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Universidade Federal de Uberlândia Faculdade de Direito Professor Jacy de Assis André Pereira Melo

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Universidade Federal de Uberlândia

Faculdade de Direito Professor Jacy de Assis

André Pereira Melo

Pacto federativo sob a perspectiva do princípio da

subsidiariedade

Implicações da Lei Complementar 116 sobre o ISS.

Uberlândia-MG

(2)

André Pereira Melo

Pacto federativo sob a perspectiva do princípio da

subsidiariedade

Implicações da Lei Complementar 116 sobre o ISS.

Trabalho de conclusão de curso de

graduação apresentado à Faculdade de

Direito Professor Jacy de Assis da

Universidade Federal de Uberlândia como

requisito parcial para obtenção do título de

Bacharel em direito.

Orientadora: Dra. Marcela Cunha

Guimarães

Uberlândia-MG

(3)

André Pereira Melo

Pacto federativo sob a perspectiva do princípio da

subsidiariedade

Implicações da Lei Complementar 116 sobre o ISS.

Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado à Faculdade de Direito

Professor Jacy de Assis da Universidade Federal de Uberlândia como requisito

parcial para obtenção do título de Bacharel em direito.

Aprovado em: _____ de ______________ de _________

BANCA EXAMINADORA

___________________________

Nome do professor – Instituição

___________________________

(4)

Aos meus pais por toda a dedicação

depositada. Ao meu irmão pela amizade de

uma vida. Por minha namorada, por toda

sua afeição e apoio. A Dra Marcela por me

(5)

RESUMO

Neste trabalho serão feitas algumas considerações sobre o federalismo e

seus aspectos tributários. Inicia-se pelas reminiscências do federalismo clássico,

caminhando através da proveitosa doutrina liberal que advoga pela ampliação da

descentralização política. Posteriormente, será erigida análise detalhada sobre as

construções teóricas e jurídicas do fenômeno federalista no contexto brasileiro.

Outrossim, oferta-se atenção especial ao estudo da autonomia Municipal,

principalmente no tocante às searas constitucional e tributária. Finda-se a

empreitada com a investigação dos aspectos fulcrais do ISS no que tange ao

regimento da Lei Complementar 116, intentando dar desfecho ao ensaio com os

reflexos do princípio da subsidiariedade sobre o citado imposto.

Palavras Chave: Pacto Federativo. Federalismo Clássico. Descentralização Política.

Repartição de Competências. Autonomia Municipal. Imposto Sobre Serviços de

(6)

ABSTRACT

In this paper, some considerations about federalism and its tax aspects

will be made. It begins with the reminiscences of classical federalism, walking

through the profitable liberal doctrine that advocates for the expansion of political

decentralization. Subsequently, a detailed analysis will be erected on the theoretical

and juridical constructions of the federalism phenomenon in the Brazilian context. In

addition, special attention will be given to the study of municipal autonomy, especially

in relation to the Constitutional and Tributary areas. The paper is concluded with the

investigation of the essential aspects of the ISS concerning the regiment of Law 116,

attempting to finish the paper by presenting the reflexes of the principle of

subsidiarity on said tax.

Key words: Federative Pact. Classic federalism. Political decentralization. Breakdown

of competences. Municipal autonomy. Principle of subsidiarity. Complementary Law

(7)

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 8

2. FEDERALISMO ... 12

2.1 Breve histórico ... 12

2.2 Conceito de Estado federado ... 19

2.3 Federalismo americano ... 23

3. FEDERALISMO BRASILEIRO ... 29

3.1 Histórico ... 29

3.2 O federalismo na Constituição de 1988 ... 40

4. DESCENTRALIZAÇÃO E LIBERDADE ... 44

4.1 Do uso do conhecimento na sociedade ... 44

4.2 Princípio da subsidiariedade ... 56

5. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE OS MUNICÍPIOS ... 65

5.1 O histórico dos Municípios na conjuntura brasileira ... 65

5.2 Os Municípios na Constituição de 1988 ... 68

6. DA REPARTIÇÃO DAS COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS E FUNÇÕES GERAIS DA LEGISLAÇÃO COMPLEMENTAR EM ÂMBITO TRIBUTÁRIO ... 75

6.1 Repartição das competências tributárias ... 75

6.2 Funções gerais da legislação complementar em âmbito tributário ... 78

7. AUTONOMIA MUNICIPAL ... 82

7.1 Autonomia municipal na Constituição de 1988 ... 82

7.2 Da autonomia financeira municipal ... 83

7.3 Traços gerais do imposto sobre serviços conforme as diretrizes da Lei Complementar 116/2003 ... 87

7.4 Da aplicação do princípio da subsidiariedade ao regime do imposto sobre serviços de qualquer natureza ... 92

7.5 Das peculiaridades do modelo federalista brasileiro e de seus reflexos na autonomia municipal e no ISS ... 95

8. CONCLUSÃO ... 99

(8)

1. INTRODUÇÃO

O estudo do direito constitui tarefa hercúlea para qualquer jurisconsulto

que tenha compromisso com a metodologia jurídica. Este, como ciência, alberga

diferentes nuances do ordenamento jurídico, desde a legislação positiva, passando

igualmente pela jurisprudência e resultando no famigerado conhecimento

sistemático do direito que engloba o conhecimento dos princípios e regras jurídicas.

Este esforço parte de antiga concepção que separa a análise das ciências

humanas da análise das ciências empíricas (ou da natureza). Por óbvio, não é

possível abordar as ciências humanas com as mesmas ferramentas atinentes aos

fenômenos naturais, sendo a sistematização do pensamento jurídico primordial na

construção da verdade.

O direito, não parte desse pressuposto das ciências exatas, muito pelo

contrário, a sua base científica é totalmente diferenciada. O direito é construído por

proposições prescritivas. A análise jurídica se norteia por inúmeros princípios, em

confluência a uma base epistemológica bem delimitada.

Nesta senda, a aferição científica de um determinado instituto jurídico,

teleologicamente, buscará a justiça no caso concreto. Tal atividade somente pode

ocorrer através do conhecimento do direito positivo. Para alcança-lo é necessária

íntima conexão entre o método de estudo e o seu objeto, não podendo assim, ser

utilizada técnica estranha ao mundo jurídico.

Para tanto, destacam-se dois métodos de análise: o indutivo e o dedutivo.

De longa data a discussão sobre a incidência destes em determinado objeto, não

havendo uniformidade de pensamento sobre a matéria. A indução sempre foi

considerada como meio de estudo de objetos reais, deixando para o campo da

dedução o trato dos objetos ideais, como a lógica e a matemática.

Porém, sabe-se que os dois métodos não são incompatíveis, logo, se

completam. O que ocorre é que determinado parâmetro pode ser mais adequado ao

tema em questão, mas isso não elide a aplicação do outro sistema.

Por todo exposto, não há ressaibos de dúvida, que a metodologia é

essencial para a busca do saber e, por consequência, a concretização da justiça.

Neste trabalho é adotada a forma dedutiva, a qual, como o próprio nome sugere,

(9)

Em um primeiro momento, existe a formação inicial das ideias. A

explicação propedêutica do assunto, perpassando pelas raízes da celeuma em seus

aspectos teóricos, culturais e históricos, assentando desse modo a estrutura que

será erigida a tese.

Na segunda fase cabe ao jurista lapidar o complexo de premissas

colhidas anteriormente, consolidando assim o acabamento da tese em voga. Posto

isto, a edificação do conhecimento almejado no presente trabalho, tem por figura

analógica o levantamento de uma pirâmide, partindo-se de uma base mais espessa,

para só assim com o devido afunilamento da questão, sintetizar uma ideia de ordem

singular.

Passada a dissertação sobre a metodologia, cabe tecermos algumas

palavras introdutórias sobre o cerne da discussão constante deste trabalho. O pacto

federativo em vigor no Brasil em razão de suas peculiaridades intrínsecas corrobora

com diversas anomalias nos âmbitos constitucional e tributário.

Desse modo, momentos críticos condicionam reflexão apurada dos

problemas que afligem o tecido social, sendo a figura presente da crise, estímulo

amargo para lidar com aquilo que foi deliberadamente postergado em momentos

pretéritos. Assim, dada a atual emergência, parece-nos gritante a necessidade de

rediscussão dos aspectos institucionais da República.

Nesse diapasão, o arcabouço estrutural do Estado brasileiro será

esmiuçado com acuidade, objetivando assim ressaltar as principais características

do quadro federativo pátrio, este com reflexos maléficos na vida de cada um dos

cidadãos.

Contudo, para lograrmos êxito na consecução dos objetivos elencados

acima, não se deve olvidar da plêiade de pensamentos que guiaram o federalismo

durante toda história, mais especificamente após a Revolução Americana de 1776.

O debate federalista, protagonizado em sua maioria pelos denominados

pais fundadores da nação norte-americana, ganhará destaque mais precisamente no

segundo capítulo deste esforço, contribuindo assim para a formação de um

consistente sustentáculo de toda a demonstração conceitual.

Em sequência, faz-se necessária a exposição de todas as

circunstâncias condicionantes do atual estágio institucional, colhendo pareceres da

(10)

caras da moderna doutrina constitucional e tributária, no tocante aos traços

primordiais do federalismo brasileiro.

Visando uma abordagem multidisciplinar, o referido capítulo quarto

escolta-se da perspectiva de diversas searas do conhecimento humano, como as

ciências econômicas e filosóficas. O empenho nessa explanação pretende ofertar

maior robustez à defesa da descentralização durante o trabalho em questão, sendo

essencial a busca de saberes alienígenas ao mundo do direito.

Dando marcha à edificação do saber jurídico, trataremos ainda dos

possíveis benefícios de uma maior descentralização administrativa das políticas

públicas, bem como da autonomia tributária, analisando o papel histórico dos

municípios na ordem constitucional, discutindo assim eventuais vantagens de um

processo de municipalização dos recursos estatais.

Todavia, para lograrmos êxito no estudo da municipalização, urgente a

necessidade de conceituação da ordem municipal dentro da Constituição Federal de

1988, tendo por objeção identificar o posicionamento dos Municípios dentro do

ordenamento jurídico pátrio.

No tocante ao aspecto constitucional, maior cuidado será ofertado ao

estudo da repartição das competências entre os entes federativos, consagrada pela

Constituição da República de 1988, intentando desse modo aclarar os rumos do

debate levantado, cabendo ao capítulo sexto tal incumbência.

Ultrapassada a fase acima, necessária a delimitação da competência

tributária das esferas Federal, Estadual e Municipal, esclarecendo os principais

tributos concernentes a cada ente da federação, destrinchando a natureza dos

principais impostos.

Por derradeiro, finda-se o presente esforço com o estudo da autonomia

municipal, tendo a análise supedâneo no princípio da subsidiariedade, dissecando a

autonomia tributária municipal, dando desfecho ao assunto com as implicações da

Lei Complementar 116 no tangente ao imposto sobre serviços de qualquer natureza

(ISS).

Posto isto, perante a complexidade das relações sociais e da relevância

da temática apresentada, não pertence a esta dissertação a pretensão de dar o

assunto como encerrado. Porém, mesmo que a iniciativa parta de um humilde

(11)

de trazer o tema do pacto federativo e suas distorções tributárias ao debate. Mesmo

que decorram apenas simples dúvidas, contestações e reflexões, nossa finalidade

terá logrado êxito.

(12)

2. FEDERALISMO

2.1 Breve histórico

Quando tratamos da história do federalismo, torna-se impossível

dissociá-la dos Estados Unidos da América. Tanto o surgimento dessa forma de Estado,

quanto à ascensão do país anglófono, se confundem em todos os sentidos, seja no

intelectual, cultural e temporal.

Colônia do protetorado do Reino-Unido, os Estados Unidos da América,

naquele tempo denominado como as Treze Colônias, sempre se notabilizou por

manter laços umbilicais com a metrópole, pelo menos no campo das ideias.

Os colonos da América herdaram proveitosa tradição de pensamento de

seus ascendentes britânicos, estes que fomentaram uma das maiores revoluções

políticas que já se teve notícia. Desse modo, algumas considerações históricas

sobre a terra da rainha se fazem pertinentes.

Conquistada em 43 d.C. pelo imperador romano Cláudio 1, a Inglaterra

integrou o referido império até o ano de 410 d.C., quando já sob os efeitos do

declínio, Roma deixou o país anglo-saxão para se concentrar nos problemas

políticos internos. James Robinson e Daron Acemoglu assim retratam o evento:

No século IV, tudo isso estava em decadência até que, a partir de 411 d.C., o Império Romano desistiu da Inglaterra. As tropas foram retiradas; os homens que ficaram deixaram de ser remunerados e, com a ruína do Estado, os administradores foram expulsos pela população local. Em 450 d.C., todas essas evidências de prosperidade econômica haviam desaparecido. O dinheiro sumiu de circulação. As zonas urbanas foram abandonadas, e a pedra usada nas construções começou a ser reaproveitada. As estradas acabaram cobertas de mato. As peças de cerâmica deixaram de ser fabricadas em série e passaram a ser de confecção manual e rudimentar. O uso da argamassa caiu no esquecimento, e o conhecimento da escrita teve declínio substancial. Os telhados passaram a ser feitos de galhos, não mais telhas. 2

Depreende-se do trecho acima que após a saída do domínio romano

sobre a região da Inglaterra, esvaíram-se praticamente todos os ganhos

1 ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James.

Por que as Nações Fracassam. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, P. 115.

2 ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James. Por que as Nações Fracassam. 1. ed. Rio de Janeiro:

(13)

civilizacionais e econômicos, relegando paupérrima condição aos habitantes da

localidade.

Apesar de todas as circunstâncias contrárias, como a própria carestia

daqueles tempos, a Inglaterra superou esses entraves consolidando-se como

potência marítima, notabilizando-se igualmente pela pátria mãe dos ideais

revolucionários liberais. Ainda na esteira de James Robinson e Daron Acemoglu:

Por mais notável que tenha sido a experiência de Roma, não foi o legado romano o responsável direto pela ascensão de instituições inclusivas na Inglaterra nem pela Revolução Industrial britânica. O desenvolvimento das instituições é moldado por fatores históricos, mas não se trata de um processo simples, predeterminado nem cumulativo. 3

Posteriormente à penúria de tempos passados, o Reino Unido

fundamentando-se em instituições inclusivas protagonizou na história um fenômeno

de vanguarda, tendo promulgado a Magna Carta já em 1215 4, diante da pressão

sofrida pelo Rei João Sem Terra.

De maneira incontroversa, a Magna Carta representou a redução do

poder do Estado, naquele período nas mãos da monarquia, constituindo-se de um

verdadeiro freio ao despotismo, restringindo o poder de criar impostos que

anteriormente o monarca detinha.

Além da inegável novidade advinda com a Magna Carta, não se deve

olvidar da relevante dimensão do Bill of Rigths, mais conhecido como a Declaração

de Direitos de 1689, aprovado pelo Parlamento inglês no desenlace da Revolução

Gloriosa (1688), fato que marcou o início do reinado de Guilherme de Orange, em

vista de sua aceitação expressa da carta de direitos.

Verdadeira revolução à época, o Bill of Rights reafirma diversos

propósitos já constantes da Magna Carta, estabelecendo, porém, inúmeras

novidades quanto à limitação da atuação do rei, colocando termo em qualquer

tentativa de restauração de poderes ilimitados no país, estabilizando as instituições

inglesas. Luís Roberto Barroso expõe de maneira sucinta e correta o conteúdo da

Declaração de Direitos da seguinte forma:

3

ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James.Por que as Nações Fracassam. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, P. 119.

(14)

A Declaração de Direitos previa a convocação regular do Parlamento, de cujo consentimento dependia medidas como a criação de leis, a instituição de tributos e a manutenção de exército permanente em tempos de paz. Assegurava, ademais, imunidade aos parlamentares por suas manifestações no Parlamento e impedia a aplicação de penas sem prévio julgamento. Em 1701, o Parlamento votou o Act of Settlement,

estabelecendo que somente um príncipe de religião anglicana poderia ascender ao trono e impondo novas limitações ao poder real em relação ao Parlamento e às cortes de justiça. 5

Em decorrência de todos os avanços institucionais, alcançando o posto

de nação mais próspera da terra, principalmente após impor humilhante derrota à

invencível armada espanhola do Rei Filipe II da Espanha a Inglaterra finalmente se

lançou ao mundo em busca de colônias, oportunidade que lhe franqueou a

colonização da América, em razão da disponibilidade do território em questão.

Colhendo novamente na maestria de James Robinson e Daron Acemoglu:

Não é, então, coincidência que a Inglaterra tenha dado início à colonização da América do Norte exatamente no mesmo momento. Contudo, era retardatária. A opção pela América do Norte deveu-se não à atratividade da região, mas ao fato de que era o que estava disponível. As partes

“desejáveis” das Américas, onde a população indígena a explorar era

abundante e onde foram localizadas minas de ouro e prata, já haviam sido ocupadas. Aos ingleses couberam as sobras. 6

A colonização tardia da América pelos ingleses operou-se pela ausência

de interesse de outras potências no território, tendo em conta que o continente

norte-americano não despertou cobiça quando visitado por outras expedições antes

da incursão inglesa no país. Leandro Karnal salienta este fato nas seguintes linhas:

Como vimos, os ingleses não foram pioneiros na América. Também não o foram no território dos atuais Estados Unidos. Navegadores como Verrazano, a serviço da França, Ponce de Leon, a serviço da Espanha, e muitos outros já tinham pisado no território que viria a ser chamado de Estados Unidos. Hernando de soto, por exemplo, batizou como rio do

Espírito Santo um imenso curso d’ água que viria a ser conhecido como

Mississipi. 7

Na era colonial da história anglo-americana, realizou-se o povoamento da

região em sua parte norte, em razão das condições naturais da área, fundando-se

5 BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional Conteporâneo: Os conceitos fundamentais e a

construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. P 11.

6 ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James.

Por que as Nações Fracassam. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, P. 119.

7 KARNAL, Leandro. História dos Estados Unidos: Das origens ao Século XXI. São Paulo:

(15)

concomitantemente à instituição do extrativismo de riquezas mais ao sul do

continente.

Grande parcela dos imigrantes da colônia se constituía de perseguidos

religiosos, originando assim grande anseio pela liberdade nestes que edificariam

uma nação. Ponto de vista confirmado por Karnal no seguinte trecho:

Os “puritanos” (protestantes calvinistas) tinham em altíssima conta a ideia de que constituíam uma “nova Canaã”, um novo “povo de Israel”: um grupo escolhido por Deus para criar uma sociedade de “eleitos”. Em toda a Bíblia procuravam as afirmativas de Deus sobre a maneira como Ele escolhia os seus e as repetiam com freqüência. Tal como os hebreus no Egito, também eles foram perseguidos na Inglaterra. Tal como os hebreus, eles atravessaram o longo e tenebroso oceano, muito semelhante à travessia do deserto do Sinai. Tal como os hebreus, os puritanos receberam as indicações divinas de uma nova terra e, como veremos adiante, são

frequentes as referências ao “pacto” entre Deus e os colonos puritanos. A

ideia de povo eleito e especial diante do mundo é uma das marcas mais fortes na constituição da cultura dos Estados Unidos. 8

Da mescla do apreço pela liberdade religiosa descrita acima com os

princípios edificantes de toda a tradição do direito consuetudinário inglês, nascera

empolgante ambiente de liberdade entre os colonos americanos que gozavam de

certa autonomia da Coroa Britânica. Leandro Karnal sublinha bem a interação

Inglaterra x treze colônias nesse período:

Como já foi visto, a colonização inglesa da América do Norte, particularmente das colônias setentrionais, não foi feita mediante um plano sistemático. Em parte pelas características das colônias, em parte pela própria situação da Inglaterra no século XVII com suas crises internas, as colônias gozavam de certa autonomia. A metrópole, ausente e distante, raramente interferia na vida interna das colônias. 9

Desse modo, infere-se que no período colonial, imperava atmosfera de

plena liberdade, visto que os colonos pouco prestavam contas à metrópole daquilo

que empreendiam. Nesse ponto, vale destacarmos as ilustres contribuições do

magnífico Alexis de Tocqueville:

Poder-se-iam fazer numerosas observações importantes sobre a situação social dos anglo-americanos, mas existe uma que sobressai a todas as

8KARNAL, Leandro. História dos Estados Unidos: Das origens ao Século XXI. São Paulo: Contexto,

2007. P 54.

9 KARNAL, Leandro. História dos Estados Unidos: Das origens ao Século XXI. São Paulo:

(16)

demais. A situação social dos americanos é eminentemente democrática. Teve esse caráter já ao nascimento da colônia, tem-no mais ainda hoje. 10

Diante do exposto, destaca-se que no processo de construção dos

Estados Unidos da América, as esferas inglesa e religiosa moldaram aquilo que

viriam a ser as instituições americanas, contudo, ressalva-se que cada uma teve seu

grau de influência e contribuição no fenômeno histórico. Alexis de Tocqueville

sintetiza citado aspecto assim:

Não convém que o leitor tire conclusões demasiado generalizadas e demasiado absolutas do que foi escrito. A condição social, a religião e os costumes dos primeiros imigrantes exerceram, sem dúvida, uma influência imensa sobre o destino da sua nova pátria. Todavia, não se deveu exclusivamente à eles a fundação de uma sociedade cujo o ponto de partida não se achava situado senão neles próprios; pessoa alguma poderia desligar-se inteiramente do passado; o que lhes ocorreu foi misturarem, quer voluntariamente, quer sem o seu conhecimento, as ideias e os usos que lhes eram próprios, outros usos e outras ideias que guardavam da sua educação ou das tradições nacionais de seu país. Quando se quer conhecer e julgar os anglo-americanos de hoje em dia, é preciso, por isso mesmo, distinguir com cuidado aquilo que tem origem puritana e aquilo que tem origem inglesa. 11

Nesta senda, em razão de todo esse arcabouço cultural e intelectual,

usufruindo ainda os colonos de grande autonomia, visto que o governador mesmo

que nomeado por Londres se submetia ao rígido controle legislativo dos cidadãos

locais e do poder judiciário independente 12, qualquer ingerência excessiva dos

britânicos ocasionaria graves crises.

Constatou-se durante os anos da década de 1760 conflitos recorrentes

entre norte-americanos e ingleses, criando assim maior instabilidade nessa relação,

antes pacífica. Em especial, destacam-se os incidentes do Stamp Act (1965), o

Massacre de Boston (1770), sendo o Boston Tea Party o grande estopim da crise

anglo-americana. Luís Roberto Barroso assim relata o evento em miúdos:

O Tea Act de 1773, permitiu que a Companhia das Índias Ocidentais distribuísse seus estoques de chá no mercado americano, causando grandes prejuízos aos comerciantes locais. Em retaliação, parte desse chá barato foi atirado ao mar na Baía de Boston. Os ingleses enviaram tropas

10 TOCQUEVILLE, Alexis de.A Democracia na América. Belo Horizonte: Itatiaia, 1962. P 44. 11

TOCQUEVILLE, Alexis de.A Democracia na América. Belo Horizonte: Itatiaia, 1962. P 43.

12 BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e

(17)

para restaurar a ordem. A evolução dos eventos levou ao primeiro confronto entre tropas inglesas e americanos insurgentes, em Lexington, 1775. 13

Diante das represálias britânicas, nada restou aos habitantes do novo

mundo senão a reação. Desse modo, estes convocaram o Primeiro Congresso

Continental em 1774 14, logo, demarcando o começo da retaliação aos ingleses.

Nenhum outro escrito retrata melhor o sentimento americano à época do que o

panfleto “Senso Comum” de Thomas Paine:

Mas, objetam outros, a Inglaterra é a “mãe-pátria”. Nesse caso, mais vergonhoso ainda seu procedimento. Nem os irracionais devoram os filhos, nem os selvagens fazem guerra à própria família; por conseguinte, essa afirmação, se verdadeira, volta-se contra ela, como censura; sucede, porém, que não é verdadeira, ou o é apenas parcialmente, e a expressão

“mãe-pátria” foi jesuiticamente adotada pelo rei e pelos seus parasitas com o baixo objetivo papista de granjear uma indigna influência sobre a crédula debilidade do nosso espírito. A mãe-pátria da América não é a Inglaterra, é a Europa. Este Novo Mundo tem sido abrigo dos perseguidos defensores da liberdade civil e religiosa de todas as partes da Europa. Para cá acorreram, não vindo do terno braço materno, senão da crueldade do monstro; e no tocante à Inglaterra é ainda verdade que a mesma tirania que expulsou os primeiros emigrantes do próprio lar lhes persegue ainda os descendentes. 15

Desse espírito insurgente que nasceu em 4 de julho de 1776 a

Declaração de Independência das treze colônias, tendo como seu redator Thomas

Jefferson. 16 Tamanho evento representa a primeira sublevação colonial,

configurando-se evento igualmente simbólico para os ideais iluministas, mais

precisamente a encarnação dos escritos de John Locke. Leandro Karnal destaca

essa influência iluminista:

A Independência das 13 colônias foi influenciada por muitos autores do Iluminismo, movimento filosófico de crítica ao poder dos reis e à exploração das colônias por meio de monopólios. Dos filósofos do mundo iluminista, um dos mais importantes para os colonos foi John Locke. 17

13 BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e

a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. P 15.

14

BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. P 16.

15WELFORT, Francisco C. (Comp.). Federalistas. São Paulo: Abril, 1973. P 63. (Os Pensadores). 16 BARROSO, Luís Roberto.

Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. P 16.

17 KARNAL, Leandro. História dos Estados Unidos: Das origens ao Século XXI. São Paulo:

(18)

Nascido em 1632, proveniente de uma família de protestantes, Locke

ingressou em Oxford, ensino à época pautado nas aptidões medievais como o

estudo dos clássicos, da lógica e metafísica. John Locke posteriormente estudou

medicina, fazendo das ciências médicas seu hobby. 18

Todavia, John Locke adentrou ao âmbito dos notáveis quando escreveu

sua principal obra, “Os dois tratados sobre o Governo Civil”, no qual delimitou sua

ideia sobre o Contrato Social antes desenvolvido por Thomas Hobbes. Paul

Strathern condensa o pensamento erigido por Locke, principalmente no segundo

tratado assim:

No segundo tratado, Locke busca descobrir as raízes do governo. No estado natural original, os homens eram felizes e iguais, mas essa liberdade e essa igualdade eram sobretudo teóricas. Era simplesmente impossível às pessoas evoluir juntas sem infringir os direitos recíprocos. Tem os direito à vida e direito à liberdade desde que isso não desrespeite a liberdade e os direitos naturais dos outros. Sem um elemento de coerção, contudo, somos incapazes de desfrutar desses direitos naturais. Para que isso ocorra, devemos nos reunirem torno de um contrato social que garanta nossos direitos naturais mediante um governo que imponha leis capazes de protegê-los. Cria-se uma estrutura de segurança e, sob essa condição, nossa liberdade teórica pode ser restringida, mas nossa liberdade real cresce. Esse assentimento do povo é o único fundamento da autoridade

desse governo. Locke é cristalino a esse respeito: “qualquer autoridade que

exceda o poder a ela conferido pela lei e faça uso da força que tem sob seu comando para atingira vítima de forma não permitida por essa lei pode ser combatida como qualquer homem que mediante força viole o direito de

outro”. Caso o governo, ou o governante, viole os direitos dos indivíduos,

então o povo tem o direito de se revoltar e de se ver livre desse governante

ou desse governo. “Tomar e destruir a propriedade dos cidadãos ou reduzi– los à escravidão [coloca um governante] em estado de guerra com o povo, que fica doravante desobrigado de qualquer obediência ulterior e é abandonado no refúgio com um que Deus propiciou a todos os homens contra a força e a violência.” Em outras palavras, revolução. 19

Embebidos na doutrina iluminista, os habitantes das treze colônias se

lançaram à guerra pela independência. O conflito perdurou até 1781, marcando o

mesmo ano a promulgação dos Articles of Confederation. A aprovação deste pacto

fez-se criar uma confederação formada pelas treze colônias.

Contudo, essa união revelou-se ineficaz, em vista da evidente

incapacidade dos entes da confederação no enfrentamento dos problemas

18

STRATHERN, Paul. Locke em 90 minutos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. P 7.

(19)

resultantes da independência, não existindo naquele tempo nem mesmo Judiciário e

Executivo Federal. 20

Ante as deficiências do modelo confederativo eleito, convocou-se em

1787 a Convenção da Filadélfia, estando cada Estado representado por um

delegado na ocasião. Iniciados os trabalhos, a convenção transmutou-se em uma

assembleia constituinte.

Dentre os integrantes mais notáveis desta assembleia, encontravam-se

George Washington, Benjamin Franklin, Alexander Hamilton e James Madison, os

denominados pais fundadores. A Constituição de 1787 dos Estados Unidos da

América encerrou com maestria a revolução americana, constituindo a primeira

Constituição escrita da história. Luís Roberto Barroso traça as principais

características da Carta:

A primeira Constituição escrita do mundo moderno passou a ser o marco simbólico da conclusão da Revolução Americana em seu tríplice conteúdo: a) independência das colônias; b) superação do modelo monárquico; c) implantação de um governo constitucional, fundado na separação dos Poderes, na igualdade e na supremacia da lei (rule of the law). Para acomodar a necessidade de criação de um governo central com desejo de autonomia dos Estados – que conservaram o seus poderes e amplas competências – concebeu-se uma nova forma de organização do Estado, a Federação, que permitiu a convivência dos dois níveis de poder, federal e estadual. 21

Assim emerge a federação no contexto histórico, formatação de Estado

advinda da necessidade de conciliação de poderes federais e locais, influenciada

pela florescente doutrina iluminista, empregando os pais fundadores da América os

conceitos mais caros ao liberalismo clássico na construção do sistema federal.

Portanto, perante as linhas fixadas neste capítulo, percebe-se a intrínseca

relação entre os dados históricos que esculpiram as nações inglesa e americana

com o surgimento do Estado federal. Desse modo, passadas essas considerações

introdutórias, resta-nos delinear o conceito de federação.

2.2 Conceito de Estado federado

20 BARROSO, Luís Roberto.

Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. P 16.

21BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a

(20)

Esmiuçados os aspectos históricos do Estado federativo, urge trazer à

tona a compreensão da ciência jurídica em torno do conceito de Estado federado,

dando passagem nessa fase da dissertação à definição de diversos autores quanto

ao tema referido.

Em proêmio, tendo emergido o modelo federativo após a Revolução

Americana de 1776, diversos Estados o adotaram com vistas a assegurar a melhor

repartição dos recursos, com fulcro na maior eficiência da descentralização

administrativa, resguardando por último a autonomia de cada ente regional.

No cenário atual, vinte e três países diferentes elegeram o sistema

federativo de Estado como o arcabouço institucional adequado na persecução dos

objetivos da administração pública. 22 Dentre os mais ilustres encontram-se

Argentina, Alemanha, Brasil, Estados Unidos 23 e Suíça 24.

O Estado federado se caracteriza pela rígida divisão de competências,

estabelecendo uma ordem harmônica entre os entes da federação, impondo

atribuições e deveres aos integrantes do conjunto, assim como delimitando bem o

ponto de interferência de cada agente no outro.

Desde sua criação, o principal anseio dos precursores do Estado

federado era o de impedir a excessiva centralização do poder, salvaguardando

desse modo a autonomia e os poderes locais. Dalmo de Abreu Dallari complementa

o assunto com essas considerações:

O Estado Federal indica, antes de tudo, uma forma de Estado, não de governo. Entretanto, há um relacionamento muito estreito entre a adoção da organização federativa e os problemas de governo, pois quando se compõe uma federação isto quer dizer que tal forma de convivência foi considerada mais conveniente para que, sob um governo comum, dois ou mais povos persigam objetivos comuns. 25

Por conseguinte, demonstra-se incontroverso o caráter democrático da

ordem federativa em razão da primazia da nuance da descentralização, restringindo

22MARTINS, Ives Gandra da Silva.

Conheça a Constituição: Comentários à Constituição Brasileira Volume 1. Barueri: Manole, 2005. P 15.

23

MARTINS, Ives Gandra da Silva.Conheça a Constituição: Comentários à Constituição Brasileira Volume 1. Barueri: Manole, 2005. P 15.

24 SENISE, Irineia Maria Braz Pereira.Formação de Estados Federados. 2011. 161 f. Tese

(Doutorado) - Curso de Direito, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - Largo de São Francisco, São Paulo, 2011. Cap. 2.

25 DALARI, Dalmo de Abreu.Elementos de Teoria Geral do Estado. 2. ed. São Paulo: Saraiva,

(21)

muito a probabilidade da ascensão de um governo despótico ou autoritário. Lênio

Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais compartilham desse entendimento:

A Federação aparece como bloqueio à concentração autoritária do poder, em face da descentralização de poder que fomenta. Há uma transferência de atividades do centro para a periferia. Dessa forma, federação e democracia tem uma tendência simétrica, embora tal não seja uma contingência inexorável, como se observa na experiência internacional e, particularmente, na tradição latino-americana. 26

Expostos os pontos acima, deduz-se que a organização do Estado sob a

égide do federalismo resguarda a autonomia dos entes locais, representando

igualmente poderoso freio contra a centralização do poder, impulsionando

logicamente a experiência democrática.

Ainda no que tange ao Estado federado, preciosas são as lições de Pedro

Lenza quanto às características primordiais do modelo institucional referido. Destas,

vale destacar as seguintes: descentralização política; repartição de competências;

Constituição rígida como base jurídica; inexistência do direito de secessão;

soberania do Estado federal; intervenção; auto-organização dos Estados-membros;

órgão representativo dos Estados-membros; repartição de receitas. 27

No que concerne à descentralização, esta se manifesta na autonomia que

os entes federados possuem, cabendo às suas autoridades a elaboração e

execução de leis de caráter especial e local. Sobre essa nuance revelam-se ainda

as virtudes da auto-organização e a prática da representação política destes

conglomerados políticos.

Compreende-se a repartição de competências como o instrumento

elegido pela Lei Fundamental, com fulcro na harmonização da distribuição de

atribuições às entidades pertencentes à federação. Evita-se assim, conflitos e

desgastes desnecessários, alinhavando a Constituição o âmbito de atuação da

pessoa pública quanto ao orçamento e competências administrativas.

Prosseguindo, nada disso gozaria de validade sem a existência de uma

Constituição rígida como fundamento original. Defendendo ainda alguns autores,

26

STRECK, Lênio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de.Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. P 159.

(22)

que este aspecto formal se consubstancia sob a vedação quanto à extinção do pacto

federativo, alçando a federação ao status cláusula pétrea da carta constitucional. 28

Por conseguinte, a manifestação desta última peculiaridade se relaciona à

inexistência do direito de secessão. Como se relatou alhures, a própria ideia de

federação nasce da ineficácia de sua antecessora: a confederação. Destarte,

objetivando a manutenção da federação faz-se necessária a proibição da

prerrogativa de retirada, diferenciando assim o Estado federado de um tratado de

direito internacional. Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gonet Branco reforçam este

ponto:

O fato de os Estados-membros se acharem unidos em função de uma Constituição Federal, e não um tratado de direito internacional, designa fator diferenciador do Estado Federal com relação à confederação. 29

A soberania do Estado federal passa obrigatoriamente pelo

reconhecimento por parte dos partícipes da federação da existência de uma União

Federal, dotada esta dos poderes necessários para manter coesa a sobrevivência

do Estado.

Como ferramenta de atuação da União nas hipóteses de desagregação

ou enfraquecimento das instituições, destaca-se a intervenção federal. Nesta

repousa a face dura do Estado federal nos momentos de crise aguda, delegando à

coerção o papel de proteção da autoridade da Constituição Federal.

Destarte, compreende-se como repartição de receitas a maneira pela qual

as entidades federativas cooperam financeiramente. Delega-se especificamente a

este objeto grande parte da celeuma constante desta dissertação, almejando desse

modo uma visão crítica do assunto.

Ainda no que toca ao federalismo, vale destacar, em síntese breve, duas

de suas diferentes perspectivas: competitive federalism e cooperative federalism. 30

O primeiro modo de alocação de competências decorre da visão da ordem

28

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. P 781.

29 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 8.

ed. São Paulo: Saraiva, 2013. P 781.

30

SOARES, António Goucha. Repartição de competências e preempção no direito comunitário:

(23)

federalista, onde os entes integrantes do sistema afiguram-se como opositores,

ocasionando assim verdadeira competição no intento da manutenção da autonomia

de cada entidade política.

Quanto à última vertente, esta advém do crescimento do welfare state,

contrapondo-se ao competitive federalism afirmando o caráter cooperativo do

sistema federado, intentando assim harmonizar a repartição de competências

constitucionais. Todavia, peca a citada corrente pela excessiva centralização

administrativa.

Diante do exposto, aproxima-se ao conceito de Estado federado aquele

que opta pela primazia da descentralização administrativa, atribuindo às esferas

federativas regionais autonomia, estabelecendo, contudo, algumas restrições no

tocante ao direito de retirada, restando à União manter a coesão da federação, bem

como intervir quando a unidade federativa sofrer risco de dissolução.

2.3 Federalismo americano

Colimando o aperfeiçoamento da análise em destaque, ressalta-se a

importância de trazer ao bojo deste esforço algumas luzes sobre o federalismo

americano, em razão de sua significância histórica e de seu imanente poder de

influência sobre os países que adotaram o modelo federativo posteriormente.

A princípio, almejando traçar contornos mais precisos ao federalismo

americano, urge avocar a palavra das principais influências do modelo implantado

no país anglófono, construindo assim a linha do tempo das ideias que tanto

contribuíram para o nascimento do Estado federado.

Como lembrado anteriormente, grande importância obtiveram os escritos

de John Locke durante o período da revolução americana. Pode-se até afirmar que

seja o ideário do autor escocês aquele com maior prestígio entre os revolucionários

de 1776.

Considera-se o livro “Os dois tratados sobre o Governo” de autoria de

John Locke o grande parâmetro intelectual da classe política que levou em frente a

Independência da América em 1776. A obra, de matriz incontroversamente

(24)

Quanto ao jusnaturalismo este se baseia em rica tradição intelectual,

destacando-se no século XVIII como catalizador de diversos movimentos de

sublevação. Norberto Bobbio, em estudo dedicado ao assunto define a relevância do

direito natural na concepção de Locke da seguinte forma:

A teoria política de Locke é um monumento levantado às leis naturais que presidem à formação das principais instituições, regulamentando a vida do homem, e das quais as leis positivas não passam de um reflexo. O núcleo do pensamento político de Locke está resumido nesta afirmativa: a força do

governo consiste exclusivamente em fazer respeitar “as leis positivas da

sociedade, determinadas de conformidade com as leis da natureza”. O princípio e o fim do bom governo residem, portanto, no respeito às leis naturais. Em consequência, o fim último da filosofia política é descobrir a essência das leis naturais e, então, estabelecer, com base nessas leis, as condições e os limites do poder político. 31

Corroborando com os preceitos de John Locke no que toca à relação

intrínseca entre lei natural e a limitação do governo, encontra-se nos panfletos de

Frédéric Bastiat a reafirmação dos argumentos do escocês transcritos nos termos

abaixo:

Cada um de nós tem o direito natural, recebido de Deus, de defender sua própria pessoa, sua liberdade, sua propriedade. Estes são os três elementos básicos da vida, que se complementam e não podem ser compreendidos um sem o outro. E o que são nossas faculdades senão um prolongamento de nossa individualidade? E o que é a propriedade senão uma extensão de nossas faculdades? Se cada homem tem o direito de defender — até mesmo pela força — sua pessoa, sua liberdade e sua propriedade, então os demais homens têm o direito de se concertarem, de se entenderem e de organizarem uma força comum para proteger constantemente esse direito. O direito coletivo tem, pois, seu princípio, sua razão de ser, sua legitimidade, no direito individual. E a força comum, racionalmente, não pode ter outra finalidade, outra missão que não a de proteger as forças isoladas que ela substitui. 32

Envolto nessa atmosfera de ideias germina o mais relevante ensaio

político daquela década de 80 do século XVIII, o panfleto “O Federalista” de autoria

conjunta de Alexander Hamilton, James Madison e John Jay. Benjamin Fletcher

Wright em ensaio introdutório à obra define “O Federalista” nos seguintes termos:

O Federalista não pretendia ser um tratado sistemático sobre filosofia política e constitucional, no qual são cuidadosa e imparcialmente

31

BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural. 2. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1997. P 152.

(25)

examinados os tópicos tais como a natureza e as origens do Estado e do governo, a natureza da lei e da soberania, os fundamentos dos deveres políticos ou as razões para a obediência à autoridade constituída e o escopo e limitações do poder político. Todavia, O Federalista, considerada a sua época, apresenta uma análise de suas ideias políticas e constitucionais melhor do que qualquer outro livro escrito na América. 33

Todo o trabalho empreendido pelos Federalistas ascendeu na

oportunidade de deliberação de uma nova Constituição para o recém independente

país americano, sendo igualmente, a ineficiência da confederação outro fator

determinante para a construção do debate. Alexander Hamilton assim relata à

época:

Depois de uma inequívoca demonstração da ineficiência do atual governo federal, sois chamados a deliberar sobre a nova Constituição dos Estados Unidos da América. O assunto dispensa comentários quanto à própria importância, incluindo em suas consequências nada menos do que a existência da União, a segurança, o bem-estar das partes que a compõem e o destino de um império que é, sob vários aspectos, o de maior interesse do mundo. É comum ressaltar-se que parece ter sido reservado ao povo deste país, por sua atuação e exemplo, decidir a importante questão: se as sociedades humanas são realmente capazes de criar um bom governo utilizando a ponderação e o voto, ou se elas estão para sempre condenadas a depender, para suas constituições políticas, do acidente e da força. 34

No corpo do livro diversos temas recebem ponderações dos três autores,

partindo a análise desde os defeitos da confederação, chegando por fim aos

contornos práticos do conteúdo deliberado na assembleia constituinte, sendo a obra

o principal sustentáculo do texto ali debatido.

O “Federalista” trata-se de uma compilação de artigos publicados pelos seus escritores neste rico período da história americana. Naquilo que nos cabe

quanto ao tema federalismo, vale ater-nos a alguns artigos em específico: Poderes

delegados ao Governo-Geral – I35; Restrições aos poderes dos Estados 36; Poderes

e prerrogativas que permanecem com os Estados. 37

33 HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O Federalista. Brasília: Universidade de

Brasília, 1984. P 20.

34 HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O Federalista. Brasília: Universidade de

Brasília, 1984. P 99.

35 HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O Federalista. Brasília: Universidade de

Brasília, 1984. P 343.

36 HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John.

O Federalista. Brasília: Universidade de Brasília, 1984. P 371.

37 HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O Federalista. Brasília: Universidade de

(26)

Em “Poderes delegados ao Governo-Geral – I”, James Madison resume

bem as preocupações precípuas que deve se incumbir a União Federal, cabendo a

esta especialmente lidar com assuntos de defesa externa e diplomacia. Desse modo

condensou o autor tais ideias:

Para que possamos formar um juízo correto sobre este assunto, será conveniente rever os diferentes poderes conferidos ao governo da União; a fim de que isto seja mais adequadamente feito, vamos reuni-los em classes distintas, segundo os seguintes temas: 1. Segurança contra ameaças externas; 2. Regulamentação das relações com países estrangeiros; 3. Manutenção da harmonia e do adequado relacionamento entre os Estados; 4. Assuntos diversos de interesse geral; 5. Freios para impedir que os Estados pratiquem certos atos prejudiciais; 6. Providências para que todos estes poderes tenham a devida eficácia. 38

No artigo “Restrições aos poderes dos Estados”, 39 James Madison teceu

sobre inúmeros impedimentos de ordem geral aos Estados da federação americana,

tocantes aos aspectos econômicos, diplomáticos e fiscais, previstos na Constituição

Federal dos Estados Unidos da América. Os referidos freios encontram-se na

Constituição dos Estados Unidos da América (1787) em seu Artigo I, Seção 10:

Nenhum Estado poderá participar de tratado, aliança ou confederação; conceder cartas de corso; cunhar moeda; emitir títulos de crédito; autorizar, para pagamento de dividas, o uso de qualquer coisa que não seja ouro e prata; votar leis de condenação sem julgamento, ou de caráter retroativo, ou que alterem as obrigações de contratos; ou conferir títulos de nobreza. Nenhum Estado poderá, sem o consentimento do Congresso, lançar impostos ou direitos sobre a importação ou a exportação salvo os absolutamente necessários à execução de suas leis de inspeção; o produto líquido de todos os direitos ou impostos lançados por um Estado sobre a importação ou exportação pertencerá ao Tesouro dos Estados Unidos, e todas as leis dessa natureza ficarão sujeitas à revisão e controle do Congresso. Nenhum Estado poderá, sem o consentimento do Congresso, lançar qualquer direito de tonelagem, manter em tempo de paz exércitos ou navios de guerra, concluir tratados ou alianças, quer com outro Estado, quer com potências estrangeiras, ou entrar em guerra, a menos que seja invadido ou esteja em perigo tão iminente que não admita demora. 40

38

HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John.O Federalista. Brasília: Universidade de Brasília, 1984. P 344.

39 HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John.O Federalista. Brasília: Universidade de

Brasília, 1984. P 371.

40

(27)

No 45º artigo que compõe o título “O Federalista”, James Madison

explana sobre a relação entre Poder Federal e Estadual, cosendo os pontos de

interferência de um em outro, arguindo como se daria uma relação harmoniosa e

autônoma entre as duas esferas:

Os poderes delegados ao governo federal pela Constituição propostas são poucos e definidos; os que permanecem com os governos estaduais são numerosos e imprecisos. Aqueles serão exercidos principalmente sobre tópicos externos, tais como guerra, paz, negociações e comércio exterior, com o qual o poder de taxação estará mais intimamente ligado. Os poderes reservados aos Estados se estenderão sobre todos os tópicos que, no curso normal da vida do país, dizem respeito às liberdades e bens do povo, à ordem interna e aos aperfeiçoamentos e progresso do Estado. 41

Ademais, complementando o comentário de James Madison, Alexis de

Tocqueville em confluência com o citado anterior, explicita com clareza o âmbito de

atuação das searas federal e estadual dentro do sistema federativo americano,

delegando por derradeiro à Suprema Corte o papel de solucionadora de eventuais

conflitos:

Os deveres e os direitos do Governo Federal eram simples e bastante fáceis de definir, porque a União fora constituída com a finalidade de responder a algumas grandes necessidades gerais. Os deveres e direitos dos Estados eram, pelo contrário múltiplos e complicados, porque tal governo penetrava em todos os detalhes da vida social. Por isso, definiram-se com cuidado as atribuições do Governo Federal e declarou-definiram-se que tudo o que não se achava compreendido na definição fazia parte das atribuições do governo dos Estados. Dessa forma, o governo dos Estados ficou no terreno do direito comum, enquanto que o governo federal era a exceção. Como se previa, porém, que poderiam surgir na prática questões relativas aos limites exatos desse governo excepcional, e como teria sido perigoso abandonar a solução de tais questões aos tribunais ordinários instituídos nos diferentes Estados pelos próprios Estados, criou-se uma alta corte federal, tribunal único, que tinha entre suas atribuições manter entre os dois governos rivais a divisão de poderes que a Constituição previra. 42

Nesta senda, incontroversa a constatação de que os constituintes

americanos, no âmago dos debates para promulgação da carta, buscaram a

consolidação de um governo limitado em alçada federal, relegando aos Estados as

atribuições que excediam aos deveres gerais da União.

41 HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John.O Federalista. Brasília: Universidade de

Brasília, 1984. P 383.

42

(28)

Ademais, diante do reconhecimento da necessidade da existência do

governo, todavia, reconhecendo que a essência deste é a força, os fundadores da

América buscaram no sistema federativo a melhor ponderação entre a limitação do

poder do Estado e a autonomia local das populações.

Portanto, inegável que este esforço advém da tradição do direito natural,

dado que os direitos fundamentais do homem são anteriores ao Estado, estes

consubstanciados na primeira Constituição escrita que trouxe ao mundo o conceito

(29)

3. FEDERALISMO BRASILEIRO

3.1 Histórico

A busca dos traços sociológicos e históricos nacionais enriquece de

sobremaneira a análise investigativa sobre determinado tema. Assim, antes de

adentrarmos nos meandros históricos do federalismo brasileiro, algumas

idiossincrasias de nossa formação institucional e popular devem ser lançadas ao

debate.

A terra, denominada por Brasil, fora descoberta pelos portugueses no ano

de 1500, tendo ancorado os lusitanos em solo brasileiro no dia 22 de abril do citado

ano. 43 O desembarque dos expedicionários em muito explica a constituição de

nossas instituições.

O documento primevo de nossa história denota intensa influência do

patrimonialismo, caracterizado pela confusão entre público e privado que se faz

recorrente em nossa trajetória. Ocorre, que logo na carta de inauguração do Brasil,

Pero Vaz de Caminha solicita ao rei de Portugal D. Manuel emprego para seu genro.

Bruno Garschagen assim relata o acontecido:

Não é sem fundamento, portanto, que Caminha encerre assim a sua

descritiva (e pedinte) missiva: “E pois que, Senhor, é certo que assi neste

cargo que levo como em outro qualquer outra cousa que de vosso serviço for, Vossa Alteza ha de ser de mim mui bem servido, a ella peço que por me

fazer singular mercê mande vir da ilha de São Thomé Jorge d’Osouro, meu genro, o que della receberei em muita mercê”. Caminha ratificou

habilmente a dedicação ao rei mencionando a sua função de escrivão e aproveitou para cavar para si próprio um futuro cargo, o que chamaríamos hoje de uma boquinha, além de pedir um favor singular, excêntrico, familiar:

que o rei permitisse o retorno a Portugal do seu genro Jorge d’Osouro, que,

condenado por roubar pão, vinho e galinhas de uma igreja, e de ferir um clérigo, fora degredado para a ilha de São Tomé. Tudo indica que o rei

atendeu o pedido, mas não se sabe se d’Osouro voltou para o Porto ou

morreu. 44

Dito isso, não surpreende a herança ibérica patrimonialista, legando ao

Brasil o mau hábito de imiscuir-se público e privado. Fator elevado à amplitude

43 GARSCHAGEN, Bruno.

Pare de Acreditar no Governo: Por que os brasileiros não confiam nos políticos e amam o Estado?. Rio de Janeiro: Record, 2015. P 19.

44 GARSCHAGEN, Bruno. Pare de Acreditar no Governo: Por que os brasileiros não confiam nos

(30)

máxima com centralização excessiva de recursos na União Federal. Sérgio Buarque

de Holanda faz sua contribuição ao explicar como o patrimonialismo tende a operar:

Não era fácil aos detentores das posições públicas de responsabilidade, formados por tal ambiente, compreenderem a distinção fundamental entre os domínios do privado e do público. Assim, eles se caracterizam

justamente pelo que separa o funcionário “patrimonial” do puro burocrata

conforme a definição de Max Weber. Para o funcionário “patrimonial”, a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregados e os benefícios que deles aufere relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado burocrático, em que prevalecem a especialização das funções e o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos. A escolha dos homens que irão exercer funções públicas faz-se de acordo com a confiança pessoal que merecem os candidatos, e muito menos de acordo com as suas capacidades próprias. Falta a tudo a ordenação impessoal que caracteriza a vida do Estado burocrático. 45

Dando sequência ao pensamento, Sérgio Buarque descreveu o

personagem que consagrou sua obra “Raízes do Brasil”: a imagem do homem

cordial. Traço que marca a personalidade nestes trópicos, representante de certa

flexibilidade no trato social, ainda mais no tocante às relações entre as esferas

públicas e privadas. Sérgio Buarque de Holanda define o personagem:

Nenhum povo está mais distante dessa noção ritualista da vida do que o brasileiro. Nossa forma ordinária de convívio social é, no fundo, justamente o contrário da polidez. Ela pode iludir na aparência – e isso se explica pelo fato de a atitude polida consistir precisamente em uma espécie de mímica

deliberada de manifestações que são espontâneas no “homem cordial”: é a

forma natural e viva que se converteu em fórmula. Além disso a polidez é, de algum modo, organização de defesa ante a sociedade. Detém-se na parte exterior, epidérmica do indivíduo, podendo mesmo servir, quando necessário, de peça de resistência. Equivale um disfarce que permitirá a cada a qual preservar inatas sua sensibilidade e emoções. 46

Descrita a adaptabilidade do homem cordial às circunstâncias da vida,

infere-se que essa característica tenha no centralismo federalista um catalizador

perigoso, em razão da acumulação de riquezas e oportunidades pueris pelo governo

federal.

O relacionamento do brasileiro com a lei e a ordem estimula a má conduta

do famigerado homem cordial, disponibilizando toda sua amabilidade na consecução

45HOLANDA, Sérgio Buarque e.

Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. P 146.

46 HOLANDA, Sérgio Buarque e.Raízes do Brasil.26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

(31)

de objetivos escusos e ilegais. O sociólogo Roberto da Matta expõe com clareza o

modelo de funcionamento do caráter cordial:

Num livro que escrevi – Carnavais, malandros e heróis –, lancei a tese de que o dilema brasileiro residia numa trágica oscilação entre um esqueleto nacional feito de leis universais cujo sujeito era o indivíduo e situações onde cada qual se salvava e se despachava como podia, utilizando para isso o seu sistema de relações pessoais. Haveria assim, nessa colocação, um verdadeiro combate entre leis que devem valer para todos e relações que evidentemente só podem funcionar para quem as tem. O resultado é um sistema social dividido e até mesmo equilibrado entre duas unidades sociais básicas: o indivíduo (o sujeito das leis universais que modernizam a sociedade) e a pessoa (o sujeito das relações sociais, que conduz ao polo tradicional do sistema). Entre os dois, o coração dos brasileiros balança. E

no meio dos dois, a malandragem, o “jeitinho” e o famoso e antipático “sabe com quem está falando? ”seriam modos de enfrentar essas contradições e

paradoxos de modo tipicamente brasileiro. Ou seja: fazendo uma mediação também pessoal entre a lei, a situação onde ela deveria aplicar-se e as pessoas nela implicadas, de tal sorte que nada se modifique, apenas ficando a lei um pouco desmoralizada – mas, como ela é insensível e não é gente como nós, todo mundo fica, como se diz, numa boa, e a vida retorna ao seu normal... 47

O citado patrimonialismo, manifestado na conduta improba dos agentes

públicos na atuação dos entes estatais, detém intensa relação com a centralização

de poder. O conceito assume conotação patriarcal, ao ponto de que a administração

dos negócios de Estado perpassa pela visão do pater famílias no usufruto de sua

propriedade. José Osvaldo de Meira Penna dimensiona com acuidade a perenidade

do patrimonialismo:

A teoria do Estado patrimonialista é, entretanto, antiga. Descobre-se talvez a tese, pela primeira vez, no Livro III de a Política de Aristóteles, embora em breve referência. O estagirita alude aí ao tipo de "governo paternalista" em que o rei ou chefe do Estado governa como se a sociedade fosse sua propriedade doméstica. Seguindo nas pegadas de Aristóteles, Jean Bodin, em 1576, refere-se em certo momento, em sua obra Seis livros da República, ao que denomina "monarquia senhorial'', considerando-a um sistema de governo em que o governante é simplesmente dono de seus súditos e de toda a propriedade. Seria o tipo de governo referido como "Sultanismo" ou "Despotismo Oriental''. Bodin sustenta seu argumento com a tese da origem do Estado na instituição do pater famílias, o qual possui poder absoluto sobre seus dependentes e governa soberanamente toda a economia doméstica, da qual é o único proprietário. 48

No Brasil, o fenômeno do patrimonialismo se constatou tanto no regime

monárquico quanto na república. Tanto um como o outro, se notabilizaram pelo

47

MATTA, Roberto da.O que faz o Brasil, Brasil?Rio de Janeiro: Rocco, 1986. P 64.

48 PENNA, José Osvaldo de Meira.O dinossauro:Uma pesquisa sobre o Estado, o patrimonialismo

Referências

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