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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORÂNEA KARINE KREWER

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORÂNEA

KARINE KREWER

O atenuamento do Princípio de Não Contradição aristotélico em “domínios contínuos” com relação à noção de instantes de tempo

definidos como “pontos de acumulação”.

Cuiabá/ MT 2012.

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KARINE KREWER

O atenuamento do Princípio de Não Contradição aristotélico em “domínios contínuos” com relação à noção de instantes de tempo

definidos como “pontos de acumulação”.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para a obtenção do título de Mestre em Estudos de Cultura Contemporânea na Área de Concentração Estudos Interdisciplinares de Cultura, Linha de Pesquisa Epistemes Contemporâneas.

Orientador: Prof. Dr. Walter Gomide do Nascimento Júnior

Cuiabá/ MT 2012.

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FICHA CATALOGRÁFICA

K92a Krewer, Karine.

O atenuamento do princípio de não contradição aristotélico em domínios contínuos com relação a noção de instantes de tempo definidos como pontos de acumulação / Karine Krewer. – 2012.

101 f.

Orientador: Prof. Dr. Walter Gomide do Nascimento Júnior.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Linguagens, Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea, Área de Concentração: Estudos Interdisciplinares de Cultura, Linha de Pesquisa: Epistemes Contemporâneas, 2012.

Bibliografia: 100- 101.

1. Linguagem – Filosofia. 2. Filosofia da linguagem. 3. Linguagem e lógica. I. Título.

CDU – 81:1

Ficha elaborada por: Rosângela Aparecida Vicente Söhn – CRB-1/931

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Prof. Dr. Ricardo Kubrusly (UFRJ)

Examinador externo

Prof. Dr. Teresinha Prada (UFMT)

Examinadora interna

Prof. Dr. Walter Gomide do Nascimento Júnior (UFMT)

Orientador

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Agradecimentos

A Deus, pela guarnição, Luz, Paz e Amor. Á minha família.

Á meus filhos Victor e Cecilia, que são VIDA na minha vida, a expressão do amor que Deus tem por minha pessoa, manifestado.

Á pessoa encantadora de minha mãe, Anadir. Ao meu pai Valdir.

Ao meu irmão Vinícius.

Aos meus avôs Ivo e Hortelino e avós Gilda e Arminda, que tenho a mais doce lembrança da infância.

Á minha madrinha, Marli.

Aos meus queridos amigos, de todas as horas, de infância, de estudos, de confraternizações, de horas difíceis, todos, meus irmãos de espírito, Afonso, Juliana,Adriano, Tarcísio, Raquel, Jonas, Luis Otávio, Denis, Mariama, Erder, Danieli, Gabriel, João, João Divino, Rosângela, Alessandro, Luciana, Vitória, Miguel,Tomas, Beth, Camila, Jorge, Maria, Rama Chandra, Daniele, Inácio, Maria Helena, Isabela, Edilson, Ge, Camila, Kelvin.

Meus compadres e colegas, Aisllindo, Valerinha, Tatiana, Martyna, Fernandinha Nice, Maria Rosa, Judite, Najmah, Wuldson, Aliana, Cris, Alan, Luzo, Glória, Marília, Dan, Leo Baralle, Lisabeth, Maria da Paz, Bibi, Ludimila, Roberta, Halysson, Caia, Ario, Gabi, Kylvia, Edson, Merlyn, Raquel, Marla, Diáquenes, Fábio, Michel,Tina, Larissa, Juliane, Gilmar, Maria Cristina, Silas, José Carlos, Daniela, Veridiana, Simony, Antônio, Fábio, João, Waldivino, Pablito, Rosana, Rogério, Aleh, Nelson, Rosa, Raycauan, Fabi, Elaine, Flora, Renata, Dráuzio, Liu, Clau, Jaqueline, Max, Jone, Léia, Alessandra, Jamal, Adriana, Mariana, Attílio, Hector, Octavio, Theodora, Deborah, Roberto, Eliete, Tetê, Lucinha.

Aos pais e avós dos meus filhos, pela ajuda.

A UFMT que me acolheu em mais esta jornada acadêmica.

Á meus alunos, que me ensinaram muitas coisas, pois quando se ensina também se aprende.

Aos meus professores que me incentivaram a persistir.

Aos professores, Ricardo Kubrusly, Terezinha Prada e Ludimila Brandão por aceitarem prontamente participarem da banca.

Ao meu orientador, professor Walter Gomide, que sempre me apoiou, ensinando, tirando dúvidas, compreensivo com os prazos, sempre solicito. Muito grata á você professor Walter, por estes dois anos de convivência, estudo e amizade.

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Sumário

Resumo...p.8. Abstract...p.9.

Introdução...p.10.

Capítulo 1

Aristóteles e Bernard Bolzano

1. A Lógica de Aristóteles...p.13. 1.1 O princípio de Não Contradição em Aristóteles...p.15. 1.2 Bernard Bolzano e o infinito matemático: o infinito tratado como uma grandeza matemática...p.18. 1.3 O princípio de Não Contradição em Bernard Bolzano e a definição bolzaniana do tempo...p.24. 1.4 A noção de instante isolado...p. 26. 1.5 O “instante como “ponto de acumulação” em oposição ao “instante” como “ponto isolado”...p.27. 1.6 O princípio de Não Contradição admitido somente pela mensurabilidade...p.29.

Capítulo 2

Henri Bergson, Agostinho e os procedimentos para medir o tempo

2. Críticas à ciência ...p.32. 2.1 O tempo como duração...p.37. 2.2 Desconstruindo a noção de “instante” a partir da ideia de solidariedade ininterrupta...p.39. 2.3 O princípio de Não Contradição e o tempo bolzaniano...p.42. 2.4 Críticas à Bergson...p.45. 2.4.1 Gillo Dorfles...p.45. 2.4.2 Susanne Langer...p.50. 2.4.3 Gaston Bachelard...p.57.

(8)

As dialetéias, a música e a consciência como domínios da contradição

3. O dialeteísmo e a possibilidade da ocorrência de efetivas contradições...p.65. 3.1 A consciência e a escuta na compreensão do tempo e da música...p.72. 3.2 Seincman analisa Bergson e Bachelard...p. 79. 3.3 Seincman e a composição de Frèderic Chopin: Noturno op.15 n°

3...p.82.

Apêndice

György Ligeti e a obra “Continuum”...p.90.

Conclusão ...p.97.

(9)

Resumo

O presente estudo apresenta a hipótese de relativização do Princípio de Não Contradição, a partir da definição dos instantes temporais como sendo “pontos de acumulação”. O PNC elaborado por Aristóteles foi examinado pelo matemático Bernard Bolzano. As considerações bolzanianas estabelecem que em cada parte mínima do tempo, ou seja, em cada instante do tempo, “não é possível atribuir ao mesmo objeto duas propriedades contraditórias”, deste modo, o tempo se assemelha a uma linha reta formada de pontos que se sucedem. Vistos como unidades cardinais, os instantes já estão sob a forma arquetípica de “pontos geometrizados”, o que lhe dá um caráter “espacializado”, sem o compromisso de se mostrarem como uma real imagem do instante temporal em sua estruturação dentro do contínuo do tempo.

Apresento a noção de tempo “duração” de Henri Bergson aliada à noção de “ponto de acumulação” de Georg Cantor, afirmando que o tempo é como um “conjunto contínuo” que oferece infinitos pontos entre seus elementos; a duração admite que o tempo é contínuo e indiviso. Assim, ao isolar um instante de outro, fragmentamos o tempo. Segundo Bergson, isto não é o tempo, mas o espaço. Os procedimentos científicos medem o espaço quando afirmam medir o tempo.

Os instantes temporais, que formam o passado, o presente e o futuro estão de tal modo interligados que não podem ser separados por força da faculdade da memória que os mantêm ligados. A memória será apresentada como estrutura que permite que “estados-de-coisa-contraditórios” aconteçam.

As contradições são entendidas aqui, como fenômenos que acontecem em regiões de limite, entorno, vizinhança e movimento. O Dialeteismo é a tese que afirma que as dialetéias (contradições) ocorrem em regiões onde a lei da Continuidade está presente. Grahan Priest, criador da tese do Dialeteismo aliou em suas investigações as definições de Hegel sobre a contradição como móvel da vida e as ideias de Leibniz, sobre a lei da Continuidade. Nas regiões de vizinhança e movimento de um estado-de coisas para outro, onde a lei da continuidade está presente e o contínuo temporal é considerado um conjunto contínuo formando de infinitos pontos, as contradições aparecem.

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Abstract

This study presents the hypothesis of relativizing the Principle of Non-Contradiction (PNC) from the definition of temporal moments as "accumulation points". Aristotle's PNC was examined by the mathematician Bernard Bolzano. Bolzano's considerations have set that in each part of the minimum time, ie at each instant of time, "can not assign two contradictory properties to the same object" thus, time resembles a straight line formed of points that follow one another. Viewed as cardinal units, the moments are already in the form of archetypal "geometrical points", which gives a character "spatialized" without the commitment to show up as a real image of the timestep (temporal moment) in its structure within the continuum of time.

I show the notion of time "duration" of Henri Bergson allied to the notion of "accumulation point" of Georg Cantor, saying that time is like a "continuum set" that offers infinite points among its elements; the duration admits that time is continuous and undivided. Thus, by isolating a moment (an instant) from the other, we break up time into fragments. According to Bergson, this is not time but space. The scientific procedures measure the space when they claim to measure time.

The temporal moments or timestep, which form the past, the present and the future times are so intertwined that they can not be separated under the faculty of memory that keeps them connected. Memory will be presented as a structure that allows "states-of-contradictory-things" to happen.

These contradictions are understood here as phenomena that occur in regions of boundary, environment, neighborhood and movement. The Dialetheism is the thesis which states that dialethics (contradictions) occur in regions where the law of continuity is present. Graham Priest, creator of the thesis of Dialetheism allied, in his research, Hegel's definitions on contradiction as a fitment of life and ideas of Leibniz, on the law of Continuity. Contradictions appear then in the regions of neighborhood and motion from a state of things to another, where the law of continuity is present and the temporal continuum is considered a continuous set of infinite points.

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Introdução

Minha pesquisa de dissertação de mestrado apresenta uma hipótese de relativização do princípio clássico de Não Contradição, que se aplica a qualquer teoria que se destine à compreensão do mundo contemporâneo, no que diz respeito aos domínios em que a lei da continuidade estiver presente, domínios em que se admitem fluxos contínuos na estrutura temporal.

Meu tema está circunscrito ao campo da Filosofia da Linguagem e da Lógica, com o intuito de uma interface com a Filosofia da Ciência, apresentando exemplos que abrangem as Artes, para uma visualização dos domínios empíricos em que se aplicam a teoria proposta. A Filosofia da Ciência é o expediente solicitado para a realização da interface entre as áreas do saber, para o propósito de uma pesquisa e metodologia especificamente bibliográficas, partindo de autores, obras e conceitos definidores da postura fundamentalmente teórica. A edificação argumentativa do discurso obedece à conduta das regras definidas pela Lógica, sendo a Filosofia tomada como ferramenta para o desenvolvimento rigoroso das idéias.

Apresentarei no primeiro capítulo as definições de Aristóteles e de Bernard Bolzano acerca do princípio de Não Contradição. Tal princípio interdita que propriedades ou atributos contraditórios sejam predicados a um mesmo objeto, ao mesmo tempo. Sob a forma de um princípio regulativo para a lógica proposicional, o princípio de Não Contradição “proíbe”, por assim dizer, que um enunciado e seu contraditório sejam simultaneamente verdadeiros.

Tratarei da estrutura interna do “contínuo”, usando para tanto a noção de “tipo ordinal”, de Cantor. Será mostrado que o tempo, principalmente na abordagem feita por Bolzano, é um segmento próprio daquilo que o próprio Bolzano chamou de “eternidade”. Esta “eternidade” bolzaniana é tomada como o conjunto de todos os instantes de tempo, sendo que estes, uma vez dispostos no “tempo inteiro” (outro nome que Bolzano atribui à “eternidade”), se comportam como unidades cardinais. Entretanto, sob esta condição, as unidades de tempo estão “isoladas” uma das outras, o que elimina a natureza intrínseca dos instantes temporais que busco apresentar sob a forma de “pontos de acumulação” de um segmento de reta.

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De fato, os instantes de tempo, vistos como unidades cardinais, já estão sob a forma arquetípica de “pontos geométricos”, o que lhes dá um caráter “espacializado”, sem o compromisso de se mostrarem como uma real imagem do instante temporal em sua estruturação dentro do contínuo do tempo.

No segundo capítulo será apresentada a negação da noção de tempo “espacializado” realizada pelo francês Henri Bergson. Bergson procurou demonstrar que o tempo é um fluxo indiviso e contínuo que não oferece a possibilidade de fragmentar-se e ser pulverizado em instantes “geométricos”. Bergson quis mostrar que o tempo, em sua dimensão originária, não coincide com o tempo das medições físicas. Coube também a postura bergsoniana defender a ideia de que não é possível medir o tempo sem reduzi-lo a analogias com aspectos propriamente presentes nas grandezas espaciais, pois, para medir o tempo, é necessário compreendê-lo como um todo feito pela justaposição de partes, transformando o tempo em um compósito “espacializado”. O tempo não se parte e não se divide; não se acelera e muito menos se retrocede. Convencionamos o relógio, instrumento que possui a função de medir a passagem dos períodos de tempo, as horas, os minutos e segundos, definindo-os por blocos, partes e partículas de tempo, que não são nada mais do que partes e fragmentos do espaço. O pino do relógio percorre o deslocamento dos corpos no espaço em períodos de tempo.

Será apresentada a teoria bergsoniana, que oferece a noção de tempo contínuo e apresenta a melodia musical como exemplo para o tempo que flui. As críticas a Bergson destinadas estarão presentes nas considerações de Gillo Dorfles a respeito da ausência da espacialidade na definição do tempo de Bergson e as implicações dessa, bem como o alerta de Suzanne Langer a partir da noção de ritmo na concepção de tempo musical e da metáfora da melodia. A tese de Gaston Bachelard também será ressaltada, pois acentua a importância do ritmo no tempo através de seu entendimento do tempo como sistemas de instantes numa dialética reguladora.

No terceiro e conclusivo capítulo, serão analisados exemplos de domínios em que o fluxo temporal não é visto como uma sucessão de instantes “isolados”, mas, ao contrário, a imagem que aí se tem do tempo é a de uma diacronia baseada em vizinhanças que se interconectam, o que gera a impossibilidade de “separar” radicalmente os instantes de tempo.

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Nestes domínios vale, conforme nos diz o filósofo inglês Graham Priest, a condição de continuidade de Leibniz e, portanto, também são verificadas contradições instantâneas – as chamadas dialetéias. Será apresentada a lei da continuidade elabora por Leibniz, corroborada por Priest, levando em conta a teoria de Hegel, segundo a qual, a dialética que ocorre em eventos que transcorrem no tempo estão condicionados pela natureza da continuidade, e pela presença intrínseca da lei do movimento: geradora de contradições. A contradição está nos fenômenos que se dão no tempo.

Uma especial atenção será dada à memória e seu fluxo contínuo e indiviso, conforme enfatiza Bergson. Neste campo de análise, o princípio de Não Contradição, em sua formulação aristotélico-bolzaniana, é nitidamente enfraquecido, permitindo o postulado de que, em domínios “verdadeiramente contínuos” (em que os instantes preservam a propriedade topológica de serem “pontos de acumulação”), não há razões a priori para dar ao princípio de Não Contradição o caráter de um interdito absoluto.

A música será apresentada como campo de análise que mais se aproxima da noção de temporalidade proposta nesta pesquisa. A melodia musical está verdadeiramente próxima no que se entende por fluir rítmico e contínuo da consciência. Busco apresentar a música e a consciência como domínios em que ocorrem as situações nomeadas por Grahan Priest como próprias ao dialeteísmo. Eduardo Seincman será visto por sua investigação da obra

Noturno op. 15 n° 3 de Chopin e por seu estudo fazer referência à Bergson e

Bachelard.

Em apêndice, apresento a reflexão sobre a música Continuum de György Ligeti. O exemplo mais evidente da temporalidade musical defendida neste trabalho, que sustenta a noção de “ponto de acumulação” em que o princípio de Não Contradição é atenuado.

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Capítulo 1

Aristóteles e Bernard Bolzano

O que testemunha, de modo mais convincente, a constante e difundida, ainda que dissimulada, relação do nada em nosso ser-aí, que a negação? Mas, de nenhum modo, esta aproxima o “não”, como meio de distinção e oposição do que é dado, para, por assim dizer, colocá-lo entre ambos. Como poderia a negação também produzir por si o “não” se ela somente pode negar se lhe foi previamente dado algo que pode ser negado? Como pode, entretanto, ser descoberto algo que pode ser negado e que deve sê-lo enquanto afetado pesê-lo “não” se não fosse realidade que todo o pensamento enquanto tal já de antemão, tem visado o “não”?

(HEIDEGGER, 1969).

1. A Lógica de Aristóteles

Aristóteles é considerado o pai da Lógica Clássica. Os princípios da Lógica por ele elaborados são usados e rediscutidos por filósofos, matemáticos e lógicos até os dias atuais. Conhecido por seus escritos constituírem originariamente muitos temas filosóficos discutidos na Política e na Poética, na Física e na Metafísica e por estudiosos da Filosofia em todos os tempos, os estudos de Aristóteles juntamente com os de Platão são considerados paradigmáticos.

Nosso tratado se propõe encontrar um método de investigação graças ao qual possamos raciocinar, partindo de opiniões geralmente aceitas, sobre qualquer problema que nos seja proposto, e sejamos também capazes, quando replicamos a um argumento, de evitar dizer alguma coisa que nos cause embaraços (ARISTÓTELES, 1973, 100a §18).

A citação acima retirada do Livro I dos Tópicos, Dos argumentos

sofísticos, corresponde ao primeiro parágrafo da obra e demonstra que muitas

das preocupações do pensamento lógico encontram-se nesse primeiro parágrafo. A necessidade de um método investigativo que direcione o raciocínio de qualquer enunciado ou proposição a respeito de qualquer assunto

(15)

capaz de evitar o “embaraço” na formulação dos argumentos e suas réplicas é seguida como regra de importância capital. Aristóteles deixou um legado para a análise dos argumentos para todos os lógicos: a exigência de evitar que esses “embaraços” - compreendidos como “contradições” - venham ocorrer no discurso científico. Deste modo, a contradição é para o pensamento lógico a incapacidade de raciocinar de maneira coerente e eficaz. A lógica procura então, ao analisar um enunciado e seu valor de verdade, verificar a “coerência

formal do raciocínio” (REALE, 1994: 451).

A construção de um argumento depende da conclusão necessária que advém da estrutura formal das premissas. As premissas e a conclusão compõem um argumento (MORTARI, 2001: 9) e estas “... devem ser coisas que podem ser afirmadas ou negadas: ou seja, coisas que podem ser consideradas verdadeiras ou falsas (MORTARI, 2001: 11)”. A lógica se preocupa em analisar o valor de verdade das conclusões resultantes desse esquema de construção discursiva, pois será um argumento válido aquele que sendo verdadeiras as premissas terá verdadeira sua conclusão e sendo falsas as premissas será falsa sua conclusão. Desta forma, não será possível considerar válido um argumento que possui premissas falsas e conclusão verdadeira, ou premissas verdadeiras e conclusão falsa. Aristóteles desenvolveu longamente essas regras para a construção do discurso, para a refutação de argumentos falaciosos e técnicas de retórica.

Quanto ao termo “lógica”, segundo Giovanni Reale, foi introduzido por Alexandre de Afrodisia, pois Aristóteles se referia à lógica como Analítica (do grego Análysis), com o propósito de “fornecer, justamente, os instrumentos

mentais necessários para afrontar qualquer pesquisa (WAITZ, 1844-1846: 293

apud REALE, 1994: 449).

A Lógica considerada como Analítica, se dedica ao discurso, a estrutura do raciocínio que o inferiu e a seus procedimentos formais de demonstração. Este é o objetivo da doutrina do silogismo aristotélico que compõe o “Corpus

aristotelicum” (REALE, 1994: 317), no conjunto dos tratados de lógica, Organon. A lógica, portanto, constitui “um estudo preliminar, isto é, uma propedêutica geral a todas as ciências (REALE, 1994: 449)”.

(16)

A lógica aristotélica pretendeu desconstruir argumentos geralmente aceitos por todos e que à luz da resolução analítica seriam apenas probabilísticos ou simples falácias. Nas palavras de Giovanni Reale:

A lógica aristotélica tem uma gênese tipicamente filosófica: ela assinala o momento no qual o logos filosófico, depois de ter amadurecido completamente através da estruturação de todos os problemas, (...), torna-se capaz de assim, depois de ter aprendido a raciocinar, chega a estabelecer o que é a própria razão, ou seja, como se raciocina, quando e sobre o que é possível raciocinar (REALE,1994: 452).

O critério para um pensamento racional, coerente e consistente é fornecido então, pela lógica. Neste ponto Aristóteles influenciou o Ocidente de um modo peculiar, pois o conhecimento cientificamente válido prescreve a observância do crivo da lógica aristotélica. Deste modo a lógica foi entendida e apresentada como ciência inicial para qualquer estudo que o conhecimento humano se destine, tornando imprescindível iniciar o aprendizado tendo-a como propedêutica. Além disso, sendo a lógica base para um pensamento em construção, ela exerce a postura de crivo para legitimação de que as teorias provenientes desse aprendizado estejam corretas, pois fornece os critérios segundo os quais os procedimentos teoréticos sejam racionalmente válidos.

1.1 O princípio de Não Contradição em Aristóteles

Os princípios e postulados da lógica aristotélica se aplicam a toda e qualquer ciência, desde que esta tenha seu objeto de estudo definido juntamente com seus termos. Sobre isso afirma Giovanni Reale: “... cada

ciência assumirá, antes de tudo, premissas e princípios próprios, vale dizer, premissas e princípios peculiares a ela e somente a ela” (REALE, 1994: 464).

Deste modo, como exemplifica o próprio Reale, cabe à geometria as grandezas espaciais como objeto e as definições dos conceitos de mensurabilidade e imensurabilidade. Cabe à aritmética a unidade e o número, bem como as definições de paridade e imparidade. Assim devem ser nas demais ciências.

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Reale ressalta que no conjunto dos princípios1

De todos os princípios fundamentais que Aristóteles apresenta como básicos à argumentação racional

e postulados da lógica aristotélica, existem alguns, entre eles o Princípio de Não Contradição (PNC) deve ser obedecido por todas as ciências:

Entre os axiomas, há alguns que são “comuns” a mais de uma ciência (...), outros a todas as ciências sem exceção, como o princípio de não-contradição (não se pode afirmar e negar do mesmo objeto, ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto, dois predicados contraditórios), e o princípio do terceiro excluído, estreitamente conexo ao de não-contradição (não é possível que exista um termo médio entre dois contraditórios). São os famosos princípios transcendentais, isto é, válidos para toda forma de pensamento enquanto tal (porque válidos para todo ente enquanto tal), conhecidos por si e, portanto, primeiros, sobre os quais Aristóteles, de maneira expressa e ampla, discute no célebre quarto livro da

Metafísica (REALE, 1994: 465).

2

O Princípio de Não Contradição em Aristóteles tem uma dimensão ontológica, psicológica e lógica

, o mais fundamental de todos é o Princípio de Não Contradição (PNC), presente na Metafísica, Γ3, 1005 b: “Não é

possível para uma mesma coisa, ao mesmo tempo, pertencer e não pertencer à mesma coisa e sob o mesmo aspecto”.

3

1 Estes princípios, postulados e regras da lógica clássica são também apresentados na obra

Primeiros Analíticos. Ver Organon, tradução do grego e notas de Edson BINI, Bauru: EDIPRO,

2005.

2

Ao lado do Princípio de não-Contradição, Aristóteles também elenca os princípios de identidade e do terceiro excluído.

3

Apresentação do aspecto ontológico, psicológico e lógico de um argumento, especificamente na falácia da não contradição, ver artigo de Guilherme Wyllie sob a lógica de Raimundo Llúllio, Revista Aquinate, n. 14, (2011) 63-77.

(BERTO, 2006: 21). O aspecto ontológico constitui um impedimento, no sentido de interditar que um objeto receba a atribuição de propriedades contraditórias. Não pode haver uma substância que possua um par de contraditórios. O aspecto psicológico é a impossibilidade de o entendimento humano conceber substâncias com propriedades contraditórias, ou seja, não é da ordem do pensar humano, a concepção de que um dado objeto possua e não possua algo, simultaneamente. O aspecto lógico corresponde à estrutura semântico-sintática do discurso. Semanticamente, o princípio de Não Contradição é posto em exercício quando verificamos que, sendo dado um enunciado qualquer α, a conjunção entre α e

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seu contraditório ¬α - isto é, (α ∧ ¬α) - é sempre falsa. Sintaticamente, o PNC mostra seu interdito quando aponta como um desiderato - um cálculo qualquer não deva demonstrar teoremas contraditórios.

No presente trabalho, o aspecto de tal princípio que vai ser enfatizado é o ontológico. Sob o viés ontológico, tal princípio pode ser anunciado da forma seguinte: um par de propriedades contraditórias não pode ser atribuído a um

objeto, ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. Para iniciar a análise do

aspecto ontológico, trago uma afirmação de Giovanni Reale a respeito das críticas que a lógica de Aristóteles recebeu, dentre elas, a de que “é, de algum

modo, defasada com relação ao real”.

(...) a lógica, com efeito, refere-se ao universal, a realidade, ao invés, é individual e particular; o universal não é real, o real não é passível de ser submetido à lógica. Se fosse assim, o real escaparia por inteiro às malhas da lógica. Na verdade, não é assim; de fato, a interpretação supõe que a aristotélica substância primeira seja o indivíduo empírico, o que não é verdade, como sabemos. O indivíduo é composto de matéria e forma. E, se, num sentido, substância é o

composto, em sentido forte (em sentido propriamente ontológico e

metafísico e, portanto, primário) substância é a forma ou a essência

que determina a matéria4

Giovanni Reale refere-se ao composto como aquilo que podemos determinar empiricamente, a matéria. O indivíduo empírico tomado somente como matéria ou mesmo substância, seria apenas, nos termos da ciência hoje, um corpo, uma massa, ou um aglomerado de átomos. No entanto, o alerta de Reale é que a forma também faz parte deste composto determinado empiricamente, pelo fato de ser algo inteligivelmente determinado (REALE, 1994: 469). Este processo do entendimento de captar a forma e a matéria de um objeto diz respeito ao modo como concebemos ontologicamente as substâncias e como as definimos logicamente. É o ordenamento do pensamento. “A forma ontológica torna-se, assim, espécie lógica”. Deste modo, quando vemos um triângulo não vemos somente uma figura geométrica composta de três lados, mas um pouco mais do que isso; vemos a

triangularidade, que é a forma captada do objeto observado empiricamente, (REALE, 1994: 468).

4

In Metafísica, Z 7, 1032 b 1ss. Aristóteles diz, sem meios termos: “Chamo ‘forma’ (eidos) a essência de cada coisa e a substância primeira; apud REALE, 1994: 468.

(19)

portanto, ontologicamente, que se tornou conceito, “capaz de referir-se a uma

pluralidade de coisas e, portanto, capaz de predicar-se de vários sujeitos”

(REALE, 1994: 469) - de todos os que têm aquela estrutura.

Reale nos faz entender que o estudo da lógica aristotélica está situado sobre a base da doutrina da substância-forma, que se encontra no livro Z da

Metafísica. O modo como a substância aristotélica se apresenta na estrutura

ontológica, portanto, na realidade, será discutida nesta pesquisa segundo o Princípio de Não Contradição, pois, é a partir deste enfoque ontológico que o PNC se mostra como impeditivo da ocorrência de “estados de coisas contraditórios”.

Na mesma linha impeditiva do surgimento de tais estados, encontra-se a formulação do princípio de Não Contradição no pensamento de Bernard Bolzano, que posteriormente a Aristóteles se dedicou a análise do Princípio de Não contradição em relação ao mesmo momento no tempo, portanto, a simultaneidade.

1.2 Bernard Bolzano e o infinito matemático: o infinito tratado como uma grandeza matemática.

Sem dúvida alguma, o nome de Bernard Bolzano aparece como um dos mais importantes matemáticos do período que compreende o final do século XVIII e a primeira metade do século XIX. Além de ser um dos pioneiros no estudo da Análise (ramo da matemática que estuda as propriedades dos conjuntos contínuos5

Bernard Bolzano (1781 -1848) foi um dos matemáticos mais importantes considerados pelos lógicos e filósofos da Matemática no período que

), Bolzano foi um dos primeiros pensadores a estudar o infinito dentro de uma perspectiva propriamente matemática.

5

Por conjunto contínuo, entende-se aqueles conjuntos que são densos (entre dois elementos quaisquer do conjunto, há sempre uma infinidade de outros elementos pertencentes ao conjunto, de tal forma que estes possam ser dispostos em uma seqüência) e que, além da

densidade, tenham a propriedade de ser perfeitos: toda seqüência construída em um conjunto

contínuo, se tiver limite, tal limite se insere dentro do conjunto e todo elemento de um conjunto contínuo é limite de alguma seqüência construída com elementos do próprio conjunto. Essa definição de conjunto contínuo é um esboço da definição de Cantor que será apresentada no capítulo 2.

(20)

compreende Leibniz a Frege. Ocupou-se em suas reflexões, em demonstrar as proposições matemáticas gerais aprovadas como evidentes e em esclarecer os fundamentos das diferentes áreas como aritmética, álgebra, análise, geometria, teoria das funções, etc. Suas reflexões se estendem por vários campos do conhecimento: “os sujeitos vão da lógica à sociologia, passam pelas

matemáticas, a física, a filosofia, a religião, etc 6 (BOLZANO, 1993: 15) 7”, e todo esse esforço resultou em uma obra de quatro volumes Wissenschaftslehre ([B 1837]8

6 Todas as citações de Bolzano em português são traduções da versão francesa Les

Paradoxes de L’Infini, cuja tradução do alemão para o francês e introdução foram feitas por

Hourya Sinaceur, editada pela Éditions du Seuil, Paris: 1993.

7

“des sujets allant de la logique à la sociologie, em passant par les mathématiques, la

physique, la philosophie, la religion, etc”.

8 As obras publicadas de Bolzano são identificadas por um B seguido da data da primeira

publicação.

). Bolzano concebia a Matemática como a estrutura que abarcava todos os campos do conhecimento e suas idéias provenientes desta postura e do modo como a matemática guiava suas pesquisas, resultaram na antecipação de teorias da lógica moderna.

Segundo a concepção bolzaniana, qualquer tentativa de definir o infinito metafísico passa necessariamente pela compreensão matemática de tal conceito – à análise da infinitude em sua mais íntima essência. À matemática caberia um papel propedêutico, assim como cabe à lógica em relação a estrutura formal do discurso.

Onde quer que o infinito apareça, este sempre terá algo que nos permite identificá-lo como tal e esta propriedade comum de todas as suas aparições é o que revela o estudo matemático do infinito. Além disso, mesmo sendo de caráter matemático, a compreensão do infinito pode ser feita não de forma completamente isenta, mas a partir de referências metafísicas. Por conseguinte, um perfeito diálogo entre a matemática e a metafísica se estabelece na formulação do que precisamente devemos entender por “infinitude”. A Metafísica do Infinito era para Bernard Bolzano o extremo grau da abstração, um esforço grande da razão humana pensar essa esfera. Somente a Matemática com sua linguagem algébrica, traria os símbolos que representam os elementos e as operações que erguerão os argumentos. A Matemática será a base para o estudo da Metafísica do infinito e o analisará pelas orientações fornecidas pelas motivações metafísicas.

(21)

Conforme nos diz o pesquisador francês Hourya Sinaceur:

[...] a matemática abstrata servirá, portanto de propedêutica ao exercício de um pensamento reto em outros domínios. A metafísica do infinito será estabelecida sobre um solo matemático, que não impede sem dúvida a análise matemática de ser orientada por motivações metafísicas9

Mais especificamente, Bolzano admitia que o infinito quantitativo fosse um tipo especial de grandeza: que é maior que qualquer justaposição finita de uma unidade tomada como base da medição. Segundo Bolzano: “[Por] uma

grandeza infinitamente grande se entende uma grandeza que seja, em relação a uma unidade escolhida, uma totalidade cujo todo conjunto finito de unidades não seja mais que uma parte (BOLZANO, 1993: § 16)”. O infinito quantitativo

faz parte daquelas grandezas que não satisfazem o axioma de Arquimedes. Segundo tal princípio, dadas duas grandezas a e b, se é o caso de a ser menor do que b (isto é, se a < b), então existe um número natural m, tal que ma > b. Mas isto não ocorre com as grandezas infinitas: se a é finito e b é infinito, então podemos multiplicar a por qualquer número natural m que sempre a desigualdade ma < b é satisfeita; se tomarmos a como uma unidade de medida, isto significa que podemos justapor esta unidade quantas vezes

. (SINACEUR, apud BOLZANO, 1993: 18)

A obra célebre de Bolzano em que o infinito é tratado sistematicamente por meio de instrumentos matemáticos é Paradoxos do Infinito (Paradoxien des

Unendlichen), publicada originalmente em 1853, cinco anos após a morte de

seu autor. Em tal obra, a matemática é vista como a “ciência das grandezas”. Por “grandeza”, Bolzano compreende quaisquer objetos que admitam entre si relações de ordem (BOLZANO, 1993: 6). De fato, consoante a visão bolzaniana, a função básica da matemática é estabelecer parâmetros que permitam comparar as grandezas umas com as outras a partir de um ponto comum de medida. Tal ponto comum se estabelece pela adoção de uma unidade de medida (SINACEUR apud BOLZANO, 1993: 22). Desta maneira, toda uma teoria do infinito se erige a partir de uma teoria das grandezas.

9 [Chez Bolzano], la mathematique abstraite servira donc de propédeutique à l’exercice d’une

penseé droite dans les autres domaines. La métaphysiques de l’infini sera etablie sur um sol mathématique, ce qui n’empêche sans doute pas l’analyse mathématique d’être orientée par des motiviations méthaphysiques.

(22)

quisermos (pressupondo que esta justaposição seja feita um número finito de vezes) que nunca conseguiremos igualar tal justaposição à magnitude de b. Sendo uma grandeza infinita b é uma totalidade sempre maior que qualquer totalidade finita de unidades. Dentre as grandezas infinitas apresentadas por Bolzano, duas merecem especial atenção: o espaço e o tempo.

Tempo e espaço são uma espécie muito importante de grandezas

infinitamente grandes que, sendo determinações do real, não pertencem, portanto ao seu domínio. Nem o tempo nem o espaço são qualquer coisa de real, uma vez que não são nem substâncias nem propriedades das substâncias; elas entram em jogo somente como determinações de todas as substâncias imperfeitas limitadas, finitas, ou, o que dá no mesmo, dependentes, criadas), pelo fato que cada uma delas se encontra sempre em um tempo e um lugar determinados. Em efeito, cada substância simples ocupa necessariamente em cada ponto do tempo, isto é, em cada parte simples ou pontos, assim, tanto do espaço como do tempo, é infinito (BOLZANO, 1993: §18).

Tanto o espaço quanto o tempo são infinitos na concepção bolzaniana. De fato, a totalidade de pontos de espaço e de instantes de tempo não pode ser exaurida por uma suposta justaposição finita, por maior que seja de intervalos arbitrários de espaço ou de tempo que tomemos como unidades de medida. Bolzano percebe que a Metafísica do Infinito só pode se desenvolver com o balizamento da Matemática. Deste modo, vê-se que o espaço e o tempo, considerados como grandezas infinitamente grandes em suas respectivas inteirezas, são radicalmente infinitos. Mesmo que agrupados todos os seus elementos, não poderemos concluir um número final que seja a expressão da grandeza do infinito, pois conjuntos como estes possuem a propriedade de serem maiores que qualquer pluralidade numérica (finita) concebível.

Como exemplo de conjuntos infinitos, Bolzano apresenta o tempo tomado em sua inteireza: o tempo inteiro ou eternidade. Esta é a totalidade de todos os instantes, ou seja, o tempo em sua absoluta infinitude (BOLZANO, 1993: 136-137). Bolzano chega a afirmar que não opõe tempo à eternidade.A inteireza do tempo (ou a totalidade dos instantes) merece especial atenção por ser especificamente aos instantes de tempo que se pode afirmar o Princípio lógico de Não Contradição (PNC). Por conseguinte, a radical diferença entre tempo e eternidade não existe em Bolzano. No entanto, isto não significa que a

(23)

distinção entre “eterno” e “temporal”, não apareça em Bolzano; tais adjetivos serão usados às substâncias conforme a disposição das mesmas dentro do tempo. Deus e os seres criados correspondem a duas diferentes maneiras de estar no tempo. As criaturas são mutáveis no tempo. Deus, por sua vez, está no tempo de forma absolutamente imutável. Por esse motivo que denominamos Deus como eterno e as coisas do mundo como temporais.

Bolzano conclui então que o tempo não é algo que existe; ele não passa nem há de passar, não possui existência e o presente por si mesmo não existe. A instantaneidade é como um “piscar de olhos”, um “Blick mit dem Auge”, um

“clin d’œil” (BOLZANO, 1993: 136). Porém não é correto afirmar que o tempo

não é nada. No § 40 de seus Paradoxos, Bolzano apresenta que o tempo determina as substâncias, que estas saiam de um estado de coisas para outro, que propriedades sejam perdidas e outras adquiridas, sem que haja contradição, que em um mesmo instante, que dois atributos contraditórios não recaiam sobre a mesma substância. Para que possamos entender o modo como Bolzano aponta a obediência ao princípio de Não Contradição (PNC) é necessário detalhar a definição de “tempo” e de “espaço” no pensamento bolzaniano.

Antes de definir o espaço, Bolzano apresenta os equívocos atribuídos a tal conceito, até mesmo por importantes nomes da ciência, como Newton, que definiu o espaço como “sensório da divindade10” (BOLZANO, 1993: 138). Bolzano aponta a representação dos pontos do espaço sob a forma de um plano coordenado (representação esta devida a Descartes e a Fermat, no século XVI), quando descobrimos que poderíamos localizar as substâncias em qualquer ponto do espaço11

A respeito da definição de espaço, Bolzano considerou a definição de Kant a mais infeliz, pelo fato de não atribuir uma substância propriamente dita, qualquer coisa objetiva, material, empírica ao espaço, e sim, subjetiva, pura e abstrata da intuição

por meio de um sistema de coordenadas.

12

10

“et grand Newton lui-même, eut l’idée de definir l’espace comme sensorium de la divinitè”.

11

“On crut découvir avec Descartes seules les substances dites matérielles se trouvent dans

l’espace”.

12

“Kant, enfin, eut la malhereuse idée, reprise encore aujord’hui par de nombreaux penseurs,

de considèree léspace ou le temps nom comme quelque chose d’objetif, mais comme une form purement subjetive de notre intuition”.

. Na Crítica da Razão Pura Kant demonstra duas formas de conhecer, uma pura à priori, e outra a partir da experiência à posteriori. Na

(24)

obra Estética Transcendental Kant atribuía ao espaço e ao tempo a definição de formas a priori da sensibilidade, “procurando demonstrar que são formas

apriorísticas e, portanto, independentes da experiência sensível13

Chamo lugares as determinações das substâncias criadas que indicam as razões para que elas estejam aqui, em um tempo que determine tais qualidades, dando umas das outras tais mudanças precisamente; e chamo espaço, espaço total, a coleção de todos os lugares

(CHAUÍ, apud KANT, 2000: 9). Bolzano mantinha uma postura oposta a de Kant em vários pontos estruturantes das teorias de ambos, sendo que, para Bolzano, o espaço é a condição de apresentação das substâncias, não podendo ser compreendido como “espaço subjetivo”. Desta forma, o espaço não é objetivo materialmente, pois não é substância; e não é subjetivo, pois não é a priori. O espaço é a condição imprescindível na localização das substâncias.

Bolzano foi o primeiro pensador a afirmar a configuração do espaço em três dimensões, assim como sustentou a tese de que o espaço não possui propriedades materiais, mas caracteriza-se como um dos aspectos determinantes das substâncias: é o espaço que nos dá o lugar em que as substâncias se encontram. O espaço, deste modo, não possui características empíricas, mas é a condição de possibilidade para que as mesmas se apresentem.

14

13

Este esclarecimento consta na Coleção Os Pensadores, na qual Marilena Chauí faz os comentários da Vida e Obra de Immanuel Kant.

14

“J’appelle lieux les determinations des substances créees qui indiquent, la raison pour laquelle celles-ci, ayant en un temps determine telles qualités, apportent les unes aux autres précisément tells changements: et j’appelle espace, espace total, la collection de tous ces lieux.

(BOLZANO, 1993: 138).

O lugar é a determinação da localização das substâncias. A coleção de todos os lugares forma o espaço em sua totalidade.

(25)

1.3 O princípio de Não Contradição em Bernard Bolzano e a definição bolzaniana de tempo

No §39 dos Paradoxos, Bolzano formula a pergunta sobre a realidade do tempo: se é o tempo alguma coisa real, se é uma substância ou atributo, e se for substância, se seria uma substância criada ou não criada. É fato que o interesse de Bolzano pelo conceito de tempo reside na estrutura ontológica do infinito, e para tanto, era fundamental entender a configuração do tempo na realidade15

15

“La question fut soulevée de savoir si le temps est quelque chose de réel, et, dans

l’affirmative, s’il est substance créée ou incréée”.

(BOLZANO, 1993: 135).

Bolzano se depara com questões relativas à natureza do real, assim como com questões relativas ao que seja o mundo e o que é perceptível a intuição. Juntamente a isso, a questão da criação do tempo como uma substância ou atributo do mundo mostra a preocupação de Bolzano com as considerações teológicas. Quando a criação divina entra na definição do tempo, o tempo passa a ter sido criado em um começo determinado por Deus e assim segue para um dia ter seu fim. O tempo sofreria transformações. Cairíamos, critica Bolzano, no ditado popular: “os tempos mudam”, um absurdo, pois o tempo precisamente é tempo porque não muda. As coisas do mundo é que mudam com o tempo. Não possui o tempo a propriedade de transformar-se e sim de possibilitar a transformação.

Bolzano afirma que o tempo não é real, no sentido de não ser uma substância e nem um atributo dela. Contudo, o tempo é perceptível à intuição, pois é a condição que possibilita que as coisas do mundo mudem. O tempo não é qualquer coisa de variável, mas onde há toda a variação das coisas do mundo. Refutando inteiramente a tese que afirma a realidade do tempo como substância (criada ou não) ou como um atributo desta, Bolzano entende que o tempo é uma determinação das substâncias, assim como o espaço. Para definir o tempo há de se ressaltar que ele é um “princípio de determinação das

substâncias”, ou seja, sem essa ressalva a definição do tempo ficaria

(26)

O tempo é a condição de possibilidade de qualquer mudança e, além disto, propicia que as substâncias sejam situadas localmente em relação às mudanças. Cabe ao instante de tempo situar uma substância em um processo de mudança. Nos “Paradoxos do Infinito”, Bolzano diz o seguinte:

[O] tempo, para mim, não é qualquer coisa variável, mas certamente [isto em que toda variação tem lugar]. Quando se diz o contrário – como no provérbio: os tempos mudam, entende-se por tempo as coisas que nele se encontram e seus atributos (...). O tempo, em si mesmo, é a determinação inerente a toda substância [que] varia dependente do variável, (o que dá na mesma), dependente do tempo16

16

“C’est pourquoi le temps n’est pas non plus, pour moi, quelque chose de variable, mais biên

plutôt ce em quoi toute varaiation a lieu. Lorsqu on dit le contraire, comme dans le proverbe: les tampes changent; on entende alors par temps les choses qui s’y trouventet leurs états(…) Le temps lui-même, préciserons-nous, est la détermination inhérente à toute substance variable, ou (ce qui revient au meme) dépendante”.

(BOLZANO, 1993: 136).

Além de ser onde toda mudança tem lugar, o tempo, sob a forma do instante, permite que as substâncias se determinem como não-contraditórias. É neste sentido que a noção de instante de tempo é fundamental para a formulação do princípio de Não Contradição; é em relação ao instante de tempo que está interditada a presença de atributos contraditórios a uma substância qualquer. Da noção de instante e de simultaneidade, surge a análise bolzaniana do Princípio de Não Contradição (PNC). Bolzano argumenta que a representação do tempo deve adicionar àquela da substância, o que significa que o tempo, na forma de instantaneidade, é um princípio de determinação das substâncias do mundo. Isto significa em outras palavras, que sendo dada uma dupla qualquer de propriedades contraditórias, digamos b e não–b, relativamente a um instante determinado, apenas uma das propriedades pode ser atribuída a certa substância, qualquer que seja. Tal princípio nada mais é do que o Princípio de Não Contradição (PNC).

Desta maneira, a formulação de Bolzano do princípio de Não Contradição se dá como segue:

(27)

[A] representação do tempo deve se ajustar a da substância, a fim de permitir que, sendo dado um par de propriedades contraditórias b e não-b, possamos atribuir uma em detrimento da outra. Mais precisamente, a determinação da qual falo é uma única parte de

tempo, um ponto no tempo17

17

“la représentation du temps doit s’ajouter à celle de la substance, afin de permettre, étant

donné um couple quelconque de proprieétés contradictoires b et non-b, d’attribuer une em vérité à ladite substance, et de lui refuser l’autre. Plus excatement, la détermination dsont jê parle est une unique partie simple du temps, um point dans le temps (...).

(...) (BOLZANO, 1993: 136).

O instante é apresentado por Bolzano como um ponto no tempo, um ponto na linha do tempo. Cada ponto corresponde a um único instante. Pode-se fazer a escolha de um instante qualquer da linha e afirmar: “neste instante não é possível b e não-b”. Sendo assim, não é possível desassociar o princípio de Não Contradição da noção de um instante “isolado” de tempo.

1.4 A noção de instante isolado

De acordo com as definições a respeito do tempo apresentadas por Bolzano, o instante é análogo a um ponto geométrico em uma linha reta. A linha reta pontilhada de instantes é a representação da concepção ocidental do tempo. O tempo então é entendido como a sucessão dos instantes, pontilhados um a um na linha reta. Formulado deste modo, no tempo linearmente representado, cada instante equivale a um único ponto. Sendo o tempo assim definido, não há possibilidade de desobediência ao princípio aristotélico de Não Contradição. Dito de outra maneira: como o instante é um ponto na reta, é impossível que seja atribuído a qualquer objeto situado neste ponto, sob o mesmo aspecto, duas propriedades contraditórias.

A contradição é uma interdição que as substâncias recebem quando vistas “paradas em instantes fotográficos”. A contribuição de Bolzano está em apontar a obediência ao princípio aristotélico de Não Contradição com relação ao conceito de simultaneidade – de certo modo implícito em Aristóteles. O que fez Bolzano, portanto, foi explicitá-lo.

(28)

1.5 O instante como “ponto de acumulação” em oposição ao instante como “ponto isolado”.

Usarei o conceito de “ponto de acumulação” para que a noção de instante seja apresentada não como um ponto geométrico isolado, mas como sendo algo indissociável de sua vizinhança. Tal conceito é corriqueiro em topologia, e será aqui definido conforme o fez o matemático Georg Cantor, criador da teoria dos números transfinitos. Segundo Cantor:

Um ponto da linha de tal forma situado que, [qualquer que seja a sua vizinhança em um conjunto P], nesta pode-se encontrar infinitos outros pontos de P (...) Por vizinhança de um ponto, entende-se qualquer intervalo que contém tal ponto em seu interior (CANTOR apud: KATZ, 1993: 661).

Para entender a estrutura ontológica dos instantes do tempo, admitirei que estes mesmos instantes formam um conjunto linearmente dado e contínuo18

1) Todo elemento de A é um ponto de acumulação;

. Cantor definiu três condições fundamentais para que um conjunto qualquer A seja chamado de “contínuo”, a saber:

2) Entre dois elementos quaisquer de A existe uma quantidade infinita de elementos.

3) Todo ponto de acumulação de A está em A19

Consideremos as condições:

.

1) Segundo tal critério, em um contínuo linear não há elemento que não seja ponto de acumulação. Qualquer segmento de tempo, em

18

Sobre o conceito de conjunto linear e de conjunto contínuo, ver Cantor, pg. 110 e 133, 1941.

19

As três condições definidoras do “contínuo’ não são exatamente as mesmas de Cantor. A definição original de Cantor foi suprimida a fim de evitar tecnicismos desnecessários para o presente estudo; na realidade, apenas a condição 1), idêntica à de Cantor, será de fundamental importância para o estudo do princípio de não contradição.

(29)

sua representação usual como segmento de reta é um contínuo linear e, portanto, satisfaz a condição.

2) Desta maneira, todo instante de tempo situado em um contínuo linear é um ponto de acumulação. Os instantes dentro do contínuo temporal são todos pontos de acumulação; isolá-los com uma “pinça” para indexá-los em proposições, o que de fato é feito na formulação bolzaniana do princípio de Não Contradição (PNC), é tratar o instante fora do seu contexto de origem.

3) A terceira condição para um conjunto ser considerado como contínuo diz que toda seqüência de elementos definida no contínuo, uma vez que tenha limite, este se encontrará dentro do contínuo.

Sendo admitido que o instante é um ponto de acumulação, infere-se que não existem instantes isolados no contínuo linear. O que se pretende com esta afirmação é demonstrar que os instantes isolados são independentes uns dos outros e os instantes como “pontos de acumulação” não são.

Se todo instante possui uma vizinhança de instantes, então cada momento de tempo, dentro do contínuo temporal, apresenta um entorno de instantes passados e futuros, que orbitam no momento presente. Pensando na experiência humana, na estrutura cognitiva com os instantes não posso deixar de considerar a faculdade da memória. Estes instantes que se sucederam são concedidos pela memória, que organiza a sucessão e os liga através de um fio condutor, de modo que ocorre uma correspondência, um intercâmbio, uma inter-penetrabilidade entre todos esses instantes.

O instante representado como “ponto de acumulação” admite, entorno de si, os instantes passados, juntamente com os instantes futuros em função da expectativa gerada pela própria continuidade, pelo próprio movimento da sucessão.

A vivência do momento presente concilia os instantes há pouco vividos transformando-os em passado e sincronicamente faz expectativas para os momentos que serão vividos, os instantes futuros. Por meio desse ordenamento interno da memória que é possível afirmar a interdependência entre os instantes e defender que sejam admitidos como “pontos de acumulação”. Vistos como “pontos de acumulação”, é possível formar imagens

(30)

metafóricas ilustrativas desses instantes, onde cada instante imerso em sua vizinhança, se aproxima da imagem intuitiva de um “cacho de uvas”, ou ainda como sugeriu Henri Bergson, como um “novelo” (BERGSON, 1979: 16 apud CORREIA, 2009: 61) 20

20

A respeito da referência mencionada, conferir BERGSON, H. Introdução à Metafísica. São Paulo: 1991.

.

Agostinho de Hipona, outro filósofo extremamente significativo para o estudo do tempo, formulou em sua obra Confissões importantes definições sobre a natureza do tempo, dividindo-o em três partes: o que passou, passado; o que há de passar, futuro e, o que se dá no momento atual, presente. Sobre o instante, Agostinho sugeriu que fosse como uma âncora, um lugar em torno do qual orbitam o passado e o futuro, idéia assimilada posteriormente por Bergson.

1.6 O princípio de Não Contradição admitido somente pela mensurabilidade

Com base no pensamento de Agostinho pode-se inferir que a noção de instante que fundamenta a obediência estrita ao princípio de Não Contradição não é possível dentro do contínuo temporal. O instante isolado não existe. A instantaneidade, contudo, existe como lugar de acumulação de infinitos pontos ligados pela ponte da memória, cabendo a esta ligar o passado ao futuro, pelo ponto intermédio do presente. Agostinho afirma:

(...) medimos os tempos ao decorrerem. E se alguém disser: “Como sabeis?”, responder-lhe-ei: “Sei porque medimos”. Não medimos o que não existe. Ora, as coisas pretéritas ou futuras não existem. Como medimos nós o tempo presente, se não tem espaço? Mede-se quando passa. Porém, quando já tiver passado, não se mede, porque já não será possível medi-lo.

...

Mas de onde se origina ele? Por onde e para onde passa, quando se mede? De onde se origina senão do futuro? Por onde caminha, senão pelo presente? Para onde se dirige, senão para o passado? Portanto, nasce naquilo que ainda não existe, atravessando aquilo que carece de dimensão, para ir para aquilo que já não existe.

(31)

Porém, que medimos nós senão o tempo em algum espaço? (AGOSTINHO, 2000: § 27, cap. 21, 328) 21

21

Conferir referência: AGOSTINHO. Confissões, Capítulo 21 Novas dificuldades: como pode

medir-se o tempo? Nova Cultural, Livro XI, 2000.

.

Agostinho como grande pensador que era percorreu a Física e a Metafísica procurando as respostas para suas reflexões filosóficas e intuições religiosas. Discutiremos no próximo capítulo o pensamento de Henri Bergson e a grande influência que Agostinho seguramente provocou nas teorias bergsonianas. Uma delas certamente foi à respeito da medição do tempo em detrimento do espaço, como mostra a citação acima mencionada.

A análise que busco neste ponto direciona a discussão para o princípio de Não Contradição e o tempo vivido pela consciência, organizado pela memória. Pois o princípio de Não Contradição só é admitido se pensarmos numa definição de tempo sem memória e sem consciência. A pergunta que proponho é: como fica então o princípio de não contradição, num tempo real, da consciência, da memória, o único de fato experienciado, vivido?

Tempo é tempo como tal, onde existe a memória que marca o instante inicial - o antes - e sucessivamente aqueles que virão no decorrer - o depois. Onde existe a consciência, ali passará o tempo. Sem a memória e a consciência não existe o entendimento da sucessão do tempo. O agora, o eterno hoje, - como afirmou Agostinho de Hipona -, só é experimentado por um único ser que se encontra fora do tempo, que se encontra na eternidade, Deus. O agora, não é experimentado pelos seres que estão no tempo, estes são temporais.

O presente do qual Agostinho se refere é um momento breve, tão breve que não há como medi-lo, pois se confunde com o futuro de onde vem e com o passado que já se foi.

Se pudermos conceber um espaço de tempo que não seja suscetível de ser subdividido em mais partes, por mais pequeninas que sejam, só a esse podemos chamar tempo presente. Mas este voa tão rapidamente do futuro ao passado, que não tem nenhuma duração. Se a tivesse, dividir-se-ia em passado e futuro. Logo, o tempo presente não tem nenhum espaço. (AGOSTINHO, 2000: § 20, cap. 15 : 324).

(32)

O tempo agostiniano é fundamentalmente um tempo subjetivo. Os instantes são interligados, e esta imagem nos sugere a perspectiva apontada por Cantor e sua definição de “pontos de acumulação”, que utilizo para definir os instantes como conjuntos contínuos. A mensurabilidade do tempo é uma das questões discutidas por Agostinho e levantada aqui.

Se o tempo caracterizado como reta linear é uma construção ideal elaborada pela ciência, pela matemática e pela física, para permitir a medida dos deslocamentos dos corpos no espaço, o que devemos considerar a respeito do princípio de Não Contradição? Como entender o interdito da atribuição simultânea de propriedades contraditórias em um tempo real, vivido e experimentado pela faculdade humana da memória, e que de fato possibilita a experiência do antes e do depois, a experiência da sucessão, do mover-se contínuo do tempo, da ininterrupção da fluidez dos instantes e da correspondência que existe entre os instantes que se sucedem?

Afirmo efetivamente, se o tempo real é o tempo da consciência, da memória, do contínuo temporal, e do instante como “ponto de acumulação” em frontal oposição ao instante isolado, fragmentado e caracterizado como ponto geométrico numa reta linear, então, o princípio de Não Contradição poderá ser atenuado, perdendo assim sua postura de inviolabilidade e seu caráter ontológico absoluto.

(33)

Capítulo 2

Henri Bergson, Agostinho e os procedimentos para medir o

tempo

O tempo que dura não é mensurável. (BERGSON, 2006)

O que permanece, o que dura? Apenas aquilo que tem razões para começar. (BACHELARD,1988).

2. Críticas à ciência

O filósofo francês Henri Bergson (1859 – 1941) apresenta seus argumentos no sentido de uma crítica às metodologias científicas que pretendem explicar a dimensão do homem a partir da previsibilidade e manipulação de aspectos naturais, biológicos e sociais. Sua filosofia baseada em uma fenomenologia do espírito, busca compreender melhor a experiência da consciência, rediscutindo os conceitos de intuição, espaço e tempo. Trago a referência de Bergson neste capítulo com o objetivo de apoiar-me em sua definição de tempo para pensar na relação do tempo com o Princípio de Não Contradição (PNC).

Em sua obra Duração e Simultaneidade Bergson analisa uma noção de tempo sustentada pela experiência análoga ao fluxo interno de nossa consciência e procurou entender a noção de tempo de Einstein e da Teoria da Relatividade Geral e Restrita22

22

Bergson, em seu livro Duração e Simultaneidade procurou mostrar que o tempo abordado pelas teorias da relatividade especial (a teoria einsteniana que diz respeito aos invariantes físicos de medições feitas em sistemas de referência inerciais (sem aceleração de qualquer espécie)) e pela teoria da relatividade geral (a teoria da gravitação de Einstein) é basicamente um tempo coordenada, isto é, um tempo que se relaciona coordenada em um espaço semi-euclidiano denominado de espaço de Minkowski. Na realidade, nesta clássica obra de Bergson, os aspectos teóricos da relatividade geral não são tão enfatizados, sendo que a crítica bergsoniana do tempo da relatividade é mais direcionada à relatividade restrita.

. A ciência, segundo Bergson, assumiu o compromisso de apresentar fielmente a realidade do mundo através de seus procedimentos. Contudo, o mundo admitido pela ciência é adaptado aos seus procedimentos para que possa ser estudado, ao invés de seus procedimentos

(34)

se adaptarem à realidade do mundo. Uma das questões explícitas com relação a essa afirmação é justamente a questão do tempo.

A faculdade da inteligência e o raciocínio procuram, através do método analítico, medir a passagem do tempo e, desta forma, tomam-no como uma grandeza a ser medida, como uma extensão a ser mensurada. Surge então a pergunta: é o tempo uma grandeza a ser medida? É exatamente aos procedimentos da medição científica que Bergson lançou sua resposta, afirmando que o tempo não pode ser medido, pois a mensurabilidade destina-se aos deslocamentos dos corpos no “espaço”. Medir o tempo, portanto, é medir o espaço, e assim atribuímos unidades de medidas ao tempo em estrita analogia ao que fazemos quando mensuramos grandezas espaciais. Medir o tempo com as regras das unidades de medidas das grandezas é uma prática da ciência, logo, uma convenção, atribuindo ao tempo características próprias do espaço.

Tudo que é mensurável, medido, tomado como grandeza, escapa a definição de tempo para Bergson e passa a ser considerado por ele como “justaposição” (BERGSON, 2006: 75), ou seja, os instantes de tempo posicionados um ao lado do outro, tomados em sua infinitude contínua, formam um segmento de reta. Bergson chega a afirmar que o tempo real não possui instantes, “pois toda a duração é espessa”. Adquirimos naturalmente a idéia de instantaneidade e simultaneidade porque tomamos o hábito de “converter o

tempo em espaço” (BERGSON, 2006: 62). Toda a construção da noção de

tempo em Bergson gira em torno da desconstrução do tempo adotado pela ciência que se acostumou a considerar o tempo como grandeza espacial e portanto, mensurável.

E, a partir do momento em que a uma duração fazemos corresponder uma linha, a porções da linha deverão corresponder “porções de duração” e a uma extremidade da linha uma “extremidade de duração”: será esse o instante – algo que não existe realmente, mas virtualmente. O instante é o que terminaria uma duração se ela se detivesse. Mas ela não se detém. O tempo real não poderia, portanto fornecer o instante; este provém do ponto matemático, isto é, do espaço. (BERGSON, 2006: 62).

(35)

Com estas críticas de Bergson à ciência e ao positivismo23

Bergson percebeu que na noção do tempo científica havia um aspecto de “impessoalidade”, impessoalidade esta que o senso comum, ao pensar sobre o tempo, também atribui ao fluxo temporal: “todas as consciências humanas são

da mesma natureza, percebem da mesma maneira, de certa forma andam no mesmo passo e vivem a mesma duração” (BERGSON, 2006: 54). A explicação

para essa noção é levantada por Bergson na seguinte questão: “como

passamos desse tempo interior para o tempo das coisas?” (BERGSON, 2006:

52). A percepção nos apresenta concomitantemente o que está em nós e fora de nós: estados que se dão em nossa estrutura humana e estados que se dão ao nosso redor, num contexto simultâneo; o mundo interior e exterior, algo como uma observação contínua, da qual Bergson denominou duração

consciente

, posso também criticar a noção de tempo admitida por Bolzano, que tomava a definição de “uma única parte simples do tempo”, como a definição para “instante”, aceitando-o como um ponto na linha, como a parte mais simples do tempo. Bergson assim refuta inteiramente a noção de ponto matemático, chamando este tipo de tempo espacializado de “tempo ressecado” (BERGSON, 2006: 71).

No exemplo da estrela cadente que forma aos nossos olhos uma nítida linha de fogo, da qual dividimos à vontade, Bergson afirma que algo é indivisível, sua mobilidade. Nesse sentido, o que podemos dividir é o espaço que ela deixa como rastro e não podemos dividir o fluxo que é provocado por sua mobilidade; “essa mobilidade é a pura duração”. O tempo bergsonia no é o

“desenrolar” e o espaço é o “desenrolado” (BERGSON, 2006: 58).

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23

Por « positismo », entende-se nesta pesquisa qualquer posição intelectual ou filosófica que atribui à ciência um valor epistemológico ou heurístico superior aos das outras formas de saber. Ver Essai sur les données immédiates de la conscience, Paris, 1889, principalmente caps. II e III; Matière et Mémoires, Paris, 1896, caps. I e IV; L’Evolution créatice, passim. Cf.

Introduction à la métaphysique,1903; e La perception du changement, Oxford, 1911, apud

BERGSON, 2006: 52

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Ver Essai sur les données immédiates de la conscience, Paris, 1889, principalmente caps. II e III; Matière et Mémoires, Paris, 1896, caps. I e IV; L’Evolution créatice, passim. Cf.

Introduction à la métaphysique,1903; e La perception du changement, Oxford, 1911, apud

BERGSON, 2006: 52.

. Ocorre que Bergson faz uma ressalva sobre a percepção que observamos em nosso entorno e nos estados dados em nós e fora de nós.

(36)

Gradualmente, estendemos essa duração ao conjunto do mundo material, porque não vemos nenhum motivo para limitá-la à vizinhança25

A hipótese de graus distintos de consciência entre os seres vivos e uma multiplicidade de durações ao longo do reino animal não é a opção pretendida por Bergson. “Optaríamos, no estado atual de nossos conhecimentos pela

hipótese de um tempo material, uno e universal” (BERGSON, 2006: 54). O

tempo único e impessoal que se configura no tecido desenhado pela malha das experiências exteriores e na pretendida identidade das durações internas,

“essa é a hipótese do senso comum” (BERGSON, 2006: 55), uma duração que

perpassa internamente, circunda externamente e é expandida indefinidamente.

imediata de nosso corpo; o universo nos parece formar um único todo, e, se a parte que está à nossa volta dura à nossa maneira, o mesmo deve acontecer, pensamos nós, com aquela que a rodeia por sua vez, e assim indefinidamente (BERGSON, 2006: 52).

Compreendemos a duração de nossa consciência individual e supomos que as demais consciências apresentem um ritmo mais ou menos aproximado com o fluxo admitido por nossa percepção. Algo partilhado por todos. Esta é a origem do aspecto impessoal que atribuímos ao tempo, que nasce no senso comum e é identificado no interior do conhecimento científico. Bergson explica que nosso entorno e a percepção que temos dele são fatos da experiência, fatos estes permeados pelo tempo duração. Como se no mundo diversificado, em que vários contextos distintos coexistam, um observador pudesse notar, em todos eles, o mesmo ritmo de mudança e de variação de estados. Essa é uma ideia difundida no pensamento científico e também corrente no senso comum, fruto da tradição ocidental da concepção e definição do tempo.

“Que há de verídico, que há de ilusório nesse modo de conceber as coisas? (BERGSON, 2006: 53). Bergson quer saber onde começa a

experiência com o tempo e a partir de que ponto essa experiência passa a ser hipótese.

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A noção de “entorno” e “vizinhança” aqui apresentada por Bergson não é a mesma que foi anteriormente apresentada por meio das definições de Cantor. Chamo a atenção para isso, justamente para poder desconstruir o caráter impessoal da consciência, do qual pretende Bergson e me aproxima da teoria do estudo de Cantor.

Referências

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