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INDICADORES DE RISCO PARA O DESENVOLVIMENTO INFANTIL: POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO PRECOCE 1

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INDICADORES DE RISCO PARA O DESENVOLVIMENTO INFANTIL: POSSIBILIDADE DE

INTERVENÇÃO PRECOCE 1

Flores, M.2;. Crestani, A.3 ;. Souza, A. P.4

1

Trabalho de pesquisa da UFSM

2

Psicóloga mestranda do curso de Distúrbios da Comunicação Humana da UFSM

3

Fonoaudióloga mestranda do curso de Distúrbios da Comunicação Humana da UFSM

4

Professora Dra. orientadora do mestrado de Distúrbios da Comunicação Humana da UFSM E-mail: mari.rflores@hotmail.com; any.h.c@hotmail.com; ramos1964@uol.com.br.

RESUMO

Entre 2000 a 2009 realizou-se uma pesquisa para a validação de Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil (IRDIs), a qual foi financiada pelo Ministério da Saúde. O propósito desta é que os IRDIs pudessem ser utilizados pelos pediatras e por outros profissionais de saúde da atenção básica em consultas regulares a fim de avaliar a presença de um risco psíquico para o desenvolvimento infantil, sobretudo porque quanto mais precoce for a intervenção, maiores as chances de uma evolução favorável. Contudo, muitos profissionais ainda desconhecem esses indicadores e, principalmente, não dedicam-se a olhar para os aspectos psíquicos do bebê, o que é fundamental para que esse se torne um sujeito. Este estudo propõe uma revisão teórica em relação a essa temática, pois há a urgência de sensibilizar tais profissionais a verem no bebê mais do que um corpo, pois seu papel na infância, enquanto promotores da saúde mental, é primordial.

Palavras-chave: IRDIs; Bebê; Profissionais de saúde.

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo trata-se de uma revisão teórica acerca da Pesquisa Multicêntrica de indicadores clínicos para a detecção precoce de riscos no desenvolvimento infantil (IRDIs) a fim de apresentar o que vêm sendo pesquisado sobre esta temática, sobretudo sobre a utilização dos IRDIs pelos profissionais da saúde. Da mesma forma, buscou-se problematizar o uso dos IRDIs em relação a sua importância para a psicanálise e a sua visão de constituição de sujeito, assim como, a relevância de tal pesquisa para intervenção precoce.

A teoria psicanalítica pressupõe que as bases da saúde mental se estabelecem nos primeiros anos de vida e são dependentes das relações corporais, afetivas e simbólicas que se estabelecem entre o bebê e a mãe, enquanto função materna. É a partir dessa relação primordial que o bebê é inserido na cultura e constrói sua subjetividade, assim, falhas nesse processo podem ocasionar transtornos psíquicos do desenvolvimento infantil e atraso no desenvolvimento da linguagem.

Depois de muitos anos de experiência com a clínica de crianças com transtornos graves do desenvolvimento, como autismo e psicose infantil, observou-se que, na maioria dos casos, os pais já percebiam desde muito cedo um estranhamento em relação ao bebê. Assim, um grupo de experts psicanalistas desenvolveram uma série de sinais indicadores para um risco no desenvolvimento infantil. Dessa forma, inicia no ano de 2000, com o financiamento do Ministério da Saúde, uma pesquisa para a validação de indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil (IRDIs).

O propósito da Pesquisa Multicêntrica de indicadores clínicos para a detecção precoce de riscos no desenvolvimento infantil é que os IRDIs possam ser empregados por pediatras e por outros profissionais de saúde da atenção básica em consultas regulares, podendo indicar a possibilidade de risco psíquico para o desenvolvimento infantil. Para a validação dos IRDIs, o estudo trabalhou com uma amostra de 700 crianças atendidas em nove cidades brasileiras, sendo que atualmente as crianças já atingiram três anos e serão submetidas a um diagnóstico a fim de verificar o valor preditivo dos indicadores (KUPFER& VOLTOLINI, 2005).

A partir disso, o presente estudo foi realizado com o intuito de divulgar aos profissionais da saúde os IRDIs a fim de que estes ampliem seu alcance sendo utilizados durante as consultas dos profissionais que se dedicam aos bebês, já que muitos estudos têm mostrado que a idade no início do tratamento (intervenção precoce) é fundamental para sua melhor evolução. O que se pretende não

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é criar profissionais especialistas em diagnósticos precoces, mas sim, alertar os profissionais para um outro registro além do biológico, o registro psíquico, o qual é de extrema importância para o desenvolvimento saudável da criança.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 A VALIDAÇÃO DOS INDICADORES DE RISCO PARA O DESENVOLVIMENTO INFANTIL A Pesquisa Multicêntrica de indicadores clínicos para a detecção precoce de riscos no desenvolvimento infantil foi realizada no período de 2000 a 2008 pelo Grupo Nacional de Pesquisa (GNP), o qual a desenvolveu a partir da teoria psicanalítica de orientação lacaniana e winnicottiana, bem como, da experiência clínica. Desse modo, se colocou em prática esses princípios teóricos utilizando-se como instrumento um protocolo composto por 31 indicadores clínicos de risco ou de problemas de desenvolvimento infantil observáveis e/ou dedutíveis nos primeiros 18 meses de vida da criança (JERUSALINSKY et al., 2010).

O estudo se caracterizou por um desenho de corte transversal seguido por estudo longitudinal com crianças nas faixas etárias de 0-3 meses e 29 dias, 4-7 meses e 29 dias, 8-11 meses e 29 dias 12-18 meses, atendidas na clínica pediátrica nas unidades e/ou centros de saúde. Os IRDIs foram aplicados por pediatras treinados durante a consulta clínica regular no período de 18 meses. A análise dos dados da primeira etapa do estudo foi composta de uma descrição epidemiológica para estimar a sua associação com variáveis clínicas e epidemiológicas. Após três anos de seguimento, as crianças devem ser avaliadas para identificação de transtornos psicológicos ou psiquiátricos e verificadas as associações com os IRDIs (PESQUISA MULTICÊNTRICA DE INDICADORES CLÍNICOS DE RISCO PARA O DESENVOLVIMENTO INFANTIL, 2003).

A capacitação dos pediatras consiste em um workshop com duração de 24 horas realizado em todos os centros onde foi prevista a pesquisa, seguido de outras três sessões de workshops com uma duração de 4 horas em cada um. Estabeleceu-se que a criança que apresentar sinais de risco no IRDI em mais de uma avaliação realizada (em mais de uma faixa etária), deveria ser encaminhada para tratamento psicoterápico, já que se pode avaliar que nesse momento há algum tipo de sofrimento no bebê. As crianças encaminhadas seguirão sendo avaliadas em consultas rotineiras nos serviços de pediatria ou de saúde mental (PESQUISA MULTICÊNTRICA DE INDICADORES CLÍNICOS DE RISCO PARA O DESENVOLVIMENTO INFANTIL, 2003).

Kupfer e Voltolini (2005) expõem que os indicadores foram construídos fundamentados em eixos teóricos definidos a partir de um modo de conceber a constituição do sujeito

pela psicanálise sobre as diferentes operações psíquicas que se estabelecem na primeira infância. Dessa forma, das interações entre mãe e filho, destacaram-se observações significativas dos diferentes tempos, nos quais estão em jogo a construção da imagem corporal, do circuito pulsional e da inscrição simbólica, para determinar o que seria esperado em cada período da constituição do sujeito (KUPFER & VOLTOLINI, 2005).

Os Indicadores de Risco para o Desenvolvimento Infantil (IRDIs) foram criados a partir de quatro eixos que balizam a constituição da subjetividade: supor um sujeito, estabelecer a demanda da criança, alternar presença-ausência, e função paterna (alterização). É importante ressaltar que esses eixos não comparecem separadamente no decorrer do desenvolvimento, mas se entrelaçam nos cuidados que a mãe dirige à criança e também nas produções que a criança realiza, dando testemunho dos efeitos de inscrição de tais marcas. Portanto, não aparecem, como funções separadas ou autônomas, mas orientam as funções físicas e psicológicas do bebê (PESQUISA MULTICÊNTRICA DE INDICADORES CLÍNICOS DE RISCO PARA O DESENVOLVIMENTO INFANTIL, 2003).

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presença ou apenas com ausência, mas sim que possibilite uma alternância, não apenas física, mas, sobretudo, simbólica, pois a experiência da falta se faz necessária para que um bebê se torne sujeito-desejante. Por fim, a instalação da função paterna implica à criança a renuncia de suas satisfações imediatas que antes advinham da relação com o próprio corpo e com o corpo da mãe/cuidador; entretanto, para que essa função possa operar é preciso que a mãe situe a lei como uma referência a um terceiro em seu laço com a criança, não fazendo desta criança um objeto que se presta unicamente à sua satisfação fazendo com que o bebê advenha à linguagem (PESQUISA MULTICÊNTRICA DE INDICADORES CLÍNICOS DE RISCO PARA O DESENVOLVIMENTO INFANTIL, 2005).

Os indicadores não foram criados para o uso do psicanalista, pois ele não precisa de um formulário com indicadores de risco porque seu olhar clínico permite que se atente a eles durante sua prática, mas o pediatra necessita. O que os IRDIs transmitem é uma tendência geral obtida a partir da experiência do psicanalista. Assim, se uma mãe não olha para seu bebê, não se sabe qual a marca que isso lhe fará, mas é possível pensar que o diálogo de ambos corre risco de interromper-se (KUPFER & VOLTOLINI, 2005).

É por isso que Kupfer e Voltolini (2005) afirmam que construíram os indicadores no lado mais geral da estrutura do que da versão que o próprio sujeito faz disso, ou seja, como ele irá lidar com esse risco. Para isso, valeram-se de experiência acumulada da psicanálise a fim de levá-la aos outros campos, apontando para uma tendência percebida ao escutar cada caso. Assim os referidos autores apontam que utilizou-se o conhecimento da estatística para afirmar que algo pode acontecer com aquele sujeito porque já aconteceu com muitos outros a fim de pedir aos profissionais da saúde que considerem essa tendência.

Todavia, há o risco de que os pediatras tomem esse geral estrutural que organiza os indicadores como mais uma teoria de classificação de comportamentos numa relação de causa e efeito, e não em uma relação de acontecimento com conseqüência (KUPFER & VOLTOLINI, 2005). Nesse sentido Jerusalinsky et al (2010) alertam que no campo da subjetividade um diagnóstico fechado na primeira infância pode ser desastroso e iatrogênico porque sela um destino que ainda pode ser modificado já que está em vias de constituição. Contudo, se o pediatra tomar os indicadores como devem ser tomados, isto é, como algo que indica alguma coisa a respeito de um sujeito, então a saúde pública poderá ser beneficiada (KUPFER & VOLTOLINI, 2005).

Em relação aos resultados da Pesquisa Multicêntrica de indicadores clínicos para a detecção precoce de riscos no desenvolvimento infantil, a análise estatística apontou que o IRDI como um todo possui uma capacidade maior de predizer problemas de desenvolvimento do que a capacidade de predizer o risco psíquico, inclusive, apontou alguns indicadores isoladamente ou em grupos, com capacidade de predição de risco psíquico ou de problemas de desenvolvimento. Da mesma forma, a análise preditiva dos casos identificados no IRDI (2 ou mais indicadores ausentes até 18 meses) apresentarem risco psíquico ou problemas de desenvolvimento aos 3 anos de idade (JERUSALINSKY et al., 2010).

Os seguintes conjuntos de indicadores, após análise estatística fatorial, tiveram correlação significante para predizer risco psíquico: de 0 a 4 meses: todos os cinco indicadores formam um fator só que é significante para predizer risco psíquico (RR=3,51; IC95% 1,10-11,17). De 4 a 8 meses: há um fator formado pelos indicadores 6,7,8,9 que é significante para predizer risco psíquico (RR=2,50; IC95% 1,01-6,59). De 8 a 12 meses: há um fator formado pelos indicadores 16 e 22 que é significante para predizer risco psíquico (RR=5,01; IC95% 1,97-13,15). De 12 a 18 meses: há um fator formado pelos indicadores 23, 24, 26 e 30 que é significante para predizer risco psíquico (RR=1,99; IC95% 1,03-3,85) e também para predizer problemas de desenvolvimento (RR=2,82; IC95% 1,45-5,45), (JERUSALINSKY et al., 2010).

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2.2 INTERVENÇÃO PRECOCE

De acordo com a perspectiva teórica adotada neste trabalho, acredita-se que a criança não nasce sujeito, mas sim, que constrói sua subjetividade na relação com figura maternante a partir da suposição de sujeito que a mãe faz através dos sentidos (significantes) que dá aos atos reflexos do filho. Portanto, para Infante (2000) a subjetividade se instala na criança a partir do desejo materno e da lei paterna (discurso familiar), já que é o Outro que definirá para esse sujeito por advir o lugar que ele ocupará.

Nesse sentido, pode haver falhas na relação do bebê com o Outro, seja por dificuldades da mãe (função materna) ou do bebê (predisposições genéticas). Assim segundo Foster (1999), se a relação com a figura materna não é estabelecida adequadamente ocorre a chamada fratura da função materna e a criança pode se desenvolver de forma inadequada, desarmônica, emocional e neurologicamente. Isso porque, para a correta maturação e desenvolvimento é preciso que a criança receba estímulos adequados, pois a atitude da mãe determina uma atitude no filho e vice-versa.

Quando ocorrem falhas nessa relação primordial, o bebê mostra, através dos recursos de que dispõe (gritos, anorexia, recusa do olhar, distonias musculares, insônia, etc.) o seu sofrimento, sendo possível detectar tais sinais através de uma consulta bem feita que considere além dos aspectos físicos do bebê. Diante disso, Correia (1997) sustenta que em sua prática no Centro Médico Psicopedagógico do Hospital Otávio de Freitas observou que o trabalho realizado é muito diferente dependendo da idade da criança, sendo que quanto mais cedo, maiores as chances de uma evolução favorável. O autor observou também que muito cedo algumas mães já relatavam um “estranhamento” em relação ao bebê, o que nos possibilita detectar riscos de possíveis distúrbios psíquicos precocemente através de uma anamnese com os pais.

É por isso que Correia (1997), acredita que a maioria dos pediatras têm a sensibilidade de detectar as dificuldades psíquicas nas relações do bebê, entretanto, é necessário que tais profissionais estejam aptos para reconhecer o distúrbio em questão; eis aí a importância de uma formação específica dos pediatras. Ao contrário, Campanário (2006) menciona que durante os primeiros anos de vida, os sinais indicativos de que algo não vai bem com a criança são pouco

0-4 meses 4-8 meses 8-12 meses 12-18 meses

1- Quando a criança chora ou grita, a mãe sabe o que ela quer. 2- A mãe fala com a criança num estilo particularmente

dirigido a ela

(mamanhês).

3- A criança reage ao mamanhês.

4- A mãe propõe algo à criança e aguarda a sua reação. 5- Há trocas de olhares entre a criança e a mãe. 6- A criança utiliza sinais diferentes para

expressar suas diferentes necessidades. 7- A criança reage (sorri, vocaliza) quando a mãe ou outra pessoa está se dirigindo a ela. 8- A criança procura ativamente o olhar da mãe.

9- A criança demonstra gostar ou não de alguma coisa. 10- A criança estranha pessoas desconhecidas para ela.

11- A criança aceita

alimentação semi-sólida, sólida e variada.

12- A mãe alterna momentos de dedicação à criança com outros interesses.

13- A criança suporta bem as breves ausências da mãe e

reage às ausências

prolongadas.

14- A mãe já não se sente mais obrigada a satisfazer tudo que a criança pede.

15- Os pais colocam

pequenas regras de

comportamento para a

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Da mesma maneira, Laznik (2004) sustenta a idéia de plasticidade neuronal considerando a idade da intervenção como um dado central para que se possam instaurar as estruturas que suportam o funcionamento dos processos de pensar inconsciente, antes que uma possível deficiência se instale.

Uma intervenção precoce pode trazer grandes contribuições para a vida psíquica dos bebês e de suas relações com seus pais. Dentre as suas funções estão a de proporcionar um espaço de escuta às mães, que se encontram desamparadas; ajudá-las a encontrar um ponto de interesse em seus bebês e inscrevê-los em suas histórias familiares; auxiliar no estabelecimento do vínculo mãe-bebê; permitir a elaboração psíquica e afloramento do inconsciente materno, trazendo repercussões sobre os bebês; possibilitar que um deslocamento psíquico se instale a fim de evitar a morte psíquica; propiciar condições para que algo da ordem do pulsional ocorra, favorecendo a constituição psíquica dos bebês e evitar uma falta simbólica; bem como, permitir a identificação de alguns traços fundadores no corpo do bebê (PINHEIRO, 2004).

Na clínica com o bebê, as intervenções devem se dirigir ao bebê, ao agente maternante e à relação entre ambos visando o (re)estabelecimento de um laço que sustente uma singularidade em instalação. Tais intervenções podem ser feitas através do lúdico a fim de que se estabeleça um laço a partir do brincar entre a mãe e o bebê (CAMPANÁRIO, 2008).

A partir disso, compreende-se que uma clínica precoce é quase impossível de ser realizada com êxito se os pais não participarem do tratamento. É tarefa da família moderar o gozo da criança através da entrada da lei paterna, sendo que quando está função estiver comprometida, cabe ao profissional intervir buscando retificá-la (CAMPANÁRIO, 2008).

No processo de psicoterapia conjunta pais-bebê, o terapeuta deve observar as interações entre os participantes, as idéias e representações dos pais em relação ao bebê, favorecendo, dessa forma, a capacidade de associação dos pais e a troca livre e associativa entre pais e filho (PINTO, 2000). Assim, a intervenção clínica com o bebê busca reduzir as projeções e, conseqüentemente, modificar as representações fantasmáticas que os pais têm sobre a criança, melhorando-se os investimentos deles sobre a criança e os sintomas psicofuncionais que a mesma apresenta (PINTO, 2000).

3. DISCUSSÃO

Na perspectiva lacaniana, o fato de um bebê nascer com seu equipamento biológico não é o suficiente para que haja a articulação de seu corpo com o registro simbólico, pois se não houver um Outro que dê sentido aos movimentos corporais da criança, ele não ascende ao campo da linguagem (do humano).

É por esse motivo que, muitas vezes, um bebê nasce saudável, mas acaba desenvolvendo um transtorno do desenvolvimento, seja psicose, problemas de linguagem, entre outros. Indubitavelmente a psicanálise não culpa os pais pelos problemas do bebê, pois mesmo que se saiba que há fratura na relação do bebê com o Outro, essa não se dá em nível consciente e ainda não se sabe se a mãe (enquanto função materna) falha ao se comunicar com o filho ou se o bebê não pode ser atrativo a ela para que ela se posicione enquanto Outro.

Nesse sentido, muitos pesquisadores têm trabalhado na fratura da relação do bebê com o Outro (normalmente desempenhado pela mãe) a fim de reposicionar a mãe nesta relação para que ela consiga ver mais do que um corpo no seu bebê, podendo nomear as manifestações do filho dando sentido aos seus atos reflexos, bem como, falando ao seu bebê e o colocando como um interlocutor para que, assim, advenha enquanto sujeito desejante. Contudo, na realidade brasileira não há muita preocupação com serviços preventivos e de puericultura e, por conseqüência, o que poderia ter sido evitado, ou pelo menos amenizado, acaba tendo uma intervenção tardia e, é claro, traz sintomas muito mais complexos.

Dessa forma, depois de muitos anos de prática com crianças com graves transtornos psíquicos, um grupo de psicanalistas como Alfredo Jerusalinsky, Maria Cristina Kupfer, Daniele Wanderley, entre outros, criaram uma série de indicadores de alerta para o risco psíquico a partir de sua experiência clínica e seus conhecimentos teóricos. Hoje, os Indicadores de Risco para o Desenvolvimento Infantil (IRDIs) já foram validados e diversos profissionais já estão utilizando este protocolo.

O que se espera deste protocolo não é que ele sirva para diagnosticar bebês porque isso só pioraria sua situação, mas que funcione como um dispositivo de alerta para os profissionais que

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trabalham com a primeira infância. Um encaminhamento precoce, segundo vários profissionais que vêm trabalhando com clínica de bebês, como Marie Cristine Laznik uma precursora neste trabalho, pode impedir um quadro clínico grave.

Isso é possível porque se percebeu que desde muito cedo há vários sinais que podem indicar que o bebê está em sofrimento, como a recusa do olhar, distonias musculares, falta de resposta do bebê ao contato com o outro, etc. Portanto, se o profissional da saúde estiver atento a esses sinais ele poderá realizar um encaminhamento a um serviço especializado em atendimento a bebês ou até mesmo, com seu olhar e atenção, poderá ajudar a mãe a reposicionar-se diante de seu filho. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como foi exposto, atualmente, há muitos profissionais trabalhando na perspectiva da detecção de risco para o desenvolvimento infantil e da intervenção precoce. Portanto, espera-se que os profissionais da saúde infantil dediquem-se a este trabalho, o que não quer dizer que devam estudar a fundo a psicanálise, mas sim, que estejam atentos ao registro psíquico daqueles que passam por seus consultórios.

O pediatra, o enfermeiro, o fonoaudiólogo, entre outros, são profissionais que têm mais contato com o bebê, pois se sabe que dificilmente um bebê chega ao consultório do psicólogo. Nesse sentido, são esses os profissionais de referência na primeira infância e são a estes que os pais confiam seus filhos desde que nascem. Assim, enquanto promotores de saúde mental os profissionais dedicados a infância têm papel fundamental, seja na percepção do risco e encaminhamento ao psicólogo, seja enquanto figura de referência para o casal parental que encontra dificuldades de ver além do físico do bebê.

Então, um profissional comprometido com o trabalho na infância pode ajudar as figuras parentais a supor um sujeito em seu bebê, pois se ele puder ver além do registro biológico no seu paciente, ou seja, admitir que algo escapa ao corporal, poderá mostrar através de sua prática que ali há um sujeito em vias de constituição, que sente, que sofre e que necessita de um Outro para vir ao mundo da linguagem.

REFERÊNCIAS

CAMPANÁRIO I. Espelho, espelho meu: a psicanálise e o tratamento precoce do autismo e outras psicopatologias graves. Salvador: Ágalma, 2008.

CAMPANÁRIO, I. O Atendimento Psicanalítico do Bebê com Risco de Autismo e de Outras graves

Psicopatologias. Uma clínica da antecipação do sujeito. Dissertação de Mestrado, Faculdade de

Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, 2006. CORREIA, J. R., Por que uma intervenção precoce nos distúrbios psíquicos? in Daniele de Brito Wanderley (org.) Palavras em torno do berço. Salvador: Ágalma, 1997.

FOSTER, O. Autismo em neurologia infantil. in Alfredo Jerusalinsky (org.). Psicanálise e

desenvolvimento infantil: um enfoque transdisciplinar. 2 ed. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1999

INFANTE, D. O Outro do bebê: as vicissitudes do tornar-se sujeito, in Cláudia Mascarenhas Fernadandes Rohenkohl (org.) A Clínica com o bebê. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.

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PINTO, E. Psicoterapia breve pais-bebê/criança. in Cláudia Mascarenhas Fernadandes Rohenkohl (org.) A Clínica com o bebê. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.

Pesquisa multicêntrica de indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil. Revista

Latino-Americana de Psicopatologia Fundamental, Vol. 6, nº 2, pp. 7-25, 2003.

Pesquisa multicêntrica de indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil. In Anais, Colóquio Franco-Brasileiro sobre a Clínica com bebês, Paris, 2005. Recuperado em 11 de maio 2010, da SciELO (Scientific Electronic Library OnLine): http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=MSC0000000072005000100007&lng=en&nrm=iso

JERUSALINSKY, A. ET AL. Valor preditivo de indicadores clínicos de risco psíquico para o

desenvolvimento infantil: um estudo a partir da teoria psicanalítica, 2010. Recuperado em 10 maio de

2010. Disponível em: http://www.lydiacoriat.com.br/arquivos_pesq/Pesquisa.%20Relatório%20 Dr%20 Alfredo.%20VALOR%20PREDITIVO%20DE%20INDICADOR%20%202009-INÉDITO.pdf

KUPFER, M. C. & VOLTOLINI, R. Aspectos metodológicos do uso de indicadores clínicos em

pesquisas de orientação psicanalítica. An. Col. franco-brasileiro sobre a clínica com bebês Jan.,2005.

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