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CHEIO E VAZIO O Mundo Material e o Mundo Imaterial

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Academic year: 2021

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CHEIO E VAZIO

O Mundo Material e o Mundo Imaterial

Estruturado em cinco momentos Cheio e Vazio dispõe elementos no espaço em relações matemáticas que tanto constroem o objeto como também definem a quantidade do que denomino fenômeno de multiplicação desse objeto. Cinco “é símbolo de união, número nupcial segundo os pitagóricos. Representa também os cinco sentidos e as cinco formas sensíveis da matéria: a totalidade do mundo sensível”1

. Na construção destes corpos-objeto reside uma simbologia que considero como imanente às formas do cubo, da esfera, da caixa, do ovo, do círculo, do quadrado, da cruz; signos considerados como elementos arquetípicos da história da humanidade. Segundo Jung, os mitos universais encerram temas bem definidos, arquetípicos: “Encontramos esses mesmos temas nas fantasias, nos sonhos, nas idéias delirantes e ilusões. A essas imagens e correspondências típicas denomino representações arquetípicas”2

. Em si mesmo o arquétipo escapa à representação, parece fazer parte da estrutura psíquica herdada, portanto manifesta-se espontaneamente e por toda parte.

Cheio e Vazio estabelece relações entre a superfície e o interior, a matéria e a ação, a forma e o símbolo, o estado bruto e o alquímico, a materialidade e a espiritualidade. Esses aspectos encontram um campo de construção que tem como princípio fundamental o feminino. Nesse sentido entenda-se que a minha ação masculina, o ato de imprimir, transforma a matéria no mundo feminino que é o princípio gerador da vida. Dois princípios constituem a natureza: o masculino e o feminino.

Na relação da superfície com sua interioridade o espaço interior não se dá no objeto em si, mas no que considero como um espaço arquetípico ampliado. O espaço interior é revestido por uma pele material que manifesta uma forma; o vazio interior ora se revela em uma abertura mais ampla, ora em pequenos furos que permitem a troca do interno com o externo, ora a superfície penetra no interior

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da forma e ora ele está fechado, revelando, apenas, a forma na superfície da matéria. O interior e o exterior têm a mesma importância, recebendo em vários momentos o mesmo tratamento, que não diferencia nem prioriza a superfície externa da interna. A necessidade é de igualdade: aproximar o interior e o exterior. O objeto é o vazio e a sua superfície.

A matéria carrega sua expressividade e manufaturá-la estabelece uma relação íntima com ela. Por isso na cerâmica preciso, amassar, amassar, amassar, estender as placas, cortar, colar, montar, secar... lixar... até, finalmente queimar. O processo cerâmico é um ritual no qual todas as etapas são sagradas. Assim, toda matéria tem suas características próprias e relacionar-se com ela requer sensibilidade. O ritual de sentir a madeira, o bronze, o cobre, o ferro, a parafina, a cerâmica, a areia, requer uma relação íntima com esses elementos para então ser possível trabalhar. O material puro contém sua essencialidade e a minha necessidade é a busca do essencial que se atrela ao que é irredutível e ao conceito de unidade.

Em relação à matéria e ação, o fazer artesanal caracteriza uma qualidade do meu ser. Eu necessito do domínio da técnica, de participar de todo o processo, de cuidar dos detalhes e acabamento. Nesse sentido meu caminho é inverso aos minimalistas, me aproximo mais sensivelmente do fazer artesanal de Martin Puryear. “Puryear crê que o verdadeiro artista é o que domina a técnica. Por isso intervém em todo o processo de elaboração da obra trabalhando com primor os detalhes e o acabamento. Através dos métodos artesanais, o artista se libera das ataduras do formalismo e do estilo”3

.

Quadrado, círculo, cubo, esfera e ovóide são formas constantes e presentes no meu trabalho. Estava um dia no Ateliê e uma colega me disse: “Mas é tão simples e ao mesmo tempo diz tudo”. Realmente é simples e considero o simples essencial. Jung diz: “As coisas simples são sempre as mais difíceis. Na vida atual, ser simples requer uma grande disciplina”4

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nos últimos cinco anos. Com a realização deste projeto pude experienciar o uso de novos materiais. A pesquisa levou-me ao estudo da geometria sagrada e do simbolismo religioso, onde se revelaram aspectos interessantes.

O cubo que “... simboliza o mundo material e o conjunto dos quatro elementos. Combinado com a esfera, simboliza a totalidade terrestre e celeste, finita e infinita, criada e incriada, daqui de baixo e do alto”. A esfera relacionada ao mundo divino a “perfeição e a totalidade”. Enquanto ao ovo, origem do universo, “O nascimento do mundo a partir de um ovo é uma idéia comum a celtas, gregos, egípcios, fenícios, cananeus, tibetanos, hindus, vietnamitas, chineses, japoneses, às populações da Sibéria e da Indonésia e a muitas outras ainda. O Homem primordial nasce de um ovo”5

.

O círculo “... é considerado em sua totalidade indivisa... seu movimento circular é perfeito, imutável, sem começo nem fim, e nem variações: o que o habita a simbolizar o tempo”6. O círculo organiza esse devenir – “transformação incessante e permanente pela qual as coisas se constroem e se dissolvem noutras coisas”7

. O cubo de ferro circunscrito e o cubo de areia inscrito coexistem e apontam duas realidades: a solidez da matéria e a efemeridade da experiência.

O número doze “... é o número das divisões espaço-temporais. É o produto dos quatro pontos cardeais pelos três planos do mundo. Simboliza também o universo em sua complexidade interna. Paul Claudel idealizou este algarismo: Doze vezes doze é a perfeição multiplicada por si mesma, a perfeição ao cubo, a plenitude que exclui qualquer outra coisa que não seja ela mesma, o paraíso geométrico”. “Para os dogons e os bambaras do Mali, se 7, soma de 4 e 3, é o princípio do homem e do universo, 12, que provém da sua multiplicação, é o símbolo do devenir humano e do desenvolvimento perpétuo do universo”8

.

Em síntese, as formas e números presentes neste trabalho, falam de perfeição, harmonia, estabilidade, totalidade, união de opostos, unidade. São símbolos

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arquetípicos da Humanidade. Desde que passei a compreender essas formas tenho me relacionado com elas de maneira diferenciada. O cubo com a semi-esfera visto em uma planificação inscreve um círculo no quadrado. O símbolo da totalidade celeste-terrestre. Na forma é uma relação do cubo com a esfera gerando uma nova forma. Duas instâncias – formal e simbólica – estão intrinsecamente relacionadas.

Desde que me iniciei na cerâmica, descobri que a etapa da queima é o momento primordial, por ser nele que ocorre a transformação da matéria através do calor do fogo. O resultado advindo da queima na cerâmica é sempre um mistério. O fogo passou a ser, para mim, elemento primordial do processo, por ser a energia de transmutação. Eu queimo porque preciso queimar, pois o fogo purifica a matéria. Quando retiro os fundos das caixas de madeira e queimo-os, retiro do objeto um outro objeto, liberando a escultura de sua primeira idéia – o mundo ideal platônico onde o conceito de caixa se insere.

Transformar a matéria é impregná-la de espiritualidade. Cheio e Vazio fala da relação entre interioridade e superfície, matéria e ação, forma e símbolo, estado bruto e transformação, materialidade e espiritualidade.Todos esses aspectos fazem parte do processo e o primor no acabamento e nos detalhes revela a suavidade feminina na superfície da forma. O fazer artesanal é esse trabalho zeloso de uma boa Mãe que gesta seu filho no ventre de sua Alma. Assim nasce o Espírito, e a matéria se enche de espiritualidade.

1. In: CHIVALEN; GHEEBRANT. Dicionário de Símbolos. s/d. p. 241.

2. In: JUNG, Carl G. Memórias, Sonhos, Reflexões. Rio de Janeiro. Editora Nova Fronteira. p. 352.

3. In: PURYEAR, Martin. Catálogo da Sala de Exposiciones de la Fundación “La Caixa”. Madrid. Fundación “la Caixa”. 1997. p. 13.

4. In: FELDMAN, Clara. Encontro, Uma abordagem humanista. Belo Horizonte. Editora Crescer. 2004. p. 100.

5. In: CHIVALEN; GHEEBRANT. Dicionário de Símbolos. s/d. p. 317, 388 e 672.

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7. In: Aurélio. Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro. Editora Nova Fronteira. p. 672.

8. In: CHIVALEN; GHEEBRANT. Dicionário de Símbolos. s/d. p. 348 e 349.

Márcio Prado

PRADO, Márcio. Cheio e Vazio: o mundo material e o mundo imaterial. In: Catálogo de Exposição, 2008, Fundação Cultural de Curitiba. Bolsa Produção para Artes Visuais. Curitiba, 2008. p. 96-99.

Referências

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