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A interpretação, a validade e o regime dos contratos de associação celebrados em 2015

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A interpretação, a validade e o regime dos contratos de associação celebrados em 2015

1. Os contratos celebrados em 2015

O Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (EEPC), publicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de Novembro, alterou o quadro legislativo anterior, consagrando um novo modelo de contratos de associação. Nos termos legais, embora a finalidade principal dos contratos de associação continue, aparentemente, a ser suprir a falta de escolas públicas em áreas carenciadas, a carência deixou de ser um critério de definição dos contratos, que passam a integrar a rede de oferta pública de ensino, enquanto parte das opções oferecidas às famílias no âmbito da sua liberdade de escolha no ensino dos seus educandos.

Neste quadro normativo, o Governo decidiu, através da Portaria n.º 172-A/2015, de 5 de Junho, abrir trienalmente procedimentos de concurso para adjudicação de contratos de associação, válidos por 3 anos lectivos, tendo sido aberto em 2015 o concurso para os anos de 2015/2016, 2016/2017 e 2017/2018.

Nesses contratos, celebrados com as entidades vencedoras do concurso, fixaram-se os números máximos de turmas a financiar pelo Estado no 2.º e no 3.º ciclo do ensino básico e no ensino secundário, dentro das condições definidas na lei.

2. A posição do Governo em 2016

2.1. O Governo sustenta agora, em Abril de 2016, uma interpretação dos contratos, no sentido de que apenas está obrigado a manter as turmas contratadas para assegurar a conclusão do ciclo de ensino pelas turmas ou alunos abrangidos, podendo reavaliar as necessidades de contratação relativamente aos anos de início de ciclo (5.º, 7.º e 10.º anos).

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Na sequência desta interpretação e da correspondente avaliação de necessidades existentes, determinou que, no ano lectivo de 2016/2017, não funcionarão, ao abrigo dos contratos de associação, um número relevante de turmas contratadas em início de ciclo.

Como fundamento da sua interpretação dos textos contratuais, o Governo invoca que os contratos de associação apenas são admissíveis em situações de carência da escola pública, e que o EEPC de 2013, na medida em que permita a extensão dos contratos a outras situações, sendo um decreto-lei de desenvolvimento, é ilegal, por violação da Lei de Bases do EPC (Lei n.º 9/79, de 19 de Março) e da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro), e, em última análise, inconstitucional, por ofensa ao artigo 75.º da Constituição, que impõe ao Estado a criação “de uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população”.

Os contratos manter-se-iam no que respeita às turmas de continuidade, mesmo em eventuais situações de não carência, para cumprimento do n.º 2 do artigo 17.º do EEPC, nos termos do qual o Estado “assegura a manutenção do contrato até à conclusão do ciclo de ensino pelas turmas ou alunos por ele abrangidas” – seria esse, aliás, o sentido da duração trienal dos contratos.

2.2. Além disso, o Governo, mediante o Despacho normativo n.º 1-H/2016, da Secretária de Estado Adjunta e da Educação e do Secretário de Estado da Educação, publicado a 14 de Abril, acrescentou um n.º 9 ao artigo 3.º do Despacho Normativo n.º 7-B/2015, determinando que a “frequência de estabelecimentos de ensino particular e cooperativo com contrato de associação, na parte do apoio financeiro outorgado pelo Estado, é a correspondente à área geográfica de implantação da oferta abrangida pelo respetivo contrato”, com a intenção de limitar a frequência das turmas contratadas aos alunos que provenham das freguesias onde estão situadas as escolas.

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Esta determinação limita, apenas para as escolas com contrato de associação, o alcance tradicionalmente dado à admissão de alunos nos estabelecimentos de ensino básico e secundário, cujas regras continuam a valer para a matrícula nas escolas públicas.

3. A interpretação do contrato

Havendo divergências entre o Governo e as entidades contratadas sobre o sentido das cláusulas contratuais, importa começar por dizer que, em matéria de interpretação de contratos, mesmo de contratos administrativos, o Estado não dispõe de um poder unilateral: pode modificar o contrato ou resolvê-lo através de acto administrativo, mas as suas declarações sobre a interpretação ou a validade dos contratos são meramente opinativas.

Sempre foi assim, e, actualmente, o artigo 307.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos, é taxativo: “(...) as declarações do contraente público sobre interpretação e validade do contrato (...) são meras declarações negociais, pelo que, na falta de acordo do co-contratante, o contraente público apenas pode obter os efeitos pretendidos através do recurso à acção administrativa comum”.

3.1. Acontece que, no caso, a interpretação adoptada pelo Governo pretende afirmar que os três anos a que se referem os contratos são e só podem ser os anos necessários para completar os ciclos de ensino (pelo menos, o do 3.º ciclo do ensino básico e do secundário), por os contratos de associação pressuporem necessariamente a verificação anual da carência de oferta pública.

Ora, o artigo 16.º do EEPC/2013 não deixa dúvidas sobre a opção legislativa de modificação da natureza e das finalidades dos contratos de associação, que deixam de ser definidos pela situação de carência, como eram no EEPC/80:

“1 — Os contratos de associação têm por fim possibilitar a frequência das escolas do ensino particular e cooperativo em condições idênticas às do ensino ministrado nas escolas públicas, no respeito pela especificidade do respetivo

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projeto educativo.

2 — Os contratos de associação são celebrados com escolas particulares ou cooperativas, com vista à criação de oferta pública de ensino, ficando estes estabelecimentos de ensino obrigados a aceitar a matrícula de todos os alunos até ao limite da sua lotação, seguindo as prioridades idênticas às estabelecidas para as escolas públicas.”

E os “contratos plurianuais” a que se refere a lei (artigo 17.º, n.º 3/c)) são celebrados na sequência de procedimentos de concurso trienais, regulados pela Portaria n.º 172-A/2015, cujo artigo 3.º também não deixa quaisquer dúvidas de que os contratos são celebrados de três em três anos:

“1 – Tendo em conta a necessidade de garantir a oferta educativa aos alunos que pretendam frequentar as escolas do ensino particular e cooperativo em condições idênticas às do ensino ministrado nas escolas públicas, realiza – se, com uma periodicidade trienal, um procedimento administrativo nos termos da presente portaria, destinado à celebração de contratos de associação ou extensão dos contratos existentes a um novo ciclo de ensino.

2 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, no decurso do triénio pode ser autorizado, a título excecional, a realização de procedimento administrativo por despacho do membro do Governo responsável pela área da educação.”

A lei pretende realizar um planeamento escolar para três anos, supostamente com base na análise da taxa de cobertura e da taxa de ocupação do ensino oficial existente na área de implantação do novo equipamento educativo, bem como na observação das projecções de população escolar para os próximos anos lectivos.

E visa dar estabilidade à oferta de ensino particular e cooperativo nas áreas geográficas seleccionadas, ainda que não confira direitos plenos às entidades contratadas, já que o financiamento depende de haver procura efectiva de alunos e se estabelece a regulação e fiscalização oficial dos vários condicionalismos a cumprir, havendo lugar à validação anual das turmas, para

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verificação do estrito cumprimento das regras aplicáveis à sua constituição (por exemplo, o número mínimo de alunos exigido).

3.2. Concluímos, em face do exposto, que a interpretação redutora dos contratos, sustentada actualmente pelo Governo, não corresponde ao texto nem à vontade contratual manifestada.

Houve, em 2013, uma intenção legal de celebração de contratos de associação com as escolas particulares e cooperativas como alternativa à criação, manutenção ou expansão da rede pública, enquanto forma de garantir algum espaço de livre escolha das famílias – como, aliás, foi reconhecido pela própria Senhora Secretária de Estado, Alexandra Leitão, em escrito de doutrina:

“No anterior estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, os modelos contratuais de cooperação entre o Estado e as escolas particulares, designadamente os contratos de associação, eram celebrados para suprir a falta de escolas públicas em áreas carenciadas, assegurando a gratuitidade do ensino aos alunos que não tivessem vaga nas escolas públicas “enquanto o parque escolar do País não corresponder plenamente às necessidades da respetiva rede”(v. o n.º 1 do artigo 12.º do Decreto-Lei no 553/80, de 21 de novembro, e o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 108/88, de 31 de março).

Pelo contrário, no estatuto atualmente em vigor, a celebração de contratos de associação com as escolas particulares e cooperativas surge como alternativa à criação, manutenção ou expansão da rede pública, enquanto forma de garantir a livre escolha das famílias (artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de novembro)”.

É dizer que, em nosso entender, se justifica a interpretação que, com base nos próprios termos contratuais, é dada pelas escolas privadas e cooperativas aos contratos de associação celebrados no quadro da legislação em vigor, designadamente quanto à sua aplicação aos anos de início de ciclo, durante os três anos contratados – e que a sua representação do conteúdo dos

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contratos, bem como o investimento de confiança feito com base nessa leitura contratual, são legítimos e merecem protecção jurídica.

Seja como for, havendo duas interpretações diferentes, o Governo não pode impor a sua versão contratual, cabendo ao tribunal decidir qual é a interpretação válida, seja por iniciativa dos co-contratantes privados ou do Estado.

O Estado pode, como dissemos, modificar o conteúdo ou até resolver os contratos, por motivos de interesse público devidamente fundamentado, mediante justa indemnização dos co-contratantes privados, mas não pode pura e simplesmente impor-lhes a sua interpretação contratual.

4. A alegada ilegalidade e inconstitucionalidade do EEPC/2103

Outra é a questão de saber se a lei, com base na qual se celebraram os contratos de associação em apreço, o EEPC/2013, é ilegal, por violação de lei reforçada, ou inconstitucional, de modo que o contrato, interpretado nos termos defendidos pelos co-contratantes privados, seria inválido.

Também aqui se deve começar por dizer que o Governo, enquanto órgão superior da Administração Pública, está sujeito ao princípio da legalidade e não tem poderes de desaplicação das leis, seja com fundamento em ilegalidade qualificada ou em inconstitucionalidade – a não ser em casos excepcionais de violação evidente de preceitos constitucionais, em especial, relativos aos direitos, liberdades e garantias, o que não é manifestamente o caso.

Por isso, a pretender não cumprir os contratos de associação, por alegada ilegalidade ou inconstitucionalidade da lei com base na qual foram celebrados, teria de propor uma acção judicial para obter dos tribunais e, em última instância, do Tribunal Constitucional, a sua desaplicação no caso concreto – ou, através do Primeiro Ministro, pedir ao Tribunal Constitucional a declaração de ilegalidade ou inconstitucionalidade do EEPC, com força obrigatória geral e efeitos retroactivos.

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Ao optar pelo mero incumprimento do contrato, desaplicando a lei com fundamento em ilegalidade ou inconstitucionalidade, está a violar o princípio da separação dos poderes, usurpando atribuições judiciais.

Por outro lado, o Estado também não tem poderes para declarar unilateralmente a invalidade, total ou parcial, do contrato, com esse ou qualquer outro fundamento.

Repetimos: sempre foi assim, e, actualmente, o artigo 307.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos, é taxativo: “(...) as declarações do contraente público sobre interpretação e validade do contrato (...) são meras declarações negociais, pelo que, na falta de acordo do co-contratante, o contraente público apenas pode obter os efeitos pretendidos através do recurso à acção administrativa comum”.

O Estado pode, repetimos, modificar o conteúdo ou até resolver os contratos, por motivos de interesse público devidamente fundamentado, indemnizando os co-contratantes privados, mas não pode, como parece pretender, declarar a invalidade parcial do contrato.

4.1. Acontece que não se vislumbra que o EEPC/2013 contrarie as Leis de Bases ou a Constituição, na parte ou na medida em que reformulou os contratos de associação, admitindo-os também em casos em que não haja necessariamente ou deixe de haver carência comprovada de escolas públicas na respectiva área geográfica de implantação.

4.1.1. A Lei de Bases do EPC (Lei n.º 9/79, de 19 de Março), apesar de ser anterior à revisão constitucional de 1982, que eliminou a referência constitucional à supletividade do ensino particular e cooperativo, contém normas abertas, que conferem um grau de liberdade de concretização ao legislador que as venha a desenvolver.

É certo que a Lei garante a prioridade na contratação de apoios e a igualdade de financiamento público apenas aos estabelecimentos particulares e cooperativos que se localizem em áreas carenciadas de rede pública escolar:

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1 - Para efeitos do disposto no artigo 6.º, o Estado celebra contratos e concede subsídios a escolas particulares e cooperativas.

2 - Na celebração de contratos entre o Estado e as escolas particulares e cooperativas são consideradas as seguintes modalidades:

a) Contratos com estabelecimentos que, integrando-se nos objectivos e planos do Sistema Nacional de Educação e sem prejuízo da respectiva autonomia institucional e administrativa, se localizem em áreas carenciadas de rede pública escolar;

b) Contratos com estabelecimentos que obedeçam aos requisitos anteriores mas que se encontrem localizados em áreas suficientemente equipadas de estabelecimentos públicos;

c) Contratos com estabelecimentos em que, para além dos planos oficiais de ensino aos vários níveis, sejam ministradas outras matérias no quadro de experiências de actualização pedagógica e educativa.

3 - É concedida prioridade à celebração de contratos e atribuição de subsídios aos estabelecimentos referidos na alínea a) do n.º 2, bem como a jardins-de-infância e a escolas de ensino especial, nomeadamente em áreas geográficas carenciadas.

4 - Aos alunos de qualquer nível ou ramo de ensino que frequentem as escolas referidas na alínea a) do n.º 2 é garantida igualdade com os alunos do ensino oficial no que se refere a despesas com propinas e matrículas.

Mas a mesma Lei prevê expressamente a progressiva igualdade de condições de frequência entre escolas privadas e públicas nos níveis gratuitos:

Artigo 6.º

2. (…) São, designadamente, atribuições do Estado: (…)

d) Conceder subsídios e celebrar contratos para o funcionamento de escolas particulares e cooperativas, de forma a garantir progressivamente a igualdade de condições de frequência com o ensino público nos níveis gratuitos e atenuar as desigualdades existentes nos níveis não gratuitos.

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De resto, é evidente a rejeição da filosofia estatista nos n.ºs 2 e 3 do artigo 1.º da Lei de Bases, reconhecendo a importância da liberdade de escolha das famílias:

“2 - Ao Estado incumbe criar condições que possibilitem o acesso de todos à educação e à cultura e que permitam igualdade de oportunidades no exercício da livre escolha entre pluralidade de opções de vias educativas e de condições de ensino”

3 - É reconhecida aos pais a prioridade na escolha do processo educativo e de ensino para os seus filhos”.

Rejeição que, aliás, se torna muito significativa quando se verifica que, aquando da aprovação da Lei, houve efectivamente propostas do PCP no sentido de estabelecer o carácter supletivo do ensino particular e cooperativo, que não obtiveram vencimento.

Saliente-se, exemplificativamente, a posição do Partido Socialista na discussão do diploma:

“Atrás delas o PCP deseja camuflar aquilo que não quer afirmar abertamente e de cabeça levantada, isto é, a sua intolerância para com o ensino privado para não falar já da rejeição total deste tipo de ensino, o que cala muito mal na opinião pública, e especialmente a sua visão estreita, conservadora, apoiada num estatismo que impede a iniciativa livre de grupos de cidadãos nas tarefas nacionais de educação.

(...) Está bem patente esta concepção nas propostas de alteração que o PCP apresentou à última hora para votação, procurando limitar a aplicabilidade da Lei apenas àquelas escolas que, na sua estreita interpretação da Constituição, considera como supletivas, isto é, que deverão desaparecer quando a rede pública for ampliada. A aprovar tais aditamentos, então sim, a lei do PS, cujo projeto de sistema nacional de ensino não é o do PCP – fique claro de uma vez por todas –, teria sido, isso sim, radicalmente alterada (Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 24, p. 862).

4.1.2. Por sua vez, também não parece que a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro) imponha a ilegalidade da

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eventual extensão dos contratos de associação a situações em que não haja estrita carência de escola pública.

É certo que repete a norma constitucional, nos termos da qual “compete ao Estado criar uma rede de estabelecimentos públicos de educação e ensino que cubra as necessidades de toda a população” (artigo 40.º).

Mas justamente interpreta e concretiza o preceito numa perspectiva não estatizante, que não impõe a supletividade do ensino privado.

Em primeiro lugar, a Lei reconhece expressamente o valor do ensino particular e cooperativo como expressão do direito e da liberdade de escolha das famílias:

Artigo 57.º

1 - É reconhecido pelo Estado o valor do ensino particular e cooperativo como uma expressão concreta da liberdade de aprender e ensinar e do direito da família a orientar a educação dos filhos.

Em segundo lugar, integra os estabelecimentos privados e cooperativos na rede escolar, num quadro de racionalização de meios com os estabelecimentos públicos:

Artigo 58.º

1 - Os estabelecimentos do ensino particular e cooperativo que se enquadrem nos princípios gerais, finalidades, estruturas e objectivos do sistema educativo são considerados parte integrante da rede escolar.

2 - No alargamento ou no ajustamento da rede o Estado terá também em consideração as iniciativas e os estabelecimentos particulares e cooperativos, numa perspectiva de racionalização de meios, de aproveitamento de recursos e de garantia de qualidade.

Em terceiro lugar, prevê genericamente a possibilidade do financiamento, que pode ser realizado em diversas modalidades:

Artigo 61.º

2 - O Estado apoia financeiramente as iniciativas e os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo quando, no desempenho efetivo de uma função de interesse público, se integrem no plano de desenvolvimento da educação,

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Neste enquadramento, dificilmente se pode concluir que seja juridicamente ilegítima a modificação da natureza dos contratos de associação pelo legislador que, no exercício da sua liberdade de conformação, desenvolve as bases legais do sistema de ensino – concorde-se, ou não, com a solução legal.

4.1.3. Por fim, o EEPC/2013 não é inconstitucional, por violação do artigo 75.º da Constituição.

O preceito não tem de ser (e não pode ser) interpretado literalmente, numa leitura colectivista e estatizante, como monopólio estatal da educação, em termos de proibir o legislador democrático de contratar o financiamento público de qualquer iniciativa privada em áreas suficientemente equipadas de estabelecimentos públicos.

Tem sido e deve ser lido no contexto constitucional de liberdade e pluralismo, que consagra a liberdade de aprender e ensinar e o direito de criação de escolas particulares e cooperativas (artigo 43.º), bem como o direito dos pais à escolha da educação dos filhos (artigos 36.º, n.º 5, 67.º, n.º 2, alínea e), 68.º, n.º 1) – sobretudo quando, através da revisão de 1982, se alterou o n.º 2, eliminando a referência ao ensino particular e cooperativo como supletivo do ensino público e conferindo ao legislador competência própria para regular o papel que lhe é reconhecido no sistema de ensino.

O legislador tem o imperativo constitucional de harmonização do dever estadual de garantia de uma rede nacional de estabelecimentos de ensino, que cubra as necessidades de todo o país, com a liberdade de ensino e o direito de criação de escolas particulares, associados à liberdade de escolha pelos pais do projecto educativo para os seus filhos, bem como à autonomia das escolas, públicas e privadas.

E, neste contexto normativo, pode legitimamente alargar o conceito inicial de contrato de associação no quadro da regulação do ensino particular e cooperativo, que deixou de ser supletivo do ensino público, designadamente integrando os seus estabelecimentos de ensino na rede

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pública, para conseguir o objectivo constitucional da progressiva gratuitidade do ensino obrigatório.

4.1.4. Concluímos, pois, que o Governo, para além de não ter competência para declarar a invalidade do contrato e, menos ainda, para desaplicar o EEPC, não tem, em nosso entender, fundamento jurídico para não cumprir os contratos celebrados.

O Estado pode, voltamos a repetir, modificar o conteúdo ou até resolver os contratos, por motivos de interesse público devidamente fundamentado, indemnizando os co-contratantes privados, mas não pode deixar de os cumprir com fundamento na sua alegada ilegalidade ou inconstitucionalidade.

5. A legalidade do Despacho normativo n.º 1-H/2016

Está em causa o n.º 9 que o Despacho acrescentou ao artigo 3.º do Despacho Normativo n.º 7-B/2015, determinando que a “frequência de estabelecimentos de ensino particular e cooperativo com contrato de associação, na parte do apoio financeiro outorgado pelo Estado, é a correspondente à área geográfica de implantação da oferta abrangida pelo respetivo contrato”, com a intenção de limitar a frequência das turmas contratadas, estritamente, aos alunos que provenham das freguesias onde estão situadas as escolas.

Esta determinação altera, para as escolas com contrato de associação, o alcance que sempre foi dado à admissão de alunos em todas as escolas da rede pública e que continua a valer para a matrícula nas escolas públicas.

Resta saber se a alteração é conforme à lei e se é aplicável no âmbito dos contratos já celebrados.

Como decorre do artigo 16.º, n.º 2, do EEPC/2013, os contratos de associação são celebrados com escolas particulares ou cooperativas, com vista à criação de oferta pública de ensino, ficando estes estabelecimentos de ensino obrigados a aceitar a matrícula de todos os alunos até ao limite da sua lotação,

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Ora, os critérios estabelecidos nos artigos 10.º e 11.º do Despacho Normativo n.º 7-B/2015, que se mantêm em vigor, estabelecem várias prioridades que prevalecem sobre a localização da residência ou da actividade profissional dos encarregados de educação na área de influência da escola: alunos com necessidades educativas especiais de carácter permanente, alunos que no ano lectivo anterior tenham frequentado a educação pré-escolar ou o ensino básico no mesmo estabelecimento de educação e ou de ensino; alunos com irmãos já matriculados no estabelecimento de educação e de ensino.

Parece, pois, que não se justifica a limitação estrita da matrícula aos alunos da freguesia em que está situada a escola, pelo facto de só terem podido participar no concurso entidades localizadas em freguesias ou uniões de freguesias determinadas.

A condição geográfica do concurso respeita à situação das escolas e não necessariamente aos alunos, não impondo um critério para delimitar rigidamente o universo dos alunos elegíveis para a frequência dos estabelecimentos com contrato de associação.

Nessa medida, o Despacho normativo n.º 1-H/2016 poderá ser ilegal, se for interpretado e aplicado em termos que ponham em causa as prioridades de matrícula estabelecidas no EEPC, e é seguramente ilegal, por violação do artigo 19.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, se negar às crianças e jovens com necessidades educativas especiais de carácter permanente o direito a frequentar a escola, independentemente da sua área de residência.

Coimbra, Maio de 2016

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