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O brasileiro : ausência e presença no Portugal oitocentista

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Os

Bra~ileiros

de

Toma-Viagem

no Noroeste de Portugal

(3)
(4)

O

Brasileiro: Ausência

e Presença no

Portugal Oitocentista

1. De Colónia a Estado independente

0

Brasil assume-se, no Pomigal do século XIX r inicios do ?iX, como o espaça mais féml para as loci~braçães do irnaginásio mas, simultaneamente, coino a referência mais pre- sente nas diversas vertentes da vida nacional desse período. A responsabilidade para essas marcas indeléveis tem de se atribuir à peimanência do signiftcado do espaço brasileiro para os diferentes aspectos da vida portuguesa mas, essencialmente, pela criação da personagem que deixou as suas marcas na realidade social portuguesa - o Brasileiro, isto é, o emi- grante português regressado do Brasil.

As primeiras marcas da nossa contempormeidade são indissociáveis da realidade colonial bra- sileira que, por momentos (1807-1821) e face à presença do rei, assmne o papel de metrópole. Esse inesperado protagonismo vai eatapultar o Brasil para uma nova identidade que lhe permitirá romper com as cadeias do colonialismo (1822) apesar dos VeWzos do Restelo, sob a forma de constitucionalistas, que tardaram a perceber a inevitabiidade da separação:

.A Nação Portuguesa é a união de todos os Portugueses de ambos os hemisférios

O seu

território forma o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (. . ) a ' .

Reconhecida a independência em 1825 -depois de a maioria dos países europeus o já terem feito desde 1822 -havia que assumir todas as consequências desse ainício de ausência* de um espaço que nos arrastou, historicamente e demdo às suas riquezas, para uma desacm-

dFato e sapatos de Homem

selhável políftca de transporte.

A

lucidez de Moiisinho da Silveira, na legislação revolucio- Pbvoa de Museu nária de 1832, encarregar-se-á de provocar a passagem do ciclo das conquistas ao das acti- de c &&na

[eat na 59/60]

vidades produtivas: ( h r o N U ~ D Fe~eram)

<O

Reino viveu por mais de três séculos do trabalho dos escravos, e perdidos estes era pre- ciso criar uma nova maneira de existir, multiplicando os valores pelo trabalho próprio

(...I.

(5)

Apenas os portos do Brasil se abriram a todos, e deixou de existir o monopólio relativo e de enii-ar a riqueza qne ali adquiriam muitos portuguems para a ii-azer para Lisboa, Portugal desceu para os abismos ainda mais do que tinha subido na época gloriosa (...).

Portugal náo pode contin~w a ser Nação independente sem dar grande impulso ao trabalho

e

indústria

de Sua Povoação (...).x1.

A

aceita60 inequívoca da necessidade de encararmos a nossa antiga colónia numa outra perspectiva, aliada a uma relativa estabiidade política e à necessidade de apostarmos numa efeciiva poiítica de fixação, permitirá aferir a nossa capacidade de rentahilizarmos as poten- cialidades do

País.

Cedo o desengano veio tomar conta das melhores expectativas e dos melhores quadros que se traçaram para o necessário desenvolvimento. Cedo o crescimento demopáfico, apesar de lento, pressionou e expeliu .excedentes> populacionais. Em breve os governos civis veriam crescer as

Glas

dos candidatos a emigrantes (legais) e os nossos portos se viram povoados de uma população ávida de um lugar para a aventura.

Depois da presença do Brasil-colónia na História portupesa, esta poderia também começar a reservar um espaço para os portugueses que, do outro lado do Atlântico, esperavam encontrar o que a Metrópole ávara lbes escamoteava, devolvendo-ihe cinicamente, e sempre que possível de forma generosa, aquilo que ela ihes negava

-

a esperança de uma vida digna.

.(...I

Homens, mdheres e crianps de todas as condições atravessaram o Atlântico na expec- tativa de alguma melhoria, uns responsabilizando o país e o seu tecido social, muitos empurrados pela família, outros assumindo eles próprios a decisão de emigrar. Nuns caos prevaleceu o isolamento e

a

individualidade, noutros casos, porém, a família mobilizou-se, concentrou esforços para permitir a emipção, quantas vmes se endividou! (...)rq.

A

emigração para o Brasil foi um fenómeno permanente na nossa História e que sobreviveu até à década de 60 do século

XX

como um destino prioritário e, nalgnm momentos, quase exclusivo. Neste sentido o espaço brasileiro enquanto local de destino, potenciador de sonhos na Metrópole irrealizáveis e válvula de escape, tanto do crescimento demográfico como da incapacidade de absor@o pelo apareIho produtivo, assumiu-se como uma referência obrigatória da nossa História contemporânea. Será suficiente termos presente as condições que suportavam em muitas das viagens que se realizavam na segunda metade do século

XIX

(6)
(7)

Ilrli.iilai do Ci,iiiIi <I<. SH<i I%ciilo [,i.. <i51 1 i.ir,>. 16 ri11 Jfilii~ lliiiis clc\ P I I I I I ~ a ~ ~ i i ~ v ~ i ~ i i r as i/(>.s~~.i~iji,.s C~I.I;I;K~C~IS t~lissis iio\~r~s 14eiiiriit1~1~

s;iii,;i (:ali, ,Ia \liii.i-ii.iii.<li&i < l i , I'<ii.i<i

[(::L(. $1" 1871 (lii s i ~ ~ i ( ~ i l a i l ( ~ ~~iti~(:iiitisi:i e. ~ol~rt~tiiilo., 1111iii111ia. :\ siia c~hrti i.~!i~,tiia o s ir& ii11~1h [ i i t i i ~ f'r~.qiir~i- ( I ? , I I ~ : \xtnn Fccvcrriv<>) tis dacliiiles qiie i.eti,riiairi

i

Piiiizi: o I>lrlsi/ei~n i.riiii.;tn ,111i' 1xissoii LI \i\". ilr iriicliiiiriitos ila

l ~ ~ ~ , , l ~ ~ ~ i t ~ c l n i l r ~iiol~ilitíiia (jiiios) c il:i i~iic~l~iliiíria (rrii(Ins): (I l~~.c~.sili,;ru iiii11ri?iri1~1 ~qiir ziIirt,r+i ti siiti iii~\.a \,i\Giicia iios Iiirros (Ia riiil~rr~sa I ~ L I I . (,ria oii iiiiiileiiiizs: i. r i I'i.acssaarlo [liir 515 iioii\c a1iiai.yiu.a rlr iiiiia r~~neiiêiiria iiial siirriliila". Eiri Eço ilc (Jiirii.65 pii\ ili-$;i->r ;i ~,onsil,iliilnilc qiic o 13rahiI a11i.c arii i l u ~ ilescjaiii irciilIci.ai. hriiiiias iiinl :rriilas ri11 P o i i i i p l - r ( ...) Uive clii- $ti por rsirs dias ii Idishon

i..)

ii iii Baiíli(l (11. Rriio (...) qiir riliiio 6 .isl,irlo. iiiilie ~iariiili~ 11z11.a o Brasil. oii(lr sr rliz rer<iiisiit~iíia n siin rortiriia coiii i i i i i Iiii~irz~rlo irnljnllio ( . . . ) a - . hlas I'i<;ii.i i r s e i ~ a r l a 1isi.s 1iYlG a iIcscri<ir, iiisis ci.iia c iiiais vivciiri;iila rlo siyiiifica~li~ c l i i i i i i lracassii. i~iiipoiii.nil« i i r i i i i ilc~iliiiliclo 41aiiiirI ilii Roiiya I, i.r~iiata~li~ riiiL/~~i;rc~~t/('s rle k'erir~ira rlc (:asrio: «( ...) iiisiiiiti\-aiririitr I I ? I S - ~ P a esaiiiiiiar ;i S L K ~ rasa. rlieiki ilt' leitis (Ir aiaiil~a. 17 à 1iix ilif'iisa (Ia caideia rle azeitp. cliie li-eiriia SOIJI.P os \ e l l i ~ s ~ii;l\-eis C ~ ~ I I I I C I I ~ > S ~ I S . siiiiiii-a aiiicla iiiais iiiiii- i.ávcl. iiiais I ~ u l ~ i r c vazia ilo ,1ur C I C u l r i x a r a ao 11ariu I1ai.a a coiiqiiista ilu ~ i i m (...)»".

2 1 iiiiagriii ili- socisso oii uiqiices.;o viiiuia~ia pelzi liici.aiiiia rriiain a ri3<.aliiln<li- ilii iiiugra$ác~ Ihi.a>ilciia [Ia Cpora :

c( ...) Pode dizer-si cloe d i 100 iiirli\líclooi. rliie riiiisraiii. rrjirrssaiii apeiias 30. [dos rliiaih 20 vol~niii ião pol>~.i; ioiiio I'oi.aiii r coiii ;i saíl(lr <Irteriuracla. 13 cuin pecliiriios capitais e siili- ciriiirs apeiias para eslahrlrcrreiii a siia iiirlústiia eiii iiiclliorcs iwiidiq6i.s. 1111 ioiri~ii.ai.erii alyiiiiia l~rol,riedacli lias localiilacles de i~iirlr siío iiatiirais. e .5 coiii l ~ o s i foriiiiias ( . . . ) , > ' I .

(8)

Estudos recentes de confronto com muitos outros dados, nameadamefite de análise dos

pedidos de passaportes e de acompanhamento dos percursos de alguns emigrantes, apontam

para valores de retornos que oscilam entre 40 e 60%, reiterando por um lado a unportância daqueles que regressam e abandonando a ideia de <hemorragia* demográfica que tinha apenas em conta o movimento de saídasI0

3.

O Retorno

do

BrnsiIeir.~

e ( ...) Feliciano tinha quarenta e sete anos (...)a1'.

a( ) Saira criança da aldeia e fora tentar a Fortuna no Brasil. Por lá esteve quarenta anos e voltou o homem grave que vemos e rico (...).".

O retomo faz-se entre os 40 e os 50 anos, dependendo da sorte na estadia no Brasil, das oportunidades de investimento em Portugal ou da resignação sobre a impossibilidade de melborias com o prolongamento da estadia. Para lá de muitas idas e vindas, nomeadamente dos empresários de sucesso ligados sobretudo à actividade comercial, enlre os 42 e os 50 anos o objectivo primordial era estabilizar no saudoso espaço pátrio.

O

esforço de reintegração marcará este regresso que procurará sempre ser discreto e envergonhado quando matizado pelo insucesso, o11 grandioso e ostensivo quando a sorte do sucesso económico o acompanhou por terras de Vera

Cruz.

É, sobretudo, relativamente

ao brasileiro bem sucedido que a História lhe reservará um lugar privilegiado, em função

do seu novo estatuto.

O papel social e económico que foi desempenhando ao longo da estadia no Brasil através do envio regular de remessas pma a família, assume com o seu re,psso um a l w c e mais intenso e diversificado. Mais intenso porque há um claro desejo de se mostrar (e evidenciar) no espaço habitacional que modifica ou cria com as suas marcas estrangeiradas Mais diversi- ficado porque a estadia além-Atlântico não fez esquecer as origens, embora lbe tenha garad- tido novos horizontes n a multiplicação de poupanças ou na criação de fortunas.

Assumido, para muitos deles, o objectivo claro de ir ao Brasil resolver problemas que um depauperado sector primário lbes criava ao sabor do clima, das pautas aduaneiras ou das crises agrícolas, o regresso significava o pagamento das dívidas, melhorias na habitação ou a compra de novos terrenos. Para as m a s podia significar um dote que as tomaria mais requisitadas num quadm nupcial onde o amor não era autosuficiente.

Num enfoque mais c a p i a t a e mais adequado As vivências que o contacto com ouims mundos ihes tinha aberto, a banca, as sociedades anónimas, o comércio, a indústria, a h o t e h a e os

(9)

seguros assumam-se como investimentos lucrativos, onde o brasileiro poderia exteriorizar

toda a sua experiência e, sobretudo, multiplicar rapidamente as suas fortunas. Banco Co-

mercial do Porto, Mercantil Portuense, Banco União. Seguros Garantia, Múieração Per-

severanp, Carris do Porto, Companhia do Palácio de Cristal ou Grande I3otel do Porto sáo a migalha de uma presença de dinheiro brasileiro que representou, sobretudo para o norte do País responsável pela esmagadora maioria dos que procuravam os diversos destinos brasileiros, a possibilidade de se acelerar o passo, rumo ao capitalismo industrial e financeiro".

Os contemporãneos reiteram o significado deste retorno brasileiro:

*(...) Do abençoado Brasil tem-nos vindo ultimamente cabedal e alguns homens activos e empreendedores, que reservaram parte da vida para a virem empregar em utiüdade sua e

de seu país. Dantes vinha só dinheiro. Quem o trazia, ou vinha para as Caldas, ou passar o

inverno no leito. E m vidas exauridas pelo irabalho. Não tinham mais que dar. Hoje a rapidez

e a facilidade das comunicações t~ansformaram tudo. Vão-se huscar à América hábitos e

habilitações de trabalho, e que só a necessidade longe do ninho paterno sabe ensinar. Algumas casas importantes de Lisboa e Porto, assim como algumas das empresas modernas,

são administradas por indivíduos que iniciaram a sua carreira no Brasil (...)xl'.

As marcas da presença deste bmsllein, endúlheimcbo está mudo para

além

de uma pmupa$ão

obsessiva e exclusiva com o trabalho. A sua consciência ~kgiosa e o amor à sua aldeia abrem-lhe

OU- vias de estação do seu sucesso Seja o Eusébio Seabra que *começou por fazer algum

reparos na Igreja paroquial e presenteou com vesiidos novos iodos os santas dos altares e maudoo renovar um sino que havia doze anos que tocava a rachado,", sejam os aque foram ao Brasil* e transformaram radicalmente a <Festa de Nossa Senhora de La Salette.", todos vivem com eniusi-

asmo a possibilidade de serem Úteis *ao espaço que os viu nascer,

e

aos conierrâneas que ficaram.

Vai ser, no entanto, no âmbito da educação, nomeadamente do ensino primário, que se vai

poder aferir melhor a nova mentalidade que o brasileiro traz e o sentido filantrópico que ele

gosta de conferir à sua riqueza.

4.

A

Edocaç&o nos horizontes da soliclariedadc do

Brri..silcir«

a(.. )

Ao

brasileiro não basta

o simples reencontro com a memória doce-amarga do pas-

sado: em nome dessa memória, por generosidade ou por ostentação, distribui benesses, funda obra que permaneça em favor das crianças, ou dos pobres, ou dos doentes. Toma-se

(10)

assim personagem influente no círcuio local, provavelmente regional, talvez até ao nível Ratrsto do Conde de Ferreira Santa Casa da Misericórdia do Porto

nacional. (.. ) Falam dele os jornais e as gazetas, referem-no a propósito do palacete que

[c,

,.

2851

construiu, da obra que desenvolveu (...)*". (Fato Nuna Fevereiro)

A tendência para participar solidariamente nas iniciativas de carácter religioso e assistencial

é uma imagem de marca do portugu63 regressado do Brasil. Durante muito tempo as Mise-

ricórdias ou os párocos de aldeia assumiram-se como os principais interlocutores entxe a magnanimidade dos emigrantes e as necessidades da zona em que estavam inseridos. Esta postura consagra um agradecimento visível pelo seu sucesso mas também uma capacidade de intervenção consoante a forma como eram canalizadas estas generosas oferendas.

A grande novidade a que iremos assistir

a

partir da segunda metade do século

XIX

é a cana-

lização para a educação de verbas significativas, num quadro de fdanaopia a que não se

estava habituado. Esta inclusão da insbução na área de beneficiência inscreve-se nas preo-

cupações dos políticos e intelectuais da altura que defendiam que c( ..) só pela instni@o do

povo as nações logram adquirir com a sua independência, a riqueza e a liberdade ... porque

a instnição vale só por si um progresso virtual em qualquer ordem de empreendimento

(. .).a'8 Esta aposta resultava da preocupação com uma taxa de analfabetismo que em 1910

ainda atingia 75%" e que afectava desde a impossibilidade de um verdadeiro e consistente

crescimento económico até uma clarificação poiítica que teria de passar necessariamente

por um maior acesso à informação e uma redução (ou se possível abolição) do caciquismo

eleitoral, curiosamente uma área de intervenção onde muitos dos brasileiros apostaram, para se guindarem a um novo estatuto social (a par da nobilitação).

(11)

Os exemplos começam a multiplicar-se: em Santo Tirso, o conde de S. Bento é o fundador

de um Asilo Agrícola e de duas escolas para além do Hospital da Misericórdia, do Clube

Tirsense e da Fábrica de Santo Tirso; em Leça da Palmeira, Maria Francisca dos Santos

Araújo manda construir uma escola para o sexo feminino com a herança que recebeu de seu irmáo José Pinto de Sousa; na Maia, o Visconde de Barreiras coloca parte da sua f o r m a ao

serviço da educação melhorando escolas antigas ou mandando construir novas; em Vda do

Conde, José da Silva Carneiro mveste numa escola para ambos os sexos; na mesma locali- dade o Visconde de Santa Marinha tem a preocupação de legar parte dos seus rendimentos

para melhorar o &l educxtivo da populaçZio da região. Estes exemplos de disponibilidades

individuais surgem paralelamente com outras mais despersonalizadas, mas nem por isso

menos imporiantes, como é exemplo a da Liga Propulsora da Instrução em Portugal, cria-

da por iniciativa da C-a Portuguesa de Comércio de S. Paulo e que destinou, por volta de 1930, 600 contos i eonstruçáo de redificios escolares higiénicos e modernos nas terras mais afastadas dos centros principais e menos beneficiadas pelo ensino oficial>. Na sequência

destas intenções surgiram cinco escolas em Freixo Numão e Vilar Formoso (Guarda); Ca-

mameira e Avelãs de Caminho (Coimbra) e Rio de Moinhos (Viseu)".

Embora surjam investimentos diversificados pelos vários graus de ensino, é no ensino pri-

mário que se conceníxam as maiores provas de generosidade, respondendo desta forma à

aposta que o poder político procurava fazer num sector onde eram notórias e conhecidas as

lacunas principais: *ausência de mesíxes devidamente habilitados, falta de casas próprias

para aulas, falta de escolas de meninas*".

Inserido neste contexto de preocupaçáo política e nacional e de ianexão das áreas atin-

gidas pela generosidade brasileira vamos encontrar exemplos que merecem pelo seu carácter paradigmático um tratamento mais pormenorizado. Escolhemos o inevitável

Joaquim Ferreira dos Santos, mas também os Irmãos Oliveira Lopes e Domingos Joa- quim da Silva.

c(...) Convencido que a insirução pública é um elemento essencial para o bem da socieda- de, quero que meus testamenteiros mandem construir e mobilar cento e vinte casas para escolas primárias de ambos os sexos nas terras que foram cabeças de concelho, sendo todas por uma mesma planta, e com acomodaçZio para vivenda do professor, não excedendo o custo de cada casa e mobília a quantia de 1.200$000 réis; e pronta que esteja cada casa, será a mesma entregue à junta de paróquia em que for construída; mas não mandarão constrnir mais de duas casas em cada cabeça de concelho, e preferirá0 aquelas terras que bem entenderem ( . . . ) B ' ~ .

(12)
(13)

ou reparação de edificios para escolas de ensino primário que devem ser estabelecidas nas respectivas paróquias.

(...) São autorizadas as camaras municipais para contratar com os testamenteiros do fale- cido Conde de Ferreira, a construção de edifícios e o fornecimento de mobíiia para o esta- belecimento de escolas de ensino primário, mandadas fazer em cumprimento da disposição

testamentária do mesmo conde (...)xz".

O

articulado transcrito revela, por um lado, o si@cado intemporal de ideias que a cada

eleição eram relembradas mas sempre marginalizadas uma vez atingido o poder e, por outro, a importância de um legado como o do Conde de Ferreira para eliminar trâmites burocráticos que sempre apareciam como desculpas na hora das necessárias decisóes (vere- mos no caso de Váiega-Ovar que tudo não passava de meras declarações de intenções)

Aliás, basta observarmos as respostas dadas por diversas câmaras em

1875

para percebemos o alcance desses entraves"?.

Numa outra perspectiva, o legado enfrenta ao mesmo tempo cinco dos problemas mais impor- tantes do ensino primário: potencia um investimento duradouro ao apostar na construção de edifícios; tenta resolver a situaçiío habitaeional do professor minimizando as deslocaçóes para zonas mais afastadas dos grandes centros; trata de forma igual a necessidade de educação por parte de ambos os sexos; perspectiva a escola em termos globais dando particular importân- cia ao mobiliário adequadoJa; atribui ao poder local a responsabilidade de conservação ao

entregar à junta de paróquia a escola construida, tomando uma clara posição na discussão que

se travava sobre a centralização ou descentraiização das iniciativas de âmbito educativo. Estes aspectos, a par por exemplo de uma preocupação de uniformidade arquitectónica" que vai permiiir que ainda hoje seja possível identificar as *Escolas Conde Ferreira, que

sobreviveram ao nosso desleixo pa~rimonial~~, vão ainda constituir exemplos de participação

na instrução portuguesa para ouwos brasileiros que vão procurar aproveitar para, tambêm eles, deixarem a marca da sua solidariedade educativa num país que nunca esqueceram e

que sempre desejaram aproximar de uma maior ciuiliza@?o.

O

exemplo do Conde de Ferreira servirá para desperta as consciências mais beneméritas

junto daqueles para quem a roda da fortuna tinha bafejado com o sucesso. Nos inícios do século, entre muitos ou.tros, há dois exemplos que mostram ter herdado preciosos ensina-

mentos da sua postura filantrópica - referimo-nos a Domingos Joaquim da Silva e aos

irmãos Oliveira Lopes (Josê e Manuel). Em zonas marginalizadas pelo investimento públi- co e carentes de iniciativas na área educativa, eles procurarão partilhar com os seus conter- râneos a fornuia adquirida, sobretudo em terras brasileiras.

(14)

Domingos Joaquim da Silva, agraciado coin o título de Visconde de Salreu pelo rei

D.

Carlos em 2 de Mao de 1907, já tinha sido u m dos fundadores da Sociedade Portuguesa de Benefcência do

Rio

de Janeiro, mas vai ser na sua terra natal que exteriorizará toda a sua índole beneficente. Para além de muitas outras obras que só ele as conseguiu tornar possí- veis - destacando-se o conmibnto para a criação de um apeadeiro em Salreu, a reparação da estrada de Albergaria-a-Nova a Salreu, a ajuda para a construção do cemitério e, uma das obras de maior d t o , o Hospital Visconde Salreu

-

é para o sector do ensino que ele procurará canalizar grande parte da sua atenção e bens

c( ...) A sua primeira grande obra é a fundação das escolas primárias oficiais, para alunos

de ambos os sexos da freguesia de Salreu. Em 1902, havia escolas no concelho, mas nenhu- ma em Salreu.

Em 1907, a 15 de Setembro, é i n a u p a d a a Escola Domingos Joaquim da Silva, um 'edíficio grandioso e higiénico e verdadeiramente apropriado à educação da infância'. Acon- tecimento justamente festejado, uma vez que, para além de tudo, a escola possuía um curso nocturno para a instrução das classes de agricultura e de todas as idades.

As forças vivas da terra estarão presentes, bem como individualidades vindas de fora, entre estas, sublinhemos a presença do Prof. Egas Moniz e do Dr. Alexandre Braga.

(...)

O

mecenato desenvolvido pelo Visconde prolongar-se-á com a consíxução da Escola da Sr' do Monte, também em Saireu, inaugurada em 1933. Mas não sem resistências : 'S.Ex.cia con- tinua nas melhores disposiçóes de mandar consimir u m outro edificio escolar naquela fregnesia, no lu,- de Picoto, tendo obstado até hoje o não estar

ali

edificado mais esse melhoramento para Saireu, o não haver quem, nem por muito dinheiro, ceda o terreno para a edigcação' (...)a3'.

O

mecenatismo evidenciado na postura do Visconde, apesar da falta de solidariedade e até desconfiança (ou inveja?) dos seus conterrâneos, tem contornos de continuidade relativa- mente à postura do Conde de Ferreira, mas exterioriza, no caso específico da educa$?o, uma preocupação com o ensino de adultos e com o ensino mais prohsional que constitui um enfoque maib actualizado da perspectiva mais diversificada em que tinha de ser equaeionada a educação. Por outro lado, para além da riqueza que constituiria a formação das pessoas, as vias de comunicação - estradas, apeadeiros dos caminhos de fem, ou drenagem de de vias fluviais (do Esteiro, por exemplo)

-

a par da ornnipresente vertente assistencial dos legados (tanto o Conde como o Visconde mandaram construir hospitais, embora com fins diferentes), constituía o tridente mais utilízado nos testamentos destes portugueses bem sucedidos nas suas ligaçóes com terras brasileiras.

(15)

Eseola Profissional A&griu>la

Conde de Sáo Bento (Foto Nuno Fevereiro)

Um ultuno aspecto que merece ser equacionado no caso do Visconde de Salreu é o alcance do seu investimento n a educação que nos permite não só poder fazer irma estimativa do que seria necessário para um efectivo combate aa analfabetismo, wmo ter uma ordem de grandua comparativa com o legado do Conde de Ferreira:

a( ...) Havendo o Visconde de Salreu feito doaGo ao Governo de um magnífico edihio des-

m a d o ao funcionamento das escolas primárias oficiais para ambos os sexos da freguesia de Saireu, edifício que pela respectiva autoridade escolar é considerado dos primeiros do país pelas wndições de segurança, higiene e pedagógicas em que se enconira, além da mobília escolar completa para quatro professores e duzentos e quarenta alunos, tendo despendido com a construção do edifício e respectiva mobília escolar 21.980$000 réis (...)r3'.

Este preâmbulo do louvor akibuído ao Visconde pelo rei

D.

Carlos, esclarece o montante do donativo, mas simultaneamente o sentido diversificado do investimento no ensino primário

(16)

do Conde de Feiíen'a, prosseguirá n u n Último exemplo que varnos destacar - as Escolas Oliveira Lopes ein Vâlega, Ovar.

Na história de vida de um dos beneméritos - José de Oliveira Lopes -pode-se vlsualizar a síntese de miutos dos exemplos que fomos apresentando:

a(. .) Um dia, depois de ter convivido o suficiente para o amar, com o povo donde nasceu, José Lopes tomou o m o das teiías de Santa Cruz c por

andou muiios anos, trabalhando e acariciando o sonho dousado de vir a ser iun dia

útil

aos sem patrícios e à sua aldeia. Quando regessoii, vinha senhor de iun bom cabedal de fortrina. Foi um dia feliz esse, por- que as saudades da pátria e da terra, perdendo aquele travo de delicioso pungir, iransfor- mara-se num tranquiio amor de posse, niun amor activo, operoso, com~inicativo e henefi- cente. Desde então ims orvalhos abundantes começaram a evolar-se e a cair, daquela rique- za, em chuva de prosperidade e alegria, sobre a tema que o viu nascer ( . . . ) s 3 ' .

Feita a fortuna longe da terra que o viu nascer, será nesta que este brasileiro e o seu m ã o procurarão resolver problemas qnc pareciam iusolúveis. Desde 1864 que tinha sido nomea- do o professor de instruçáo primária de Válega, no caso o Padre Francisco Marques da Silva. Nesse mesmo ano começou iuna odisseia à procura do melhor espaço para se instalar a escola em condicões dignas para professor e aluuos. Entre adaptações infelizes de velhos edifícios, prooessos de expropriações de um terreno que pudesse receber condignamente a escola, pedi- dos de suhsídos da Junta de Freguesia e discussões em tomo da planta, passaram-se mais de 40 anos! Quando .na sessão (da junta) de 19 de Janeiro de 1908 (os irmãos Oliveira Lopes) apresentaram um recperimento para edifícarem uma casa para escola primária no largo do Souto afim de a oferecerem ao Governo

...

tão patriótica e generosa iniciativa foi acolhida, como era de esperar, com todo o entusiasmo, começando as obras poiico depois*".

Nos inícios de Outubro de

1910,

airida antes da i m p l a n i e o da Repíílica, podia-se noti- ciar a conclusão da obra:

.(...)

O ecUício é majestoso, elegante, arejado, edificado no sítio mais central e no largo maior da freguesia; os salões enormes, mas não desproporcioiiais; as casas de habiiação do professor e professora, modernas e foimando conjunto harmónico com as esoolas, são espaçosas, cómodas c bem repartidas. O materiai escolar é de primeira ordem, a mobília de mogno, rivaliza com a das melhores escolas de Lisboa e Poi-to.

Foram inaiigiuadas estas escolas após conclusão da obra. no dia 2 de Outubro de 1910. Na festa da iiiaiiguração, que foi imponente pela assistência, tomaram parte, além do Presidente

(17)

O s B r a s i l e i r o s d e l ' o r n n - V i a g e m . i i , i \ , i z i i i . i i , I i . 1 ' i . i . i i ~ i i l

da Câmara, ex.mo sr. Dr. Joaquim S o a m Pinto, os srs Egas M n m e o Governador Civil do Distrito, representando o Governo (...)>li.

Convirá acrescentar â descrição que o material pedagógico e didáctico foi na sua maioiia comprado no esirangeito, nomeadamente em Paris, e que posteriormente os irmãos Oliveira Lopes fizeram questão de dotar a escola com uma cantina.

Este exemplo assume um casiz sintetizador por vários motivos. Piimeiro porque reirata o brasileiro típico de finais de oitoceiitos e das primeiras décadas do século

XX

que, longe de pertencer aos níuneros do analfabetismo com qiie sempre procuraram erradamente pintar os nossos emigrantes, vê na instri~ção um papel essencial para aproximar o país dos padrões de cultura e civilizaGo que ele já pôde constatar em muitas outras nações que teve a opor- tunidade de visitar.

Segundo porque mitga com o bem estar dos seus conterrâneos e a <notoriedade da sua ierra* a dor do aabaiidono na busca da fortimas.

Terceiro porque o seu regresso introduz de forma inquestionável um novo sentido e um novo ritmo na procura de soluções para problemas que se eternizavam seja na área religlosa, seja na da assistGncia, seja

na

da educação.

Finalmente porque, pertencendo embora aos reduzidos 5% que consegukam nos negócios brasileiros a fortuna que permitiu transformá-los em beneméritos, colocaram parte dela ao serviço do País cujo atraso os atirou para a emigração mas cuja diispora eles pretendem estancar apostando lia Única via que tornará essa utopia possível

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fixar em Portugal a riqueza qoe permita criar, tanto pela economia como pela ~strução/formação, as potencia- lidades para uma vida que iião tenha de recorrer ao exterior para se realizar pleilamente.

*

Faculdade de Letras da Umversidade do Poilo

ALVES, Jorge Feiuaodes, OçBmsilezros. EinigrnçZo eRetotno no Porlo Oitoceirtrsfn, Poito, ed autoi, 1994

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BÁRBARA, A. Madeira, Subsidcoapara o Estuda cla Educação em Portugal - da r~hforina pornhahna a I"RepúbLca, Lisboa, Assúlo & A l m , 1979

(18)
(19)

SLVA, Maria de Jesus Sousa de 0liveii.a e, As Elites Locais e sua itflriência nosfins do século XiX e primeiras décadas do século X\'- um ennplo: Doiningos Jonqi~irn da Siliia, I'iscond~ de Salreit (1854-19361, Ti.abalho de mestrado p aa Faciildade de Letras da Universidade de Coimbra, liolico- piado. 1992.

VALÉRIO, Nuno, A Iinagem do Bmsileiro ,,a obra literária de hílio Drilis, Lisboa, Gabinete de História Económim e Social, 1998

Notas

'

Constifuação de 1822 (testo cntegraí), Braga, L i r ~ a i a Victoi.

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Centro Cdtmal do Minho, 1954, p. 9 (AIl." 20).

SÁ, Victor de, kpoca Contemporânea Porb~guesa I - Oirde o Poi trigal T/~llzo Acaba, Lisboa, Livios Horizonte, 1981, p. 105-111

'

ALVES, Jorge, Os Brasileiros. E~nigraçüo e Retorno izo Porto Ortoeentrsta, Porto, ed. autor, 1994, p 248.

"

CRUZ, Maria Antonieta, *Da Porto para a Brasil : A onwa face da Emigação Oitocentista i Luz da Imprensa Portuenser, in. Revista de H~sfórca, Porto, NCICcntro de História da Umversidade do Porto, 1991, vol. 11, p 188

x ( ) A antiga colónia, que baseara toda a sua economia na niáo de obra escrava, encetara a 4 de Setembro de 1850, com a aprovação do decreto unpei1ol584 que estabeleceu as normas d e h h v a s para a iepressão do comérc~o de escravos, um longo e difícd percurso que levaria à aboli$ão da escravama em 13 de Maio de 1888 (Lei Áurea)( .) r, in Ibrdein, p. 186

Ver a este propósito vALÉRIO, Nuno, A Iniagrzm do Brasileiro na obra lite~diia de Júlio Dúzzs, Lisboa, Gabinete de Hiçtóna Económica e Social, 1998

QUEIROS, Eça de, O Primo Basílio

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Episódzo Dornésrico, Lisboa, Edições Livros do Brasil.

S/ data, p 143.

CASTRO, Ferrem de, Emcgranfes, Lisboa, Gunnarães &C" Echtores, 1977 [17."), p 268. Prrtne~ro Inquérito Parlamentar sobre a Emigrugüa Po~tnig~ieza pela Corniníssão da Camara dos Senhores Deputados, Lisboa, Imprensa Nacional, 1873, p. 176.

' O Estou a ter presente sobretudo o excelente trabalho de ALVES, Jorãe, citado.

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"BRANCO, Camila Castelo, A Brasdecra de Pmzirzs

-

Cerzas do Minho, Porto, Lelio SI I m â o

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(22)

O s B r a s i l e i r o 8 d e T o r n a - V i a g e m \ i > i < i < s i ~ d r I P . ~ i t ~ i ~ ~ l

"

AZmanague d'ovarpam 2924, (s.l.), (sldata), p 78-74.

"

OLIVEIRA, Padre Mignel de, Válego: Memór~a Histórica e Descntiua, Ouar, Edição da Câmara

Mmcipal de Ovar, 1981, p. 176-179.

Referências

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