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Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder. Problematizando questões de gênero e futebol em um jornal da cidade de Canoas, RS

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Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008

Problematizando questões de gênero e futebol em um jornal da cidade de Canoas, RS Carlos Alberto Tenroller – PPGEDUC/ULBRA¹

Mariangela Momo – PPGEDUC/ULBRA² Estudos Culturais; gênero; futebol feminino.

ST 71 – Futebol: feminilidades e masculinidades em jogo

Entendemos, a partir do Campo dos Estudos Culturais, que as identidades e as subjetividades são forjadas nas tramas da cultura. Com as lentes teóricas advindas deste campo, muitos estudos têm sido realizados no intuito de evidenciar e problematizar como os artefatos culturais estão implicados na constituição dos sujeitos contemporâneos. Consideramos, assim como Costa (2001), que “A linguagem, as narrativas, os textos, os discursos não apenas descrevem ou falam sobre as coisas; ao fazer isso eles instituem as coisas, inventando sua identidade.” (p. 32) Dito de outro modo, os discursos estão implicados naquilo que as coisas são. Neste artigo, proveniente de uma pesquisa de maior amplitude, analisamos o jornal Diário de Canoas, considerando-o como um artefato cultural que coloca em circulação determinadas representações – estabelecidas na relação com o futebol – que constituem e produzem os sujeitos femininos e masculinos sobre os quais falam. No espaço destinado às notícias esportivas (Caderno Esporte), analisamos como as mulheres são representadas, o modo como elas são narradas, e refletimos sobre a produção de determinados entendimentos sobre o feminino e o masculino na prática de futebol. Ao considerar que as identidades de gênero são construções permanentes, provisórias, inacabadas e até mesmo contraditórias, entendemos que analisar um artefato cultural, como um jornal, pode colaborar para pensar e problematizar como as representações sobre o futebol, nas páginas desse veículo de comunicação, operam para a construção de determinados modos de ser homem e de ser mulher. Louro (1997) afirma ser necessário demonstrar que não são propriamente as características sexuais, mas a forma como essas características são representadas ou valorizadas; aquilo que se diz ou se pensa sobre elas, que vai constituir, efetivamente, o que é feminino ou masculino em uma dada sociedade e em um dado momento histórico. Nelson, Treichler e Grossberg (1995) afirmam que os Estudos Culturais estão comprometidos com o estudo das artes, crenças, instituições e práticas comunicativas de uma sociedade e de problematizações da cultura. A mídia, o cinema, a TV, os jornais, enfim, os vários veículos da publicidade, operaram como meio que veiculam representações, criando valores e entendimentos, construindo concepções que influenciam nos comportamentos dos sujeitos.

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A escolha pelo referido jornal também está relacionada ao fato de que este é o principal jornal da cidade de Canoas (localizada na região metropolitana de Porto Alegre), na qual vivem aproximadamente quatrocentos mil habitantes. Conforme dados do IBGE, Canoas é a segunda maior arrecadadora de impostos no Rio Grande do Sul, tendo o segundo maior PIB estadual, ficando atrás apenas da capital gaúcha. Até o ano de 1991, a cidade de Canoas tinha suas notícias impressas veiculadas diariamente no jornal Vale dos Sinos, cuja impressão era e continua até os dias de hoje sendo feita na cidade de Novo Hamburgo, distante cerca de trinta quilômetros de Canoas. No ano de 1992, surgiu o jornal Diário de Canoas, com edições diárias de segundas-feiras aos sábados, enquanto que aos domingos são feitas de modo conjugado, isto é, os três jornais (Vale dos Sinos, Diário de Canoas e ABC), são impressos no jornal ABC, com notícias, principalmente, das cidades de Canoas, São Leopoldo e Novo Hamburgo. Esses jornais pertencem ao Grupo Sinos, com sede na cidade de Novo Hamburgo, a qual foi criada no ano de 1957. Conforme informações dos editores do Diário de Canoas¹, este jornal é lido por pessoas das classes ‘A’ até a classe ‘E’. Ele vende diariamente em torno de quinze mil exemplares, sendo que dez mil são entregues para assinantes. O Caderno Esporte existe desde a origem do jornal, no qual são expressas matérias que versam sobre notícias dos mais variados esportes.

Nosso intuito é evidenciar e problematizar como vem contribuindo na construção das relações de gênero o maior jornal na cidade de Canoas, uma vez que os Estudos Culturais estão comprometidos com os estudos de produção, de recepção e do uso situado de variados textos, da forma como eles estruturam as relações sociais, os valores, as noções de comunidade, o futuro e as diversas definições do eu. Cada vez mais, no mundo contemporâneo, textos visuais, auditivos e eletronicamente mediados têm provocado mudanças radicais na construção e nas formas como o conhecimento é produzido, recebido, consumido, como no caso das edições do jornal que analisamos.

Ao chamar a atenção para o fato de que os discursos são sempre ‘incidentais’, isto é, iluminam certos aspectos, chamam atenção para outros, construindo relações, Coli (2006) alerta para o fato de que:

‘Nosso universo visual é, por assim dizer, sintetizador: o impacto dos cartazes publicitários, o sentido único e indiscutível dos sinais de trânsito, a solicitação frenética das imagens da televisão exigem uma leitura rápida: somos treinados para aprender, de um só golpe, o sentido de cada mensagem enviada. Perdemos o hábito do olhar que analisa, perscruta, observa (COLI, 2006, p. 122).

Nosso olhar lançado sobre o caderno esportivo do jornal tem a intenção de analisar, perscrutar e observar imagens e narrativas de mulheres, nas relações com o futebol, que acabam por ser tomadas como naturais. Como alerta Coli (2006), são tantas imagens e narrativas que passam por nós, e pelas quais passamos, que acabamos por cristalizar determinados significados e deixamos de lançar um olhar

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inquiridor sobre o que nos passa. Ao nos debruçarmos sobre 92 páginas veiculadas nos meses de março e abril de 2008 no caderno esportivo do jornal Diário de Canoas, procuramos lançar um olhar questionador não somente sobre a representação feminina e masculina no futebol, mas também buscamos discutir as ausências, o que não é dito, o que não é representado.

A ausência feminina nas matérias sobre futebol: uma tarefa de pesquisa possível?

Quando iniciamos o trabalho analítico com o Diário de Canoas, foi impactante a quase ausência feminina nas matérias que versam sobre futebol, no Caderno Esporte. Chegamos a nos questionar se seria possível realizar um trabalho de pesquisa para entender a produção do gênero no futebol utilizando o referido jornal. Como o número de jornais analisados não foi tão abrangente, decidimos conversar com um dos editores do jornal para questionar se efetivamente a ausência feminina no futebol, nas páginas do jornal, era uma característica desse jornal. Ele explicou que a ênfase do caderno esportivo tem sido produzir textos e fotos que noticiem os acontecimentos das equipes de futebol de campo da cidade de Porto Alegre, em especial os times do Grêmio Foot-ball Porto Alegrense (Grêmio) e do Sport Club Internacional (Inter). Segundo ele, o endereçamento do caderno esportivo busca atingir a grande população de torcedores que se identifica com esses dois clubes. Quando questionamos sobre a quase ausência, no jornal, de matérias sobre o futebol feminino, o mesmo editor nos respondeu que a cidade de Canoas não possui equipes oficiais de futebol de campo femininas. Desse modo, o que tornou a tarefa de nossa pesquisa possível foi um dos entendimentos propostos por Bauer e Gaskell (2002), de que devemos ler tantos os registros visuais presentes, como os ‘ausentes’. A ausência de determinados indivíduos, ações, cores, objetos, práticas também podem ser lidos como quem lê um texto. O argumento do editor de que a cidade de Canoas não possui equipes oficiais de futebol feminino e de que isso justificaria a ausência feminina no futebol, nas páginas do jornal, pode ser interrogado quando encontramos notícias que versam sobre o futebol masculino amador.

As mulheres praticamente são “esquecidas” nesse importante jornal na cidade de Canoas. Esta constatação foi a mais nítida, isto é, ao procurarmos fotos e textos que veiculem a presença feminina nas notícias sobre futebol, a quantidade é extremamente reduzida ao compararmos à presença masculina. Em relação ao número de fotos, encontramos o seguinte “placar”: os homens aparecem 142, enquanto que as mulheres em apenas 4 fotos. Já em relação aos textos, estes também são acentuadamente desproporcionais, pois há 290 matérias escritas com assuntos referentes aos homens no futebol, enquanto que os conteúdos escritos referentes às mulheres totalizam apenas 9.

Se levarmos em consideração um dos argumentos de Louro de que as práticas sociais são constituídas pelos gêneros, mas são também constituintes de gêneros podemos dizer que, nas páginas

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do jornal, a prática do futebol é eminentemente constituinte do gênero masculino. Pensamos que vale o seguinte questionamento: como as leitoras desse jornal podem se identificar com a prática do futebol se elas não se vêem ali representadas?

A presença feminina condicionada ao masculino

Quando as mulheres estão presentes nas páginas do referido jornal, ao analisarmos as fotografias e os textos, pudemos constatar que elas são representadas eminentemente como coadjuvantes. Ou seja, nas poucas fotos que aparecem, o tema das imagens não é a efetiva participação como praticante ou atleta da modalidade de futebol. Uma das fotografias, por exemplo, expõe o time masculino campeão de futebol-sete realizado pelo Sesi, em Canoas. Os atletas masculinos, uniformizados, estão em duas fileiras, uma em pé, outra abaixada. Do lado direito do time estão, sentadas no chão, sem uniforme, duas mulheres e uma criança, remetendo-nos à leitura de que seriam esposas e filha de jogadores ou então torcedoras.

Uma das fotos que traz seis jovens uniformizadas diz respeito não a atletas, mas a torcedoras do Sport Club Internacional que vestem a camisa do clube e calça jeans. Abaixo da foto consta a frase: “INTER: colorado conta com o apoio das suas torcedoras no Dia Internacional da Mulher” (DIÁRIO DE CANOAS, 04.03.2008, p. 25). A condição para que essa foto esteja estampada ‘repleta de belas jovens’ está relacionada à homenagem prestada pelo clube para as mulheres pelo dia internacional da mulher que, em “troca”, esperava ter o apoio das suas torcedoras. Ou seja, pode-se entender que aqui a imagem feminina está condicionada a uma estratégia de marketing, apelando para que as mulheres lotem o estádio.

Outra característica que constamos em relação à presença das mulheres nos textos do caderno esportivo e que parece ser a condição possível para que ela apareça é que a representação feminina se dá a partir dos interesses dos homens, como podemos verificar através dos seguintes enxertos:

O auxiliar administrativo Jacob Pier, 44, levou a esposa Carla, 32, e o filho Tiago, 8, ao campo. “Viemos torcer pelo time da casa, ainda mais como colorados”, salientou. (Jornal ABC, 27.04.2008, p. 37)

Coruja, mãe do pequeno Denis, de 10 anos, Daiane Hanich, 25 anos, não desgrudou os olhos do campo do Botafogo. A moradora do bairro Canudos levou o filho, que joga como volante, em sua primeira peneira. “Ele estava bastante ansioso, mas estamos sempre na torcida”, salientou. (Jornal ABC, 27.04.2008, p. 37)

Pensamos que esses excertos servem para pensar e evidenciar o modo como o jornal constitui o feminino a partir das vontades, desejos e necessidades do masculino. A impressão que temos é que Carla só foi ao estádio porque seu marido teve vontade de levá-la e Daiane desempenha, nos campos, o

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papel de mãe e torcedora para a realização do sonho do filho de ser jogador de futebol. Parece que essas situações estão relacionadas àquilo que Silva (2000) define como falocentrismo, ou seja, a tendência a privilegiar as características e os valores masculinos em detrimento das características e dos valores femininos.

Futebol de alto nível: mulheres “diferentes”

Ao analisarmos a presença de mulheres no futebol ao longo das 92 páginas, encontramos apenas 4 fotos e 9 textos que mencionam as mulheres. As mulheres apareceram relacionadas à prática do futebol de campo representadas como atletas apenas três vezes. Duas matérias diziam respeito à participação da seleção brasileira na disputa pela última vaga olímpica de Pequim entre Brasil e Gana. A terceira vez que apareceu a presença feminina como participantes do/no futebol foi a notícia (apenas os nomes) de duas mulheres que atuaram na função de auxiliares de arbitragem em um jogo amistoso entre Ivoti e Grêmio.

As mulheres estão efetivamente presentes no futebol somente quando se abordam competições de alto nível técnico – não encontramos a sua presença em relação ao futebol amador. Pensamos que isso remete a uma idéia de que o futebol seria praticado apenas por algumas mulheres “diferentes”, que assumiriam comportamentos e atitudes masculinas. Como se a prática de futebol não fizesse parte da vida cotidiana de muitas mulheres, compondo outros modos de ser mulher em tempos contemporâneos. Considerações

Ao consideramos o jornal analisado como um artefato cultural que coloca em circulação determinadas representações, que constituem, reforçam e produzem as identidades de gênero nas relações estabelecidas com o futebol, percebemos que o reduzido espaço ocupado por mulheres no caderno esportivo ajuda a construir a idéia de que futebol é para homens, reforçando valores machistas que se evidenciam através da quantidade desproporcional de fotos e textos sobre mulheres e homens neste esporte. E mais, que esta construção tem sido direcionada a perpetuar alguns valores hegemônicos, tais como: futebol é para ser praticado por homens, eles têm lugar de destaque. O modo como as mulheres são representadas nas relações estabelecidas com o futebol parecem contribuir para construir um único tipo de sexualidade para cada gênero – como quando as mulheres só estão no futebol porque “acopladas” a um marido ou a um filho –, perpetuando a heterossexualidade como valor hegemônico.

Referências

BAUER, M.; GASKELL, G. (Orgs.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som – um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002.

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COLI, Jorge. O que é arte. São Paulo: Brasiliense, 2006.

COSTA, Marisa Vorraber. Sujeitos e subjetividades nas tramas da linguagem e da cultura. In: CAUDURO, Vera (org.). Cultura, linguagem e subjetividade no ensinar e aprender. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

DIÁRIO DE CANOAS, Jornal. Caderno Esporte. Total de 45 edições nos meses de março e abril de 2008. Canoas, Rio Grande do Sul.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação - Uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, v. 01, 2001.

NELSON, Cary; TREICHLER, Paula A. GROSSBERG, Lavrance. Estudos culturais: uma introdução. In: SILVA, Tomaz T. Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis: Vozes, 1995.

SILVA, Tomaz T. Teoria cultural e educação - um vocabulário crítico. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

Notas

1. Mestrando no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)

2. Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professora no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)

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