brincadeiras não são demarcados de maneira tão drástica quanto nas sociedades industriais. Os modelos de identificação são os da própria família, e as opções para o encaminhamento da vida são poucas e marcadamente simples.

Já nas sociedades industriais a falta de ritos de passagens claros e formalizados, que demarquem claramente quando termina a infância e começa a vida adulta, traz dois tipos de complicações. Em primeiro lugar, deixa a fixação dos limites etários à mercê das conveniências dos diversos grupos sociais, o que gera múltiplas determinações, todas com pretensas intenções universalistas. E o segundo, é um problema da própria construção da identidade, sobretudo do adolescente, que passa a viver um período de transitoriedade no qual ele não é mais uma criança, porém não se transformou ainda num adulto (“rapaz”).

Esse prolongamento da infância como uma fase destinada à formação e à preparação para a existência adulta, transforma a vida da criança e do adolescente, particularmente a do adolescente, em uma espécie de tempo de espera.

Por sua vez, a vida moderna oferece também uma multidiversidade de modelos de identificação e um leque variado de opções para o indivíduo encaminhar sua vida adulta.

O compasso de espera, o conjunto de decisões a tomar sobre sua vida pessoal e afetiva, a falta de respostas às suas indagações internas, não respondidas nos dois principais espaços de

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socialização, a família e a escola, levam os jovens a formar os grupos de pares, nos quais eles buscam a confirmação de uma identidade social.

Assim, a adolescência passa a ser um grupo etário, com valores e cultura próprios.

Já no século passado a adolescência assumia a condição de transitoriedade ou de suspensão social e descrito por alguns autores como a época da ambiguidade, ou como período de turbulência e crise emocional.

Nas culturas ocidentais contemporâneas é recorrente a visão da adolescência como uma fase problema.

A partir dos anos 50, devido aos problemas de socialização de parcelas da infância e adolescência, elas passam a ser vistas como uma ameaça à ordem social, sejam como marginais/delinquentes ou como renovadores e revolucionários.

Já mais para o final do século XX esse movimento de desconstrução da adolescência como uma fase problema contrapôs essa visão difundindo a perspectiva de adolescência como fase de potencialidades.

Referências

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