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150 anos. Patrocinador oficial FUNDAÇÃO MILLENIUM BCP

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Academic year: 2021

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Patrocinador oficial

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Coordenação editorial: José Morais Arnaud, Andrea Martins, César Neves Design gráfico: Flatland Design

Produção: DPI Cromotipo – Oficina de Artes Gráficas, Lda. Tiragem: 400 exemplares

Depósito Legal: 366919/13 ISBN: 978-972-9451-52-2

Associação dos Arqueólogos Portugueses Lisboa, 2013

O conteúdo dos artigos é da inteira responsabilidade dos autores. Sendo assim a As sociação dos Arqueólogos Portugueses declina qualquer responsabilidade por eventuais equívocos ou questões de ordem ética e legal.

Os desenhos da primeira e última páginas são, respectivamente, da autoria de Sara Cura e Carlos Boavida.

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o ritual funerário nos agri

olisiponensis. novos contributos

para a sua caracterização

Alexandre Marques Gonçalves / Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas / alexandre.masmo@gmail.com

ResuMo

Nos últimos anos realizaram ‑se um conjunto de intervenções que permitiram a identificação e escavação de vários contextos funerários nos agri do Município Olisiponense, contribuindo assim para uma melhor carac‑ terização destas manifestações no referido território.

Neste trabalho são apresentados alguns contextos funerários inéditos da zona mais ocidental da vasta área do Município Olisiponense, contribuindo assim para a sua caracterização num âmbito cronológico que se centra essencialmente no período entre Augusto e o início do século II d.C., quando o ritual predominante corresponde à cremação com deposição dos vestígios osteológicos humanos e cinzas em urna. O século II d.C. é marcado por profundas transformações no ritual funerário, de que se destaca a queda da prática da incineração, que entra progressivamente em desuso na passagem do século II para o III d.C., apesar das persistências tardias da sua utilização.

AbstRAct

In recent years, a number of archaeological interventions allowing the identification and excavation of some funerary contexts in the agri of the Olisiponense Municipium were conducted, thus contributing to a better characterization of this region’s related practices.

In this work, some of these contexts from the western area of the olisiponense municipium are presented in greater detail, spanning a chronological period between the emperorship of Augustus and the beginning of the 2nd century AD, a time marked by profound changes in the funerary rite, chief among which is the transition from the practice of incineration – gradually abandoned during the turn from 2nd to 3rd century AD – despite the persistence of later use.

São apresentados neste trabalho alguns contextos funerários romanos inéditos, designadamente da Granja dos Serrões e do Casal do Silvério, Sintra, procurando ‑se depois enquadrá ‑los num quadro evolutivo do ritual funerário de um território es‑ pecífico, os agri do municipium de Felicitas Iulia

Olisipo, no qual estão registados cerca de sete de‑

zenas de sítios. Verifica‑se, no entanto, que muitos correspondem a notícias antigas, muitas vezes pou‑ co desenvolvidas e frequentemente impossíveis de confirmar actualmente, constatando ‑se assim que a grande quantidade de locais reconhecidos não é complementada por escavações ou publicações ex‑ tensas (Monteiro, 2003). A maior parte dos locais reconhecidos correspondem a pequenas necrópoles associadas a villae ou a reduzidos aglomerados po‑

pulacionais, ainda que aqui sejam também estabe‑ lecidos alguns paralelos com o ritual praticado nas cidades, designadamente em Olisipo (Figura 1). 1. GRAnjA dos seRRões

As escavações dirigidas por Claudia Belchior nes‑ te sítio arqueológico em meados da década de 1990 permitiram identificar uma ocupação que terá inícios possivelmente ainda no século I a.C. e que se prolon‑ gará até à Alta Idade Média (Belchior, 1995 e 1996). A fase mais antiga está documentada por um fragmen‑ to de cerâmica campaniense A, para a qual é proposta uma cronologia entre meados do século II a.C. a me‑ ados do século seguinte (Sousa, 1996, p. 56 ‑57; Est. II, nº.15). Desta fase mais antiga regista ‑se ainda a re‑

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colha no local da inscrição funerária de “Doreta, filha de Docquirus”, patente na exposição permanente do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas, da‑ tável da segunda metade do século I a.C.

Nas proximidades da villa, concretamente na orla setentrional do vasto campo de lapiás da Granja dos Serrões, foi escavada uma sepultura de incineração no âmbito de uma intervenção de emergência, não tendo sido possível determinar se no local existem outros contextos funerários. Não foi também obser‑ vada a presença de qualquer evidência que suporte a realização de uma cremação em busta, pelo que pressupomos tratar ‑se de uma deposição secundá‑ ria dos restos osteológicos e cinzas resultantes da cremação no interior da grande urna de cerâmica, dentro da qual se encontrava uma segunda urna de duas asas, contendo igualmente material osteológi‑ co (Silva, 1999). A datação sobre madeira carboni‑ zada recuperada entre os fragmentos osteológicos do interior das urnas (referência ICN ‑1059) (Silva, 1999, p. 2) revelam as seguintes datas: 2010+/ ‑50 BP, equivalente a 116 cal BC a 89 cal AD (ibidem). A urna de maiores dimensões (Figura 3, nº. 1) tem uma pasta compacta com abundantes elementos não plásticos (ENP) de quartzo de média dimen‑ são e mica menos frequente. A sua cor é castanha e a superfície apresenta vestígios de engobe igual‑ mente castanho. Apesar destes grandes contento‑ res corresponderem a formas de grande difusão e muito sujeitas a alterações regionais, sendo por isso difícil estabelecer paralelos com significados crono‑ lógicos precisos (Nolen, 1981, p. 111), a grande urna desta sepultura apresenta alguns paralelos formais com algumas peças da necrópole de Casal de Pianos, Sintra, designadamente com as urnas da sepultura 1, provenientes de um contexto datável da primeira metade do século I d.C. através da associação a ou‑ tros materiais de cronologia mais fina (Monteiro, 2003, p. 21, Est. I, CPF/R/80/1 e CPF/R/80/11). Outros paralelos para estas urnas com bordo em forma de aba soerguida e com gargalo baixo podem ser encontrados na cerâmica comum da villa do Alto do Cidreira, Cascais, estando igualmente documen‑ tadas em Conímbriga, em camadas de época Flávia (Nolen, 1988, p. 123, Est. X, nº. 74) ou na urna C 4.1.(1) da necrópole de Santo André (Nolen e Dias, 1981, Est. VI), associada a um unguentário de vidro da época de Cláudio ‑Tito (Idem, p. 43).

A urna de menores dimensões e com duas asas (Figura 3, nº. 2), que se encontrava no interior da

peça maior, tem uma pasta de melhor qualidade de cor beije, pouco compacta e a superfícies externa conserva vestígios residuais de engobe castanho. Apesar de muito fragmentada e sem bordo, a peça conserva ainda assim o perfil praticamente comple‑ to, com o bojo arredondado e sem carena, com duas asas de fita. Apresenta paralelos formais muito pró‑ ximos da urna 502 da necrópole da Horta das Pinas (Nolen, 1985, p. 131, Est. XLVIII), que Jeannette Nolen associa à peça B7.1 (1) da necrópole de Santo André que se encontra datada por associação a ou‑ tros materiais do século I d.C., provavelmente de época Flávia (Nolen e Dias, 1981, p. 35;130, Est. XVI). Uma vez que na Granja dos Serrões está referenciada a presença de materiais de uma ocupação anterior ao século I d.C., será sempre difícil definir com precisão a cronologia das urnas funerárias recuperadas neste enterramento, já que não foi identificado outro tipo de espólio que permita uma aproximação cronológi‑ ca mais específica ao contexto, para além das urnas de cerâmica comum. No entanto, quer o ritual utilizado, quer a tipologia dos materiais parecem convergir para uma cronologia que se pode situar em torno da vira‑ gem da Era, extensível eventualmente até aos Flávios. 2. cAsAl do silvéRio

Este sítio arqueológico encontra ‑se referenciado na Carta Arqueológica de Sintra como necrópole ro ‑ mana, possivelmente associado a uma villa, conser‑ vando ‑se nas reservas do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas um conjunto bastante sig‑ nificativo de materiais arqueológicos que resultam de recolhas efectuadas naqueles terrenos por parte de munícipes. A quantidade de materiais justificam só por si um estudo mais detalhado, que não se en‑ quadra no âmbito do trabalho agora apresentado, e que está a ser elaborado pelo signatário em cola‑ boração com a antropóloga Filipa Cortesão Silva, responsável pelo estudo dos vestígios osteológicos humanos dos conjuntos funerários ali escavados em 2007 no âmbito de uma intervenção de emergência (Gonçalves, 2011a).

A realização daqueles trabalhos permitiu escavar vá‑ rias sepulturas associadas a uma construção consti‑ tuída por dois muros paralelos entre si e que se en‑ contrariam originalmente ligados através de uma outra estrutura parcialmente destruída pela abertura da vala que motivou a intervenção. Os blocos e lajes de calcário encontram ‑se ligados entre si apenas por

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terra argilosa e sem qualquer evidência de utilização de argamassa de cal, situação que parece reflectir uma construção pouco sólida, particularmente se tiver‑ mos em consideração que assentam directamente no substrato geológico de características argilosas. A ausência de telhas nos níveis de abandono associados à estrutura, ainda que não reflicta necessariamente a ausência de cobertura, parece também excluir a pre‑ sença de um edifício funerário de maiores dimen‑ sões, do tipo mausoléu. A recolha de epigrafia no actual casal, provavelmente proveniente desta ne‑ crópole, autorizam uma possível relação entre estas construções e alguns tipos de monumentos funerá‑ rios líticos, ainda que não seja fácil determinar qual a sua tipologia. Outra possibilidade a considerar na interpretação desta construção, será a de a mesma corresponder apenas à delimitação de um recinto fu‑ nerário associado a um grupo, reflectindo eventual‑ mente relações familiares.

Em estreita associação a esta construção, foram iden‑ tificados e escavados pelo menos seis enterramentos, alguns deles particularmente afectados pela abertu‑ ra da referida vala. Em pelo menos dois contextos verificou ‑se que foram arrastadas as cerâmicas e os conteúdos das urnas, ossos e cinzas, situação que torna difícil a distinção dos diferentes enterramen‑ tos. Por essa razão não é absolutamente claro que os contextos funerários identificados com os números IA e IB não possam corresponder efectivamente a dois enterramentos dis tintos ou apenas a uma sepul‑ tura contendo mais do que um contentor. Foi preci‑ samente junto destes con textos mais destruídos que foram recolhidas as únicas evidências concretas de espólio votivo associado aos contentores funerários, sendo igualmente esta a única situação documentada de utilização de ânfora – do tipo Dressel 7 ‑11/Classe 16 (Peacock e Williams, 1986, p. 117 ‑119) – para depo‑ sição dos restos da cremação. Nas terras remexidas associadas à destruição destes contextos foram ainda recuperados alguns elementos de parede de ânfora do Vale do Guadalquivir, provavelmente de Dressel 20/Classe 25 (Peacock e Williams, 1986, p. 136), ain‑ da que não tenha sido possível determinar se corres‑ pondem a um enterramento autónomo destruído ou se foram apenas utilizados alguns fragmentos como elemento de cobertura para outro contentor. A utilização de ânforas Dressel 20 como contentor funerário de cremações com deposição secundária está documentada nesta região, designadamente em quatro enterramentos da encosta de Sant’Ana, Lisboa

(Gonçalves, & alii, 2010). Para além dos contentores funerários de cerâmica registou ‑se ainda a presença de uma urna de chumbo, recuperada em muito mau estado de conservação, mas que tinha originalmente uma forma cilíndrica.

Todos os enterramentos do Casal do Silvério encon‑ travam ‑se dispostos em torno da referida construção de pedra, claramente associados à mesma e sem qual‑ quer sobreposição física de sepulturas (conforme fi‑ gura 2), esta última situação análoga à necrópole de Casal de Pianos (Monteiro, 2003), reflectindo uma utilização pouco densa destas necrópoles rurais, ain‑ da que noutras regiões se verifiquem pontualmente sobreposições físicas de alguns enterramentos, como em Valdoca (Ferreira e Andrade, 1966, p. 6).

O ritual utilizado nas cremações da necrópole de Casal do Silvério apresenta poucas variações, cor‑ respondendo sempre à sua deposição secundária em urnas, que foram depois colocadas directamen‑ te em covas abertas no substrato geológico argiloso. Em alguns enterramentos verificou ‑se que estas va‑ las continham ainda algumas cinzas no seu interior, encontrando ‑se a urna depositada sobre elas, sem que no entanto aqueles contextos se possam confun‑ dir com cremações em busta. Na área escavada não foi também identificada qualquer evidência que se possa relacionar com a área de ustrinum que, presumivel‑ mente, existiria associado ao espaço funerário. A associação inequívoca de espólio registou ‑se, co‑ mo se viu, apenas nos enterramentos parcialmente destruídos pela abertura da vala, aspecto que condi‑ ciona muito não apenas a percepção da composição dos conjuntos originais, mas também a sua localiza‑ ção precisa no âmbito específico do contexto funerá‑ rio em análise, uma vez que a deposição do espólio poderia ter sido efectuada dentro da vala juntamente com as urnas e sem especial organização, ou ser co‑ locado sobre aqueles contentores. A semelhança na composição dos dois eventuais conjuntos votivos, ambos com uma lucerna e com um potinho, parece reforçar a perspectiva de corresponderem efectiva‑ mente a dois enterramentos distintos, um em panela de cerâmica comum e o outro em ânfora. O estudo dos vestígios osteológicos, que se encontra ainda a decorrer, poderá ajudar a fundamentar ou esclarecer esta questão, designadamente através da possibilida‑ de de determinar pelo menos um indivíduo distinto em cada contexto.

Apesar de se encontrarem muito incompletas, as duas lucernas relacionadas com o espólio daquelas

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sepulturas correspondem, ainda assim, aos úni‑ cos materiais arqueológicos que permitem definir de forma mais precisa a cronologia do conjunto de enterramentos associados à construção. Os atribu‑ tos conservados daquelas peças permitem a sua in‑ tegração no grupo das lucernas imperiais de disco, apresentando uma delas a orla larga e decorada com uma coroa de óvulos, com a área do disco – que não se conservou – separada por uma canelura. Estes ele‑ mentos aproximam ‑na da forma VII A de Deneuve, com paralelo nas formas 17, 18 e 20 da tipologia de Dressel ‑Lamboglia, que começam a surgir no iní‑ cio da segunda metade do século I d.C. (Deneauve, 1969, p. 165), com cronologias que se podem situar especialmente desde os Flávios até meados do sécu‑ lo II (Pereira, 2008, p. 67).

A segunda lucerna recuperada encontra ‑se em pior estado de conservação, apenas com parte da orla se‑ parada do disco por uma canelura, registando ‑se ain‑ da o arranque do bico com parte de uma voluta. Um fragmento muito reduzido de disco permite consta‑ tar que teria decoração, como aliás é frequente nestas formas, ainda que seja completamente impossível caracterizar os motivos representados. As caracterís‑ ticas dos elementos conservados aproximam ‑se de algumas variantes da forma V de Deneauve, equiva‑ lente à forma Dressel ‑Lamboglia 11, com cronologias do século I d.C. (Deneuve, 1969, p. 126).

A pasta das duas lucernas é creme amarelada, fina e muito porosa, conservando na superfície vestígios muito residuais de engobe castanho, corresponden‑ do provavelmente a produções béticas.

Os dois potinhos que integram igualmente os con‑ juntos votivos encontram ‑se, à semelhança das lucer‑ nas, muito fragmentados, apesar de se conservarem os principais elementos para determinar a sua forma. As pastas são cinzentas com algumas áreas casta‑ nhas, finas mas com alguns componentes não plás‑ ticos de quartzo e mica, com as superfícies cinzentas, embora uma das peças possa registar vestígios muito ténues de engobe castanho. As duas peças apresen‑ tam o bordo virado para o exterior e o corpo arredon‑ dado com um pequeno pé reentrante, registando ‑se ainda num deles vestígios de decoração com roleta no bojo. Estas formas têm paralelos, uma vez mais, no conjunto da cerâmica comum das necrópoles do Alto Alentejo, designadamente nos potinhos das formas 1 e 2 de Jeannette Nolen (1985, p. 114). A decoração do bojo com roleta surge nas formas da sua variante 1 ‑a, datada da segunda metade do século I d.C. até inícios

do II (Idem, 1995/97, p. 374). Para as variantes lisas, que apresentam algumas semelhanças com a peça do Casal do Silvério são propostas cronologias desde a segunda metade do século I d.C. em diante, frequen‑ temente a partir dos Flávios até ao século II (Ibidem). No caso das sepulturas do Casal do Silvério, a utiliza‑ ção de uma ânfora Dressel 7 ‑11 serve também como indicador cronológico, já que se trata de uma for‑ ma produzida na Bética entre Augusto e os Flávios (Peacok e Williams, 1986, p. 117 ‑119), e ainda que te‑ nha sido recuperada em contexto secundário de uti‑ lização, a sua cronologia não deverá afastar ‑se muito das datas propostas para a sua produção, sendo coe‑ rente com os restantes materiais.

Os restantes contentores utilizados naquela necró‑ pole como urnas funerárias são produções de ce‑ râmica comum, tendo sido identificados três fabri‑ cos. O mais frequente é grosseiro, com abundantes ENP de quartzo de médias dimensões e mica menos frequentes, apresentando pastas de cor castanho‑ ‑escuras ou cinzentas (Figura 3, 3 ‑4). Um segundo fabrico tem características semelhantes com o ante‑ rior, mas a densidade de ENP é menor, originando uma pasta laranja mais fina e de melhor qualidade (Figura 3, 5). Um dos contentores recuperados – e não representado por se encontrar em restauro – apresenta um terceiro fabrico, com uma pasta laran‑ ja avermelhada com grande quantidade de ENP de quartzo de tamanho médio e grande, o que lhe con‑ fere um aspecto muito rugoso e grosseiro.

Todos os contentores têm a base plana e o bojo oval, registando ‑se uma maior diversidade formal ao nível dos bordos, que podem ser rectos e evasados ou con‑ tracurvados formando garganta interna. O primeiro tipo tem paralelos na cerâmica comum do Alto do Cidreira (Nolen, 1988, Est. X, nºs. 79) e corresponde a uma forma recorrente em várias épocas, enquanto o segundo tipo tem paralelos nos potes da forma IX‑ ‑C ‑1 de São Cucufate, também com uma longa per‑ duração temporal, destacando ‑se a sua presença no horizonte 1 de ocupação da villa (Pinto, 2003, p. 394), datado da segunda metade do século I d.C. ao primei‑ ro terço da centúria seguinte (Idem, p. 145).

A ausência de espólio nos restantes conjuntos escava‑ dos nesta necrópole constitui de facto um aspecto re‑ levante no estudo destes enterramentos, desde logo pela dificuldade em estabelecer limites cronológicos para os mesmos com base apenas nas urnas de ce‑ râmica comum. A possibilidade de outros materiais terem sido colocados sobre o topo das urnas e que

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por essa razão de posicionamento não se conserva‑ ram deverá naturalmente ser colocada, à semelhança do que se constatou para a metade superior daqueles recipientes, que não se conservaram intactos. No en‑ tanto, seria de esperar encontrar alguns vestígios de tais materiais durante o processo de escavação, o que não se verificou. Esta ausência persistiu com poucas alterações mesmo depois da realização de trabalhos de prospecção no terreno envolvente e ainda ao ana‑ lisarmos alguns materiais em depósito nas reservas do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas. O conjunto de materiais passível de enquadrar cro‑ nologicamente os contextos intervencionados no Casal do Silvério restringe ‑se, assim, às lucernas, aos potinhos de cerâmica cinzenta e ao contentor anfórico do tipo Dressel 7 ‑11, que se podem situar no século I d.C., podendo alcançar a época flávia ou mesmo o início do século II. Para além daqueles ma‑ teriais, a própria materialização do ritual funerário, com a utilização exclusiva da deposição dos vestí‑ gios osteológicos humanos resultantes da cremação dentro da urna, enquadra ‑se claramente nas práticas documentadas para o século I d.C. (Frade e Caetano, 1993, p. 864).

Do conjunto recuperado em escavação e em pros‑ pecções antigas naquele sítio, regista ‑se um possível fragmento de cerâmica de imitação de campaniense (Sousa, 1996, p. 45), estando a terra sigillata docu‑ mentada apenas por nove fragmentos, dois deles de produção itálica sendo os restantes provenientes das oficinas do sul da Gália, tendo sido possível identi‑ ficar um bordo da forma Dragendorff 24/25 com esta origem. Entre o material anfórico encontram ‑se representados os fabricos béticos, designadamente através da forma Dressel 7 ‑11, que havia sido também já documentada em associação aos contextos funerá‑ rios escavados. Entre estes materiais regista ‑se ain‑ da a presença de elementos pertencentes a grandes contentores de cerâmica, designadamente bordos e fundos, mas também alguns fragmentos de vestígios osteológicos humanos com evidentes sinais de expo‑ sição ao fogo, materiais provavelmente resultantes da destruição de sepulturas de incineração e evidências, pois, de uma área funerária de maiores dimensões. Entre as produções de cerâmica comum foram tam‑ bém recuperados alguns fragmentos de prato, forma que para além de poder integrar os conjuntos votivos pode também ter sido utilizada como simples tampa dos grandes contentores funerários.

No actual casal agrícola da propriedade, situado a

algumas dezenas de metros da área recentemente intervencionada, foram localizados dois monumen‑ tos epigráficos de cariz funerário, designadamente uma estela datável do século I d.C., com a inscrição: CASSIA C F AMOENA. H.S.E., ”Cassia Amoena, fi‑ lha de Cassio, está aqui sepultada”, e uma cupa com a inscrição: P SVLPICIVS P F GAL SEVERVS H. S. E., “Publius Sulpícius Severus, filho de Publius, (inscrito) na tribo Galéria, está aqui sepultado” (Ferreira, 1977). A escavação deste conjunto de enterramentos permi‑ te naturalmente um maior conhecimento sobre a ne‑ crópole do Casal do Silvério, no entanto a dispersão de materiais à superfície e mesmo a existência de epi‑ grafia funerária no local indicam uma área funerária maior e mais complexa, devendo as conclusões aqui apresentadas serem válidas apenas para o pequeno sector já intervencionado. Ainda assim, note ‑se que entre os materiais recuperados à superfície, regista‑ ‑se apenas a presença de terra sigillata itálica e sudgá‑ lica, espelhando uma relativa coerência para o con‑ junto de materiais, de superfície e de escavação, que podem definir uma cronologia em torno do século I d.C. que não deverá ultrapassar muito a época flávia, quanto à utilização da necrópole.

3. A GRAnjA dos seRRões e o cAsAl do silvéRio no contexto do RituAl funeRáRio nos AGRi olisiponensis A prática funerária preponderante no século I e início do II d.C. é a cremação com deposição dos vestígios osteológicos humanos em urna, que cor‑ responde também ao rito praticado nesta região em época pré ‑romana, verificando ‑se assim uma certa con tinuidade do ritual funerário, designadamente no tratamento dado ao corpo (Fabião, 1998). Em al ‑ guns cemitérios verifica ‑se mesmo uma utiliza‑ ção em continuidade do mesmo espaço, ainda que possivelmente com algum hiato temporal, como se verifica na necrópole de Santo André, Montargil (Viegas, 1981) ou em Freiria, Cascais (Cardoso e En‑ carnação, 1999).

Numa análise de síntese sobre as necrópole do Nor‑ deste Alentejano, Helena Frade e José Carlos Caetano (1993) constatam que naquela região a utilização de urnas é mais frequente no período cláudio ‑flaviano, podendo prolongar ‑se o seu uso alguns anos para além da etapa flávia, mas desaparecendo no século II d.C., justamente quando os enterramentos em cova com a deposição de espólio e cinzas misturados se

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tornam mais frequentes. Esta alteração poderá do‑ cumentar uma mudança de ritual com reflexos na expressão material do enterramento, onde a utiliza‑ ção da urna como contentor funerário, com algumas excepções, está documenta apenas durante o século I d.C., podendo corresponder a uma persistência do ri‑ tual da Idade do Ferro, situação verificada, por exem‑ plo, na parte mais antiga da necrópole da Chaminé (Frade e Caetano, 1993, p. 864).

Aquela expressão material dos enterramentos, com deposição secundária do vestígio da cremação em urna, está também documentada na região olisi‑ ponense em contextos do século I d.C., designada‑ mente na Granja dos Serrões, no Casal do Silvério, em Casal de Pianos (Monteiro, 2003), em Alenquer (Pereira, 1970) e em Olisipo, sob a actual rua dos Correeiros (Bugalhão, 2001) e na necrópole da praça da Figueira (Gonçalves & alii, 2010), estando igual‑ mente atestada a realização de cremações em busta em alguns destes locais. Para além daquelas sepul‑ turas mais discretas, regista ‑se igualmente neste território a utilização de monumentos funerários com outra monumentalidade, muitos com epigra‑ fia, de que se destaca o conjunto proveniente de São Miguel de Odrinhas ‑Faião, praticamente todos do século I e II d.C. (Cardim Ribeiro, 2013) e que estão igualmente associados à deposição secundária dos vestígios resultantes da cremação.

Ainda que na maior parte das necrópoles rurais deste território não tenham sido registados vestígios do lo‑ cal de ustrinum, a sua utilização depreende ‑se através da identificação de varias evidências, designadamen‑ te nas Almoinhas (Coelho & alii, 2006) e em Olisipo (Gonçalves & alii, 2010; Bugalhão, 2001). A sepultura da Granja dos Serrões pode documentar justamente uma destas situações, já que a presença de vestígios osteológicos de dois indivíduos (Silva, 1999, p. 9), para além de poder revelar uma cremação múltipla, pode também reflectir apenas a recolha acidental dos vestígios de mais de uma pessoa numa área de ustri­

num com múltiplas utilizações.

A prática do rito da cremação continua em uso na região olisiponense durante os séculos II e III d.C., e talvez mesmo depois desta data, registando ‑se po‑ rém durante este período algumas transformações na expressão material da sepultura, desde logo atra‑ vés da forma da deposição dos vestígios osteológicos humanos. Nesta fase mais tardia parece verificar ‑se uma tendência para o abandono da utilização da urna como contentor funerário, passando agora os

vestígios resultantes da cremação a ser deposita‑ dos directamente na vala ou em caixas construídas com diferentes materiais, sendo as cinzas e os ossos frequentemente misturados com o espólio votivo. A ausência de urna para deposição dos vestígios resultantes da cremação do corpo está também do‑ cumentada na sepultura dois da necrópole do Casal do Rebolo, Sintra, o único contexto de incineração daquele cemitério que, apesar de parcialmente des‑ truída, permitiu caracterizar estes aspectos do ritu‑ al, tratando ‑se também de um contexto tardio que pode alcançar a primeira metade do século III d.C. (Gonçalves, 2011b, p. 81). Situações semelhantes re‑ lativas à deposição de restos de cremações tardias registaram ‑se nas Almoinhas, Loures (Oliveira, 1996, p. 22; Idem, 1998, p. 35).

Este momento de transição está documentado na necrópole de Casal de Pianos, onde se verifica que as cremações com deposição secundária de cinzas e vestígios osteológicos em urna correspondem, de um modo geral, a contextos datados do século I ao início do II d.C., sendo três deles cremações em bus­

ta (Monteiro, 2003, p. 17). A deposição dos vestígios

da cremação dentro das valas e misturados com o espólio no seu interior, sem utilização de urna, ain‑ da que esteja já documentada em dois contextos de século I d.C. é claramente superior nas sepulturas dos séculos II e III d.C. (Ibidem), numa época em que noutras necrópoles regionais provavelmente se praticaria já a inumação.

AGRAdeciMentos

Todos os desenhos de materiais que acompanham este tra‑ balho são da autoria de Ana Neves e o mapa e planta foram feitos por Joel Marteleira, ambos do MASMO, a quem agra‑ deço a preciosa ajuda.

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Figura 1 – Localização da área do Município olisipo nen se no mapa da Península Ibérica com a indicação dos principais sítios referidos no texto: 1: Granja dos Serrões, 2: Casal do Silvério, 3: Casal de Pianos, 4: Casal do Rebolo, 5: Almoinhas, 6: Alto do Cidreira, 7: Freiria, 8: São Miguel de Odrinhas. © Joel Mar teleira / Museu Arqueológico de São Mi‑ guel de Odrinhas

Figura 2 – Planta da construção escavada na necrópole do Casal do Silvério com a localização das sepulturas identificadas. © Joel Marteleira / Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas.

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Figura 3 – 1 ‑2: Urnas da Granja dos Serrões; 3 a 5: urnas do Casal do Silvério; 6: bordo de potinho de pasta cinzenta da mesma necrópole. Com excepção da urna 1, representada à escala 1/4, todas as outras peças estão à escala 1/3. © Ana Isabel Neves, Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas

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Referências

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