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A TERCEIRA ONDA DO CONSUMO DE CAFÉ

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A “TERCEIRA ONDA” DO

CONSUMO DE CAFÉ

Eduardo Cesar Silva

Elisa Reis Guimarães

Lavras, MG

Julho de 2012

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Eduardo Cesar Silva – Mestre em Administração (UFLA). Coordenador do Bureau de Inteligência Competitiva do Café. E-mail: educesar_muz@hotmail.com

Elisa Reis Guimarães – Graduanda em Administração (UFLA). Analista do Bureau de Inteligência Competitiva do Café.

INTRODUÇÃO

A sociedade muda constantemente. Novos hábitos, conceitos, modas e tecnologias foram responsáveis por diversas mudanças ao longo da história. Para as cadeias agroindustriais é de especial interesse acompanhar as mudanças nas preferências dos elos finais da cadeia, como varejistas e consumidores. Estas mudanças criam novas demandas que, por sua vez, deverão ser atendidas pelos produtores agrícolas. De modo geral, se pode dizer que o consumidor “cria” a demanda e cabe aos produtores se adequarem ao novo padrão de consumo. Atender as novas demandas significa explorar oportunidades e manter a competitividade no mercado.

O consumo mundial de café também passa por mudanças e evoluções. China e Índia, dois grandes consumidores de chá, começam a descobrir os prazeres de uma boa xícara de café. Cafeterias espalhadas por todo o mundo ajudam a difundir o consumo fora do lar e criam demanda para os cafés especiais. Grandes empresas do setor de alimentos e bebidas lutam por uma fatia do pequeno, mas promissor, mercado de café em cápsulas. E não pode ser desconsiderada a crescente demanda por cafés sustentáveis.

Nos últimos anos um novo perfil de consumidor de café começou a surgir. Trata-se de um consumidor exigente, interessado em conhecer a origem do seu café, os detalhes do beneficiamento do grão e as características que diferenciam um café brasileiro de um colombiano ou queniano, por exemplo. Esse consumidor quer experimentar métodos de preparo da bebida que vão além do tradicional espresso. Ele vive a chamada “Terceira Onda” do consumo de café.

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OBJETIVO

Este relatório, preparado com informações coletadas pelo Bureau de Inteligência Competitiva do Café, objetiva fornecer informações relevantes que possam ser úteis para o agronegócio no que diz respeito às recentes mudanças observadas entre os consumidores de café dos países desenvolvidos. Estas mudanças, embora em estágio inicial, têm potencial para modificar, ao menos em parte, a cadeia produtiva.

Estar alinhado com as novas tendências de consumo é fundamental para a tomada de decisões no setor cafeeiro nacional.

AS ONDAS DO CAFÉ

Um novo conceito explica o consumo de café por “ondas” (waves): primeira, segunda ou terceira. A primeira onda se refere à proliferação do consumo de café por todo o mundo, principalmente no período posterior a Segunda Guerra Mundial. O café era “mais consumido do que apreciado”, valorizado mais pelo que fornecia (a energia) e menos por sua natureza e sabor. No que se refere à comercialização, ela era feita em quase sua totalidade nas prateleiras de supermercados, com grande utilização de grãos da espécie Coffea canephora, considerado de qualidade inferior ao Coffea arabica.

O aparecimento da segunda onda foi marcado pela melhoria na qualidade da

commodity por meio da preferência dos grãos da espécie arábica em oposição aos da

canephora (robusta). Surgiram grandes redes de cafeterias especializadas em café gourmet, como Starbucks e Peet's Coffee & Tea, que são consideradas as maiores propagadoras desta onda. A expansão do uso de máquinas de café espresso para o preparo da bebida também se enquadra na “segunda onda”. De modo geral, essa onda foi responsável por tornar o hábito de tomar café mais sofisticado e agregou valor ao produto.

Já na “Terceira Onda”, o café é consumido pelo que é e não pela cafeína que fornece. O objetivo é conhecer a fundo todas as propriedades e nuances da bebida e prepará-la de forma a ressaltar o sabor.

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Esse conceito de “ondas” para explicar o consumo de café foi cunhado pela barista Trish Skeie, em 2003, e desde então ganhou popularidade entre os aficionados por café, sendo bastante empregado para descrever o novo estilo de consumo.

Skeie relaciona a Terceira Onda como “resposta” ao café de torra escura característico da segunda onda2. A torra escura teria se tornado o padrão de redes como Starbucks por facilitar a padronização do perfil da bebida oferecida nas lojas da rede. Quanto mais torrado, menores as diferenças entre grãos de diferentes origens. Para uma rede com mais de 11 mil lojas nos EUA, esta é uma estratégia interessante para manter o padrão3. Mas a Terceira Onda valoriza o sabor individual de cada café.

Assim como ocorre com o vinho, algumas áreas produtoras de café são preferidas em relação a outras. Cada uma delas possui características específicas, como clima, altitude, formas de colheita e processamento diferentes4. Portanto, cada café é considerado exclusivo, de modo que aqueles provenientes de uma origem única, por representarem a essência de uma região específica, têm sido preferidos em relação aos blends. Rastrear a origem e acompanhar todo o processo de produção, torrefação e preparo é um meio de assegurar a qualidade do produto. Assim, pode-se dizer que o café passa por uma descomoditização, ou seja, é percebido e negociado de forma diferente de uma commodity, algo mais próximo do vinho e que ocorre também na forma como é consumido5.

Um exemplo do quanto os representantes da Terceira Onda levam a sério a questão da origem única pode ser observado na Stumptown Coffee Roasters, uma pequena rede de cafeterias do Estado norte-americano de Oregon. A Stumptown é conhecida pela excelente qualidade dos cafés oferecidos e como legítima representante

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da Terceira Onda. Cada saca de café verde da Stumptown possui uma placa que indica a altitude, varietal e notas de sabor dos grãos. Em adição, o verso de cada placa possui informações técnicas como, por exemplo, a forma como se deu o processo de secagem.6

Para os defensores da Terceira Onda, utilizar blends para manter o mesmo perfil sensorial de bebida, ano após ano, é um pensamento ultrapassado. A variação de sabores que o café de uma mesma região, ou até mesmo propriedade, pode sofrer de um ano para outro deve ser explorada, e não evitada. As cafeterias devem aprender a trabalhar com os perfis disponíveis, ao invés de fornecer ao consumidor apenas um perfil pré-estabelecido.7

A preferência por cafés com selo Fairtrade, aqueles comprados diretamente dos produtores por um preço mais alto que o normalmente pago, é crescente. Como nova variação desta forma de troca, surge o Direct Trade, que se assemelha ao "Fair Trade" no sentido de pagar um preço mais justo aos produtores e encorajá-los a desenvolver práticas sustentáveis e responsáveis ecologicamente8, mas não se trata de uma certificação.

O Direct Trade é um movimento iniciado pelas cafeterias da Terceira Onda e que propõe a compra direta do café produzido, desde que apresente excelente qualidade e o cafeicultor se preocupe com aspectos ambientais, entre outros. Não existe um preço fixo, mas são valores acima do mercado, negociados diretamente entre o produtor e comprador. Os compradores de café que participam do Direct Trade buscam pagar valores que remunerem o cafeicultor pelo seu trabalho e estimulem a continuidade da produção de cafés de qualidade. A Intelligentsia Coffee, por exemplo, paga no mínimo 25% a mais que o preço do café certificado Fairtrade.9

Esta forma de comércio se diferencia pelo fato de, além de pagar um preço mais justo aos produtores, negocia custos adicionais a serem pagos a qualquer intermediário que tenha alguma função legítima de levar o produto para o mercado.

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TENDÊNCIA: CAFÉ COADO

O texto original de Trish Skeie sobre a Terceira Onda do consumo de café relata a opinião de renomados baristas noruegueses contrários à “automação” do preparo de café, evidenciada pelas máquinas automáticas de espresso, cada vez mais sofisticadas. Esses baristas se posicionaram contra tudo que é automático no preparo da bebida. A autora relaciona esse fato como a “homogeneização” do café espresso. Cafeterias com máquinas automáticas não teriam o mesmo brilho daquelas em que o barista busca a perfeição a cada espresso tirado. Pode-se entender também que se trata de uma valorização do artesanal e do manual no mundo café. Com a crescente sofisticação dos hábitos de consumo da bebida, é natural que se valorizem características únicas de um café que apenas o barista qualificado consegue evidenciar.

Embora bons baristas possam tirar espressos bastante superiores aos das máquinas automáticas, outro método de preparo ganhou destaque na Terceira Onda: o café coado. Ele está presente em diversas cafeterias que lideram a Terceira Onda e sua crescente popularidade está relacionada com a tendência dos cafés de origem única.

De acordo com os baristas da Terceira Onda, o método coado permite uma melhor distinção entre as diferentes nuances de sabor que se espera obter de um café de origem única. Em seu “renascimento” como método sofisticado de preparo, o café coado é chamado de pour over coffee nos países de língua inglesa. Além disso, difere bastante do tradicional café de coador obtido através de cafeteiras elétricas.

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O pour over coffee é preparado pelo barista na hora, em frente ao consumidor. Uma dose de cada vez. Embora possa demorar até 4 minutos, é dito que a qualidade compensa. De fato, esse café coado de alta qualidade, preparado a partir de cafés de origem única, tem sido destacado como tendência entre as cafeterias sofisticadas de Nova York, Melbourne, Sydney e no Reino Unido.

Em 2010, a Starbucks aderiu à nova tendência e introduziu o pour over coffee em suas lojas nos EUA e Canadá. Em 2011, as lojas do Reino Unido começaram a receber a novidade juntamente com uma seleção de cafés de origem única para serem preparados pelo método.

PEQUENA ESCALA

A Terceira Onda é representada por pequenas redes e cafeterias independentes, como Stumptown Coffee Roasters, Intelligentsia e Counter Culture, que preferem manter a qualidade a vender seus produtos em grandes quantidades.

Essas cafeterias seguem um estilo bastante diferente daquele das grandes redes, como a Starbucks. No entanto, parece pouco provável que alguma delas consiga crescer de modo a representar uma ameaça para a maior rede de cafeterias do mundo. Isso ocorre porque as cafeterias da Terceira Onda prezam pelo relacionamento com os produtores de café. Seus proprietários frequentemente viajam até os países produtores em busca de lotes de cafés únicos. E é nesse ponto que reside parte do charme da Terceira Onda. Um café nunca tem o mesmo sabor de outro. Os cafés adquiridos compõem os chamados “micro lotes”. É impossível para uma grande rede oferecer o mesmo micro lote em todas as lojas. São dois modelos incompatíveis. No entanto, um grande número dessas cafeterias independentes pode representar uma mudança

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significativa10 para agronegócio café.

A evolução do mercado de cafés especiais é ilustrativa e pode evidenciar o que vai ocorrer com a Terceira Onda. Nos seus primórdios, a comercialização de cafés especiais era quase incipiente, tal como a de cafés certificados. Hoje, representam parcela significativa do mercado mundial do grão. Do mesmo modo, atualmente apenas uma pequena parcela do mercado de cafés especiais pode ser considerada como dentro da Terceira Onda. Mas como lembra Josh Ozersky, da Time, quando a Starbucks começou na década de 1970, o mercado de cafés especiais também era apenas uma fração do total.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De modo geral, podem ser consideradas características da Terceira Onda:

Qualidade acima de tudo.

Cafés de Origem Única (em oposição ao blend). Direct Trade

Micro lotes

Métodos alternativos de preparo

Até onde se pôde averiguar, o fenômeno conhecido como Terceira Onda está presente nos EUA, na Austrália e também no Reino Unido. Nestes países, a Terceira Onda tem ganhado força, mas ainda está restrita a um pequeno grupo de cafeterias especializadas. No entanto, é importante destacar que o número tem crescido significativamente. Diversos portais de notícias deram espaço à nova onda do café nos últimos dois anos, entre eles: The New York Times, Financial Times, Sydney Morning

Herald, The Guardian e Time.

Essa Terceira Onda do consumo de café representa uma ruptura com o modelo adotado pelas grandes redes de cafeterias. Elas têm seu mérito, já que com a sua propagação houve um salto significativo na qualidade do café consumido. No entanto,

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diante de toda a variedade de sabores que podem ser obtidos em uma xícara de café e com a sofisticação dos hábitos de consumo, um novo nível de qualidade se faz necessário. A Terceira Onda parece representar uma aproximação do café com relação ao que já existe no mercado de vinhos. Pode-se dizer que o café está se tornando, de fato, um produto gourmet.

Quanto ao seu futuro, a Terceira Onda parece promissora. O número de cafeterias especializadas cresce e muitas se preocupam, inclusive, em oferecer cursos de degustação para seus consumidores. Na “Era da Informação”, os segredos da degustação de café não estão restritos apenas aos profissionais do mercado. Consumidores podem, e devem, saber apreciar as nuances dos diferentes tipos de café.

Por sua vez, o Direct Trade pode ser útil ao aumento do conhecimento do produtor, já que o coloca em contato direto com o comprador. No Direct Trade, o comprador, muitas vezes, visita a fazenda em busca dos melhores lotes. Essa proximidade permitirá um incremento nos conhecimentos do produtor a respeito da qualidade dos seus grãos e das demandas do mercado.

As possibilidades são grandes e a Terceira Onda está apenas no começo. Diferenciar e valorizar as diferentes regiões produtoras do Brasil pode ser o primeiro passo para que a cafeicultura nacional esteja bem posicionada quando essa nova “onda” ganhar força e se tornar mais relevante para o mercado. O crescente interesse dos consumidores mais sofisticados por detalhes sobre a origem e produção do seu café é uma tendência forte. As indicações geográficas podem contribuir para o bom posicionamento do Brasil diante dessas novas demandas.

REFERÊNCIAS

1 http://coffeegeek.com/opinions/bgafiles/04-02-2005/

2 http://www.baristamagazine.com/Issues/VolumeII/AprilMay06/aprilmay06-third.html 3 http://www.roaste.com/CoffeeBlogs/scott/3-Things-Make-You-Third-Wave

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5 http://beanactivist.wordpress.com/2007/11/11/third-wavers-decommodification-of-coffee/ 6 http://www.time.com/time/nation/article/0,8599,1970653,00.html#ixzz1PktdWnjc 7 http://coffeegeek.com/opinions/bgafiles/04-02-2005/ 8 http://green.wikia.com/wiki/Direct_Trade_Coffee 9 http://www.intelligentsiacoffee.com/content/direct-trade 10 http://money.msn.com/top-stocks/post.aspx?post=00000065-0000-0000-4ad2-190000 000000 SOBRE O BUREAU

O Bureau de Inteligência Competitiva do Café é um projeto financiado pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) com interveniência da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Os trabalhos são desenvolvidos dentro do Centro de Inteligência em Mercados (CIM) da Universidade Federal de Lavras (UFLA). O principal objetivo do Bureau é produzir inteligência competitiva para transformar o Estado de Minas na mais dinâmica e sofisticada região cafeeira do mundo.

CONTATO

O Bureau se coloca a disposição dos interessados em conhecer mais as atividades desenvolvidas. Parcerias e sugestões para novos estudos também são bem vindas. O contato pode ser feito pelo fone (35) 3829-1443.

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