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Identidades e expressões de género: trabalho de projeto para famílias de crianças com comportamentos de género não normativos

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Academic year: 2021

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Departamento de Psicologia Social e das Organizações

Identidades e Expressões de Género: Trabalho de projeto para famílias

de crianças com comportamentos de género não-normativos

Hugo Rafael da Silva Ricardo

Trabalho de Projeto submetido como requisito parcial para obtenção do grau de

Mestre em Psicologia Comunitária e Protecção de Menores

Orientadora:

Doutora Carla Moleiro, Professora Auxiliar, ISCTE-IUL

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II

Agradecimentos

Agradeço à professora doutora Carla Moleiro, não apenas pela sua orientação ao longo de todo o trabalho realizado, mas também pela sua forma de ser e de estar, pelas suas palavras e boa-disposição que motivam sempre a fazer mais e melhor. A professora é, decerto, o maior pilar que tornou possível completar esta viagem.

Às professoras do mestrado que, ao longo de dois anos, nos deram as ferramentas essenciais e o apoio para nos tornarmos profissionais dos quais o ISCTE se poderá orgulhar.

Aos colegas e às colegas de psicologia e de outras áreas, que possibilitaram uma visão mais abrangente com base em diferentes perspetivas.

Agradeço à minha família. Mãe, pai, irmã, irmão e sobrinhas. Sem o vosso apoio, jamais estaria onde me encontro. Obrigado por acreditarem em mim e por estarem sempre presentes. Obrigado pelas palavras de ânimo que foram determinantes neste último ano, mesmo nas alturas em que o trabalho me deixou mais nervoso e difícil de aturar.

Aos meus amigos, minha segunda família. Em especial, ao Pedro Marques e ao Miguel Vargues. Obrigado pelo vosso apoio incondicional. Obrigado por acreditarem em mim e me incentivarem sempre a ser cada vez melhor.

Um especial agradecimento aos jovens, às mães, ao pai e à avó que participaram na avaliação de necessidades. Obrigado pela vossa disponibilidade, pelo vosso interesse no meu trabalho e pelas vossas palavras. Obrigado pela vossa preocupação para com os mais novos e pelas gerações seguintes.

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III

Resumo

Embora a literatura em Portugal sobre crianças com comportamentos de género não-normativos seja reduzida, o número de pedidos de ajuda de pais e mães tem vindo a aumentar consideravelmente nos últimos anos. Devido a uma pressão por parte da sociedade para que as crianças se comportem de acordo com o sexo que lhes foi atribuído à nascença, muitos pais referem dificuldades e receios acerca da forma como devem apoiar as suas crianças e protege-las do meio social envolvente. Considerando tanto as necessidades das crianças e jovens, como as dos pais, realizou-se uma avaliação de necessidades que contou com a participação de nove jovens LGBT, cinco mães de jovens LGBT, e um pai e uma avó de crianças com comportamentos de género não-normativos. Do ponto de vista metodológico, foi realizado um grupo focal com cinco jovens LGB- e onze entrevistas individuais aos restantes participantes. Procedeu-se a uma análise de conteúdo, após a transcrição das entrevistas, da qual surgiram 13 categorias divididas entre recursos e dificuldades dos jovens e dos pais. Com base nos resultados obtidos desenhou-se um programa de intervenção constituído por dois projetos que visam (i) promover conhecimento e maior sensibilização à comunidade para a educação sobre questões de género e o seu desenvolvimento na infância e adolescência; e (ii) promover a capacitação de pais e mães de crianças com identidades de género distintas, para ajudarem as suas crianças a explorar e afirmar as suas identidades de género.

Palavras-chave: identidade de género; género não-normativo; questões de género; infância e adolescência.

Códigos PsycINFO:

2970 Sex Roles & Women's Issues

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IV

Abstract

Although the existent literature in Portugal about gender nonconforming children is scarce, the number of parents who ask for help has been increasing over the last few years. Due to a pressure from society towards children to conform and act according to their birth assigned sex, many parents report difficulties and fears about how they should support their infants while protecting them from society. Considering the needs of children and youth and the needs of the parents, an assessment of needs was assembled with nine LGBT young people, five mothers of LGBT youth, one dad and one grandmother of gender nonconforming children. From a methodological perspective, one focus group was assembled with five LGB- young people and eleven interviews with the rest of the participants. An analysis on the transcribed interviews was made, from which 13 categories emerged and were divided into two different groups: resources and difficulties of youth and parents. With the obtained results, an intervention program was designed, consisting of two projects, which aim to (i) promote knowledge and awareness to the community about gender issues in infancy and adolescence, and (ii) to promote parental and social skills that will allow these parents to help their children explore and affirm his or her gender identity.

Keywords: gender identity, gender nonconforming, gender issues, infancy and adolescence.

PsycINFO Classification Categories:

2970 Sex Roles & Women's Issues

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V

Índice

Resumo ... III Abstract ... IV

I. INTRODUÇÃO ... 1

1.1. Definição e justificação do problema ... 1

1.2. Apresentação do trabalho ... 2

II. ENQUADRAMENTO TEÓRICO ... 3

2.1. Identidades de género ... 3

2.2. Heteronormatividade – desafiando a norma ... 4

2.3. Cisgénero e transgénero ... 5

2.4. Disforia de género ... 6

2.5. Dentro de casa vs. fora de casa ... 7

2.6. Necessidades das crianças e dos/as pais/mães ... 8

2.7. O trabalho dos/as técnicos/as junto da família ... 10

III. AVALIAÇÃO DE NECESSIDADES ... 3

3.1. Enquadramento ... 15 3.2. Participantes ... 15 3.3. Instrumento ... 15 3.4. Procedimento de recolha ... 17 3.5. Análise de conteúdo ... 18 3.6. Resultados ... 18

IV. DESENHO DO PROGRAMA ... 21

4.1. Modelo Teórico de Processo ... 21

4.2. Modelo Lógico ... 22 4.3. Objectivos gerais ... 22 4.4. Destinatários ... 23 4.5. Programa ... 23 4.5.1. Projecto I ... 24 4.5.1.1. População-alvo ... 24 4.5.1.2. Objetivos ... 24 4.5.1.3. Atividades ... 24

4.5.1.3.1. Para Além do Nosso Corpo – O Nosso Género ... 24

4.5.1.4. Stakeholders ... 26

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VI 4.5.1.6. Outputs ... 26 4.5.1.7. Outcomes ... 27 4.5.2. Projeto II ... 27 4.5.2.1. População-alvo ... 24 4.5.2.2. Objetivos ... 24 4.5.2.3. Atividades ... 24

4.5.2.3.1. Famílias de Diferentes Géneros ... 28

4.5.2.3.2. Apoio individualizado ... 30 4.5.2.4. Stakeholders ... 30 4.5.2.5. Recursos ... 30 4.5.2.6. Outputs ... 30 4.5.2.7. Outcomes ... 31 4.6. Riscos e limitações ... 32 V. AVALIAÇÃO DO PROGRAMA ... 33

5.1. Avaliação geral do programa ... 33

VI. CONCLUSÕES E DISCUSSÃO DO TRABALHO ... 35

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 38

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VII

Índice de Tabelas

Tabela 3.1. Categorias e frequências do grupo de jovens LGBT

... 19 Tabela 3.2. Categorias e frequências do grupo de pais e familiares

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I. INTRODUÇÃO

1.1. Definição e justificação do problema

Informação documentada sobre crianças com comportamentos de género não-normativos em Portugal é muito escassa. Atualmente, os dados que se encontram disponíveis para consulta são relatórios realizados pela associação AMPLOS que presta apoio e auxílio a pais e mães destas crianças desde 2013 (AMPOS, 2014; 2016), e que demonstram um aumento no número de pais e mães que procuram ajuda junto a esta associação.

Relativamente à literatura existente, esta releva que os pais e as mães tendem a atribuir uma identidade de género à sua criança assim que sabem qual o seu sexo, ainda durante a gravidez ou processo de adoção (Kane, 2006). Sabemos ainda que quando a identidade e a expressão de género da criança não vão ao encontro das expetativas dos pais e das mães e daquilo que estes consideram como sendo adequado, essa identidade e expressão serão fatores de ansiedade e frustração nos adultos, estes que muitas vezes não sabem como lidar com a sua criança (Fields, 2001).

Contrastando com esta quebra das expetativas que os pais e as mães criam para o futuro dos/as seus/suas filhos/as, outras poderão surgir. Receando que as suas crianças possam ser homossexuais, alguns autores (Griffiths, 2002; Hill & Menvielle, 2009; Meyer, 2008, citado por Slesaransky-Poe & García, 2009) sugerem que os pais e as mães aparentam ser mais benevolentes para com as suas filhas, chegando até mesmo a incentivar comportamentos de género não-normativos, do que para com os seus filhos do sexo masculino (Kane, 2006; Griffiths, 2002).

Embora haja pais e mães que procurem fugir ao que são os papéis tradicionais de género, Kane (2006) sugere que muitos tendem a encorajar as suas crianças para se conformarem, diferenciando desde muito cedo aquilo que é para meninos e aquilo que é para meninas (i.e., roupas e brinquedos).

A falta de informação sobre crianças com identidades e expressões de género não-normativas pode ter repercussões negativas não só para a família, mas também para a sociedade. Isto contribui para que muitas famílias não saibam como lidar com os/as próprios/as filhos/as, assim como lidar com o meio social envolvente, que também não tem os conhecimentos necessários para que estas crianças sejam bem integradas (Riley, Sitharthan, Clemson & Diamon, 2013).

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Assim, o objetivo geral para este trabalho de projeto é desenhar um programa de intervenção sobre questões de género ligadas à infância e que ajude estes pais e estas mães, promovendo uma capacitação para que por si possam ajudar as suas crianças a explorar a sua identidade de género num ambiente saudável.

1.2. Apresentação do trabalho

O presente trabalho de projeto encontra-se dividido em seis capítulos, sendo o primeiro a presente introdução.

O segundo capítulo deste trabalho apresenta um retrato do estado de arte, analisando a literatura existente acerca da temática do projeto. O terceiro capítulo é dedicado à avaliação de necessidades realizada, no qual é descrita e fundamentada a metodologia utilizada, assim como a população-alvo e os resultados obtidos. O quarto capítulo descreve o programa, tendo por base o modelo teórico de processo e o modelo lógico, diferenciando os diferentes elementos do modelo lógico: problema, recursos, atividades, outputs e outcomes. Apresenta-se ainda a descrição das atividades de acordo com os dois projetos propostos, assim como os respetivos stakeholders, produtos finais e resultados a curto, médio e longo prazo. Faz-se ainda uma ponderação acerca dos possíveis riscos e limitações que poderão existir aquando da implementação do programa, e sugere-se formas de contornar esses obstáculos. O quinto capítulo detalha a avaliação do programa para ambos os projetos. O sexto e último capítulo trata uma reflexão crítica acerca do trabalho desenvolvido, apresentando as conclusões retiradas do mesmo.

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II. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2.1. Identidades de género

Desentrelaçar os conceitos de orientação sexual, identidade de género e expressão de género é uma tarefa importante que deve estar continuamente presente ao longo de todo o desenvolvimento da criança. Enquanto a orientação sexual se refere à atração romântica e sexual que sentimos por outras pessoas, a identidade de género diz respeito à forma como nos vemos a nós próprios, dentro do espetro masculino-feminino, como pertencendo ao género masculino ou ao feminino, ou a ambos; ou ainda, a nenhum (Brill & Pepper, 2008). A orientação sexual abarca a heterossexualidade, a homossexualidade e a bissexualidade. Por si, a identidade de género engloba a cisexualidade e a transexualidade. Uma pessoa que se identifique transsexual pode identificar-se com qualquer uma destas orientações sexuais (Ehrensaft, 2011). A expressão de género compõe toda e qualquer forma de expressão através da qual refletimos a nossa identidade de género. Ou seja, comportamentos de género. Isto comporta, por exemplo, maneirismos, cortes de cabelo, roupa utilizada (Brill & Pepper, 2008) que são tipicamente atribuídos ou expetáveis de indivíduos de um determinado género (Beek, Cohen-Kettenis & Kreukels, 2016).

Apesar de, na maior parte dos casos, as pessoas se identificarem com o sexo que lhes foi atribuído à nascença, em alguns casos dão-se incongruências entre o género e o sexo da pessoa (Beek, Cohen-Kettenis & Kreukels, 2016). Uma identidade de género é tida como não-normativa quando esta difere das normas culturais prescritas às pessoas de um determinado sexo, dentro de uma determinada sociedade e contexto histórico (Caenegem, et. al, 2015), independentemente da sua orientação sexual (Ehrensaft, 2011).

A identidade de género e a orientação sexual fazem parte do desenvolvimento integral de qualquer criança. Num contexto macrosistémico marcado pela heteronormatividade, assume-se comummente que as crianças assume-se irão identificar, em termos de género, com o assume-sexo que lhes foi atribuído à nascença e que virão a ser heterossexuais. Num conjunto de 42 entrevistas feitas a pais e a mães, Kane (2006) afirma que muitos adultos encorajam comportamentos de género expectáveis do sexo masculino às suas filhas, quando pequenas, embora grande parte critique estes comportamentos quando falam dos seus rapazes. Apenas alguns dos pais e algumas das mães que falavam dos seus filhos rapazes fizeram uma ligação entre os comportamentos de género das crianças e a sua orientação sexual, afirmando uma preocupação com a possibilidade de estes serem homossexuais.

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Quando vemos um menino que gosta de brincar com bonecas, tendemos a duvidar da sua orientação sexual (Meyer, 2008, citado por Slesaransky-Poe & García, 2009), como se o seu brinquedo preferido tivesse o poder de prever e confirmar a sua orientação sexual. Se estamos a falar de conceitos relacionados entre si, mas independentes, então é seguro afirmar que a identidade de género não dita a orientação sexual (Slesaransky-Poe & García, 2009), ao contrário do que nos diz o senso comum. Suportando esta lógica, Brill e Pepper (2008) dizem-nos que as crianças tomam consciência das suas identidades de género bastante cedo, desempenhando comportamentos de género desde bebés (Ehrensaft, 2013); e em contrapartida, tornam-se cientes da sua orientação sexual por volta dos dez anos de idade. Um estudo realizado por Kennedy e Hellen (2010), que contou com a participação de 121 adultos de identidades de género diversas, sugere que as pessoas têm primeiro consciência de que a sua identidade escapa à norma por volta dos cinco anos de idade, em média.

2.2. Heteronormatividade – desafiando a norma

De um ponto de vista social, existe toda uma convenção acerca do que se entende por género, sexualidade e parentalidade. A isto chamamos heteronormatividade, ou seja, a prevalência da heterossexualidade enquanto a prática sexual que é “normal” (Jackson, 2006), expectável, juntamente com a identidade de género, como decorrente do sexo biológico (Schilt & Westbrook, 2009). Por outras palavras, espera-se que o sexo atribuído à nascença determine de imediato a identidade de género e orientação sexual da criança. Assume-se então que somos homens ou mulheres, e heterossexuais (Dierckx, Motmans, Mortelmans & T'sojen, 2016).

As crianças variam imenso na forma como demonstram as suas expressões de género, comportamentos, interesses e preferências (Ristori & Steensma, 2016). Quando os/as filhos/as quebram esta expetativa, os pais e as mães poderão sentir-se culpados, inseguros e preocupados quanto ao futuro dos/as seus/suas filhos/as, tendo em conta aquilo que é visto como normativo (Fields, 2001), o que é patológico e muitas vezes apontado como fruto de uma disfunção da família (LaSala, 2000). Estas crianças cujas identidades de género escapam ao que é tido como normativo e nos demonstram que o masculino e o feminino não são conceitos fechados mas passíveis de se alterarem mutuamente, são crianças criativas no sentido em que, situando-se neste espetro dicotómico, são capazes de pegar nos papéis atribuídos tradicionalmente a ambos os sexos, e integrá-los em novos papéis (Slesaransky-Poe & García, 2009). Quando falamos de crianças transgénero, devemos dar também uma especial

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atenção ao seu discurso. Muitas crianças expressam um desejo em pertencerem ao sexo oposto, ou afirmam sê-lo (Brill & Pepper, 2008). Cabe ao técnico o papel de orientador que ajudará a família pelo percurso de descoberta da sua criança, pela sua identidade de género.

2.3. Cisgénero e transgénero

Apesar de vivermos numa sociedade na qual é expetável que sejamos cisgénero, isto é, que nos identifiquemos com o sexo que nos foi atribuído à nascença (Nieder, Elaut, Richards & Dekker 2016) e que nos comportemos em conformidade com tal, nem sempre isso acontece.

Ser-se transsexual significa que a identidade de género não corresponde ao sexo atribuído à nascença (Brill & Pepper, 2008). Tome-se, por exemplo, uma criança a quem foi atribuído o sexo masculino à nascença e que, durante o seu desenvolvimento, veio a identificar-se com o género feminino. Quando falamos de uma pessoa a quem foi atribuído o sexo feminino à nascença, mas cuja identidade de género é masculina, estamos então a falar de um “homem trans”, e de uma “mulher trans” quando a situação é ao contrário (Nieder, Elaut, Richards & Dekker 2016). Porém, estas definições servem-nos meramente para sabermos do que estamos a falar e a melhor percebemos estas questões de género. Referir o estatuto “trans” é uma ferramenta necessária para se esclarecer aquilo que de se está a falar, uma vez que nos estamos a referir a pessoas - pessoas estas que se identificam como homens e como mulheres, cuja condição “trans” não tem necessariamente que ser enunciada no seu quotidiano.

Como já foi referido, não existe uma relação entre a identidade de género e a orientação sexual. Existem inúmeras combinações de identidades de género e orientações sexuais. Um indivíduo transexual pode identificar-se como sendo heterossexual, homossexual ou bissexual (Brill & Pepper, 2008).

Mais uma vez vemo-nos confrontados por uma outra dicotomia: cisgénero versus transgénero. Contudo, aqui podemos falar de uma dicotomia ilusória, no sentido em que ao falarmos de transgénero, mais rapidamente pensamos em pessoas que se identificam com outro sexo que não o sexo que lhes foi atribuído à nascença. Devemos ter a noção de que uma pessoa pode movimentar-se livremente por entre um espetro. Neste caso, mover-se entre o masculino e o feminino ao mesmo tempo (identificando-se ora com um, ora com outro). Ou até mesmo, sair desse espetro binário, rejeitando qualquer noção de género (Nieder, Elaut, Richards & Dekker 2016). Exemplo desta complexidade é o estudo de Kuyper e Wijsen (2014) cujos resultados demonstram que 4.6% das pessoas a quem foi atribuído o sexo

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masculino à nascença, e 3.2% a quem foi atribuído o feminino reportaram uma identidade de género ambivalente, identificando-se com ambos os sexos simultaneamente. E 1.1% das pessoas a quem foi atribuído o sexo masculino à nascença e 0.8% a quem foi atribuído o feminino reportaram uma identidade de género incongruente, identificando-se com o sexo oposto.

Pessoas que sentem uma incongruência entre a sua identidade de género e o sexo atribuído à nascença, podem transitar para a identidade de género com a qual se identificam apenas socialmente, ou podem procurar tratamento para alinhar o seu corpo à sua identidade de género, através de tratamentos hormonais e cirurgias (Kreukels & Guillamon, 2016).

2.4. Disforia de género

A disforia de género, anteriormente designada por perturbação da identidade de género (APA, 2000) trata-se, de acordo com a quinta edição do DSM (APA, 2013), da existência de sofrimento clinicamente relevante que decorre de uma “incongruência entre o género experienciado/expresso e o género atribuído”. Por outras palavras, traduz-se no eventual sofrimento subjetivo de alguém que experiencia uma inconsistência entre a identidade de género do indivíduo e o sexo que lhe foi atribuído à nascença (Beek, Cohen-Kettenis & Kreukels, 2016).

As alterações em termos de critérios de diagnóstico e de nome retiram alguma carga estigmatizante pela ideia de não estarmos a falar de identidades de género patológicas. Na literatura surgem debates sobre a permanência deste diagnóstico no decorrer do processo, uma vez que reforça o estigma social, mas permite o acesso aos serviços de saúde (ver Moleiro & Pinto, 2015; Drescher, 2014).

Quanto à disforia de género no caso de crianças, uma questão fulcral no aconselhamento é o resultado do seu desenvolvimento psicossexual. Por outras palavras, se se irão identificar como homossexuais, bissexuais ou heterossexuais sem experienciarem uma incongruência de género (cisgénero), ou se irão manifestar uma disforia de género persistente e que se intensifique ao longo do tempo (Ristori & Steensma, 2016). Uma disforia de género diagnosticada na infância não resulta irrevogavelmente numa disforia de género na adolescência ou na idade adulta (Steensma, Biemond, de Boer & Cohen-Kettenis, 2011). É importante referir que uma abordagem única não é a melhor prática para crianças com disforia de género. Deve-se ter em conta diferentes tipos de abordagens de acordo com as necessidades de cada criança. Em particular, o desenvolvimento da identidade de género da

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criança, assim como as características psicossociais da sua família (i.e., sistema de crenças, comportamentos de suporte, acesso ao serviço de saúde) devem ser variáveis presentes (Ristori & Steensma, 2016) de modo a irmos de encontro ao interesse superior da criança.

2.5. Dentro de casa vs fora de casa

As crianças apercebem-se bastante cedo das diferenças que a sociedade impõe entre o que significa ser rapaz, e o que significa ser rapariga (Kennedy & Hellen, 2010). A consciência desta separação ganha maior forma quando entram nas escolas. A pressão imposta pelas regras sociais, que são altamente reforçadas em todos os contextos nos quais as crianças vivem, alimentam em si a ideia de que ser diferente é socialmente inaceitável o que, consequentemente afeta a forma como se expressam. Isto poderá gerar um processo de internalização, quando as crianças creem que algo de errado se passa consigo (Kennedy & Hellen, 2010).

Se a criança perceciona o seu meio envolvente como intolerante a estas questões de diversidade de género, será mais provável que a mesma opte por suprimir a sua identidade, optando por se esconder (Kennedy & Hellen, 2010). O próprio assumir de toda uma identidade acaba por ser uma faca de dois gumes. A aceitação de outros é um fator determinante que contribui para uma autoestima saudável e fortalece a forma como a criança se vê. Mas quando o assumir resulta em reações negativas por parte de terceiros, muitas vezes vindas da própria família (Ehrensaft, 2013), a força que levou a criança a contar, poder-se-á transformar em medo, levando-a a crer que esconder a sua identidade de género é a melhor opção. É comum, por vezes, generalizar-se esse medo a todas as pessoas (Kennedy & Hellen, 2010).

Está então definido o quão cruciais os pais são. Fica por delinear a fronteira que delimita quem a criança é dentro de casa, e o quanto de si poderá demonstrar para além da porta de entrada. Uma das maiores preocupações que muitos pais e muitas mães reportam é a escola (Brill & Pepper, 2008), preocupações como o bullying e abandono escolar marcam bastante os seus discursos. Outros conflitos internos incluem questionar-se se são a causa da “diferença” das suas crianças, e também um inevitável confronto com os seus próprios preconceitos (Pyne, 2016).

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2.6. Necessidades das crianças e dos/as pais/mães

Num primeiro inquérito realizado com vinte e nove profissionais que trabalhavam com pessoas transgénero (Riley, Sitharthan, Clemson & Diamond, 2011) e mais tarde, num segundo, realizado a 170 pessoas – pais, adultos transsexuais e técnicos – (Riley, Sitharthan, Clemson & Diamond, 2013) listaram-se quais seriam as dificuldades e necessidades que as crianças com identidades de género não-normativas sentem, assim como as dificuldades e necessidades de pais e mães destas crianças. Os desafios que estas crianças enfrentam são:

 O reconhecimento da diferença – confusão e sofrimento subjetivo pela incongruência entre a identidade de género e o sexo atribuído à nascença; confusão por os outros não as verem como elas se veem a si mesmas; medo de não serem creditadas e não saberem como perceber a sua situação ou o que fazer.

 A reação dos outros – medos de rejeição e desapontar o pai e a mãe; solidão e não ter amigos; estigmatização; bullying e medo de ir à escola.

 Falta de suporte – devido à desaprovação dos pais e das mães; falta de reconhecimento e acesso aos serviços; sentirem-se incompreendidas por verem a sua realidade negada;

sentirem-se erradas, culpadas, ansiosas, baixa autoaceitação, depressão, necessidade de se esconderem, ideação suicida; não saberem como lidar com pressões para a conformidade.  Preocupações com o futuro – medo da adolescência e de uma puberdade que não é desejada.

Segundo os autores, as necessidades das crianças com uma identidade de género não-normativa são as seguintes:

 Ser ouvida – poder discutir questões relacionadas com género com os seus pais, e que estes as oiçam.

 Ser aceite – ser valorizada, respeitada e amada incondicionalmente pelos pais e ser referida pelo pronome que se adequa ao seu género.

 Ter acesso a um suporte profissional – acesso a profissionais médicos e de

aconselhamento, com o conhecimento e prática em reconhecer a variância de género, aptos para realizarem intervenções.

 Ter contacto com pares – ter oportunidade de conhecer outros/as com as mesmas características, ter acesso a grupos de suporte, quer seja presencial ou virtualmente, a fim de reduzir sentimentos de solidão e aprender diferentes formas de lidar com a sua situação e fazer amizades.

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 Ter acesso à informação – fontes de informação e programas relacionados com variância de género disponíveis gratuitamente em bibliotecas, escolas e noutros locais públicos.

 Não sofrer de bullying, ser culpada, punida ou descriminada – o direito em ser-se tratada com igualdade, sem medo ou ansiedade, e não ser pressionada para se conformar com os estereótipos de género; poder afirmar a sua diversidade; ter as mesmas oportunidades que as outras crianças; ter potencial para um futuro de sucesso.

 Ter liberdade de expressão – permitir que a criança tome decisões quanto à sua apresentação, escolha do vestuário, amigos e atividades, com a flexibilidade de ter uma expressão de género fluída.

 Sentir-se segura – segurança e proteção de abuso e violência.

Relativamente aos pais e às mães destas crianças, os autores (Riley, Sitharthan, Clemson & Diamond, 2011; 2013) apontam como desafios (derivados da falta de informação e recursos disponíveis):

 Descrença inicial, confusão, vergonha; incompreensão.

 Não saberem o que fazer, como e se devem apoiar a variância de género da sua criança.

 Medo em tomarem a decisão errada para a sua criança.  Estigma social, preconceito e pressão para a conformidade.

 Preocupação pela segurança e saúde emocional, mental e física da sua criança.  Necessidade em ajustar as suas expetativas relativamente ao futuro da criança. Identificaram-se as seguintes necessidades dos pais e das mães destas crianças:

 Informação – documentos sobre crianças com identidades de género não-normativas e as suas famílias; dados empíricos recentes publicados nos meios de comunicação; guias e estratégias sobre parentalidade. Existe uma lacuna que muitos pais e muitas mães identificam, não sabendo que existem outras formas de se viver o género.

 Educação – dirigida a profissionais de saúde, escolas, pais/mães e programas

comunitários. O objetivo da educação é aumentar o conhecimento e consciência geral acerca da variância de género.

 Apoio da família e amigos/as – um ambiente que proporciona respeito, compaixão, ajuda e encorajamento por parte da família e de amigos/as, permite aos pais e às mães lidar com e gerir as necessidades da sua criança.

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 Aconselhamento – como meio que proporciona compreensão e orientação para pais, mães e outros familiares.

 Apoio por parte de profissionais – necessidade de um diagnóstico e tratamento para as crianças quando estas entram na puberdade.

 Apoio por parte dos pares – contacto com outros pais e mães de crianças com identidades de género não-normativas e acesso a grupos de apoio, quer seja presencial ou virtualmente, ajuda a que estes não se sintam sozinhos. Isto também proporciona apoio emocional e a oportunidade para aprender mais acerca de questões com as quais os outros pais tiveram que lidar.

 Apoio por parte da comunidade – assistência e aceitação por parte de grupos religiosos, escolas e maior tolerância pela sociedade no geral.

 Acesso a pessoas transgénero – visibilidade e retratos positivos de indivíduos transgénero.

 Suporte financeiro que permita aos pais e às mães suportarem os custos relacionados com o acesso a profissionais de saúde.

 Suporte legal e governamental – importância de uma consciência por parte de políticos e líderes para o reconhecimento dos direitos dos pais, das mães e dos seu/suas filhos/as, sobretudo em questões de proteção.

Pyne (2016) sugere que a maior parte dos pais e das mães assume que a criança acaba por naturalmente se identificar com o sexo que lhe foi atribuído à nascença, e reforça ainda a necessidade que muitos têm em encontrar outras famílias como as suas e procurar relações positivas para a sua criança.

2.7. O trabalho dos/as técnicos/as junto da família

Uma vez que a família desempenha um papel fundamental no desenvolvimento de qualquer criança ou jovem, contribuindo significativamente para a saúde e bem-estar dos mesmos (Steinberg & Ducan, 2002), uma intervenção adequada às necessidades da família poder-se-á demonstrar imprescindível em alturas de crise. Esta intervenção deve focar-se não apenas na criança, como também nos seus pais. Alguns pais e algumas mães aceitam e têm atitudes face aos comportamentos de género diversos dos/as seus/suas filhos/as, apoiando-os/as a expressarem a sua identidade de género (Pyne, 2016). Mas aceitar não significa que se saiba exatamente que caminhos percorrer, ou as respostas para melhor saber lidar com as crianças.

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Intervir junto das famílias trata-se de uma aprendizagem, não apenas para a família, como também para o/a próprio/a técnico/a que poderá carecer de informação sobre o assunto. Uma estratégia alternativa à qual muitos pais e mães recorrem, passa por falarem com outro tipo de

experts, consultando pessoas que viveram e vivem experiências de diversidade de género

(Pyne, 2016).

No trabalho a desenvolver junto de pais e mães com crianças com identidades de género diversas, alguns autores (Ehrensaft, 2007, 2013; Egan & Perry, 2001) refletem sobre quais as melhores práticas e perspetivas: sugerem que se queremos saber qual o género da criança devemos perguntar-lhe, uma vez que apenas esta pode afirmar quem é; o pai e a mãe podem ter pouco controlo sobre a identidade de género da sua criança, mas são fundamentais para a sua saúde e bem-estar e para o desenvolvimento dessa mesma identidade; estas crianças não sofrem de nenhum tipo de perturbação, apenas demonstram uma variação de género saudável; a identidade de género é geralmente imutável, e governa diversos aspetos das nossas vidas. Deve-se procurar ajudar os pais e as mães a perceberem que não têm culpa e que não poderão fazer nada para que a sua criança mude a sua identidade de género, mas que a sua conduta influenciará a forma como a criança se vê a si própria (Brill & Pepper, 2008).

De acordo com Steinberg e Ducan (2002), pais e cuidadores precisam de quatro coisas para facilitarem o desenvolvimento saudável da sua criança: ter informação básica acerca das alterações de desenvolvimento normativo da criança, de modo a que consigam compreender melhor e sejam capazes de responder aos seus comportamentos; ter informação básica acerca dos princípios de uma parentalidade efetiva durante os anos da adolescência, de modo a adaptarem-se às mudanças de necessidades e características da criança; perceber que e como é que os próprios e a família muda, para além da criança, durante o período da adolescência; suporte de outras instituições sociais.

Perceber e ir atrás daquilo que os pais já sabem sobre as suas crianças é uma orientação fundamental para a intervenção. Apesar das dificuldades enfrentadas, muitos pais e muitas mães sabem que estão certos, pelas experiências subjetivas das suas crianças relacionadas com a comunicação não-verbal, linguagem corporal e afeto. Para muitos, a maior fonte de conhecimento é o afeto da criança, em particular, as mudanças que ocorrem quando a criança sente que a sua identidade de género é respeitada (Pyne, 2016).

Trazer o vocabulário adequado para cima da mesa ajuda tanto o pai e a mãe, como a criança a perceberem aquilo com que estão a lidar. A idade média em que estas crianças têm conhecimento de todo um vocabulário dirigido para estas questões (como por exemplo,

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aprender o conceito transexual) é aos quinze anos de idade. Por não serem capazes de darem um nome à forma como se sentem e se veem, poderão sentir-se como se fossem as únicas a serem como são (Kennedy & Hellen, 2010). Este esclarecimento de conceitos acaba por ser fundamental, trazendo uma informação mais rica para os lares destas crianças, contribuindo não apenas para uma melhor compreensão e aceitação por parte dos seus pais e das mães, como também uma maior compreensão que estas crianças poderão construir de si próprias.

Vários especialistas na área da saúde mental apontam para uma lista de sintomas que se assemelham às fases do luto (Kubler-Ross, 1969, citado por Savin-Williams & Dubé, 1998; Pyne, 2016): negação, raiva, negociação, depressão, aceitação; derivado da queda de expectativas e sonhos que os pais e as mães desenham para os/as seus/suas filhos/as. Esta noção de luto torna-se mais imponente em famílias cuja criança se identifica enquanto transgénero. Falamos de um luto que, para os pais e para as mães, se trata da perda de um/a filho/a. Mas é também um luto único, no sentido em que não é compreendido pela sociedade (Brill & Pepper, 2008). Não se trata de um luto resultado da morte real de alguém, mas resultado do assumir de uma identidade (da criança) inesperada, que muda a realidade da família.

Embora isto não seja linear para todos pais e todas as mães (Savin-Williams & Dubé, 1998), esta evidência deixa claro que nestas situações, é necessária uma abordagem que apele tanto aos/às filhos/as como aos próprios pais.

Relativamente à forma como os pais e as mães reagem face à identidade e expressão de género da sua criança, Ehrensaft (2007) classifica-os em duas categorias: (i) pais e mães facilitadores: pais e mães que permitem aos/às filhos/as explorar e exprimir a sua identidade de género de forma saudável, ajudando-o/a a adaptar-se ao mundo; e (ii) pais e mães obstrutivos: pais e mães que não aceitam, condenam a identidade de género não-normativa do/a filho/a e agem de forma a que a criança não a siga.

Esta classificação demonstra também que é possível existir um desacordo entre pais que podem ter diferentes visões acerca de comportamentos de géneros diversos e orientações sexuais (Malpas, 2011). Quando temos um pai ou uma mãe que encoraja à sua criança que explore de forma livre e saudável a sua identidade de género, e outro que tenta suprimir o/a seu/sua filho/a, podemos estar a criar um ambiente que leve a criança viver uma vida dupla (Ehrensaft, 2010). Estes desacordos constantes podem levar a uma rutura na vida do casal, podendo culminar na sua separação, assim como na deterioração da relação entre o pai, a mãe e a criança (Malpas, 2011). Como consequência, a criança poder-se-á sentir responsável pelos

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efeitos na relação entre os seus pais, apenas por tentar ser quem é. Em casos de divórcio, a criança pode acabar por desempenhar o papel de objeto numa luta pela custódia, muitas vezes desencadeada por pais e mães obstrutivos (Ehrensaft, 2011). Encontrando-se no meio de conflitos e desacordos, faltará à criança um espaço neutro necessário, no qual esta possa explorar a sua verdadeira identidade de género, sem pressões externas (Ehrensaft, 2010).

A rejeição e a aceitação por parte dos pais e das mães têm um efeito significativo no desenvolvimento destas crianças, como demonstrado por Ryan e colegas (2009), que descrevem uma ligação entre a rejeição dos pais e das mães, e comportamentos de risco por parte dos jovens LGB. De acordo com os resultados obtidos, 54,7% da amostra reportou ter tido, pelo menos, um problema relacionado com abuso de substâncias, e 40,6% reportou ter executado, pelo menos uma vez, uma tentativa de suicídio. Maiores números de experiências de rejeição parental estariam mais associados com problemas de saúde agravados. Jovens adultos LGB que reportaram maiores níveis de rejeição por parte dos seus pais e das suas mães estariam 8.4% mais predispostos/as a passarem por uma tentativa de suicídio; 5.9% a reportarem maiores níveis de depressão; 3.4% a reportarem um uso ilegal de drogas e envolverem-se em relações sexuais sem proteção, quando comparados/as com jovens com baixos níveis de rejeição, ou sem níveis de rejeição. Este estudo demonstra ser fundamental ajudar famílias a identificarem e reduzirem comportamentos específicos de rejeição.

Num outro estudo sobre aceitação parental (Ryan et al, 2010), jovens que reportaram níveis mais baixos de aceitação apresentam resultados piores para depressão, abuso de substâncias, ideação e tentativa de suicídio, indo ao encontro dos resultados obtidos no estudo acerca da rejeição parental. Participantes de famílias com altos níveis de aceitação reportaram menos pensamentos suicidas (18.5%) do que os participantes de famílias com baixos níveis de aceitação (38.3%). A prevalência de tentativas de suicídio entre os participantes cujas famílias eram mais aceitantes é quase metade (30.9%) dos participantes cujas famílias não demonstraram tanta aceitação (56.8%). Jovens que reportaram maiores níveis de aceitação apresentaram maiores e melhores resultados na autoestima, suporte social e saúde no geral. Saghir & Robins (1973, citados por Ben-Ari, 1995) relacionam esta aceitação com um maior nível de abertura na relação dentro da própria família, assim como de intimidade e partilha.

Ryan e colegas (2010) sugerem uma lista de comportamentos e atitudes de suporte que ajudam as famílias a promoverem o bem-estar dos/as seus/suas filhos/as:

 Falar com a criança sobre a sua identidade de género;  Expressar afeto quando a criança fala sobre o seu género;

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 Advogar para a sua criança, quando esta é maltratada por causa da sua identidade de género;

 Requerer que outros membros da família respeitem a criança;  Convidar amigos/as LGBT da criança à sua casa;

 Apoiar a sua expressão de género;

 Acreditar que a sua criança pode ter um futuro feliz apesar da sua identidade de género. Apesar da escassa informação existente em Portugal, a literatura denuncia uma série de fatores que influenciam o desenvolvimento das crianças que evidenciam comportamentos de género não-normativos, e enfatiza a importância que a aceitação dos pais e das mães têm para estas crianças. Partindo daquilo que são as experiências subjetivas das crianças, dos pais e das mães, surge esta proposta de projeto que procura dar resposta às necessidades dos pais reconhecidas na literatura.

Apresentamos no próximo capítulo a avaliação de necessidades que esteve na base da criação do programa.

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III. AVALIAÇÃO DE NECESSIDADES

3.1. Enquadramento

A presente avaliação de necessidades, na qual assenta esta proposta de projeto, foi realizada com o intuito de identificar não apenas as dificuldades pelas quais estes/as jovens passam no seu quotidiano, mas também compreender o lado dos pais e das mães, e as adversidades que os mesmos enfrentam. Outros objetivos são caraterizar as dificuldades enfrentadas pelos/as jovens no passado (durante a infância e a adolescência), perceber de que forma a questão do coming out é abordada dentro das famílias e identificar fontes de apoio a diferentes níveis dentro da comunidade.

Tendo como base os dados recolhidos através de entrevistas semiestruturadas, propõe-se um programa de intervenção constituído por dois projetos. Um primeiro de índole informativa e um segundo, interventivo.

3.2. Participantes

Para a avaliação de necessidades do programa, participaram nove jovens, cinco mães, um pai e uma avó, perfazendo um total de 16 participantes.

O critério de inclusão para os jovens foi: identificarem-se como homossexuais, bissexuais ou transexuais. Os critérios de inclusão para os pais, as mães ou familiares próximos foram: identificarem-se como heterossexuais, e ter conhecimento da orientação sexual ou identidade de género do/a seu/sua filho/a enquanto LGBT.

Os nove jovens encontraram-se divididos em dois grupos distintos: cinco jovens que se identificavam como LGB e quatro que se identificavam como transsexuais. Os participantes tinham idades compreendidas entre os 17 e os 36 anos, sendo a média de idades de 24 anos.

Quanto aos pais, às mães e familiares próximos que foram incluídos na amostragem, três tinham filhos que se identificavam como LGB, um pai e uma avó de crianças com comportamentos de género não-normativos e duas mães de jovens que se identificavam como transsexuais. As idades dos participantes variaram entre os 43 e os 61 anos, com uma média de 57 anos.

3.3. Instrumento

Atendendo aos objetivos descritos, optou-se por se realizar uma avaliação de necessidades qualitativa. O instrumento escolhido foi a entrevista, cujo guião foi construído

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com base na literatura existente (Braun & Clarke, 2006), uma vez que se trata de um método de investigação que permite ao/à investigador/a ter acesso a uma informação mais rica e detalhada acerca das experiências e pontos de vista dos/as participantes sobre um determinado assunto (Turner, 2010).

Os dados foram recolhidos através de entrevistas semiestruturadas, pois permitem alargar o diálogo para além do guião, com base em questões de resposta aberta e possibilitando o levantamento de dúvidas ou observações, quer por parte do/a entrevistado/a, quer por parte do/a entrevistador/a (DiCicco-Bloom & Crabtree, 2006).

Numa primeira fase, recorreu-se ao grupo focal para se realizar estas entrevistas, por ser um método que permite explorar conhecimentos e experiências de um determinado grupo de pessoas, que incentiva ao debate e a uma maior troca de ideias que permitem aceder a diferentes formas de ver a mesma questão (Kitzinger, 1995). Embora o/a entrevistador/a não seja um/a agente passivo/a (Kitzinger, 1995), participando também no diálogo, a discussão em grupo permite que as pessoas não apenas partilhem as suas experiências, como oiçam as de outras pessoas e comentem sobre as mesmas (Kitzinger, 1994).

Devido a constrangimentos com a disponibilidade e horários dos participantes, foi apenas possível realizar-se um grupo focal com cinco jovens que se identificaram como LGB (anexo A). No caso das jovens transsexuais, o difícil acesso a esta população foi o fator que levou à realização de entrevistas individuais.

Embora se tenha tratado de um grupo de jovens homogéneo, o grupo focal possibilitou uma discussão bastante interativa, durante a qual os participantes não se limitaram apenas a falar das suas experiências pessoais, como fizeram perguntas uns aos outros e, devido à natureza da temática abordada, trocaram palavras de incentivo e apoio. No final do grupo focal, uma participante disse:

“Eu queria, não é em relação ao estudo, mas só queria dizer que eu não falo muito sobre isto. Sobre a minha sexualidade. Eu não tenho muitos amigos LGBT, e foi bom estar aqui e poder falar de coisas que eu nem tinha falado com ninguém e sentir que não sou a única e sentir apoio de outras pessoas. Por isso, obrigado.”.

As restantes entrevistas realizadas foram entrevistas semiestruturadas, individuais (Anexos B, C e D). Embora estas entrevistas não possibilitassem uma troca de ideias entre participantes, as questões abertas permitiram um diálogo mais fluído entre o entrevistador e o/a participante. Uma vez que estamos a falar de um assunto que está constantemente presente

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na vida de cada um dos participantes, rapidamente se levantaram diferentes perceções relativamente à problemática em questão.

Os guiões foram previamente construídos de acordo com as características dos/as participantes, tendo-se desenvolvido um guião para cada grupo. Explorou-se o background familiar de cada participante, assim como a sua orientação sexual ou identidade de género (ou dos/as filhos/as, no caso das entrevistas realizadas a pais) durante a infância e durante a adolescência. Fizeram-se questões que abordassem também a sociedade, dificuldades vivenciadas e fontes de apoio. Para finalizar, pediu-se aos/às participantes, sugestões para a criação desta proposta de projeto.

3.4. Procedimento de recolha

Após ter-se definido qual seria a amostra e quais os seus critérios de inclusão, consultaram-se duas organizações que pudessem indicar participantes que se se enquadrassem nos critérios pré-definidos: a AMPLOS e a rede ex aequo.

Posteriormente, contactou-se pessoalmente cada um dos participantes para que se lhes fosse explicada a natureza do projeto e os seus objetivos, e pedir o seu consentimento.

Realizou-se um grupo focal em Março com a presença de cinco pessoas, e as restantes entrevistas individuais entre Março e Julho. O grupo focal, assim como algumas entrevistas individuais, tiveram lugar no ISCTE-IUL, em salas previamente requisitadas. As restantes entrevistas decorreram via Skype e noutros espaços não públicos.

Aquando das entrevistas e do grupo focal, foi pedido a cada participante que assinasse o termo de consentimento informado1 (anexo E) e um formulário sociodemográfico onde era questionado: a idade, o sexo, a identidade de género, habilitações literárias, agregado familiar, número e idade de irmãos (no caso dos jovens), idades dos pais, situação profissional dos pais.

As entrevistas foram gravadas para posterior transcrição e análise. O grupo focal teve uma duração aproximada de duas horas e as entrevistas individuais duraram, aproximadamente, meia hora cada.

1 Dado a natureza do trabalho, não seria requisitada a assinatura de nenhum dos pais ou responsáveis por participantes menores de idade.

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3.5. Análise de conteúdo

Posterior à transcrição das entrevistas e do grupo focal, seguiu-se a análise dos dados, baseada na criação de categorias e uso de excertos exemplificativos (Bardin, 2004; Braun & Clarke, 2006). Esta categorias foram inseridas num dicionário (anexo F) que apresenta o nome de cada categoria, assim como o seu significado, seguido de exemplos dados pelos/as participantes que ilustram a presença de cada categoria. O dicionário de categorias apresentado em anexo surge de uma análise consensual realizada com o objetivo de se chegar a um consenso com a supervisora deste estudo relativamente às categorias definidas (Hill, Thompson & Williams, 1997; Hill et. al, 2005).

3.6. Resultados

Decorrente da codificação das respostas enunciadas pelos participantes, criaram-se 13 categorias, divididas em dois temas. O primeiro tema, “recursos dos jovens e dos pais” engloba as seguintes categorias: conhecimentos sobre questões de género, apoio na família, rede de suporte social, estratégias dos pais, e contacto.

O segundo tema, “dificuldades dos jovens e dos pais” abrange as categorias: falta de informação, crenças e estereótipos, rejeição, internalização do preconceito e autoimagem, falta de abertura para falar com os pais, falta de apoio, gestão de conflitos, e atitudes negativas de profissionais.

As categorias enunciadas foram analisadas pela sua frequência e foram divididas em dois grupos: jovens e pais/familiares.

No grupo de jovens, foram realçadas nos discursos de todos, as categorias: conhecimento sobre questões de género, rejeição, e falta de abertura para falar com os pais. Por outras palavras, todos os jovens referiram meios através dos quais adquiriram conhecimentos sobre questões de género, como por exemplo, a definição da sua própria orientação sexual ou identidade de género (“Nunca ninguém me tinha explicado nada e as primeiras vezes que

ouvi foi mesmo na escola.”). Contrastando com esta categoria, mais de metade apontou para

uma discrepância entre a altura em que se apercebe da orientação sexual ou identidade de género e a altura em que aprende o conceito associado ao mesmo (categoria: falta de informação) (“Quando era criança, tinha 5-6 anos, eu já sabia que algo estava errado. Mas

não sabia o que era. Só vim a saber quando tinha 19 anos.”). Isto poderá remeter para a rede

de suporte social (reportada por mais de metade dos participantes), que enunciaram a sua rede de suporte não só como meio de apoio, mas também como fonte de conhecimento (“Falei

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com um amigo na internet (...), depois a partir daí começou a ser mais fácil.”). As categorias

rejeição (“(...) aquilo resultou em ele dizer que ‘um gay é um paneleiro e o meu filho não é

paneleiro, portanto eu não tenho um filho.”) e falta de abertura para falar com os pais (“(...) quando se fala disso, ela fala mal, mas mal de pessoas homossexuais.”) encontram-se

bastante presentes no discurso de todos. Ambas as categorias poderão estar interligadas, uma vez que se os jovens sentem que os pais não serão facilitadores aquando o seu coming out, poderão sentir maiores entraves para falarem com os mesmos. Ao mesmo tempo, a falta de abertura para falar com os pais poderá aumentar receios de rejeição que o/a jovem terá.

Tabela 3.1. Categorias e frequências do grupo de jovens LGBT

Ausentea Varianteb Típicac Gerald

Recursos

Conhecimentos sobre questões de género 

Apoio na família 

Rede de suporte social 

Estratégias dos pais 

Contacto 

Dificuldades

Falta de informação 

Crenças e estereótipos 

Rejeição 

Internalização do preconceito e autoimagem 

Falta de abertura para falar com os pais 

Falta de apoio 

Gestão de conflitos 

Atitudes negativas de profissionais

a. Categorias reportadas por 0 participantes.

b. Categorias reportadas por menos de metade dos participantes. c. Categorias reportadas por mais de metade dos participantes. d. Categorias reportadas por todos os participantes.

No grupo de pais, a rede de suporte social foi a única categoria referida por todos, que explicaram a importância do apoio de familiares e amigos (“Tenho amigos muito próximos

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20

(...) com quem o L. se comporta como quer.”). A categoria contacto foi enunciada por mais de

metade dos participantes, que expressou como uma fonte de apoio essencial o contacto com outros pais que vivem situações parecidas com as dos/as participantes (“O que mudou foi

partilhar experiências e conhecer histórias que não são histórias do outro lado do Atlântico (...)”). A categoria crenças e estereótipos foi reportada por mais de metade dos pais (“Nós achávamos que era uma coisa que ia passar. Assim como toda a gente acha.”). Esta categoria

surgiu da ideia que os/as participantes tinham a respeito da orientação sexual e identidade de género dos/as seus/suas filhos/as como “uma fase”.

Tabela 3.2. Categorias e frequências do grupo de pais e familiares

Ausentea Varianteb Típicac Gerald

Recursos

Conhecimentos sobre questões de género 

Apoio na família 

Rede de suporte social 

Estratégias dos pais 

Contacto 

Dificuldades

Falta de informação 

Crenças e estereótipos 

Rejeição 

Internalização do preconceito e autoimagem  Falta de abertura para falar com os pais 

Falta de apoio 

Gestão de conflitos 

Atitudes negativas de profissionais  a. Categorias reportadas por 0 participantes.

b. Categorias reportadas por menos de metade dos participantes. c. Categorias reportadas por mais de metade dos participantes. d. Categorias reportadas por todos os participantes.

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IV. DESENHO DO PROGRAMA

4.1. Modelo Teórico de Processo

O modelo teórico utilizado para o desenvolvimento do presente programa surge da literatura e dos dados obtidos no decorrer da avaliação de necessidades.

O modelo baseia-se na hipótese de contacto de Allport (Allport, 1979), que sugere que o contacto com um grupo marcado por estereótipos negativos, irá reduzir crenças e preconceitos sobre esse mesmo grupo. Porém, alguns autores (Bowen & Bourgeois, 2001; Pettigrew & Tropp, 2008) defendem que o contacto por si só não será suficiente para reduzir o preconceito, e sugerem outros tipos de intervenções, como por exemplo, seminários e conferências.

Uma meta-análise que incluiu 515 estudos (Pettigrew & Tropp, 2006; 2008) demonstra um efeito positivo do contacto na redução do preconceito em diferentes grupos minoritários. Pettigrew e Tropp (2008) defendem ainda que o contacto terá um maior impacto na redução do preconceito, se o grupo maioritário tiver conhecimento prévio acerca do grupo estigmatizado. No mais, a interação entre o grupo maioritário e o grupo minoritário, quando criada em torno de um objetivo em comum, é um processo essencial que permite a mudança de comportamentos, reduzir ansiedade ao gerar sentimentos positivos face ao grupo minoritário. Esta aproximação entre ambos os grupos enfatiza ainda as diferenças individuais, levando o grupo maioritário a reconhecer o grupo minoritário como semelhante a si (Pettigrew, 1998).

A par com a geração de conhecimento, o modelo envolve também uma conscientização sobre as questões de género e o desenvolvimento de competências (Rutter, Estrada, Ferguson & Diggs, 2008) enquanto motores de mudança (Tyler, Jackman-Wheitner, Strader & Lenox, 1997). Segundo Campinha-Bacote (2002), a conscientização refere-se ao processo de reconhecimento dos preconceitos que o próprio indivíduo tem e das suas assunções acerca dos outros. O conhecimento é o processo de procura e obtenção de evidências empíricas sobre a problemática. O processo de desenvolvimento de competências trabalha a capacidade em discernir informação relevante para o problema e executar um determinado comportamento com base nessa informação.

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4.2. Modelo Lógico

Uma das técnicas mais utilizadas na conceção e avaliação de programas consiste no desenho de um modelo lógico. De acordo com Julian (1997), o modelo lógico trata-se de uma ferramenta que permite concetualizar e compreender as relações estabelecidas entre resultados a curto-prazo e a longo-prazo. O modelo descreve também resultados a médio-prazo, assim como descrimina os recursos do programa, atividades a desenvolver e os respetivos outputs, e qual a população-alvo (McCawley, s.d.).

A criação de um modelo lógico traz benefícios para o desenvolvimento de qualquer programa, uma vez que simplifica a compreensão do programa e das expetativas dos seus recursos, destinatários e resultados (McLaughlin & Jordan, 1999), cria uma linguagem comum; reconhece os constrangimentos do programa (Taylor-Powell & Henert, 2008).

Passamos a descrever detalhadamente os objetivos gerais e específicos do programa, assim como cada elemento do modelo teórico desenvolvido (anexo G).

4.3. Objetivos Gerais

O presente programa de intervenção tem como objetivos gerais:

 Promover conhecimento e uma maior sensibilização à comunidade no geral para a educação sobre questões de género e o seu desenvolvimento na infância e adolescência.

 Promover a capacitação de pais e mães de crianças com identidades de género distintas, para ajudarem as suas crianças a explorar e afirmar as suas identidades de género.

Especificamente, o programa pretende desenvolver dois projetos, correspondentes aos objetivos gerais supracitados. Num primeiro projeto, pretende-se fornecer informação relevante à sociedade acerca das questões de género, desmistificar crenças acerca do género, e dar apoio a pais e mães de crianças com identidades e expressões de género não-normativas.

Numa vertente interventiva, no segundo projeto, os objetivos específicos são ajudar os pais e as mães a desenvolver competências e estratégias de coping (nomeadamente, ajudá-los/as, por um lado, a lidar com a sua criança, e por outro, a lidar com a sociedade), fornecer informação relevante sobre estas questões e identificar o suporte da família e da criança, enquanto entidades facilitadoras no processo de descoberta da identidade de género da criança.

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4.4. Destinatários

Refletindo os resultados obtidos na avaliação de necessidades, considerou-se pertinente direcionar o projeto I para profissionais que trabalham com crianças, famílias e interessados nas questões de género e de educação. O projeto II destina-se a famílias de crianças com comportamentos de género não-normativos.

A maior parte dos/as jovens que participaram na avaliação de necessidades apontaram para uma falta de conhecimento sobre as questões de género (i.e., “(...) na minha casa a

palavra sexo ou todo o teor sexual é proibido.”) e relatam comportamentos negativos e até

mesmo de rejeição por parte dos pais (i.e., “Disse-me que ele não tinha filho (...)”). As jovens que se identificaram como transsexuais referiram dificuldades com profissionais de saúde até certo ponto no desenrolar dos seus processos (i.e., “(Ele não era nada simpático. (...)

disse-me que íamos ficar naquilo 4-5 anos a ver como é, porque disse-lhe que não sentia atração por rapazes, mas que queria fazer as cirurgias e tomar hormonas. E disse-me que eu era um homossexual não assumido. Depois dessa, desisti.”).

Uma vez que vivemos em sociedade e as questões de género existem para além das casas destas famílias, parece pertinente uma educação pública. Esta educação deverá auxiliar os pais e as mães que precisam de ajuda, e capacitar profissionais e técnicos/as que lidam com crianças, para que consigam responder adequadamente às suas necessidades (Menvielle & Tuerk, 2002).

4.5. Programa

De forma a dar resposta aos objetivos definidos e às necessidades avaliadas, tendo presentes os diferentes públicos-alvo e a pertinência do contexto da ocorrência da intervenção, desenhou-se um programa composto por dois projetos:

 O primeiro projeto destina-se à comunidade alargada.

 O segundo projeto, sendo de índole interventiva, destina-se a famílias de crianças com comportamentos de género não-normativos.

Ambos os projetos assentam em atividades específicas, que incluem ações de sensibilização e treino de competências. Os diferentes elementos de cada projeto serão seguidamente descritos.

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4.5.1. Projeto I

4.5.1.1. População-alvo

Este primeiro projeto destina-se a famílias no geral, a profissionais que trabalham diretamente com crianças e a interessados/as nas questões de género e de educação.

4.5.1.2. Objetivos

Objetivos Gerais:

 Dar informação relevante a diferentes agentes da sociedade acerca das questões de género.

Objetivos Específicos:

 Fornecer informação relevante acerca das questões de género a pais e mães, a técnicos/as de áreas que lidam direta ou indiretamente com crianças e a interessados/as pela temática;

 Desmistificar crenças acerca do género;

 Prestar apoio a jovens e a pais e mães de crianças com identidades e comportamentos de género não-normativos.

4.5.1.3. Atividades

O projeto I será realizado através de um conjunto de ações de formação, sob o título Para

Além do Nosso Corpo – O Nosso Género. As sessões serão organizadas pela equipa

responsável do projeto.

4.5.1.3.1. Para Além do Nosso Corpo – O Nosso Género

A intervenção feita junto da comunidade será desenvolvida através de ações de formação destinadas a pais e mães, profissionais e interessados/as, e serão realizadas em escolas de Lisboa.

Estas sessões serão planeadas e executadas pela equipa responsável pelo projeto, tendo por base o modelo teórico de competências multiculturais (Sue, Arredondo & McDavis, 1992) e no modelo para a competência cultural (Campinha-Bacote, 2002). Ambos os modelos reconhecem a conscientização, a adquirição de conhecimento e o desenvolvimento de competências enquanto dimensões indispensáveis para uma intervenção nos diferentes contextos do cliente. Campinha-Bacote (2002) acrescenta duas dimensões no seu modelo:

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encontros culturais e desejo cultural. A primeira refere-se ao processo no qual o/a técnico/a entra diretamente em contacto com pessoas de culturas diferentes da sua. A segunda traduz-se na motivação do/a técnico/a em querer fazer parte deste processo.

A execução de cada sessão será planeada para um espaço de tempo entre quarenta a sessenta minutos (Advocates for Youth, 2008).

Serão desenvolvidas cinco sessões (anexo H). A primeira sessão, sendo introdutória, terá como principal finalidade apresentar o programa, proporcionar um momento de interação entre os participantes e fazer um levantamento de noções e conceitos que os participantes têm acerca das questões de género. A segunda sessão tem como objetivo dar aos participantes informação e desmistificar estereótipos e preconceitos. No seguimento da sessão anterior, será levantado um debate com base na atividade realizada previamente (ver em anexo), contando com a participação dos oradores. Com a terceira sessão pretende-se fazer um levantamento das dificuldades das pessoas LGBT no quotidiano e ao longo do seu desenvolvimento. O tema da quarta sessão prender-se-á sobre atitudes e comportamentos por parte da família e de ambientes organizacionais. Serão abordados comportamentos a ter e a evitar, como por exemplo, deixar a criança/jovem falar; fazer perguntas apropriadas, tendo em conta a relação que se tem com a criança/jovem. Exemplos de comportamentos e atitudes negativos serão: não usar linguagem ofensiva; não apressar o discurso nem interromper (Perry, 2012). A quinta e última sessão tem como objetivo criar um documento em conjunto com os participantes, no qual estarão descritos os conceitos discutidos ao longo das sessões, respostas dadas (pelos oradores e pelos participantes) às questões que os participantes tinham antes de terem feito parte das sessões e foram colocando durante as mesmas, e uma lista de quais as atitudes e comportamentos que se devem ter, e quais evitar, em diferentes contextos quando se abordam questões de género.

Havendo a possibilidade de, no decorrer de uma sessão, um/a jovem, um pai ou uma mãe se dirijam a algum elemento da organização para pedirem ajuda, deverá estar presente na equipa responsável pelo projeto, um/a técnico/a com capacidade para lidar com problemáticas relacionadas com a temática das sessões. Consoante o pedido de ajuda, o/a técnico/a poderá intervir diretamente com a pessoa (i.e., esclarecimento de dúvidas pessoais) ou direcioná-la a uma instituição como, por exemplo, a ILGA. Caso o/a técnico/a opte por uma intervenção junto da família, o caso será remetido para o segundo projeto.

A divulgação do projeto foi planeada para o começo do ano letivo, e a sua execução em janeiro no ano seguinte (anexo I), atendendo às celebrações da época natalícia e passagem de

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ano. A avaliação do projeto será realizada desde o início do mesmo, e terá continuação após o seu término.

4.5.1.4. Stakeholders

Os stakeholders serão as escolas nas quais as sessões serão realizadas, os participantes e organizações em Lisboa orientadas para questões de género.

4.5.1.5. Recursos

Para a realização das ações de formação, serão necessários diferentes recursos. Como recursos humanos, serão necessários enquanto oradores: um/a jovem transsexual, um jovem e uma jovem homossexuais, um/a jovem bissexual, um pai e/ou uma mãe de um/a jovem transsexual, um pai e/ou uma mãe de um/a jovem homossexual, um/a profissional com competências a nível das questões de género; dois/duas formadores/as, uma pessoa responsável pelo projeto que trate do contacto com as instituições que poderão ceder o espaço, convidar oradores e que medeie a apresentação de dúvidas ou comentários por parte do público. Serão ainda necessários um/a técnico/a pronto/a a dar resposta a qualquer pedido de ajuda e dois/duas formadores/as para a realização das sessões.

Ao nível do espaço, será necessária uma sala ampla, na qual se poderão realizar estas ações, e uma sala na qual o/a técnico/a e a pessoa que fez o pedido de ajuda se possam reunir. Os recursos materiais para as sessões são: mesas e cadeiras, tanto para o público como para os oradores, microfones, um projetor, um computador, ligação à internet, colunas de áudio, uma cópia dos filmes mencionados, folhas de papel, canetas, material informativo (i.e., panfletos), garrafas de água. Para as reuniões será necessário: uma mesa, quatro cadeiras, garrafas de água, lenços de papel, material informativo (i.e., panfletos).

4.5.1.6. Outputs

Com a realização do projeto I, especula-se o desenvolvimento de cinco sessões numa primeira edição.

Pretende-se avaliar todas as sessões, de forma a perceber o impacto do projeto nos participantes. Isto será feito no final de casa sessão.

Poderão surgir parcerias com instituições e entidades LGBT de Lisboa, atendendo ao convite do/a técnico/a e dos oradores que poderão estar relacionados com alguma instituição LGBT.

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Tabela 3.1. Categorias e frequências do grupo de jovens LGBT

Referências

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