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Boletim IBCCRIM nº 188 - Julho 2008 As reformas parciais do CPP e a gestão da prova: segue o princípio inquisitivo

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Bole t im I BCCRI M n º 1 8 8 - Ju lh o / 2 0 0 8

As r e for m a s pa r cia is do CPP e a ge st ã o da pr ova : se gu e o pr in cípio in qu isit ivo

Jacint o Nelson de Miranda Cout inho

Há sem pre coisas não dit as acom panhando o que se diz e podem ser elas as m ais significat ivas caso se queira com preender, de fat o, o que est á por t rás dos discursos fáceis que dom inam o cenário das reform as do Código de Processo Penal brasileiro. Trat am - se, com o se sabe, de t ent at ivas de reform as parciais,algum as absurdas, out ras incongruent es, t odas lot adas de boas int enções e poucas

perspect ivas de que venham a vingar, m orm ent e naquilo ao qual se propõem com o soluções

salvadoras. Com proj et os de lei t ram it ando no Congresso Nacional há algum t em po, algum as acabam de se concret izar, com o foi o caso das Leis nº 11.689 e 11.690, am bas sancionadas em 9 de j unho de 2008 e publicadas no dia seguint e, alt erando, respect ivam ent e, o procedim ent o do Tribunal do Júri e a m at éria relat iva à prova, com prazo de vacat io legis de 60 ( sessent a) dias da publicação, ou sej a,

com ent rada em vigor em 10 de agost o de 2008.

O que se t em t ent ado fazer, e m pr im e ir o lu ga r ( m as com as devidas exceções im port ant es com o a

sim plificação dos quesit os no procedim ent o do Júri, hoj e quase um a balbúrdia) , são m udanças para t udo perm anecer com o sem pre est eve, cum prindo o discurso de I l Gat t opardo, no rom ance de Giu -se ppe Tom a si di La m pe du sa: “Se vog- lia- m o che t ut t o rim anga com’é, bisogna che t ut t o cam bi”; e m se gu n do lu ga r — o que é pior — t udo vem sendo conduzido sob a égide do discurso fácil da celeridade que adquire, no processo penal, feição por dem ais perigosa aos direit os fundam ent ais ( a

com eçar pelo devido processo legal) , rest ando, em ult im a rat io, por ser apenas um a palavra sut il no

lugar de punit ivism o e repressão e, port ant o, no m ais das vezes, indo de encont ro aos princípios e

regras const it ucionais.

Quando o assunt o é reform a, o pr im e ir o pon t o é o fundam ent al porque t rat a do núcleo dos

problem as: é preciso m ant er o foco no que há de ser reform ado, fugindo- se às quest ões int

ra-sist em át icas para se reconhecer que o problem a est á no próprio sist em a, o que se não at inge com

reform as parciais e, desde est e pont o de vist a, m eros rem endos. Se é assim , qualquer reform a deve ser global e incident e sobre t odo ele, bast ando recordar a origem fascist a do Código de Processo

Penal brasileiro ( Decret o- lei 3.689, de 3 de out ubro de 1941) , e seu absolut o descom passo para com a at ual Const it uição da República, dem ocrat icam ent e prom ulgada em 5 de out ubro de 1988.

Um de vido pr oce sso le ga l ( con st it u cion a l) é in com pa t íve l com o sist e m a do CPP, de t odo in qu isit or ia l. Port ant o, não recepcionado, o que j á deveria t er sido declarado se se t ivesse

“vergonha” ( com o diziam os ant igos, m as não ult rapassados) , m esm o em t em pos bicudos de neoliberalism o e consum o da ét ica.

Para lem brar, vale a noção de sist em a processual, im prescindível m as m uit o descurada. É ela, com o

se sabe, decorrent e da posição de Ka n t (“conj unt o de elem ent os sob um a idéia única”; cf. KAN T, I m m a n u e l. Crít ica da Razão Pura. Trad. de M a n u e la Pin t o dos Sa n t os e Ale x a n dr e Fr a diqu e M or u j ã o. 4ª ed., Lisboa: Fundação Cloust e Gulbenkian, 1997, p. 657) , a qual só pode ser bem

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qual( ais) funda- se a t eoria geral do processo penal, podendo est ar posit ivado ( na lei) ou não. Com o

ont ológico ( ou unificador) , princípio é um m it o, ou sej a, a palavra que é dit a no lugar daquilo que, se exist ir, não pode ser dit o, dado não se t er linguagem para t ant o, t udo no sent ido da idéia única de Ka n t. Por t al via se vê que a diferenciação dos sist em as processuais ent re acusat ório ou inquisit ório

far- se- á at ravés, ant es de t udo, de t al princípio, det erm inado, aqui, pelo crit ério referent e à gest ão da prova (CORD ERO, Fr a n co. Problem i Dell’I st ruzione. I deologie del Processo Penale. Milano:

Giuffrè, 1966, pp. 158- 164) . Ora, se o processo t em por finalidade, ent re out ras — m as

principalm ent e — o acert am ent o de um caso penal após a reconst it uição de um fat o pret érit o, o

crim e, m orm ent e at ravés da inst rução probat ória, é a gest ão da prova e a form a pela qual ela é

realizada que ident ifica o princípio unificador.

Os dem ais elem ent os, que de um sist em a podem ser em prest ados ao out ro, devem ser considerados, t odos, secundários. É o caso, por exem plo, do processo com port ar a exist ência de part es, o que para

m uit os, ent re nós, faz o sist em a — em bora insust ent ável — t ornar- se acusat ório. No ent ant o, o argum ent o não é feliz, o que se percebe por um a breve avaliação hist órica: quiçá o m aior

m onum ent o inquisit ório fora da I grej a t enha sido as Ordonnance Crim inelle ( 1670) , de Luis XI V, em

França; m as m ant inha um processo que com port ava part es.

A principal e única diferença definit iva, nest e sent ido ( v., para um a análise do conj unt o delas,

BARREI ROS, José An t ón io. Processo Penal. Coim bra: Alm edina, 1981, p. 12) , rem et e à ext rem a

concent ração de poder nas m ãos do órgão j ulgador, no sist em a inquisit ório, o qual recolhe a prova ( ant es de qualquer out ro) e det erm ina sua produção. Nele, o acusado é m ero obj et o de invest igação e por isso a regra é que sej a decret ada sua prisão caut elar, ficando, assim , à disposição da inst rução

enquant o verdadeiro obj et o e m eio de prova. De cert a form a, desaparece o cidadão; ou pode

desaparecer.

No sist em a acusat ório, por out ro lado, o j uiz t em , prim ordialm ent e, a função de garant e das regras do j ogo, cabendo às part es apresent arem suas provas, licit am ent e obt idas, razão por que é

im prescindível a paridade de arm as. O acusado é, assim , suj eit o de direit os, pois pode se defender em posição de igualdade em relação à acusação ( logo, em liberdade: ganha expressão capit al a presunção de inocência), buscando apresent ar o que lhe couber de favorável. Visualiza- se o processo

com o “um a discussão, lut a ou duelo que ent re acusador e defensor se est abelece, perant e o olhar im parcial do j uiz” (D I AS, Jor ge de Figu e ir e do. Direit o Processual Penal. Coim bra: Coim bra Edit ora,

1974, p. 247) .

O que se not a na est rut ura inquisit ória, port ant o, é um a fusão das funções de acusador e j uiz e a conseqüent e confusão ent re o que seriam m ét odos para acusar e m ét odos para j ulgar. O j uiz, senhor

da prova, sai em seu encalço guiado essencialm ent e pela visão que t em ( ou faz) do fat o, privilegiando- se o m ecanism o “nat ural” do pensam ent o da civilização ocident al que é a lógica

dedut iva, a qual deixa ao inquisidor a escolha da prem issa m aior, razão por que pode decidir ant es e, depois, buscar, quiçá obsessivam ent e, a prova necessária para j ust ificar a decisão. No m ais das vezes

esse j uiz est á m arcado pelo Com plexo de Nicolas Marshall, com o saborosam ent e ironiza Ale x a n dr e M or a is da Rosa (ROSA, Ale x a n dr e M or a is da. “O Juiz e o Com plexo de Nicolas Marshall”. ht t p: / /

www.ibccrim .org.br, São Paulo, 23 j ul. 2003) , um exem plo de pensador e m agist rado. Est am os diant e daquilo que Cordero, com genialidade, cham ou de “prim at o dell’ipot esi sui fat t i” (CORD ERO, Fr a n co. Guida alla Procedura Penale. Rom a: UTET, 1986, p. 51) : eis o pont o cent ral do sist em a e

sem o qual não é possível com preendê- lo, m uit o m enos para efeit os de reform a.

É por isso que só se m uda o sist em a caso se m ude o princípio unificador, o que significa ret irar, na

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Com o se sabe, t odos os sist em as at uais são m ist os, j á que se não cogit a de um sist em a puro, m as

não é preciso grande esforço para ent ender que não há e nem pode haver um “princípio m ist o”, dado ser o princípio, no caso, um a idéia única e, port ant o, indivisível. O m odelo de sist em a m ist o, do Code Na- poléon, com a prim eira fase inquisit ória e a segunda fase, processual, am plam ent e cont radit ória

(m as valendo nela a prova produzida naquela: eis o nó górdio da pat ifaria m anipuladora! ) , foi a

est rut ura dual: invest igação prelim inar/ processo, sendo adot ada no Brasil na recent e hist ória de sua legislação processual penal, ainda piorada com a adoção do inquérit o policial em 1871.

Ele nasce ( o I P) , assim ( Lei nº 2.033, de 20.09.1871 e Decret o nº 4.824, de 22.11.1871) , com a desvant agem de ser um procedim ent o adm inist rat ivo e, de conseqüência, inviabiliza a ext ensão, para

si, do cont radit ório, at é porque a CR de 88 só o im pôs com o um direit o individual quando houvesse processo, conform e art . 5º , LV: “aos lit igant es, em processo j udicial ou adm inist rat ivo, e aos

acusados em geral são assegurados o cont radit ório e am pla defesa, com os m eios e recursos a ela inerent es.” A m at éria é polêm ica, t odavia; m as no rigor conceit ual não cabe falar de processo no I P.

Nest a est eira, o sist em a processual penal brasileiro é, indubit avelm ent e, inquisit ório, porque seu princípio unificador é o inquisit ivo, j á que a gest ão da prova est á, prim ordialm ent e, nas m ãos do j uiz,

senhor do processo.

A solução parece est ar na superação da est rut ura inquisit ória e, para t ant o, há de se dar cabo do inquérit o policial, não para se int roduzir o cham ado j uizado de inst rução ( t ão ruim quant o aquele) ,

m as para, aproxim ando- se da m at riz acusat ória, perm it ir- se t ão- só um a única inst rução, no crivo do cont radit ório. No m ais, a acusação poderia ser form ulada com base em invest igação realizada pela

polícia, função para a qual exist e e est á preparada m ais que ninguém , ainda que sob o cont role ext erno do MP. Sob as penas da lei, um órgão de acusação conscient e não deduziria ação —

im aginando- o engaj ado à dem ocracia — por m era elucubração m ent al. E o j uiz, longe da colheit a da prova, poderia t er as condições suficient es para, sem influências de qualquer gênero, preparar- se

para o devido acert am ent o do caso penal.

O que se há de reafirm ar, enfim , é que reform as parciais não m udam o sist em a porque não vão no

núcleo do problem a, ou sej a, no princípio inquisit ivo, que perm anece int act o, o que se pode const at ar

com as recent es reform as, m orm ent e aquela referent e à prova e, nela, no que diz com a cham ada t eoria geral da prova. Bast a que se vej a, nest e sent ido, a nova redação do art . 156( 1) , do CPP, dada

pela Lei nº 11.690, publicada em 10.06.08, que facult a ao j uiz, de ofício, det erm inar a produção de provas e a realização de diligências que j ulgar necessárias para “dirim ir suas dúvidas”.

Ora, t al preceit o é inconst it ucional porque, de m odo escancarado, rom pe com o devido processo

legal, form al e subst ancialm ent e. Ele é, por sinal, pior que o preceit o derrogado (“Art . 156. A prova da alegação incum birá a quem a fizer; m as o j uiz poderá, no curso da inst rução ou ant es de proferir sent ença, det erm inar, de ofício, diligências para dirim ir dúvidas sobre pont o relevant e.”) , o qual dava a im pressão — em bora não fosse, na prát ica, verdadeira — de não part icipar o j uiz da colheit a dos m eios probat órios na prim eira fase da persecução.

Agora, sem em bargo, o t ext o é m ais honest o se m edido em relação à realidade que se vive, deixando claro o absurdo fascist a das ent ranhas do sist em a, inclusive em relação ao próprio m agist rado. Afinal, perm it e- lhe expressam ent e, nas duas fases da persecução, ordenar ex officio a produção de provas

( os fundam ent os supre- se ret oricam ent e a part ir de conceit os indet erm inados com o necessidade, adequação, proporcionalidade e — pior —“dúvida sobre pont o relevant e”) e, depois, cobra- se dele, a

part ir da base const it ucional, eqüidist ância e equilíbrio na condução do processo ( ainda confundido, em 2008, com ação penal) e no acert am ent o do caso penal.

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preceit o do art . 155, um a bizarra t ent at iva de lim it ação à livre apreciação da prova, ant es de t udo

porque ofensivo ao m odelo de pensam ent o da civilização ocident al, dado sequer ser razoável ( eis um dos pont os de sua inconst it ucionalidade) se perm it ir que o j uiz ordene a produção de prova spont e propria na fase prelim inar da persecução penal e, depois, form e a sua conviccção t ão- só “da prova produzida em cont radit ório”. Ora, em bora t enham alguns que não ent endam e out ros que não

queiram — ou não queiram ser —, o j uiz é um ser hum ano, algo não m uit o difícil de perceber: num a

dem ocracia ( quem a quer de verdade?) , é suj eit o, ist o é, assuj eit ado e, assim , subj ect u, “post o

debaixo” da lei. Dest e m odo, m esm o im perando a Filosofia da Linguagem e os significant es rem et endo para out ros significant es a fim de, só depois, dar- se sent ido aos t ext os, não pode ele,

em bora com o um herm eneut a privilegiado, dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa (STRECK, Le n io Lu iz. Herm enêut ica Jurídica e( m ) Crise: Um a Exploração Herm enêut ica da Const rução do Direit o. 5ª ed., Port o Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 287 e segs.; COUTI N H O, Ja cin t o N e lson de M ir a n da. Dogm át ica Crít ica e os Lim it es Lingüíst icos da Lei. Diálogos Const it ucionais: Direit o, Neoliberalism o e Desenvolvim ent o em Países Periféricos. Org. Ja cin t o N e lson d e M ir a n d a

Cou t in h o e M a r t on io M on tAlv e r n e Ba r r e t o Lim a. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 230) .

É incom pat ível — e absurdo —, assim , exigir do j uiz que se com port e cont ra a sua nat ureza ( para não falar do inconscient e) , o que, por cert o, não fará. E a t ent at iva de reform a — parece evident e —

apont a para o fracasso em bora, por cert o, aj ude a consolidar o sist em a brasileiro com o inquisit ório sem que se possa prosseguir com o engodo ret órico com prado ( com vidas inocent es) de Vincenzo Manzini e Jean- Jacques- Régis de Cam bacérès, escudeiros de m ãos pesadas de Mussolini e Napoleão.

Não se salva da inconst it ucionalidade nem o novo t ext o do art . 157, o qual at erra no âm bit o

infraconst it ucional a regra do art . 5º , LVI , CR (“são inadm issíveis, no processo, as provas obt idas por m eios ilícit os”) , t ent ando explicit ar a proibição à prova ilícit a, com o se para ganhar vida a

Const it uição fosse preciso um a reform a no CPP, algo m uit o próprio de um Brasil Profundo em m at éria

de respeit o e aplicação das leis.

Ora, os §§ 1º e 2º , com conceit os indet erm inados ( o princípio da t axat ividade não convive com eles

em um espaço dem ocrát ico porque a CR não deixa) , quase acabam com o direit o do cidadão, m ais um a vez criando- se rest rições onde a CR não criou e, pior, deixando a com plet ude delas ao “crit ério”

do j uiz. Afinal, quem , de fat o, dirá o que é e quando se dará um a prova derivada de out ra ilícit a em

face do “nexo de causalidade” ou quando ela poderia ser obt ida “por um a font e independent e” ( § 1º ) .

Não bast asse ist o, quando se fala de “font e independent e” ( quer- se, com o na velha j urisprudência dos conceit os, bloquear a int erpret ação pela definição legal, im aginando ser ist o possível ou j á se

sabia e se fez de propósit o?) , quem dirá o que são “t râm it es t ípicos e de praxe, próprios da invest igação ou inst rução crim inal”, nos t erm os do § 2º ?

Enfim , o que era bom do art . 157 foi vet ado, ist o é, o § 4º : “O j uiz que conhecer do cont eúdo da prova declarada inadm issível não poderá proferir a sent ença ou acórdão.” E t udo em nom e do

concret o escopo das reform as, pelo m enos do que se vê das “razões do vet o”: “im prim ir celeridade e sim plicidade ao desfecho do processo”; m esm o que o preço para t ant o sej a avilt ar a dem ocracia processual- const it ucional.

Dest e m odo, preferível t eria sido não se reform ar nada, deixando- se a CR const ruir a sua hist ória. Em um a reform a global que m udasse o sist em a, j am ais se cogit aria de preceit os com o est es.

O se gu n do pon t o, por fim , consist e no discurso polít ico j ust ificador das reform as e decorre da

adoção ( ainda! ) de prem issas falsam ent e sim ilares ( por evident e que dent ro da Filosofia da

Consciência) para t rat ar de fenôm enos aut ônom os e dist int os que são os obj et os das disciplinas do

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sist em a diverso ( o que significa um princípio unificador diverso) , um cont eúdo do processo diverso e

um a diversidade est rut ural em cada elem ent o da t rilogia fundam ent al ( j urisdição/ ação/ processo) , não

há que se cogit ar sobre um a t eoria, m uit o m enos geral. Ela, quando aparece, sem pre acaba t endo os

post ulados do DPC aplicados ao DPP, o que invariavelm ent e significa a ut ilização de um a lógica pat rim onial e privat ist a nest a dim ensão do direit o em cuj o desenrolar se vive e se m orre, que é o

processo penal.

Daí, cert am ent e, falar- se t ant o em reform as em prol da “celeridade”, com o se a quest ão do t em po,

aqui, fosse equivalent e, por exem plo, ao “perecim ent o de um bem”. Assim , se t em diferenças

est rut urais, há que se opt ar, sem m eias palavras, por um processo penal de defesa social, t ípico dos

regim es aut orit ários, ou por um processo penal const it ucionalizado, garant idor dos direit os do

acusado, lim it ador da violência do Est ado; e est e últ im o, com o é evident e, é incom pat ível com

anseios de “celeridade” no sent ido de se condenar m ais rápido ou se “acalm ar a sociedade”,

exat am ent e porque seu escopo é garant ir que só se puna por m eio de um processo legal devido, com

a observação do cont radit ório e dos direit os da defesa. E para t ant o, não cabe a pressa.

Se a salvaguarda dos direit os e garant ias individuais no processo penal é o m elhor crit ério pelo qual se pode m edir o grau de civilidade de um povo (PI SAPI A, Gia n D o- m e n ico. Com pendio de

Procedura Penale. 4ª ed., Padova: Cedam , 1985, p. 26) , m ais cuidado se pede ao se reform ar aquele

que t alvez sej a, dent re t odos os ram os do direit o, o que m aior im pact o exerce sobre a vida hum ana e

especialm ent e sobre aquela vit im ada pela desigualdade no acesso às condições m ínim as de vida.

Falar apenas em celeridade com o parâm et ro de j ust ificação polít ica nest e caso é m ais um a

reafirm ação do princípio da eficiência que paut a os sist em as penais em t em pos de neoliberalism o.

Pode- se, inclusive, argum ent ar que a principal causa da t ão falada “m orosidade” sej a ligada aos problem as infra- est rut urais do próprio Po- der Judiciário, com o por exem plo a carência de m agist rados e servent uários, o que vem t am bém dem onst rar com o a quest ão não se dá nem se soluciona no plano norm at ivo, t am pouco com o rigor da lei. Passa o t em po e, nest e t em a, ainda se carece, no

Brasil, da Accadem ia dei Pugni, dos irm ãos Ve r r i e de Be cca r ia.

I nfelizm ent e, no ent ant o, é, no fundo, o anseio punit ivo que paut a e m ot iva as reform as parciais, em

que pese o espírit o dem ocrát ico ( sincero) de m uit os dos aut ores das idéias reform ist as; e é por isso que o país cont inua assim : porque se reform a e se reform a para não m udar nada, seguindo na crença que se m elhora com m ais pena, m ais prisão, m ais punição. Faz- se reform a pelas m udanças que, de fat o, só se darão quando m udar a base epist êm ica. Cont udo, quant o sabem , de fat o, os j urist as, de epist em ologia? Se é preciso, efet ivam ent e, m udar o sist em a, not a- se que não é algo sim ples nem fácil: é inquisit ório, foi inquisit ório, e se t u- do se reduzir à aprovação dest as reform as parciais, cont inuará inquisit ório.

Por evident e, m uit o m ais proveit oso t eria sido reut ilizar o Proj et o Frederico Marques, com t udo que a

ele se aport ou para, lim pando- o das excrescências inquisit órias, const ruir- se algo m ais próxim o dos post ulados const it ucionais e, assim , com hum ildade ( sem a qual não se vai adiant e

dem ocrat icam ent e) , esperar que se est abeleça um a “cu lt u r a a cu sa t ór ia” ( eis a m udança da m ent alidade, por t odos reclam ada) e, dest art e, possa- se fazer um novo Código de verdade.

Necessário, port ant o — e m ais que isso, urgent e —, é ousar pensar em um a reform a global, o que

significa dizer: um novo Código de Processo Penal. Se ele não vier, pelas razões de sem pre — a

serviço de algum a ideologia —, fat alm ent e se poderá, j á em curt o espaço de t em po, conferir- se os result ados alcançados com est as quest ionáveis reform as parciais, desde logo com cheiro de “m esm a

coisa”, por sinal algo que pode ser feit o, hoj e, com a lei dos Crim es Hediondos, RDD e t oda a gam a incoerent e de um a legislação puram ent e repressivist a,a qual elege alguns, engana out ros e faz sofrer

(6)

Not a

( 1) “Art . 156. A prova da alegação incum birá a quem a fizer, sendo, porém , facult ado ao j uiz de ofício: I – ordenar, m esm o ant es de iniciada a ação penal, a produção ant ecipada de provas

consideradas urgent es e relevant es, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da m edida; I I – det erm inar, no curso da inst rução, ou ant es de proferir sent ença, a realização de diligências para dirim ir dúvida sobre pont o relevant e.”

Ja cin t o N e lson de M ir a n da Cou t in h o

Professor t it ular de Direit o Processual Penal na Faculdade de Direit o da Universidade Federal do

Referências

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