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Práticas de psicologização no sistema único de assistência social (suas): dispositivos da medicalização do creas em análise. / Psychologization practices in the unique social assistance system (its): creas medicalization devices under analysis.

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 3,p.14925-14937 mar.. 2020. ISSN 2525-8761

Práticas de psicologização no sistema único de assistência social (suas):

dispositivos da medicalização do creas em análise.

Psychologization practices in the unique social assistance system (its):

creas medicalization devices under analysis

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DOI:10.34117/bjdv6n3-383

Recebimento dos originais: 24/02/2020 Aceitação para publicação: 24/03/2020

Rafaele Habib Souza Aquime

Mestra em Psicologia Instituição: UFPA

Endereço: Residencial Ipitinga, quadra J, travessa 11, Casa nº 6. Bairro: Quatro Bocas, Tomé-Açu, Pará. CEP: 68680000.

E-mail: rafaele.habib@gmail.com

Flávia Cristina Silveira Lemos

Mestre em Psicologia Social Instituição: UNESP

Endereço: Avenida Augusto Côrrea, N. 01, PPGP-IFCH-UFPA, Bairro: Guamá, Belém, Pará, CEP 66.000-000.

E-mail: flaviacslemos@gmail.com

Valber Luiz Farias Sampaio

Mestre em Psicologia Instituição: UFPA

Endereço: Avenida Augusto Côrrea, N. 01, PPGP-IFCH-UFPA, Bairro: Guamá, Belém, Pará, CEP 66.000-000.

E-mail: valbersampaio@hotmail.com.

RESUMO

Este artigo em formato de ensaio visa abordar, em uma perspectiva de problematização, as práticas de psicologização no Sistema Único de Assistência Social (SUAS), especificamente os mecanismos de medicalização da vida materializados no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). O texto em tela apresenta parte de um estudo histórico-genealógico, de cunho documental, bibliográfico cujas fontes são os programas e serviços propostos e realizados na referida política pública. É notória a importância que a Psicologia vem construindo no cotidiano do SUAS bem como na elaboração e formulação das diretrizes deste sistema. Tais participações da Psicologia se referem à atuação de psicólogos(as), cabendo a nós pensar sobre as práticas que estão sendo desenvolvidas neste campo tão diverso e múltiplo de demandas e intervenções e interrogar os efeitos destas ações nos corpos e subjetividades das pessoas atendidas.

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ABSTRACT

This article in an essay format aims to address, from a perspective of problematization, the practices of psychologization in the Unified Social Assistance System (SUAS), specifically the mechanisms of medicalization of life materialized in the Specialized Reference Center for Social Assistance (CREAS). The text on screen presents part of a historical-genealogical, documentary, bibliographic study whose sources are the programs and services proposed and carried out in that public policy. It is well known the importance that Psychology has been building in the SUAS daily life as well as in the elaboration and formulation of the guidelines of this system. Such participations in Psychology refer to the performance of psychologists, and it is up to us to think about the practices that are being developed in this diverse and multiple field of demands and interventions and to question the effects of these actions on the bodies and subjectivities of the people served.

Key-words: SRCSA and SSAA; Documentary Research; Psychologization; Medicalization.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo é parte de uma pesquisa cujo objetivo principal é analisar como o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) no que concerne as práticas psicologização produzidas pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), tomando como base a atuação de psicólogas (os) em torno do atendimento ao público por meio de programas e serviços oferecidos por esta política pública, cada vez mais marcada pela racionalidade biomédica.

Este estudo contribuiu para pensar as práticas de saber e de poder exercidas pela Psicologia no campo da Assistência Social, afinal de contas é uma política pública em que um conjunto de práticas, delimitadas no arcabouço de uma certa ciência e profissão vem alcançando mais reconhecimento e espaço nos últimos anos. De acordo com a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS (NOB-RH SUAS), de 2011, a qual direciona sobre a profissionalização da política de assistência social, objetivando qualificar a oferta dos serviços socioassistenciais, delimita a presença de psicólogas (os) na equipes de referências das Proteções Sociais que compõem o SUAS, seja a Proteção Social Básica, preferencialmente e, a Proteção Social Especial, obrigatoriamente.

A Resolução 17, de 20 de junho de 2011 do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) ao ratificar a NOB- RH SUAS coloca como obrigatória a presença da psicóloga (o) na Proteção Social Básica e na Proteção Social Especial (Média e Alta Complexidade) na composição das equipes de referência.

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 3,p.14925-14937 mar.. 2020. ISSN 2525-8761 A (o) profissional da Psicologia de acordo com a Norma Operacional Básica-Recursos Humanos/ SUAS (2011) integra as equipes mínimas nos Creas, equipamentos que compõe a proteção social especial de média complexidade, junto a coordenadora (o), (ao) assistente social, advogado (a), outros profissionais do nível superior e auxiliar administrativo.

Portanto, é notória a importância que a Psicologia vem construindo diante do SUAS no que se refere a sua atuação e por essa presença forte e ampla, é de suma importância pensar e discutir sua atuação no ordenamento da assistência social enquanto política pública oferecida a quem dela necessitar, como tais práticas se delineiam pelos objetivos do SUAS e da diversidade do público atendida.

2 DESENVOLVIMENTO

Inicialmente a Psicologia se constituiu em meio aos processos de individualização da vida coletiva nas culturas ocidentais, como uma ciência positiva, a qual objetivou a “criação de mentes calculáveis e indivíduos administráveis” (ROSE, 2008, p. 156). As normas construídas na Psicologia eram efeitos das normas pensadas nas escolas, indústrias, forças armadas, manicômios como uma “ciência do indivíduo” a fim de estabelecer regulamentações que pudessem normalizar o outro pelo leque da objetividade e neutralidade.

Apesar dos métodos individualizantes e psicologizantes, a Psicologia epistemologicamente é inserida conforme dito acima no escopo de uma “ciência social”, segundo Rose (2008), por conta dos objetivos sociais de suas técnicas pelo modo de controlar condutas, classificar indivíduos, manter uma ordem social pelas concepções liberais de degenerescência e eugenia.

Cruz (2013) nos apresenta a priori que a Psicologia durante sua trajetória histórica e epistemológica caminhou ao lado da Medicina e da Filosofia e, apesar dessa trajetória ela ter se afastado ou se aproximado de uma ou de outra, se manteve nesse interstício. Destaca, porém, que na atualidade o pêndulo tende a se focar mais na perspectiva das práticas médico-biológicas, uma vez que acredita que a Psicologia tem se afastado de modo geral do campo dos saberes filosóficos e históricos que justamente atuariam para tensionar e problematizar suas práticas.

O caminhar da Psicologia também aciona o processo de medicalização, que se sustenta em meio às transformações de questões sociais, políticas e econômicas em questões biomédicas do campo individual, se pensarmos o final do século XVIII e no século XIX, e esse poder da medicina coexiste com o funcionamento de uma sociedade disciplinar em

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 3,p.14925-14937 mar.. 2020. ISSN 2525-8761 declínio e de uma sociedade de controle em franco expansão, e com a constituição dos estados modernos (CRUZ, 2013).

O modo metodológico de investigar o processo de medicalização por Foucault é a perspectiva arqueogenealógica, a qual engloba a arqueologia e genealogia como operadores fundamentais na pesquisa documental. A priori a “genealogia é cinza: ela é meticulosa e pacientemente documentária” (FOUCAULT, 2014, p. 55).

Diante desta assertiva de Michel Foucault, a arqueogenealogia problematiza a constituição dos saberes, dos discursos, dos domínios dos objetos. É uma oposição a uma pesquisa de origem, à continuidade e linearidade da história tradicional, utilizando-se da história então a partir da proveniência, que investiga a proliferação dos acontecimentos pela ótica de como se formaram e se transformaram histórica (FOUCAULT, 2014).

Abandonam-se também as noções de finalidade e totalização, na medida em que não incumbe mais ao (a) historiador (a) “a finalidade de todo processo histórico, sua necessidade objetiva inscrita em leis que organizam a ordem natural do mundo, realizando uma operação de totalização, construindo uma história global (p. 78). A possibilidade, então de uma história global vai sendo suprimida e esboça-se o que se denominou de História geral, determinando as formas de relação entre as diferentes séries, o jogo de correlações entre as práticas, explicitando as temporalidades, ou seja, o espaço das dispersões (FOUCAULT, 2016).

A preocupação central em Foucault, ao analisar os acontecimentos históricos por esta ótica será a produção das formas de subjetivação por meio do estudo das relações de poder e saber, ou seja, a história política dos regimes de verdade. O documento investigado no curso da História Nova deve ser questionado, tensionado a partir das suas possibilidades de produção, da seleção e usos das fontes, em uma rede de intrigas e tramas históricas. Deste modo, os documentos do SUAS carregam tais atravessamentos em seus discursos pelos quais diferentes temporalidades dispersas são entrecruzadas.

A medicalização, analisada pela possibilidade histórica e pelas práticas descontínuas e correlacionadas, esteve ancorada no modo de pensar e fazer ciência, e especificamente nas ciências humanas. Canguilhem (2009) na obra “O normal e o patológico”, na primeira versão de 1943, critica a presença da tradição positivista na Medicina de seu tempo, que considera o patológico como variação quantitativa do normal, e assim analisa que este é um reducionismo positivista, uma vez que o normal era entendido a partir de uma dimensão individual de normatividade biológica e o estado patológico, por oposição ao vitalismo, se concentra também no funcionamento orgânico do próprio indivíduo, e sua relação com o meio.

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 3,p.14925-14937 mar.. 2020. ISSN 2525-8761 O normal imprime exigências e modos de existência, o anormal é o posto e, assim definido a partir da negação do normal, mas também se insere na explicação de organicidade, pois estar vivo também inclui o estado patológico (CANGUILHEM, 2009). Michel Foucault (2014) no texto “O Nascimento da Medicina Social” disserta sobre as facetas da medicina social e do processo de medicalização, no decorrer do século XVIII e XIX na Alemanha, França e Inglaterra.

Demarcando esses passos históricos e a presença dos saberes psicológicos nesse curso da medicina social, Jacques et al. (2012) contribuem para pensar, então, o desenvolvimento de uma Psicologia classificada como individual, que procura analisar e investigar as constituições históricas, políticas, econômicas e culturais para promover um projeto de ajustamento do indivíduo à sociedade. Com efeito, esta é uma vertente adaptacionista, presente nas diversas áreas em que a Psicologia se inseriu, e ainda levando em consideração modelos de atuação europeus e estadunidense.

O ser humano que se tornou o objeto de estudo para a Psicologia é dotado de capacidades e potencialidades que lhes seriam supostamente naturais, ou seja, a existência de uma natureza humana que caracteriza todos os seres (COIMBRA, AYRES e NASCIMENTO, 2009):

A partir daí, a Psicologia define estruturas, processos e até mesmo conteúdos que seriam naturais. Pensa o desenvolvimento do homem de forma apriorística, isto é, concebe um percurso linear e evolutivo, um destino para o desenvolvimento das capacidades psíquicas e acompanha esse trajeto, verificando se as condições sociais e ambientais dadas estão facilitando ou não o “desabrochar” de algo que é natural. Há um homem “pronto” de cada um de nós, como uma semente que tem seu desenvolvimento já potencialmente determinado (p.27).

Nesse sentido, Lasta, Guareschi e Cruz (2014) sintetizam que a ciência psicológica tradicional, a qual ainda reverbera de outros modos e práticas, se ocupa da adequação de pessoas à norma, para classificar normais/anormais, aptos/inaptos, corrigindo determinados sujeitos e determinados modos de vida. Todavia, a prática profissional no SUAS não deve ser para objetificar e patologizar o sujeito, mas paralelamente cobra deste profissional da Psicologia avaliações em torno de decisões de condutas mais adequadas. Para as autoras, portanto, a marca higienista se aplica aos discursos que produzem saberes e contribuem para que ordens sociais sejam criadas e mantidas.

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 3,p.14925-14937 mar.. 2020. ISSN 2525-8761 Logo, pode-se considerar que parte da Psicologia brasileira segue ainda modelos higienistas, os quais imprimem discursos de medicalização por meio da psicologização em suas diversas áreas de atuação, uma vez que a ótica tradicional que certos discursos que a Psicologia carrega são adaptacionistas, familialistas, culpabilizantes, privatistas e individualizantes. A respeito da inserção da Psicologia no Sistema Único de Assistência Social (SUAS), a Constituição Federal de 1988 iniciou a organicidade da assistência social enquanto uma política pública, o que incentivou a posteriori a promulgação da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) (BRASIL, 1993). Todavia, somente no ano de 2004 será elaborada e constituída a Política Nacional de Assistência Social (2004).

Os objetivos da política de assistência social são: prover serviços, programas, projetos e benefícios da proteção social básica e especial a indivíduos e famílias que deles necessitarem, contribuir com a inclusão e equidade de usuários e grupos específicos aos serviços socioassistenciais, tanto em área urbana, quanto rural e que as ações tenham a centralidade na família para garantir a convivência familiar e comunitária. Com relação aos usuários, são os cidadãos que são classificados como em situações de vulnerabilidades sociais e riscos, como:

Famílias e indivíduos com perda ou fragilidade de vínculos de afetividade, pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida; identidades estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual; desvantagem pessoal resultante de deficiências; exclusão pela pobreza e, ou, no acesso às demais políticas públicas; uso de substâncias psicoativas; diferentes formas de violência advinda do núcleo familiar, grupos e indivíduos; inserção precária ou não inserção no mercado de trabalho formal e informal; estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem representar risco pessoal e social (BRASIL, 2004, p. 33).

Os serviços socioassistenciais pertencentes à Proteção Social Especial refere-se às famílias e indivíduos cujo direitos foram violados, mas cujo os vínculos familiar e comunitários não foram rompidos, conforme previsto na legislação. Entre os equipamentos disponíveis nesta vertente, encontram-se os Creas. O documento “Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social” foi construído para subsidiar a implantação, organização, funcionamento e aprimoramento dos Creas no Brasil, configurando-se este equipamento como local de desenvolvimento do trabalho social especializado do SUAS, como prevê a Lei nº 12.435/2011 a qual regulamenta o SUAS (BRASIL, 2011).

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 3,p.14925-14937 mar.. 2020. ISSN 2525-8761 São muitos os desafios que se fazem presentes no SUAS, especificamente no CREAS quanto ao trabalho a ser desenvolvido pela Psicologia, sendo necessária a relação macropolítica e micropolítica, bem como análises pelos elementos de raça, cor, etnia gênero e classe daqueles que utilizam esta política pública. O Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP), criado em 2006 pelo Sistema Conselhos de Psicologia é uma ferramenta que norteia os fazeres profissionais da Psicologia no SUAS. Entre as Referências Técnicas produzidas, foi elaborada no ano de 2013 o documento sobre a atuação nos Centros de Referências Especializados de Assistência Social (CREAS) (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2019):

A pesquisa sobre atuação de psicólogas(os) no CREAS foi realizada no ano de 2009, entre os meses de setembro a novembro, tendo sido realizada em duas etapas, uma etapa nacional, do tipo descritiva, a partir de um instrumento on-line; e uma etapa qualitativa, realizada pelas unidades locais do Crepop, localizadas nos Conselhos Regionais de Psicologia. Ressalta-se que, à época, o Sistema Conselhos contava com apenas 17 Crepop’s Regionais (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013, p. 22).

Com efeito, é possível salientar que entre as dificuldades apontadas quanto à atuação profissional foram constatadas as seguintes: a falta de profissionais, ausência de formação continuada, dificuldade quanto a articulação com a rede de serviços do território para possibilitar o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, como preconiza o SUAS (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013).

Há também uma preocupação dos profissionais quanto à garantia do sigilo no que se refere à estrutura física de muitos Creas pela falta de isolamento acústico e, ainda com as informações divulgadas sobre as pessoas em acompanhamento nas reuniões de estudo de caso com os profissionais da rede bem como no envio dos relatórios ao Poder Judiciário e Conselho Tutelar. Outro ponto é a confusão de atribuições dos assistentes sociais e com a realização ou não de psicoterapia nesse espaço do CREAS (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013).

Ao analisarmos as atribuições da Psicologia no Creas, não se pode perder de vista a priori a Lei 12.435 de 2011, a qual regulamenta o SUAS na esfera nacional, pois prevê entre outros princípios os objetivos da assistência social:

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Art. 2o: A assistência social tem por objetivos: I - a proteção social, que visa à

garantia da vida, à redução de danos e à prevenção da incidência de riscos, especialmente: a) a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; b) o amparo às crianças e aos adolescentes carentes; c) a promoção da integração ao mercado de trabalho; d) a habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; e e) a garantia de 1 (um) salário-mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (BRASIL, 2011).

Nesse entendimento, a postura técnico-científica da (o) psicóloga (o) é fundamental, junto à atuação éticopolítica. O Código de Ética Profissional da (o) Psicóloga (o) traduz-se por princípios e normas que devem se pautar pelo respeito ao sujeito humano e seus direitos fundamentais. Destaca-se três princípios fundamentais previstos neste Código:

I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade,

da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. II. O psicólogo trabalhar, á visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. III. O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural (CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO, p. 7).

Nesse sentido, há inúmeros documentos que são parâmetros das práticas para as (os) psicólogas (os) no campo do SUAS e, assim do Creas. Estes fomentam questões e possibilitam orientações diante dos inúmeros desafios postos, seja, pelas próprias demandas de violações de direitos, seja pelas condições de trabalho e pelo modo como a assistência social vem sendo gerenciada e executada, no Brasil e na Amazônia, nas esferas de poder e entes federativos.

As dúvidas enquanto a práxis psi a ser desenvolvida refletem que, apesar das grandes demandas direcionadas à Psicologia no âmbito da assistência social, ainda é notório um caráter individualista enquanto modelo de atuação por meio dos moldes clínico-terapêuticos de cunho biomédico. Quando se analisa, no contexto dos Creas a dificuldade de se manter e/ou tomar um direcionamento conflitivo frente ao trabalho interdisciplinar e intersetorial, estas práticas ganham mais intensidade e geram efeitos psicologizantes ampliados.

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 3,p.14925-14937 mar.. 2020. ISSN 2525-8761 Além desses aspectos, o profissional da Psicologia também possui dificuldades em transversalizar saberes e análises pelos elementos de classe, gênero, raça, cor e etnia. Carloto e Mariano (2008) contribuem para esta reflexão ao nos possibilitarem uma análise crítica para o que denominaram enfoque familista do SUAS, principalmente na centralidade do atendimento na mulher-mãe, já que esta figura é convocada a participar das atividades socioeducativas nos espaços socioassistenciais, sendo responsabilizada pelo cuidado com os filhos e pelo cumprimento dos critérios para as permanências nos programas, como é o caso do Programa Bolsa Família.

Nesse ínterim, percebemos que a questão de gênero não é tensionada e analisada pela PNAS de forma mais ampliada, e as autoras defendem que a categoria de gênero não é sinônimo de mulher, pois é um operador de análise, o qual aborda as relações sociais, construídas em torno do que se define como performance de masculinidade e femininilidade, no SUAS:

A concepção de família está mais aberta e ampliada, porém são mantidas as mesmas expectativas sobre o papel da família e suas responsabilidades enquanto um grupo/arranjo de proteção e cuidados dos indivíduos, principalmente o papel da mulher/mãe como principal elemento provocador de mudanças, e tendo um papel ativo para a configuração de uma “boa família” (CARLOTO; MARIANO, 2008, p. 156).

Outra demarcação que precisa ser feita no cenário das políticas sociais e, no caso da assistência social é o racismo, pois de acordo com Theodoro (2013) o racismo é uma racionalidade que classifica e hierarquiza indivíduos pelo seu fenótipo a partir de um modelo e padrão de sujeito europeu, branco e ariano. OU seja, em um modelo em que se insere o negro e africano como inferior. As diversas expressões do racismo reforçam paradigmas de exclusão e privilégios bem como fomenta mais desigualdades sociais e econômicas.

O racismo se desdobra em discriminação e preconceito. A discriminação é o racismo em ato com as diversas violências direcionadas à população negra. O preconceito é menos explícito, mas não menos cruel, pois associa-se a valores sociais racistas, e ainda vivenciadas pela ausência de negras em cargos de comando e poder nas empresas, por exemplo, normaliza-se uma hierarquia racial e uma violência institucional racializada (THEODORO, 2013).

Portanto, as categorias de gênero e racismo estão presentes nas demandas do SUAS, logo, não se pode intervir junto a um sujeito sem trazer esses olhares problematizadores. No Creas, há o acompanhamento de pessoas que sofreram ou sofrem violações de direitos

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 3,p.14925-14937 mar.. 2020. ISSN 2525-8761 (BRASIL, 2011) e, nos meandros dessas situações localizam-se as desigualdades sociais que envolvem as dimensões: econômica, social, política, cultural e histórica de forma intersecionalizada.

Demarcamos, assim a importância de construirmos uma Psicologia intersecionalizada, plural e ética e, como pesquisadores (as) da/na Amazônia com ações regionalizadas. Ao falar da Amazônia, é importante mencionar o fator amazônico quanto às particularidades regionais para a proteção social do SUAS pelos agrupamentos culturais e ocupacionais (indígenas, quilombolas, ribeirinhos, castanheiros, seringueiros) quanto a territorialidade de rios, florestas e campos (TEIXEIRA, 2013).

Outros personagens e modos de vida são possíveis nos territórios amazônicos e, especificamente paraenses. As referências técnicas expressam lacunas significantes sobre a Amazônia e suas peculiaridades. E, isto traz implicações para a elaboração dos planos e orçamentos do SUAS entre os entes federados, na medida em que ao olhar ou não olhar para a Amazônia é uma posição política a ser alvo de problematizações quando se pretende pensar e atuar em uma perspectiva de equidade. Há pouco conhecimento sobre a Psicologia que é construída na Amazônia, sobretudo, quando o objeto de preocupação é o encontro da Psicologia com o SUAS neste território.

Considerar as dimensões culturais, sociais, políticas, históricas e econômicas nos conduz a um plano de atuação que desloque as práticas, em desníveis importantes para rompermos com a visão médico-psicológica tão comum na história da Psicologia brasileira, permeada por heranças higienistas e eugenistas, sustentadas por vertentes positivistas, funcionalistas, pautadas na lógica do ajustamento e da adaptação de condutas por meio de modelos normativos, normalizadores e moralizantes, instituídos secularmente com poucas críticas e contextualização. As Psicologias têm dívidas históricas a serem reparadas com grupos e povos e no compromisso de um trabalho sustentado em princípios democráticos e participativos.

Por esse motivo, os documentos de referência não devem ser analisados enquanto receitas prontas, mas como pistas, por vezes, tensionadas já que nem sempre podem abarcar as complexidades da realidade concreta e singular a qual vivenciamos e construímos na assistência social tanto no Pará quanto na Amazônia como um todo. Este é mais um desafio que se apresenta à Psicologia enquanto ciência e profissão do cuidado com compromisso social e político.

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3 CONCLUSÃO

Este artigo, portanto, possuiu como objetivo fomentar discussões e produzir reflexões sobre a atuação da Psicologia no SUAS, especificamente no CREAS, uma vez que percebemos práticas medicalizantes pela via da psicologização no modo como se operam os serviços, programas e projetos previstos na Proteção Social Especial por meio de ênfases mais biomédicas e menos histórico-sociais no bojo do cotidiano das práticas de atuação profissional de psicólogos(as).

Ao analisarmos a história da Psicologia e a história do SUAS é possível ressaltar as possibilidades interessantes e complexas deste encontro e as potências criativas que também podem ser desenvolvidas no enfrentamento às diversas violações de direitos, às quais caracterizam as situações de vulnerabilidade apresentadas pelo público atendido. A negação das especificidades e singularidades regionais, locais, de gênero, de raça/etnia, de classe e etárias é parte do dispositivo de psicologização medicalizante, pois, o foco do sofrimento se torna da ordem de uma interioridade psíquica e/ou de uma descompensação bioquímica, anulando-se os determinantes sócio-históricos e econômico-políticos da produção de vulnerabilidades variadas.

Os documentos de referência desta política pública são parâmetros pelos quais não devem ser visualizados como dados e acabados, ao contrário, também precisam ser tensionados e problematizados, levando-se em consideração a pesquisa arqueogenealógica foucaultiana nas relações de saber e poder, à qual é a base no nosso caso neste texto e nos trabalhos que temos realizado na pesquisa-intervenção com as políticas públicas. A caixa de ferramentas de Michel Foucault serve como possibilidade de traçarmos um caminho metodológico e conceitual crucial para nossas interrogações de verdades produzidas em torno das práticas e dos modos de saber-poder realizados pela Psicologia no SUAS. Pensar as lutas do presente e a história política da verdade bem como seus efeitos na construção das subjetividades, na atualidade, é parte de um projeto de estudo, o qual visa trabalhar com documentos, em uma pesquisa histórica, na esteira do movimento da Escola dos Annales, em especial, da Nova História.

Este artigo, em formato de ensaio não se encerra nestas páginas, mas entendemos que abrimos uma janela inicial de conversações a respeito da psicologização do SUAS. Com efeito, compreendemos que para existir um maior reconhecimento da Psicologia na assistência social é fundamental a efetuação de rupturas em saberes e verdades cristalizadas e estagnadas como

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 3,p.14925-14937 mar.. 2020. ISSN 2525-8761 um estímulo para a construção de outras práticas possíveis, decoloniais, democráticas, éticas e políticas da Psicologia brasileira no campo tenso e híbrido da assistência social.

Um dos pontos centrais deste artigo foi, por fim, pensar qual (is) projeto (s) de Psicologia (s) queremos no Brasil, pois precisamos superar um modelo uno teórico-prático de uma Psicologia tradicional e elitista. Outras Psicologias poderão ser construídas e, somente desta forma conseguiremos ampliar as estratégias de cuidado crítico, engajado, desmedicalizado e equitativo.

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