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QUINTAS DO DOURO ARQUIVOS E INVESTIGAÇÃO HISTÓRICA

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Academic year: 2021

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QUINTAS DO DOURO –

ARQUIVOS E INVESTIGAÇÃO

HISTÓRICA

Gaspar Martins Pereira

Professor associado da Faculdade de Letras do Porto

1. A importância estratégica da região do Douro e dos seus vinhos na

eco-nomia nacional, a precoce internacionalização do vinho do Porto e o pioneirismo de políticas reguladoras de controlo de qualidade e defesa da marca (demar-cação da área produtora, regulamentação da produção e do comércio, qualifi-cação e certifiqualifi-cação do produto) justificariam, só por si, uma maior atenção da historiografia portuguesa à evolução da vitivinicultura duriense. É certo que a história do vinho do Porto tem suscitado o interesse e o estudo de investigadores dos mais variados campos do saber. Mas, na extensa bibliografia disponível, surpreende a relativa pobreza da pesquisa historiográfica sobre o Douro e os seus vinhos, sobretudo nos trabalhos publicados até aos anos oitenta. As excep-ções contam-se pelos dedos, destacando-se os trabalhos de Borges de Macedo1,

Miriam Halpern Pereira2, Fisher3 ou Susan Schneider4. E, no entanto, nenhum

historiador ignora ou discute os pergaminhos dos vinhos durienses e a sua importância vital para a região e para o país, ao longo dos tempos. Claro que poderiam citar-se abundantes exemplos de óptimos trabalhos desenvolvidos por não-historiadores, desde o engenheiro Moreira da Fonseca5 ao tenente Guerra

Tenreiro6, dos geógrafos François Guichard7 ou Paula Lema8 ao sociólogo

António Barreto9 ou ao jurista Vital Moreira10... Mas, infelizmente, não faltam

também casos em que a ausência de rigor e as ideias feitas contrariam as regras basilares da pesquisa histórica.

É verdade que, nas últimas duas décadas, a historiografia académica parece ter despertado, multiplicando-se os artigos e livros publicados, as dissertações de mestrado e doutoramento11. Este novo impulso da pesquisa histórica sobre

o vinho do Porto teve o seu centro na Faculdade de Letras do Porto, em espe-cial em dois dos seus centros de investigação – o CENPA e o GEHVID –, mas seria injusto ignorar aqui os trabalhos desenvolvidos por colegas de outras Universidades do país, como Conceição Andrade Martins12 ou António Pinto

da Costa13, e mesmo de estrangeiros, como Paul Duguid14 ou Norman Bennett15.

No entanto, apesar dos esforços realizados, estamos ainda longe de possuir uma história da cultura vitivinícola do vale do Douro, ao contrário do que acontece relativamente a outras regiões produtoras de grandes vinhos.

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2. Os historiadores estão hoje tecnicamente melhor apetrechados e a

inves-tigação histórica sobre o vinho do Porto ultrapassou alguns bloqueios tradi-cionais, nomeadamente no acesso a fontes documentais primárias, directa ou indirectamente relacionadas com a história do vinho do Porto. Creio, porém, que muitas das lacunas dos nossos conhecimentos sobre a história do vinho do Porto e da sua região de origem nunca desaparecerão se não ultrapassarmos os três grandes equívocos da investigação tradicional, a saber:

iii) o equívoco espacial, que tem feito depender a história da vinha e do vinho do Douro das vicissitudes do circuito exportador, centrado no Porto e em Gaia, desprezando a análise das estruturas sociais, das téc-nicas de produção e da evolução da produção na região vinhateira;

iii) o equívoco cronológico, que tem balizado a história dos vinhos do Douro a partir das estatísticas da exportação para Inglaterra, desde finais do século XVII, desprezando a história longa da produção viti-vinícola na região de origem;

iii) o equívoco metodológico, que, face à dificuldade em aceder a fontes de informação directas sobre a região produtora, se tem contentado em lançar mão de indicadores de inferência ou até em extrapolar para a região do Douro informações disponíveis para outras regiões vinhateiras.

3. Creio que a ultrapassagem destes três equívocos pode e deve fazer-se a

partir de fontes de informação produzidas pela própria região de origem e deve centrar-se nas principais unidades de exploração vitivinícola, ou seja, nas quintas históricas da região.

Apercebi-me disso, há cerca de vinte anos, quando, quase por acaso, me deparei, no Arquivo Distrital do Porto, com a documentação das quintas que os Oratorianos do Porto possuíram no Douro no século XVIII e inícios do século XIX16, ou ainda quando, pela mesma altura, estudei alguns livros de

Arrolamentos de Vinhos de Embarque, guardados no Arquivo da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro17. O manancial de informações

directas sobre a produção a que essas fontes me permitiram aceder era excep-cional face aos conhecimentos disponíveis pela bibliografia então existente. Desde a geografia do vinhedo às vicissitudes da produção, em termos quanti-tativos e qualiquanti-tativos, às técnicas de cultivo da vinha, às práticas de vinificação, ao regime de propriedade, às relações de produção e à estruturação social, aos ritmos de investimentos, aos salários e aos preços, às estratégias empresariais ou aos mecanismos de transporte e comércio do vinho, todo um conjunto de informações surgia, através dessa documentação, de forma mais nítida do que aquela que os textos institucionais dispensavam.

Pude avaliar as virtualidades dessa linha de investigação em trabalhos mais recentes, como a biografia da Dona Antónia18 ou a monografia sobre a Quinta

de Ventozelo19. Em qualquer destes casos, a documentação sobre as

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guar-dada no Arquivo Histórico da empresa A. A. Ferreira, em Gaia; no segundo, estava no Paço de Gominhães, em Vizela, pertencente aos descendentes da família da Casa do Poço, de Lamego, possuidores da Quinta de Ventozelo até ao início do século XX.

Ou seja, apesar das perdas irreparáveis que o património documental duriense sofreu ao longo do tempo20, conservam-se ainda importantes acervos

documentais produzidos nas quintas históricas do Douro, embora, em diversos casos, essa documentação tenha sido deslocada do seu lugar original de produção, quer por razões de mudança da propriedade das quintas, quer por razões institu-cionais. Algumas dessas colecções arquivísticas de quintas e casas do Douro têm sido tratadas e organizadas com o apoio de técnicos de arquivos públicos ou de unidades de investigação. Foi o que aconteceu com o Arquivo do Paço de Cidadelhe21 e com a colecção da Casa da Calçada, de Provesende,

organiza-dos pelo Arquivo Distrital de Vila Real. Por sua vez, investigadores do GEHVID (Grupo de Estudos de História da Viticultura Duriense e do Vinho do Porto) orga-nizaram o Arquivo da Quinta de Santa Júlia de Loureiro22 e inventariaram,

estu-daram e publicaram boa parte dos pergaminhos do Arquivo da Quinta da Pacheca, da família Serpa Pimentel, muitos dos quais remontam ao século XV23. É um

movimento que poderá generalizar-se e descobrir um património fundamental para um maior conhecimento da história da região. Sabe-se que algumas casas e quintas guardam importantes espólios documentais, como o Solar de Mateus, que recebeu recentemente o apoio do Programa Operacional da Cultura para organizar o seu arquivo, ou ainda a Quinta do Paço de Monsul, com documen-tação que remonta pelo menos ao século XIV24, e muitas outras, mas não

possuem ainda instrumentos de pesquisa e o seu acesso é bastante reservado.

4. Tratando-se de uma das mais importantes regiões vitícolas do mundo,

quer pela antiguidade do investimento vinhateiro quer pelas características que singularizam a sua produção, a Região Demarcada do Douro, reconhecida pela UNESCO, desde Dezembro de 2001, como Património Mundial, merece a atenção dos organismos responsáveis relativamente ao seu património documen-tal, em particular o que se relaciona mais directamente com a produção vitiviní-cola. Disperso, na sua maior parte vedado aos investigadores, desorganizado e, em certos casos, em risco, a importância desse património justifica medidas urgentes de preservação e valorização, quer através do seu tratamento especiali-zado, quer através do seu estudo. Deve, no entanto, sempre que possível, pro-mover-se a sua conservação nas casas ou quintas que os produziram, já que a sua descontextualização poderá representar perdas de significado e de função. Em relação a essas colecções privadas, sejam familiares ou de empresas, penso que seria de todo o interesse promover acções de cooperação entre os respectivos proprietários, os organismos responsáveis pelo património arqui-vístico, centros de investigação e unidades universitárias, com vista a mobilizar recursos técnicos e humanos adequados para a preservação, estudo e divulgação desses acervos.

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No âmbito das suas competências, de acordo com a Lei 125/97 que proce-deu à sua criação, o Museu do Douro, através do respectivo núcleo de Arquivo Histórico, poderá tornar-se um parceiro activo nesse trabalho de preservação e valorização do património arquivístico da região, sendo, porém, necessário dotar-se de espaços e recursos técnicos e humanos adequados.

Peso da Régua, Agosto de 2002.

NOTAS

1 MACEDO, Borges de – A situação económica no tempo de Pombal. Alguns aspectos. Porto:

Portugália, 1951 [2.ª ed. Lisboa: Moraes Ed., 1982].

2 PEREIRA, Miriam Halpern – Livre-câmbio e desenvolvimento económico. Portugal na segunda metade do século XIX. Lisboa: Edições Cosmos, 1971.

3 FISHER, H. E. S. – De Methuen a Pombal: o comércio anglo-português de 1700 a 1770.

Lisboa: Gradiva, 1984.

4 SCHNEIDER, Susan – O Marquês de Pombal e o vinho do Porto: dependência e subde-senvolvimento em Portugal no século XVIII. Lisboa: A Regra do Jogo, 1980.

5 Entre muitos outros trabalhos de Álvaro Baltasar Moreira da FONSECA, refiram-se: As demarcações pombalinas no Douro vinhateiro. 3 vols. Porto: Instituto do Vinho do Porto,

1949-1951; A ideação da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. Porto: Instituto do Vinho do Porto, 1955-1956.

6 Nomeadamente: TENREIRO, A. Guerra – Douro. Esboços para a sua História Económica.

Porto: Instituto do Vinho do Porto, 1942-1944.

7 Entre os inúmeros trabalhos, refira-se: GUICHARD, François – Porto, la ville dans sa région: contribution à l’ étude de l’ organisation de l’ éspace dans le Portugal du Nord. 2

vols. Paris: Fundação Gulbenkian/Centro Cultural Português, 1992.

8 LEMA, Paula Bordalo – O Alto Douro. Lisboa: Centro de Estudos Geográficos, 1980. 9 BARRETO, António – «O vinho do Porto e a intervenção do Estado». Análise Social. Vol.

XXIV (100). Lisboa, 1988, (1.º), pp. 373-390.

10 MOREIRA, Vital – O governo de Baco. Porto: Edições Afrontamento, 1998.

11 Destaquem-se, entre muitos outros trabalhos, os de ALMEIDA, Carlos Alberto Brochado

de – «O cultivo da vinha durante a Antiguidade Clássica na Região Demarcada do Douro: ponto da situação». Douro – Estudos & Documentos. Porto: GEHVID, 1996, n.º 2, pp. 18-30; DUARTE, Luís Miguel – «O vale do Douro da ocupação tardo-romana aos forais manue-linos: as nossas interrogações». Douro – Estudos & Documentos. Porto: GEHVID, 1996, n.º 2, pp. 57-69; GUIMARÃES, Gonçalves – «O comércio dos vinhos de Ribadouro e o desenvolvimento medieval e moderno de Vila Nova de Gaia». Gaya. Vol. V. Vila Nova de Gaia: Gabinete de História e Arqueologia de Vila Nova de Gaia, pp. 137-156; OLIVEIRA, Aurélio de – «Vinhos de Cima-Douro na primeira metade do século XVII: a primeira grande questão vinícola do Douro». Gaya. Vol. II. Vila Nova de Gaia: Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, 1984; «Douro, país vinhateiro. Da produção ao comércio. Algumas consi-derações». Revista da Faculdade de Letras – História. Porto: FLUP, 1993; SILVA, Fran-cisco Ribeiro da – O Porto e o seu termo (1580-1640): os homens, as instituições e o

poder. 2 vols. Porto: Arquivo Histórico/Câmara Municipal do Porto, 1988; CARDOSO,

António Barros – Hermes & Baco. 2 vols. Porto: FLUP. 2002; PEREIRA, Gaspar Martins – O Douro e o Vinho do Porto, de Pombal a João Franco. Porto: Edições Afrontamento, 1991; FAUVRELLE, Natália – Quintas do Douro. As arquitecturas do vinho do Porto. Porto: GEHVID/Câmara Municipal de S. João da Pesqueira, 2001; SEQUEIRA, Carla – A

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questão duriense e o movimento dos Paladinos 19, da Comissão de Viticultura Duriense à Casa do Douro, 1907-1932. Porto: GEHVID/CIRDD, 2000. Ou ainda os inúmeros artigos

publicados na revista Douro – Estudos & Documentos. Porto: GEHVID, 1996-2002.

12 MARTINS, Conceição Andrade – «A filoxera na viticultura nacional». Análise Social. Vol.

XXVI, (112-113). Lisboa, 1991, (3.º-4.º), pp. 653-688; Memória do Vinho do Porto. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais/Universidade de Lisboa, 1990; «Os ciclos do vinho do Porto: ensaio de periodização». Análise Social. Vol. XXIV (100). Lisboa, 1988 (1.º), pp. 391-429;

Vinha, vinho e política vinícola em Portugal. Do Pombalismo à Regeneração. 3 vols. Évora,

1998 [dissertação de doutoramento].

13 COSTA, António Pinto da – Douro, terra de vinho e gente. Lisboa: Cosmos, 1999. 14 DUGUID, Paul – «Lavradores, exportadores, intermediários e capitalistas: componentes

da Região do vinho do Porto». Douro – Estudos & Documentos. Porto: GEHVID, 1996, n.º 2, pp. 201-224; «O Vintage antes do Vintage». Douro – Estudos & Documentos. Porto: GEHVID, 1999, n.º 8, pp. 57-73.

15 BENNETT, Norman – «The wine growers of the Upper Douro, 1780-1800». Portuguese Studies Review. Vol. II (1). Durham, 1992-1993; «The Golden Age of the Port Wine System,

1781-1807». The International History Review. Vol. XVI (2). Simon Fraser University, 1994, pp. 221-240; «Port Wine Merchants: Sandeman in Porto, 1813-1831». The Journal

of European Economic History. 1995, n.º 24; «O sistema do Vinho do Porto dos anos 30

aos anos 50 do século XIX: guerra e reorganização». DOURO – Estudos & Documentos. Vol. I (2). Porto: GEHVID, 1996, pp. 181-199; «The Port Wine System in the 1890s». The

International History Review. Vol. XII (2). Simon Fraser University, Maio 1990, pp. 221-248. 16 PEREIRA, Gaspar Martins – «As quintas do Oratório do Porto no Alto Douro». Revista

de História Económica e Social, n.º 13. Lisboa: Sá da Costa Ed., 1984, pp. 13-49. 17 PEREIRA, Gaspar Martins – «Aspectos sociais da viticultura duriense nos fins do século

XVIII». In 1.as Jornadas do CENPA – Actas. Porto: CENPA, 1986, pp. 93-118.

18 PEREIRA, Gaspar Martins; OLAZABAL, Maria Luísa – Dona Antónia. Porto: B.P.I./A.

A. Ferreira, 1996.

19 PEREIRA, Gaspar Martins – Quinta de Ventozelo (no prelo).

20 A mais significativa dessas perdas de património arquivístico regional ocorreu no século

XIX, com o incêndio que destruiu, na sua quase totalidade, os cartórios dos conventos cister-cienses da Beira Douro (S. Pedro das Águias, S. João de Tarouca e Santa Maria de Sal-zedas).

21 ARQUIVO DISTRITAL DE VILA REAL – Arquivo do Paço de Cidadelhe. Mesão Frio:

C. M. Mesão Frio, 1996.

22 FAUVRELLE, Natália; LEAL, Paula Montes – «Arquivo da Quinta de Santa Júlia de

Lou-reiro». Douro – Estudos & Documentos, n.º 4. Porto: GEHVID, 1997 (2.º), pp. 377-385.

23 Cf. BARROS, Amândio; LEAL, Paula Montes – Os Pergaminhos da Quinta da Pacheca. I. Porto: GEHVID/Associação Beira Douro, 2001.

24 Em relação à colecção da Quinta de Paço de Monsul está previsto o seu depósito no

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