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A MATEMÁTICA NA PRODUÇÃO DE SELAS: UM ESTUDO ETNOMATEMÁTICO E DE UMA COMUNIDADE DE PRÁTICA

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A MATEMÁTICA NA PRODUÇÃO DE SELAS: UM ESTUDO ETNOMATEMÁTICO E DE UMA COMUNIDADE DE PRÁTICA

Ernani Martins dos Santos1 UPE/UFPE

Silvana Sales de Luna2 UPE

ermasantos@yahoo.com; silvanasalles20@yahoo.com.br

RESUMO

Este trabalho refere-se a um recorte de um estudo mais amplo, cujo objetivo é identificar e caracterizar a atividade matemática presente na produção de selas dos artesãos da cidade de Cachoeirinha. O foco aqui é o repertório partilhado pela comunidade de prática dos artesãos e aprendizes que produzem selas, fazendo uma análise, também, sob o olhar da Etnomatemática. Pretendemos apontar pistas de desenvolvimento e reflexão sobre o que pode significar ser matematicamente competente na sociedade atual, questão que consideramos fundamental na Educação Matemática.

Palavras-chave: Aprendizagem Situada; Prática; Contexto; Cultura.

1. Introdução

Este trabalho refere-se a um recorte de um estudo mais amplo, que vem sendo desenvolvido desde o ano de 2006, inicialmente tomado na esfera da iniciação científica, cujo objetivo maior é identificar e caracterizar a atividade

1

Professor Assistente da UPE (Campus Garanhuns) e Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Cognitiva da UFPE.

2 Professora do PROGRAPE/UPE e estudante de Pós-Graduação Lato Sensu da UPE (Campus Garanhuns).

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matemática presente na produção de selas dos artesãos da cidade de Cachoeirinha, agreste pernambucano. Nesse recorte focamos essencialmente às práticas socialmente não definidas como Matemática, mas que se utilizam do conhecimento matemático.

Os dados empíricos foram coletados em algumas das tendas de fabricação de selas, em Cachoeirinha, olhando para algumas das atividades da prática dos artesãos e seus aprendizes. As várias atividades que compõem a prática desta comunidade ‘bebem’ de um sistema de atividades relacionadas com a lógica de produção.

O suporte teórico para a análise dos dados tem duas vertentes. Por um lado a teoria da Etnomatemática, fortemente baseada em D´Ambrósio (2002) e Knijnik (1996), que valida o conhecimento matemático nos diversos contextos culturais, procurando explicar, conhecer e entender os processos matemáticos nesses contextos. Por outro, a teoria da Aprendizagem Situada, com ênfase nos estudos de Lave (1988); Lave e Wenger (1991); Wenger (2002, 1998), que argumentam que a aprendizagem é uma propriedade que emerge de certas interações sociais.

2. O olhar com o enfoque da Etnomatemática

D´Ambrósio (2002) põe que a Etnomatemática é hoje considerada uma subárea da História da Matemática e da Educação Matemática, com uma relação muito natural com a Antropologia e as Ciências da Cognição, e que esta seria:

“... a matemática praticada por grupos culturais, tais como comunidades urbanas e rurais, grupos de trabalhadores, classes profissionais, crianças de certa faixa etária, sociedades indígenas, e tantos outros grupos que se identificam por objetivos e tradições comuns aos grupos” D´Ambrósio (2002, p. 09).

A perspectiva que Knijnik (1996) denomina “Abordagem Etnomatemática” pode ser vista como uma proposta para o ensino da Matemática que procura resgatar a intencionalidade do sujeito manifestada em seu fazer matemático, ao se preocupar com que a motivação seja gerada por uma situação-problema por ele selecionada, com a valorização e o encorajamento às manifestações das idéias e opiniões de todos.

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como na discussão do critério de seleção dos conteúdos (no caso, sua relevância no cotidiano da luta pela sobrevivência) e, principalmente, no tratamento que confere aos saberes populares: não se busca ali usar os saberes populares unicamente como material intelectual, ponte a partir da qual os saberes acadêmicos seriam aprendidos. Segundo a autora, o processo pedagógico é orientado num duplo sentido: por um lado, o propósito de ensinar Matemática acadêmica, socialmente legitimada, cujo domínio os próprios grupos subordinados colocam como condição para que possam participar da vida social, cultural e econômica de modo menos desvantajoso. Por outro lado, a Matemática popular não é considerada meramente um folclore, algo que merece ser resgatado para que o povo se sinta valorizado, embora esta operação possa produzir tal efeito. As práticas matemáticas populares são “interpretadas e decodificadas, tendo em vista a apreensão de sua coerência interna e sua estreita conexão com o mundo prático”, o que as habilita a continuarem sendo utilizadas em situações que o aluno saberá julgar adequadas (Knijnik, 1996, p. 62).

Há, ainda, um ponto central do processo pedagógico que Knijnik destaca em seu trabalho: os saberes acadêmicos e populares não devem ser tratados de modo dicotômico. Suas relações devem ser permanentemente examinadas, tendo como parâmetro de análise as relações de poder envolvidas no uso de cada um desses saberes. Esta questão é tratada de maneira cuidadosa pela autora, a partir da problematização da vertente da Educação Matemática à qual seu trabalho está vinculado, a Etnomatemática. Esta visão não dicotômica é também posta por Meira (1993), que defende a idéia de que é possível estabelecer relações entre a Matemática escolar e a Matemática extra-escolar3 de forma a propor uma Educação Matemática mais significativa, sem que seja necessário buscar uma correspondência ingênua entre os conceitos matemáticos praticados na escola e os conceitos presentes na vida extra-escolar como posto em Spinillo (2005).

Acreditamos que a produção do conhecimento matemático não pode estar

3 Tratamos a Matemática escolar e extra-escolar aqui comungando com a idéia de Spinillo (2005), que diz que a primeira é considerada de natureza formal, científica, sistematizada, associada a contextos de sala de aula e a segunda como informal, espontânea, como conhecimento do dia-a-dia, associada às ruas, a casa e a contextos sociais.

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desvinculada dos movimentos sociais e da cultura de quem produz essa Matemática. Nesse sentido, podemos afirmar que há um entrelaçamento entre a Matemática produzida, a sociedade que a produz e a cultura que subsidia essa produção. Tal entrelaçamento é construído através de um processo cognitivo, mediado pela ação criativa de diversos operadores mentais, impulsionados pela necessidade de ler, compreender e explicar a realidade inventada e validada pela sociedade humana.

Um aspecto para que se reflita acerca das bases da Matemática, cognição, sociedade e cultura está apoiado na história. A Matemática vai se construindo e reconstruindo, sendo ressignificada a cada momento histórico e de acordo com as exigências da sociedade. Segundo Mendes (2004) essas exigências se configuram nas atividades socioculturais que vão se formulando no processo de adaptabilidade cognitiva que é característico da sociedade humana. Com isso, vamos exigindo de nós mesmos, enquanto sociedade, uma produção ou reprodução da Matemática, de acordo com as necessidades evidenciadas nas atividades praticadas nos contextos sociais nos quais estamos inseridos e, para isso, necessitamos produzir ou reproduzir a Matemática existente dos nossos antepassados, dos povos antigos. Nesse sentido, é necessário procurarmos entender o processo epistemológico da Matemática, ou seja, o processo gerativo desse conhecimento, o porquê de sua organização e sistematização.

3. A estrutura da comunidade de prática

Wenger (2002) afirma que uma comunidade de prática é uma combinação única de três elementos fundamentais: um domínio de conhecimento, que define um conjunto de questões e problemas; uma comunidade de pessoas que se preocupam com esse domínio; e uma prática partilhada que desenvolvem para ser efetivos no seu domínio.

Segundo a autora, o domínio cria uma base comum e o sentido de identidade comum. Um domínio bem definido legitima a comunidade afirmando os seus propósitos e o valor para os membros e outros interessados. O domínio inspira os membros para contribuir e participar, guia a aprendizagem e dá significado às suas ações. A comunidade cria a fábrica social da aprendizagem. Já a prática é um conjunto de estruturas, idéias, ferramentas, informação, estilos, linguagem, histórias e documentos que os membros da comunidade partilham. Enquanto o domínio se refere ao tópico específico em que a comunidade se foca, a prática é o

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conhecimento específico que a comunidade desenvolve, partilha e mantém. Denota um conjunto de modos de fazer as coisas socialmente definido num domínio específico: um conjunto de abordagens e normas partilhadas que criam a base para a ação, comunicação, resolução de problemas, desempenho e responsabilidade. Estes recursos comuns incluem uma variedade de tipos de conhecimento: casos e histórias, teorias, regras, estruturas, modelos, princípios, ferramentas, artigos, lições aprendidas, melhores práticas e heurísticas como posto por Wenger (1998).

Lave (1988) argumenta que a aprendizagem uma vez que normalmente ocorre é uma função da atividade, do contexto e da cultura em que o indivíduo está situado.

Assim, Lave e Wenger (1991) desenvolveram a teoria geral de aquisição do conhecimento denominada “Aprendizagem Situada”. Os autores fornecem uma análise da aprendizagem situada em cinco diferentes configurações: parteiras Yucatec, costura nativa, quartermasters da marinha americana, cortadores de carne e alcoólicos. Em todos os casos, verificou-se uma progressiva aquisição de conhecimentos e competências como aprendizes que aprenderam com um perito no contexto das atividades cotidianas.

A Aprendizagem Situada baseia-se em dois princípios:

1. O conhecimento precisa ser apresentado em um contexto autêntico, isto é, definições e aplicações que normalmente envolvem esse conhecimento;

2. Aprender requer interação social e colaboração.

Wenger (1998) apresenta ainda três dimensões da relação entre comunidade e prática, pela qual a prática é a fonte de coerência da comunidade:

1. Engajamento mútuo;

2. Um empreendimento conjunto; 3. Um repertório partilhado.

Muitos pesquisadores, em contextos diferentes, vêm se dedicando a estudos de análise sob a ótica de uma comunidade de prática e o conhecimento matemático que a ela se refere como os trabalhos de Fernandes (2004), Goos & Bennison (2006) e Jaworski & Goodchild (2006), por exemplo.

O foco deste trabalho é o repertório partilhado pela comunidade de prática dos artesãos da fabricação de selas da Cidade de Cachoeirinha, Pernambuco. Devido ao fato da prática desta comunidade ser composta por várias atividades, o desenvolvimento do repertório partilhado é composto por elementos da fabricação

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de selas, do conhecimento matemático, bem como por elementos das outras atividades em que os artesãos participam. Estamos focando aqui a fabricação de selas e o conhecimento matemático subjacente a ela, advindos das atividades dos artesãos nas tendas de produção.

4. O repertório partilhado pela comunidade de prática dos artesãos e seus aprendizes na fabricação de selas

A cidade de Cachoeirinha tem aproximadamente 18.000 habitantes, está situada a 170 km de Recife, a capital do estado de Pernambuco. A base econômica desta cidade do agreste é o artesanato, que envolve a produção e a comercialização de selas e artigos de couro e aço em feiras livres, em lojas e até em outras cidades e estados. Hoje estão catalogadas na cidade 400 tendas, onde trabalham 980 artesãos. A produção mensal é estimada em: 29.484 peças de couro, 32.500 peças de aço e 3.060 selas, conforme dados da prefeitura da região. Todo o comércio envolvido e o processo de fabricação são vitais para a economia local, e deu origem a Associação dos Artesãos do Couro e Aço (AACAC), que realiza projetos em diferentes campos de atuação, como é o caso da “Criança Couraço.’’

A terceira característica da prática, descrita por Wenger (1998) como fonte de coerência da comunidade, é o desenvolvimento de um repertório partilhado.

“O repertório de uma comunidade de prática inclui rotinas, palavras, ferramentas, modos de fazer as coisas, histórias, gestos, símbolos, ações ou conceitos que a comunidade produziu ou adaptou no curso de sua existência, e que se tornaram parte de sua prática. O repertório combina aspectos participativos. Inclui o discurso pelo qual os membros criam afirmações significativas sobre o mundo, bem como os estilos pelos quais expressam as suas formas de ser membro e sua identidade como membros” (Wenger, 1998, p. 83).

Na fabricação de selas em Cachoeirinha, entre os artesãos, não há uma divisão de tarefas, estes participam de todos os processos na fabricação. Assim, não há quem só corte, quem só costure, etc. O “aprendiz” de um artesão vai aprender todo o processo de fabricação, só que por fases. Eles começam a fazer as atividades tidas como mais simples pelos artesãos e paulatinamente vão passando para as consideradas mais complexas. Muitos dos aprendizes, que em sua maioria são meninos, antes de se tornarem “aprendizes” freqüentam as tendas ajudando a passar cola nos cortes, a encher os recipientes de cola, a levar o produto de um processo de fabricação para outro, mas estes ainda não são considerados

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“aprendizes” e sim “ajudantes”, que podem vir a torna-se um aprendiz. Geralmente estes ajudantes são crianças ou pré-adolescentes e os aprendizes já são adolescentes. Um dado interessante é que os ajudantes freqüentam a escola e muitos dos aprendizes a abandonam. Talvez o fato freqüentarem a escola ou não seja um reflexo do projeto “Criança Couraço”. Este abandono e o resgate do aprendiz/artesão para a escola é outro viés do nosso estudo maior, ao qual este trabalho está vinculado, e que não abordaremos aqui.

A primeira coisa que se aprende a fazer no ofício de artesão é o arreio. Nessa fase o aprendiz é instruído e pratica como cortar o couro, como perfurá-lo, como colar toda a extensão do couro, colocar a ferragem e costurar a peça. É um início visto por nós como complexo, uma vez que envolve muitas etapas e atividades. Para eles talvez não, uma vez que já possuem certa familiaridade com as atividades. Interessante que nesta fase o aprendiz aprende a colar toda extensão do couro. Na fase de “ajudante” ele aprende a passar cola no couro. Há, obviamente, uma diferença entre passar colar e colar, e estas são tarefas praticadas por pessoas distintas, nessa comunidade. A próxima etapa é aprender a fazer a capa (conhecida também como pestana ou soador). Nessa fase há um novo corte do couro, introdução do corte do desenho que irá enfeitar a peça, outro processo de passar cola (feito apenas pelo aprendiz) e colar e a colocação de outra capa por cima desta, que pode ser o camussão, a vaqueta ou o couro de bode. Estas últimas capas têm o mesmo processo de fabricação da primeira, descrita nessa fase, porém molduras diferentes. Esta fase é verdadeiramente composta por duas etapas de produção de capa, distintas uma da outra. Aprendem-se ambas separadamente, mas o processo de montagem e colagem está intrínseco numa única etapa. A última fase no aprendizado é o que eles chamam da montagem propriamente dita da sela. Nessa fase o aprendiz usa materiais que já são adquiridos prontos pelos artesãos em suas tendas, como: o ação, o pó, o saco e a bucha. Após aprender e dominar as três fases o, até então, “aprendiz” passará a produzir uma sela como qualquer outro artesão da região, sendo considerado um profissional. O tempo estimado para que um aprendiz passe por todo esse processo e se torne um artesão é em torno de nove meses.

O domínio da comunidade aqui descrita é a aprendizagem na tenda de fabricação de selas. Jovens juntam-se a adultos, em tendas, porque querem tornar-se artesãos como os adultos. Para atingirem o tornar-seu objetivo traçam dois caminhos:

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passam a ser ajudantes nas tendas e ao tornarem-se hábeis nisso propõem aos artesãos de uma tenda a tornarem-se aprendizes daquela arte.

A atividade de montagem de selas tem várias rotinas como cortar, medir, colar, calcular, etc. Estas diferentes rotinas estão bastante relacionadas umas com as outras. Ou seja, para cortar um bocado de couro é preciso medi-lo. Antes de colar, os aprendizes fazem também várias medições para perceber se o objeto está no tamanho adequado, se tem as medidas pretendidas. Os cálculos que os aprendizes têm que efetuar também estão bastante ligados ao objeto que estão construindo. Medir pode ter diferentes significados consoante a situação. Medir pode significar comparar dois objetos distintos, nomeadamente dois ângulos, dois comprimentos, duas áreas. Muitas vezes os aprendizes usam um bocado de couro já cortado como molde para outras peças. Para medir comprimentos usam a fita métrica. A análise do processo de composição de figuras, no caso produção de peças de diferentes moldes, numa mesma peça de couro, remete-nos a ação de cortar e medir o couro em função da quantidade de peças pretendidas numa determinada área pré-estabelecida (peça de couro a ser utilizada). Cortar, tal como medir, não se resume apenas aquilo que se possa, num primeiro olhar, acreditar. Nestes processos estão envolvidos uma série de procedimentos que requer mais do que uma medição simples, usando apenas a fita métrica. Estes procedimentos foram-se tornando rotinas e modos de fazer as coisas através do engajamento nesta atividade da prática, com a repetição e à medida que vão fazendo sentido para os aprendizes. Surgiram de necessidades emergentes da mesma.

O conceito de proporcionalidade está intrínseco ao raciocínio de correspondência, levando em consideração a relação entre duas variáveis. Assim, na medida em que estabelecem uma relação direta entre a quantidade de peças produzidas com a quantidade de couro utilizada, os aprendizes e artesãos fazem uma relação de proporção.

A distribuição de cola em recipientes menores também estaria ligada ao conceito de divisão e de volume. Os donos das tendas compram cola em garrafões de vinte litros que devem ser distribuídos em recipientes de um litro, para facilitar a utilização da cola por muitos ao mesmo tempo, moldados e construídos pelos artesãos a partir de garrafas plásticas tipo pet (garrafas de refrigerantes de dois litros). Desse modo sabem que serão necessárias vinte garrafas plásticas de dois litros, para a montagem dos recipientes menores ou então para distribuírem a cola

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nos já existentes, uma vez que só a parte inferior da garrafa é utilizada na divisão da cola, através da verificação do volume de cola distribuído. Os artesãos e aprendizes poderiam utilizar garrafas do mesmo material, mas com outros volumes (um litro e meio, dois litros e meio, etc.). Porém, eles sabem que isto dificultaria a divisão do volume de cola em recipientes de um litro, uma vez que o corte nas garrafas de dois litros é feito de forma única e padronizada (eles fazem tomando como molde garrafas já cortadas, sabem em que altura a garrafa plástica de refrigerante deve ser cortada para obterem um volume de um litro). Assim, ao utilizarem garrafas de vários volumes (dois litros, um litro e meio, etc.) não poderão cortar sempre seguindo um único molde e sim vários moldes de garrafa.

A Matemática aqui exposta surge entrelaçada nestes procedimentos. Não existe uma aprendizagem matemática isoladamente do resto dos segmentos de atividade que compõe a produção de selas. Ela emerge dos procedimentos destas atividades de prática e incorporada neles, assim como Carraher, Carraher e Schliemann (1995) apontam as atividades de matemática extra-escolar de vendedores ambulantes e feirantes, por exemplo.

5. Considerações finais

A Matemática usada e aprendida nas tendas de fabricação de selas surge entrelaçada nas ferramentas e na própria prática, onde as ferramentas têm um papel importante na formação das idéias matemáticas dos artesãos e aprendizes. Não existe uma aprendizagem matemática isoladamente do resto dos segmentos de atividade que compõem a produção de selas. A ação é vital na Matemática dos artesãos. Há um conhecimento matemático tácito nas suas ações físicas, que não surge de forma convencional (Matemática escolar), mas nas ações dos artesãos e aprendizes estão autênticas experiências de uso da Matemática no contexto das tendas de fabricação de selas.

A Etnomatemática privilegia o raciocínio qualitativo. Um enfoque etnomatemático está ligado a uma questão maior, raramente desvinculado de outras manifestações culturais tais como religião, arte ou conhecimento popular. A Etnomatemática traz, assim, uma concepção holística da Educação.

A Etnomatemática pode ser uma ferramenta impressionantemente simples e eficaz na tarefa de desmistificar a Matemática e aproximá-la das necessidades locais.

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aprendizagem?

Na atividade de produção de selas não existem respostas certas ou erradas, visto que o processo é também de solução. O objetivo é criar peças sem defeito, mas supõe-se que aconteçam erros no percurso. A construção da experiência faz-se nestes avanços e recuos, no qual a aprendizagem ocorre. Nas aulas de Matemática os alunos, muitas vezes, têm por objetivo encontrar a resposta correta o mais rapidamente possível. O produto, neste caso, é mais importante que o processo.

A Matemática escolar tende a ignorar a Matemática que é gerada em contextos diários dos jovens e a trabalhar essencialmente os aspectos formais. Ultrapassar esta situação implica trabalhar com os professores no sentido de se apropriarem da idéia do que pode significar ser matematicamente competente na sociedade atual. Este trabalho pretendeu dar pistas de desenvolvimento e reflexão sobre esta questão que consideramos fundamental na Educação Matemática.

6. Referências bibliográficas

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FERNANDES, Elsa. Aprender matemática para viver e trabalhar no nosso mundo. PhD Tesis. Doutorado em Ciências da Educação. Universidade de Lisboa, 2004.

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Referências

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