Desenvolvimento da capacidade de representação gráfica
Os registos e marcas que a criança faz a partir das atividades de desenho e de pintura constituem alicerces significativos para todas as futuras atividades, quer sejam de desenho, de escrita ou de matemática “escrita”
Desenha-se
• o que se vê (Gestalt, Eisner, 1967) ou
• o que se conhece (Goodenough, 1926) ou
• o que é atraente - o modo como os media apresentam conceitos/ objetos (Toku, 1997)
A possibilidade de expressão plástica e artística permite:
• dar significação aos objetos e desenvolver o pensamento simbólico, as imagens e as operações mentais (Piaget, 1971)
• a ação e manipulação concreta e imagética • a criação de significados (Smith, 1982)
O desenvolvimento da capacidade de compreender signos verbais e visuais possibilita a aprendizagem, a compreensão, a experimentação e a utilização desses mesmos signos
• ... e depende do conhecimento aprofundado que se tem de outros domínios do conhecimento
Através do desenho e da pintura a criança: • aprende a formar representações,
• manipula signos e símbolos • e atribui significados
A função da educação artística é:
• sintonizar com o significado que a criança atribui a esta expressão
• participar numa relação recíproca entre “principiante” e “perito”...
Considerações sobre a criatividade no desenho Segundo Lowenfeld & Brittain (1970)
Estádios de desenvolvimento do desenho - Herbert Read (1966) Garatuja (2-4) Linha (4) Simbolismo descritivo (5-6) Realismo descritivo (7-8) Realismo visual (9-10) Repressão (11-14) Revivalismo artístico (14+)
Estádios de desenvolvimento da expressão gráfica - Lowenfeld (1947) e Lowenfeld & Brittain (1977)
Auto-expressão (garatuja, 2-4)
Representação (pré-esquema, 4-7) Conceito da forma (esquema, 7-9) Realismo (turma, 9-11)
Estádio da Garatuja ( 18 meses - 4 anos)
- As crianças seguem uma ordem bastante previsível,
1º traços desordenados num papel que evoluem para desenhos com conteúdo reconhecível
• Sem forma, sem intenção
• O embrião a partir da qual o grafismo se desenvolve • Ondulado
• Controlo muscular mínimo
• Movimento do braço em “varredura” a partir do cotovelo ou do ombro
• Movimento “emaranhado” como uma caneta agarrada a um pêndulo ou fio
• Garatuja desordenada: são realizados traços sem sentido,
repetidos que variam em longitude e direcção. A criança pode olhar para os outros enquanto desenha, ignora os limites do papel e mexe todo o corpo para desenhar
• Garatuja controlada: ocorre quando a criança descobre um vínculo entre os seus movimentos e os traços no papel. A criança descobre o controle visual sobre os traços que faz.
Garatuja circular: explora movimentos controlados e demonstra capacidade para desenhar formas mais complexas. Início da precisão.
Garatuja identificada: a criança começa a dar nome as seus desenhos - indício de mudança do cinestésico para o
pensamento imaginativo. Desenvolve uma base para retenção visual. Desenha com uma intenção.
Estádio Pré-Esquemático - 4 a 7 anos
• Desenvolve uma ideia visual (= esquema)
• Criação da forma - relação entre o desenho e o objeto - na forma e não na cor
• O uso da cor é mais emocional do que lógico
• O desenho mostra o que a criança percebe como mais importante o objeto
• Não compreende o espaço (objetos colocados ao acaso no desenho)
• 4/5 anos - temas “clássicos” que procuram um certo realismo (paisagens, casinhas, flores, super-heróis, veículos e animais). A distribuição dos desenhos no papel começa a obedecer a uma certa lógica, (céu no alto da folha). Aparece ainda a tendência para a antropomorfização (sol com olhos e boca)
• 5/6 anos - os desenhos têm começo, meio e fim e muitos detalhes (cor). As figuras humanas aparecem vestidas. Os temas variam e não têm diretamente a ver com a vida da criança (indício de desprendimento e capacidade de contar histórias sobre o mundo)
• Surgem formas circulares e lineares, que sugerem uma figura animal e/ ou humana…
• …que se torna mais elaborada (braços - mesmo que
estejam ao lado das pernas, que representam o abdómen ou o corpo.
In Malchiodi (1998) In Lowenfeld (1947)
Desenho de objetos geométricos (cubo e cilindro) Unidades únicas (3 aos 7 anos) Partes do objeto (4 aos 13 anos) Todo integrado
Estádio Esquemático - 7 a 9 anos
• Descoberta de uma ordem nas relações espaciais • Expressão a partir de um símbolo - linha de base
• A linha de base é universal - compreensão da relação entre criança e ambiente
• Espaço bidimensional - raras vezes surgem linhas que dão a noção de profundidade
.
• Representações do espaço e tempo - inclusão num único
desenho de diferentes sequências de tempo ou representação do tipo “Raio X” - simultaneidade interior e exterior como se o objeto fosse transparente.
• Relação entre cor e objeto - repetição das mesmas cores para os mesmos objetos = descoberta de lógica no mundo
Duas formas de desenvolver o realismo: • Observação - ver os outros, copiar movimentos
(e não os desenhos)
• Experimentação - indiscriminada - reconhecível - repetição bem sucedida
(geralmente, desenham cada vez mais figuras humanas e animais; e cada vez menos plantas
Estádio Pré-operatório ao operatório concreto
4 aos 8 anos
• Crescente realismo “intelectual”
Com o realismo surge também a noção de perspetiva
• Os desenhos transmitem uma impressão de profundidade e distância.
• São muito “exigentes” e muitas crianças deixam de desenhar por acharem que não têm “jeito”
Erros típicos:
• Transparências
• Perspetivas mistas
• Figuras ao lado umas das outras, sem profundidade • Consideração apenas do ângulo reto
…e ainda desenha árvores e outras formas, em ângulos retos, em relação à encosta
Construção do símbolo - 6 aos 9 anos
- A criança produz formas que representam ideias (conceitos)
- A superfície do papel corresponde ao mundo vertical (chão e céu)
- A necessidade de cada vez mais detalhes - A cor não é aleatória (céu azul, relva verde)
- As representações podem ter múltiplas camadas (imagens tipo “Raio-X”)
Alternativas de representação de uma cena
- Dobragem - vista diferente em cada metade da folha dobrada
- Olho de pássaro - cena vista de cima
- Múltiplas perspetivas - um único desenho com 2 ou mais vistas que representam uma ideia complexa
Alvorecer do realismo e a descoberta do:
- significado da cor
- significado do espaço - significado do traçado
Estádio da Turma - (9 aos 12 anos):
• maior consciência visual (maior proporção entre elementos, maior interesse por detalhes)
• desaparece a representação “tipo Raio X”. • temas diferentes conforme género sexual
• aumenta a aproximação entre cores e objetos
• descoberta do plano porque o espaço entre as linhas de base adquire significado
Realismo visual:
• Respeita o ponto de vista do observador
• Representa a perspetiva de forma adequada • Mostra esquerda, direita, frente e trás
• Linhas retas, ângulos, curvas, distância • Redução possível
• Desenha mais detalhes
• Emergência de relações euclidianas e projetivas • Aplicação relações topológicas
• Consciência de que não se podem representar os objetos tal como são (parecem ser) e, por isso, menor espontaneidade e vivacidade
• Expressão de sentimento • Subtileza da cor
• Objetos saem da linha de base • Tridimensionalidade
Estádio pré-adolescente - (10-13) • Maior autocrítica e cuidado
• Maior consciência pessoal e da diversidade humana que conduz a uma reavaliação da sua competência
(desencorajamento)
• Mais detalhe, ilusão de profundidade, subtileza da cor, e uso de técnicas e procedimentos sofisticados
Transição:
• criação de um mundo simbólico no papel
• objetividade e não-dependência das interpretações sujeito-objeto
Estádio pseudo-realista - 12 a 14 anos
• Artistas visuais: Inspiração através de estímulos visuais;
envolvimento – espectador que olha a partir do exterior; cor muda sob condições externas
• Artistas não-visuais: Produção com base em interpretações
subjetivas que denotam a sua relação emocional com o mundo; envolvimento de forma muito pessoal; cor é uma ferramenta que reflete uma reação emocional com o objeto
Aos 12 anos a competência é próxima dos adultos
Estádio da Arte dos adolescentes - 14 a 17 anos
- Desenha com acuidade e pormenor
- Utilização de perspetiva, luz, sombra, profundidade,
O desenho é útil como avaliação…
- Desenhar uma casa é o que melhor identifica os extremos - O desenho revela muito sobre o desenvolvimento cognitivo - O mesmo estádio não significa soluções idênticas
Um desenho, por si só, pouco revela
• A motivação para o desenho altera-se • Farta-se facilmente
– Prefere ir brincar
– Pode copiar os outros desenhos
Um desenho “livre” (ou a falta de esquema do que se reproduz) pode não potenciar este tipo de expressão e não revelar o
Estádios de desenvolvimento estético - (Parsons, 1987) 1. preferência 2. beleza e realismo 3. expressividade, 4. estilo e forma 5. autonomia.
A educação artística pode proporcionar a oportunidade de aumentar a capacidade de ação, de experiência, de redefinição e a estabilidade que é necessária numa sociedade cheia de mudanças, de tensões e incertezas.
Referências:
Alland, A., Jr. (1983). Playing with form: Children draw in six cultures. New York: Columbia University Press.
Bahia, Sara (2011). Capacidade de representação gráfica. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da
Universidade de Liboa.
Hurwitz, A. & Day, M. (1995).Children and Their Art. Harcourt Brace College Publishers, Texas
Lewis, D. & Greene, J. (1983). Your Child's Drawings: Their Hidden Meaning. London: Hutchinson and Co.
Lowenfeld, V. & Brittain, W.L. (1970). Creative and Mental Growth. (6th ed.) (p. 109). NY: Macmillan.
Lowenfeld, V. L. (1980). Desarrollo de la capacidade creadora, Buenos Aires, Editora Kapelusz.
Malchiodi, C.A. (1998). Understanding Children’s Drawing’s. New York: The Guilford Press.
Parsons, M. (1987). How we understand art: A cognitive developmental account of aesthetic experience.
Cambridge: Cambridge University Press.
Rahal, A. & Rolim, D. B. (2003). Desenho infantil e sua aplicação na avaliação fonoaudiológica. Revista Cefac: Atualização científica em Fonoaudiologia. (5) 4, 1-7
Read, H. (1943). Education through art. London: Faber and Faber