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Ganchos, Tachos e Biscates como Estrategias de Trabalho e Futuro para os Jovens

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Academic year: 2020

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Ganchos, Tachos e Biscates como Estratégias de Trabalho e Futuro para os Jovens

Ivar César Oliveira de Vasconcelos*

Se juventude tem sido sinônimo de desemprego na maior parte do mundo, e em particular a partir da crise de 2008, ela tem sido também sinônimo de pobreza e de precariedade no trabalho, transmitidas aos filhos, em percursos contrastantes com a conquista de identidade e de vida digna. Segundo dados da International Labour

Organization (ILO), de 2000 a 2010, a taxa de desemprego entre os jovens supera a dos

adultos em quase três vezes (12,8% e 4,6%), respectivamente, mantendo-se sem oscilação nesse período. Mesmo após a crise, continuou crescendo o emprego temporário e o parcial, com jovens sendo contratados cada vez mais em empregos atípicos, em tempo de espera para a transição ao trabalho decente, mesmo nas economias desenvolvidas (INTERNATIONAL LABOUR OFFICE, 2012).

Este tempo de espera é diferenciado para as diversas juventudes, de diferentes níveis socioeconômico culturais, numa estratificação social complexa. Pais já pesquisara sobre a falta de trabalho decente para os jovens, conforme a pesquisa em foco, mas a problemática se agravou de um jeito considerável com a crise econômica iniciada em 2008. Além disso, a população envelhece, os jovens estão mais preparados do ponto de vista escolar quanto à geração precedente e, no entanto, só lhes cabe a porta do elevador para baixo, na estratificação social.

Como os jovens têm se saído de enrascadas em condições precárias de emprego e trabalho? Entre nós, brasileiros, os termos ganchos, tachos e biscates poderiam significar também, como significam entre os portugueses, as diferentes formas de sair

dessas enrascadas. Realizando atividades domésticas, temporárias ou até ilegais, os

jovens valorizam seus afazeres como fonte de rendimento e realização pessoal e definem, assim, o sentido do trabalho. No entanto, os sentidos na contemporaneidade

* Doutorando em educação, Universidade Católica de Brasília-UCB; Mestre em Educação, UCB; Especialista em

Formação em Educação a Distância, Universidade Paulista-UNIP; Professor Titular, UNIP; E-mail: ivcov@hotmail.com.

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são vários. Na encruzilhada onde estão, em trajetórias fraturadas e alongadas, os jovens anseiam por independência. Suas elaborações para o futuro não coincidem com seus projetos de vida no presente, caracterizando um vazio para o primeiro e um enchimento para o segundo. Nas urdiduras da vida, eles têm oportunidade de escolher os caminhos a seguir, “a obtenção de um bom trabalho pode significar uma mudança de vida” (p. 13).

Com efeito, ganchos, tachos e biscates representam nas reflexões de Pais a retomada de vida de jovens em busca do desenrascanço da precariedade de empregos e trabalhos com os quais se envolvem. O autor parte de relatos para demonstrar descobertas relacionadas aos mundos de vida de jovens à procura da inserção profissional ou formas criativas de ganhar dinheiro. Neste sentido, vale lembrar, muitos jovens, mesmo padecendo a informalização do trabalho, a falta de trabalho decente e a dificuldade de se inserir na sociedade e na cidadania, são chamados a sustentar os grupos etários antecedentes, após conseguirem, caso o consigam, obter seu protagonismo. E, como afirmara Singer (2000), os pobres por raras vezes dão-se ao luxo de ficar desempregados, pois, se ficam parados, correm o risco de morrer de fome. Assim, criatividade torna-se sinônimo de sobrevivência.

Na primeira parte (encruzilhadas), aborda-se a problemática do trabalho precário entre os jovens, entendido não haver o fim do trabalho, mas a substituição do emprego formal pelo precário, autocriado – outra vez, com Singer (2000), talvez fosse mais adequado proferir o termo precarização do trabalho em vez de desemprego. Segundo Pais, jovens mal sucedidos, em virtude de educação formal desacreditada, almejam encontrar estratégias de se desenrascarem para ganhar a vida. Entregam-se a ganchos,

biscates ou ganham tachos, ou seja, lançam-se a atividades profissionais precárias ou

ilícitas ou ganham ocupação por intermédio de influências pessoais.

Para o autor, encontrar trabalho, entre os jovens, constituiria um jogo lotérico. O retalhamento do universo do trabalho em lotes – os clandestinos, os de macacão, os de colarinho branco, os burocratas etc. – estaria promovendo estratificação social, implicando em novas significações do trabalho. Entre os jovens, trabalho não seria mais instrumentalização, mas valor intrínseco em termos de satisfação – às vezes, lazer! Como os “paradigmas do trabalho e da economia estão em crise” (p. 20), ficam instáveis a economia e a cultura, com vivas ao efêmero e à precariedade, em clima de consumo, a

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provocar a obesidade consumista. Como resultado, a flexibilização do mundo do trabalho e a dinâmica do mundo de consumo estariam a promover a emergência da

ética de aventura no mercado de trabalho (onde viveriam os ganchos, tachos e biscates)

e a ética de experimentação. Neste clima de loteria, os jovens estariam improvisando – movidos pelas ideias de competição, influência do destino, mimetismo e gozo – levando a comportamentos como ambição, fatalismo, simulação e frenesi e, na escola, à busca de maiores notas, numa cultura escolar incentivadora do consumo. Logo, poderia ser a astúcia o comportamento fundamental para vencer esse jogo.

Por sua vez, as estatísticas oficiais não estariam mostrando muitos desempregados – a exemplo de estudantes e os à espera de chamados para trabalhar após enviar currículo. Segundo o autor, para entrar nelas, necessariamente o indivíduo precisa ter procurado emprego. Então, em lugar da taxa de desempregado, poderia haver a taxa de não empregados – a tomar como referência os excluídos do projeto educativo e do mundo do trabalho em vez da população ativa. Com esta proposta, Pais buscou resolver o problema da inverdade dos números oficiais. Constatou, por um lado, jovens portugueses melhor qualificados na academia (e de melhor situação social) padecendo com o desemprego de inserção – talvez, eles sejam mais seletivos quanto à atividade a desempenhar e, em consequência, haveria menor aceitação de formas precárias de inserção. Constatou, por outro lado, jovens menos qualificados (e de origem social mais humilde) aproveitando a primeira oportunidade de emprego com submissão a suas formas precárias – na sociedade informatizada, onde se generalizam os efeitos da globalização da economia no aumento do trabalho temporário e no tráfico ilegal de trabalhadores clandestinos.

No âmbito da educação – essencial para os trabalhos futuros, segundo o autor – embora a massificação do ensino e a generalização dos estudos universitários desenvolvam altas expectativas de mobilidade social entre os jovens, por sua vez, estes mesmos jovens têm se frustrado por não poderem desfrutar status sócio laboral correspondente aos títulos acadêmicos obtidos. Nesta perspectiva, profecias como falta

formação profissional aos jovens ou a escola não prepara adequadamente os jovens para o mercado de trabalho, por si, não solucionariam o problema do desemprego.

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suficientes para se consagrarem na prática. O autor indaga se não haveria seleção social a impulsionar a problemática. Tais profecias estariam gerando ideologias fundantes de leis em torno da panaceia da profissionalização do sistema educacional, sem solução para sérios males. De fato, tome-se o problema do abandono escolar e seu principal fator de risco, a baixa renda familiar, e poderá ser constatado o quanto a profissionalização sozinha não soluciona o problema do desemprego juvenil.

Como vivemos numa sociedade labiríntica, em fuga da planificação, o improvável torna-se provável, contribuindo para duas percepções por parte dos jovens: por um lado, as oportunidades e, por outro, a falta de controle. Na sociedade moderna, em autoconfrontação consigo mesma, na avalancha de informações disponibilizadas, as opções oferecidas geram riscos. Sendo suas vidas já um risco, jovens com trabalhos precários não conseguem calcular o quanto aquelas estão vulneráveis. Neste labirinto de vida, negam a realidade projetando utopias. Envolvem-se, conforme o autor, em

trajetórias ioiô. Tais trajetórias são as voltas e meias voltas a retratarem as atuais rotinas

juvenis, nas quais o culto da sensação multiplicada desenvolvido por eles leva-os à relativização exagerada – seriam cotidianos em rodopios situados entre tempos monocromáticos e tempos policromáticos os quais, respectivamente, institucionalizam (família, escola e emprego) e sociabilizam (voltas mágicas no carrossel da vida). A relação com os progenitores, o amor, o consumo, a escola, o trabalho, a família são

experiências vividas pelos jovens, caracterizando a ética da geração ioiô – o domínio do

aleatório, o cruzamento das setas do tempo com o tempo cíclico, mas onde os jovens investem no dia a dia, com seus jogos de informática a proporcionar o exercício do poder. A passagem para a vida adulta prolonga-se, com dúvidas quanto aos auspícios sob os quais os caminhos se constroem. Prolonga-se em meio à possibilidade de castigos punitivos pelas saídas do cotidiano.

Tal espectro rotineiro poderia ser compreendido tão só com a utilização de metodologias baseadas em leituras entrelinhas, não lineares, pois com métodos pós-lineares torna-se possível aproximar da vida dos jovens inseridos no terreno labiríntico da sociedade contemporânea. Com a disponibilização de diversos exemplos de representações, Pais demonstra o valor dos ícones ou sinais tidos como irrelevantes do dia a dia dos jovens. A representação icônica presente nas histórias em quadrinhos (cujo

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sentido o leitor complementa ao interpretá-las), a preocupação do jovem assaltante em não praticar delitos em áreas da cidade onde se tem por já conhecido, a percepção de realidade por parte de Dom Quixote etc. constituem exemplos capazes de evidenciar o quanto os desalinhamentos de vida têm valor.

Neste sentido, alcançar a totalidade por meio do detalhe torna-se a preocupação do sociólogo, inclusive em treinar o leitor noutras formas de compreender o mundo. Seria preencher lacunas para comunicar. O trabalho de interpretação dos descontínuos da informação, na sociologia pós-linear, ocorre através da interconectividade. No caso de muitos jovens, em meio à turbulência atual, o significado dos relatos é alcançado só se eles forem intercalados por experiências passadas e expectativas futuras. Desse modo, à linearidade biográfica se contrapõe as descontinuidades presentes na família, nas atividades profissionais, no trabalho precário etc.

Por meio dessa metodologia não linear, o autor passou dos relatos obtidos com as

entrevistas aos conteúdos de vida. Por meio de 14 entrevistas aprofundadas – cada vida,

um caso de vida – Pais selecionou a amostra entre jovens reclusos, arrumadores toxicodependentes, prostitutas etc. com foco no objeto de pesquisa, o trabalho precário. Com prioridade para a escuta, optou por articular os diversos conjuntos de referência dos jovens com a problemática central, a de ganhar a vida.

Atentando para os níveis sintático, semântico e pragmático da análise de conteúdos, o autor buscou, em relação aos entrevistados, aproximar-se do processo ontológico da formação da autoimagem; identificar o sentido de vida; passar das expressões contextuais aos conceitos; construir conceitos unificadores; desvendar os

ethos sociais; enfatizar a hermenêutica coletiva proposta por Ülrich; analisar a estrutura

de conteúdos e modelos culturais conforme Hiernaux. Assim, na segunda parte (fazer pela vida: percursos e discursos), o autor procurou desvendar percursos biográficos. Cada capítulo, no total de nove, serve para mostrar os relatos de vida e as associações de ideias relacionadas aos tachos políticos, aos ganchos ilícitos ou aos biscates. O conjunto de participantes constituiu-se de jovens como: distribuidor de pizzas, estudante universitária, disc-jóquei, arrumadores de supermercado e de carros, prostitutas, toxicodependentes e reclusos. Com frequência iniciando o capítulo por

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descrever o entrevistado (nacionalidade, idade etc.), o autor transcreve os relatos das entrevistas e analisa com base nas teorizações em torno do tema do trabalho precário.

Com foco na problemática da vivência do jovem de trabalhar de modo precário e de olho noutras nuanças do percurso biográfico, o autor adotou a atitude do realista

complexo – aqui, segundo ele, o próprio conceito de trajetória vivida inclui os conceitos

de vida familiar, escolar, profissional etc. – compatibilizando, portanto, com a realidade cada vez mais complexa experimentada pelos jovens. Alternando da sociedade

disciplinadora à moderna sociedade de controle, para o autor, cada instituição tem suas

regras de subjetivação, sem a presença de lógicas definidoras. Para ele, não se tem discutido com mérito a respeito das socializações informais, ocorridas nos interstícios das instituições, produtoras de aprendizagens informais. Haveria um alheamento do sistema educacional quanto ao seu entorno. A escola estaria reduzida a preparar os jovens para o futuro, verdadeiros seres humanos transitórios, portanto, sem presente.

Nesta complexidade, com as instituições em vias de mudança social, novos paradigmas de compreensão da juventude estão por ser descobertos, em processo de libertação da padronização euclidiana do saber – lembrando Bernstein (1983), seria a superação da ansiedade cartesiana. Com esse procedimento, o autor pôde observar nos jovens a combinação entre os princípios do poder fazer, dever fazer e querer fazer, os quais apresentam duas éticas relacionadas ao trabalho: a da formiga, com forte entrega ao trabalho e à poupança; a da cigarra, tendência ao prazer lúdico retirado do trabalho realizado. Predominaria a ética emersa das experiências de vida dos jovens no mundo do trabalho e fora dele. Observa também o autor, os jovens rodopiam por vários trabalhos, sujeitos a viverem a instabilidade do início da vida profissional ou a instabilidade decorrente do trabalho precário e mal pago (perguntamos se não seriam as duas instabilidades). Alguns inscritos em zonas de vulnerabilidade, os jovens tentam viver o dia a dia, sem se importar com a origem do dinheiro ganho – ganchos, tachos ou

biscates. Verificamos mais uma vez como essa noção de aproveite o dia, baseada numa

lógica direcionadora da juventude a níveis de exaustão do dia e da vitalidade, tem prejudicado a moral.

Vivendo encruzilhadas de vida, em clima de incertezas, os jovens não podem ser estudados como se fora um conjunto homogêneo. Sua socialização para o emprego

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oscila entre modelos valorizadores das relações de família, amigos, vizinhos etc. ou valorizadores da vocação e capitais culturais. Por sua vez, a dessocialização para o trabalho oscila entre a valorização do prolongamento máximo das delícias da condição juvenil, por parte dos jovens, e o agravamento da precariedade social e do desemprego. Dessa maneira, Pais confirma base importante do já conhecido conceito de juventude

prolongada – até certo ponto, um efeito da crise econômica iniciada nos anos 1970.

Aliás, indagamos: socializar ou não socializar para o trabalho não constituiria pontas da roda dialética capaz de contribuir para a maior permanência dos jovens na escola ou para a maior idade de casamento ou, ainda, para a permanência na casa paterna?

No âmbito da escola preparadora para o futuro, predomina, segundo o autor, a

cultura prescritiva com planos e pedagogia inscritas na filosofia de produção em série,

esta justificada pela massificação do ensino. De fato, como lembram Gomes e outros (2008), no contexto das economias globalizadas preocupadas com a produtividade e a redução de pessoal, o sistema educacional torna-se local e tempo de espera para os jovens. Ocorreria neste contexto de formação para a vida, segundo Pais, o fortalecimento da profecia “com melhores qualificações, mais facilmente se encontra emprego” (p. 323). Mas, na verdade, conclui o autor, a escola tem funcionado como fator de contenção artificial do desemprego – cenário com tentativa de impor aos jovens um papel de inativo, mas oposto à opção deles de investir no presente.

Essas evidências trazidas por Pais sobre o trabalho precário entre os jovens, infelizmente, dão sinais de vitalidade, prometendo ficar por algum tempo. Países da América Latina e do Caribe, por exemplo, continuam a ter as piores marcas de emprego vulnerável. Nesta região do mundo, o índice de emprego vulnerável ainda é dos maiores (31,9% em 2010), na quarta posição, perdendo para a região central e sul do leste europeu e economias desenvolvidas da União Europeia e Oriente Médio. E, enquanto os índices de desemprego entre os adultos (mais entre os homens) tendem a decrescer, será o ano de 2012, para os jovens latinos e caribenhos, mais um teste na capacidade de esperar pelo sonhado trabalho decente (ILO, 2012). Quais os impactos sobre uma geração, numa população em vias de envelhecimento, obrigada a sustentar a sociedade?

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Referências

BERNSTEIN, J. R. Beyond objectivism and relativism: science, hermeneutics, and praxis. Pennsylvania: University of Pennsylvania Press, 1983.

GOMES, C. A. da C. et al. O enigma das juventudes. Boletim Técnico do SENAC: a revista da educação profissional, Rio de Janeiro, v. 34, n. 3, p. 35-48, set./dez. 2008.

INTERNATIONAL LABOUR OFFICE. Global employment trends 2012: preventing a deeper jobs crisis. Genebra: ILO, 2012.

SINGER, P. Globalização e desemprego: diagnóstico e alternativas. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2000.

Recebido em: 01/10/2012

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