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Ensaio sobre educação integral: análise de experiências e apontamentos conceituais / Test on integral education: analysis of experiences and conceptual notes

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Academic year: 2020

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Ensaio sobre educação integral: análise de experiências e apontamentos

conceituais

Test on integral education: analysis of experiences and conceptual notes

DOI:10.34117/bjdv6n6-417

Recebimento dos originais: 08/05/2020 Aceitação para publicação: 18/06/2020

Waldeck Carneiro

Doutor em Ciências da Educação (Universidade Paris V/Sorbonne) Instituição: Universidade Federal Fluminense- UFF

Endereço: Rua Professor Waldemar Freitas Reis, s/n – Campus Gragoatá, Bloco D, Sala 512 – São Domingos - Niterói – RJ – CEP 24210-201

Email: waldeckcarneiro@gmail.com Silvia Monteiro

Mestre em Educação

Instituição: Universidade Federal Fluminense- UFF

Endereço: Rua Professor Waldemar Freitas Reis, s/n – Campus Gragoatá, Bloco D, Sala 512 – São Domingos - Niterói – RJ – CEP 24210-201

Email: silviamonteiro.csg@gmail.com

RESUMO

O artigo aborda o tema da educação integral, restituindo elementos da histórica experiência dos Centros Integrados de Educação Pública, implementados no Estado do Rio de Janeiro, com ênfase na questão da formação continuada de professores. Analisa, ainda, aspectos da implantação do ensino fundamental com educação integral, em três diferentes escolas da rede municipal de educação de Niterói. Por fim, discute conceitos que estruturam uma concepção de educação integral comprometida com a formação multidimensional do estudante.

Palavras-Chave: Educação Integral, CIEP - Rio de Janeiro, Ensino Fundamental com Educação

Integral - Niterói/RJ.

ABSTRACT

The article addresses the theme of integral education, restoring elements of the historical experience of the Integrated Public Education Centers, implemented in the State of Rio de Janeiro, with emphasis on the issue of continuing teacher education. It also analyzes aspects of the implementation of fundamental education with integral education, in three different schools in the municipal education network of Niterói. Finally, it discusses concepts that structure a concept of integral education committed to the multidimensional formation of the student.

Key words: Comprehensive Education, CIEP - Rio de Janeiro, Elementary School with Integral

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1 INTRODUÇÃO

A abordagem do tema deste artigo resulta de experiências distintas, a partir da vivência de ambos os autores. Em primeiro lugar, a experiência de coordenação pedagógica em escolas das redes públicas municipais, em Niterói e em São Gonçalo, municípios do estado do Rio de Janeiro. Em segundo lugar, a experiência de uma pesquisa em andamento, em nível de doutorado, da qual ambos os autores participam, um como doutorando, outro como orientador (MONTEIRO, 2018). Em terceiro lugar, a experiência de gestão de uma secretaria municipal de educação, quando se deu início à implantação da educação integral em escolas de ensino fundamental. Portanto, é a síntese de olhares pedagógicos, científicos e gerenciais sobre a educação integral que está na base deste ensaio.

Sobre a relevância do tema, cabe lembrar que neste momento em que nos aproximamos do terceiro decênio do século XXI, o Brasil ainda apresenta indicadores muito rarefeitos, no tocante à implementação da educação integral. Com efeito, mesmo no âmbito da etapa obrigatória de escolaridade, que, com o advento da Emenda Constitucional nº 59/2009, passou a se estender dos 4 aos 17 anos, a educação integral na escola brasileira não é uma realidade consolidada, mas apenas uma das vinte metas que integram o Plano Nacional de Educação (PNE, Lei Federal nº 13.005/2014), com duração decenal. Trata-se da Meta 6, que prevê, até o final da vigência do Plano, a oferta de educação integral, por cada rede pública, em, no mínimo, metade de suas escolas, de modo a alcançar pelo menos 25% de seus estudantes de educação básica. Ocorre que, desde 2016, com a grave ruptura institucional vivenciada pelo Brasil, verdadeiro golpe na democracia, dois fatores intervieram, de forma negativa, em relação ao financiamento da educação nacional. Por um lado, a promulgação da Emenda Constitucional nº 93/16, que restaurou os efeitos da Desvinculação das Receitas da União sobre a parcela do orçamento federal vinculada à educação, o que permite à União não investir até 30% do orçamento federal da educação, desviando tais recursos, de forma discricionária, para outras despesas. Por outro lado, a promulgação da Emenda Constitucional nº 95/16, popularizada como "teto de gastos" ou "emenda da morte", que estabeleceu um teto de despesas da União na área social, com efeitos vigentes por vinte anos (CARNEIRO, 2019). Em suma, a conjugação dessas duas emendas constitucionais produz um efeito devastador no financiamento da educação pública, o que compromete inevitavelmente o cumprimento de todas as metas do PNE, inclusive a Meta especificamente voltada para o avanço da educação integral, conforme estudo recentemente divulgado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação (2019).

Neste ensaio, buscaremos refletir sobre a marcante experiência de educação integral na rede pública estadual do Rio de Janeiro, implementada nos anos 1980 (primeiro governo Leonel Brizola), interrompida entre 1987 e 1990 (governo Moreira Franco) e depois retomada a partir de 1991 (segundo governo Leonel Brizola), bem como sobre o projeto iniciado na rede municipal de Niterói,

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nos anos 2010, com a materialização da política, logo depois arrefecida, de criação ou conversão de unidades escolares de ensino fundamental como escolas de educação integral. Por fim, concluímos com apontamentos conceituais sobre educação integral, questionando falsas sinonímias que se repetem nesse campo e esboçando nossa concepção sobre o tema.

2 NOTAS SOBRE A EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL NO RJ: OS CIEPS

Nos anos 1980, o estado do Rio de Janeiro colocou em prática uma emblemática iniciativa no campo da educação integral, transformada, à época, na principal política do governo estadual. Trata-se da implantação dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), que Trata-se popularizaram como "Brizolões", alcunha que posteriormente foi oficialmente incorporada à sua denominação. Com efeito, em 1983, assumiram o governo do estado do Rio de Janeiro o engenheiro gaúcho Leonel Brizola, como governador, e o antropólogo mineiro Darcy Ribeiro, como vice-governador, eleitos em 1982, ainda em plena ditadura civil-militar. Brizola, aliás, havia regressado de um longo exílio poucos anos antes, graças à abertura política e à anistia, a partir de 1979.

Desde o início, sob a batuta de Darcy Ribeiro, embora este intelectual não fosse o secretário de educação do governo Brizola, o projeto dos CIEPs ganhou precedência e prioridade na agenda governamental, levando em conta algumas experiências regionais ou locais, nem sempre assumidas como referências, notadamente a experiência liderada por Anísio Teixeira, como secretário de educação do estado da Bahia: o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, Escola Parque da Bahia, inaugurada em 1950, no governo de Otávio Mangabeira (CUNHA, 1991).

Brizola tentou obter a aprovação do movimento docente em relação ao projeto dos CIEPs, quando do célebre evento que organizou em 1983 para discutir e aprovar as prioridades de sua política educacional, conhecido como "Encontro de Mendes", devido ao nome do município fluminense que o sediou. No entanto, os profissionais da educação da rede estadual ali reunidos não endossaram a proposta, que mesmo assim seguiu adiante, tornando-se o carro-chefe do governo Brizola (1983-1987), com sua primeira unidade (CIEP Tancredo Neves) inaugurada no ano de 1985 (SILVA, 2009).

Investimentos expressivos, certamente superiores a 1/3 do orçamento estadual (chegando a quase 40% no último ano do mandato), foram destinados à educação estadual, em especial ao projeto dos CIEPs, cuja concepção arquitetônica ficou a cargo de um personagem internacionalmente respeitado: Oscar Niemeyer, glória da arquitetura brasileira e mundial. Crianças de classes populares, a quem o projeto se destinava, ficavam o dia inteiro na escola, com aulas e atividades pedagógicas complementares, alimentação farta, atividades culturais, atendimento médico e higiene assegurados. O projeto também previa uma ação sistemática de formação continuada de professores, atividade

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essencial do Programa Especial de Educação (PEE), no qual o CIEP se inseria como iniciativa luminar (LÔBO JÚNIOR, 1988; FARIA, 1991; SILVA, 2009).

2.1 FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NO ÂMBITO DOS CIEPS

Como a formação continuada de professores é uma das chaves para qualquer projeto de educação integral, cabe recuperar, em linhas gerais, como ela foi pensada no contexto dos CIEPs. Para que estas escolas tivessem um acompanhamento diferenciado, instituiu-se um Programa Especial de Educação e, nesse âmbito, uma Consultoria Pedagógica de Treinamento (CPT) foi constituída por grupos de trabalho correspondentes às etapas em que o ensino fundamental se dividia naquele momento: da Classe de Alfabetização à 4ª série e da 5ª à 8ª série. Esses grupos eram responsáveis pelo trabalho de aperfeiçoamento do corpo docente e dos profissionais de apoio, através de "treinamento" intensivo, "treinamento" em serviço e seminários, além da ação específica empreendida por orientação das equipes técnico-pedagógicas de cada CIEP. Cabe aqui sublinhar que em nossos estudos costumamos empregar o termo "formação", em vez de "treinamento", mas aqui este último vocábulo é utilizado sob uma perspectiva histórica, pois era esse o vocabulário adotado pelos coletivos que atuavam na CPT.

Quando Brizola voltou ao governo estadual, em 1991, foi criado o 2º PEE, de modo a se retomar a linha mestra de sua política educacional, os CIEPs, cujo projeto havia sido interrompido pelo governador Moreira Franco, seu adversário político, no quadriênio 1987-1990. Nesta segunda versão do PEE, a proposta de formação continuada de professores se apresentava como um Curso de Atualização para Professores de Escolas de Horário Integral, realizado em convênio com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O 2º PEE teve como finalidade a construção de 382 CIEPs, tendo em vista que, durante o 1º PEE, apenas 118 das 500 unidades prometidas foram construídas. Esse grande número de novas escolas acarretaria uma enorme necessidade de professores para o quadro da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro. Face a essa demanda crescente, a Secretaria de Estado Extraordinária de Programas Especiais resolveu recrutar professores, não através de concursos públicos, mas sim selecionando-os através de prova de redação, desde que atendessem a dois pré-requisitos: residir no município onde se localizava o CIEP em que pretendia lecionar e ter concluído o curso de formação de professores de nível médio há, no máximo, dois anos. Cada Professor-Bolsista, nome pelo qual ficou conhecido este profissional lotado apenas em CIEPs, trabalhava em regime de oito horas diárias, sendo três horas de estudo, duas horas de trabalho compartilhado com um segundo professor em sala de aula e três horas sozinho em sala de aula. Ou seja, nesse modelo, cada turma necessitava de dois professores. A remuneração destes professores era equivalente a dois pisos salariais do professor docente II (1º segmento do ensino fundamental),

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do quadro efetivo do estado, uma vez que sua carga horária era dobrada. Em suma, o projeto (em seus dois momentos) previa para o exercício do ofício de professor em CIEPs uma formação permanente, lacuna muito comum em várias experiências malogradas de educação integral (SILVA, 2009).

Para que possamos entender melhor a proposta de formação continuada do corpo docente dos CIEPs, é imprescindível fazer uma breve exposição dos fundamentos teóricos e filosóficos que nortearam todo o projeto e, consequentemente, a sua proposta de formação continuada. Alguns destes fundamentos foram apresentados por seus idealizadores em textos oficiais que tratam do projeto, tais como as ideias de Paulo Freire sobre educação de jovens e adultos e as ideias de Anísio Teixeira sobre a organização da escola básica, além de outras abordagens teóricas, como assinalam alguns autores (LIMA, 1988; CUNHA, 1991; SILVA, 2009). Assim, a leitura das contribuições de estudiosos dos CIEPs permite relacionar as principais referências teóricas do projeto de formação continuada de professores, no âmbito daquelas escolas públicas de educação integral:

I - a pedagogia da Escola Nova de John Dewey, trazida para o Brasil por Anísio Teixeira, tendo este último trabalhado com Darcy Ribeiro na Universidade de Brasília e na implantação do Projeto Escola do Plano Piloto, também na capital federal, com o qual os CIEPs guardam muita similitude;

II - a teoria da violência simbólica formulada por Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, que evidencia como os filhos das classes desfavorecidas são excluídos da escola por meio de mecanismos de seleção simbólica e cultural que operam no interior do próprio sistema de ensino;

III - as formulações teóricas de Paulo Freire, pelas quais o processo de aprendizagem da leitura e da escrita está sempre ligado ao exercício da leitura crítica do mundo; o processo de alfabetização tem no alfabetizando um protagonista, que atribui sentidos aos conteúdos e temas, relacionando-os com o contexto em que vive; a atividade docente só pode ser exercida com êxito, se o professor praticar e estimular no estudante a "pedagogia da autonomia".

3 NOTAS SOBRE A EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL NO ENSINO FUNDAMENTAL EM NITERÓI-RJ

No ano de 2013, quando tem início a administração municipal do prefeito Rodrigo Neves, a Secretaria Municipal de Educação, Ciência e Tecnologia de Niterói (SEMECT-Niterói) instalou, no mês de fevereiro, a Comissão Especial "Professor Dácio Tavares Lôbo Júnior", cuja principal missão era elaborar a proposta pedagógica do ensino fundamental com educação integral naquela rede municipal. A instalação da referida Comissão assumiu caráter prioritário, tendo em vista que tal ação foi incluída no rol de metas que aquela Secretaria Municipal deveria cumprir, nos cem primeiros dias do novo governo local. Por ocasião do evento de instalação da Comissão, ocorrido no Auditório Florestan Fernandes, nas dependências da Faculdade de Educação da Universidade Federal

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Fluminense (FEUFF), foi feita singela homenagem ao patrono da Comissão, estudioso do tema dos CIEPS (LÔBO JUNIOR, 1988) e professor da FEUFF, falecido precocemente. No mesmo ato, teve também o simbolismo de uma conferência pronunciada pela professora Lia Faria, uma das principais colaboradoras de Darcy Ribeiro e ex-secretária municipal de educação de Niterói. A Comissão, cujos trabalhos transcorreriam ao longo do ano de 2013, tinha a missão de elaborar a proposta pedagógica da rede municipal de educação de Niterói para o ensino fundamental, na perspectiva da educação integral, a partir de três principais ações: fazer minuciosa revisão da literatura especializada sobre o tema da educação integral, visitar experiências tidas como exitosas de escolarização com educação integral e entrevistar especialistas do campo acadêmico que tomavam a educação integral como tema de pesquisa (MORAES, SOUZA, 2014).

Cabe lembrar que a rede municipal de Niterói já acumulava robusta experiência de educação em tempo integral, no âmbito de suas unidades municipais de educação infantil, cuja grande maioria funciona, há décadas, sob a forma de jornada completa, que se estende das 08h às 17h. Mas, no caso do ensino fundamental, a instalação da Comissão Especial "Professor Dácio Tavares Lôbo Júnior" representou a formalização de uma política pública de educação integral, pioneira naquele município, em relação àquela etapa de escolaridade. Importa ressaltar que havia manifesta preocupação da SEMECT-Niterói em evitar a criação de uma rede paralela de escolas de ensino fundamental com educação integral, de modo a não incorrer em um dos problemas enfrentados na experiência matricial dos CIEPs (LÔBO JUNIOR, 1988; SILVA, 2009; MORAES, SOUZA, 2014).

Nesse sentido, a administração municipal, em seus primeiros passos rumo à materialização da política de educação integral no ensino fundamental, optou por cuidar de três iniciativas simultâneas. Em primeiro lugar, assegurar amplo apoio institucional à iniciativa que vinha sendo desenvolvida, desde antes de 2013, por conta própria, por uma unidade municipal de educação, a saber, a Escola Municipal Demenciano Antônio de Moura. Situada em área popular socialmente vulnerabilizada (Morro do Juca Branco), esta escola é oriunda da rede estadual do Rio de Janeiro e foi incorporada à rede municipal de Niterói, após truncado processo de municipalização, efetivado às pressas nos estertores do ano de 2008. Em segundo lugar, construir, em diálogo com a comunidade escolar (direção, profissionais da educação, alunos e famílias), o processo de conversão em escola de educação integral de uma unidade de educação municipal, qual seja, a Escola Municipal Elvira Lúcia Esteves de Vasconcellos, que funcionava em regime parcial. Localizada em área residencial de classe média, porém atendendo, em boa medida, crianças oriundas de área popular também socialmente vulnerável (Morro do Cavalão), a referida escola oferece escolarização apenas nos anos iniciais do ensino fundamental. Trata-se de antiga escola particular, que havia sido desapropriada pela prefeitura de Niterói, no governo anterior (2009-2012). Em terceiro lugar, a inauguração de uma nova unidade

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municipal de educação, Escola Municipal Anísio Teixeira, situada em área residencial de classe média, porém com atendimento expressivo a alunos oriundos de área popular também marcada por vulnerabilidades (Morro do Palácio). Desta feita, não se tratava de escola municipal já em funcionamento nem de escola municipal que se convertia do regime parcial para a educação integral. Neste terceiro caso, tem-se a inauguração da primeira escola concebida, desde o seu projeto original, para funcionar sob a lógica da educação integral, em área física municipalizada, desmembrada de uma grande e tradicional escola estadual, a saber, o Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho, cuja ancestralidade institucional remonta à primeira escola normal da América Latina, fundada em Niterói no ano de 1835 (VILLELA, 2008; MORAES, SOUZA, 2014; MONTEIRO, 2018).

Percebem-se alguns traços importantes a partir destes apontamentos. Em primeiro plano, a clara diversidade de experiências de educação integral vivenciadas na rede municipal de Niterói, a partir do ano de 2013, em unidades escolares com características e históricos institucionais diferentes, ou seja, sem configurar a existência de uma rede padronizada de educação integral apartada do conjunto da rede municipal de educação. Com efeito, em relação à E. M. Demenciano Antônio de Moura, buscou-se respeitar o projeto de educação integral em curso, que emanava da iniciativa e do protagonismo da própria escola. De fato, quando lançou a política de educação integral no ensino fundamental, em fevereiro de 2013, a SEMECT-Niterói entendeu que não poderia desconsiderar o processo que aquela escola desenvolvia "com suas próprias pernas", até então, sem apoio formal da prefeitura. A partir daí, aquela unidade escolar passou a receber múltiplas formas de apoio institucional da administração municipal: mais investimentos, obras de reforma, equipamentos e material pedagógico, além de maior atenção à formação continuada de seus profissionais (MORAES, SOUZA, 2014).

No caso da E. M. Elvira Vasconcellos, chama a atenção a perspectiva dialógica que marcou, sobretudo no segundo semestre de 2013, o processo de conversão daquela unidade escolar, que migrou do regime parcial para o regime de educação integral, o que se efetivou a partir do ano letivo de 2014. Foram muitas as rodadas de conversa com os profissionais da educação e com as famílias, inclusive com a participação direta do próprio secretário de educação, ciência e tecnologia, que fazia as discussões, ouvia as críticas e preocupações, propunha alternativas, ou seja, participava daquele processo como membro da comunidade escolar. Também neste caso, mais investimentos, reforma da escola, novos equipamentos, diversidade de material pedagógico e foco na formação continuada dos profissionais da educação marcaram essa autêntica processualidade instituinte no contexto escolar (LINHARES, CARNEIRO, 2003; MONTEIRO, 2018).

No tocante à E M. Anísio Teixeira, destacam-se alguns elementos. Primeiramente, levando em conta a preocupação de seu patrono, houve importante ação da prefeitura para assegurar espaço

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físico adequado às atividades pedagógicas diversificadas de uma escola que já era planejada com o fito de funcionar sob a lógica da educação integral. Isso envolveu dura negociação com a Secretaria de Estado de Educação do RJ, com o propósito de se proceder ao desmembramento de área física em estado de degradação, que pertencia a uma valorosa escola estadual, histórico celeiro de formação de professores, que, no entanto, sofria com constantes processos de desinvestimento em infraestrutura. Desmembrado o espaço, que passou à tutela e à responsabilidade municipal, elaborou-se projeto pedagógico e arquitetônico, com a intenção de favorecer a perspectiva da educação integral. Inclua-se nesta análiInclua-se o simbolismo do ato inauguracional da escola, em março de 2014, com a preInclua-sença de Babi Teixeira, filha de Anísio Teixeira, e de uma de suas principais biógrafas e estudiosas de seu pensamento, professora Clarice Nunes. Também nesta experiência, merecem acento os investimentos da prefeitura, não apenas na obra de construção da escola, mas igualmente em equipamentos, material pedagógico e formação continuada de profissionais da educação. Este último ponto se tornou, ao longo de seis anos de funcionamento da E. M. Anísio Teixeira, uma marca central do projeto pedagógico da escola, que promove constantes e qualificadas atividades de formação continuada, inclusive algumas abertas ao público, notadamente a profissionais da educação de diferentes procedências (NUNES, 2000; MORAES, SOUZA, 2014; BERNADO, VASCONCELLOS, 2017).

Em segundo lugar, ressalta-se como traço importante da experiência niteroiense a preocupação em dar atendimento prioritário, em regime de educação integral, a alunos oriundos das camadas populares. Nas três escolas aqui retratadas, o atendimento recai predominantemente sobre alunos que residem em territórios de favela, áreas que, em toda a região metropolitana do Rio de Janeiro, seguem marcadas, na maior parte dos casos, pela ausência sistêmica do Estado, em seus diferentes níveis e esferas, e de suas políticas e serviços. Infelizmente, o mais comum nessas áreas, que mesmo não sendo geograficamente periféricas se encontram desvinculadas da cidade, é a presença do aparelho repressivo do Estado, sob a forma de operações militares sustentadas na lógica da "guerra ao tráfico". Infelizmente, esta lógica não se notabilizou pela contenção da espiral de violência, posto que segue contribuindo para o seu recrudescimento, e, pior ainda, produz constantemente mortes de pessoas inocentes, em geral jovens, negros e pobres (SOARES, 2019). Sob uma perspectiva antagônica, a política de educação integral em Niterói, preferencialmente destinada a crianças de origem popular, buscava, em sua origem, se associar a outros esforços da prefeitura, como a política de saúde da família, a política de centros de assistência social, a política de esporte e lazer em áreas populares, a política de infraestrutura e defesa civil (notadamente as ações de contenção de encostas), a política de habitação popular, a política de cultura, de modo a afirmar outra concepção na relação entre o Poder Público e as classes economicamente desfavorecidas.

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Também merece realce a preocupação com a formação continuada dos profissionais da educação, compreendida, desde os primórdios dos trabalhos da Comissão Especial, como elemento central da proposta pedagógica de educação integral no ensino fundamental. Muitos investimentos foram feitos pela SEMECT-Niterói nesse sentido, com foco nos profissionais da educação: ações de formação continuada, apoio à participação em eventos, estímulo a publicações e, vale destacar, a constante discussão sobre o lugar e o protagonismo da própria escola como espaço/tempo de formação continuada em conexão com princípios, valores, temas, conteúdos e projetos que compõem, de forma singular, o trabalho pedagógico cotidiano em cada unidade escolar (COELHO, 2002; BERNADO, VASCONCELLOS, 2017; GALVÃO, FERES NETO, 2020).

Por fim, não se pode deixar de notar uma aparente contradição. A Comissão Especial tinha o ano de 2013 para desenvolver o seu trabalho e sistematizar uma proposta pedagógica para o ensino fundamental com educação integral. Ocorre que, no mesmo ano de 2013, a SEMECT-Niterói já começou a fazer movimentos concretos de materialização dessa política ainda em gestação: no apoio à E. M. Demenciano Antônio de Moura para consolidar e aperfeiçoar sua experiência, já em curso, de educação integral; no diálogo com a E. M. Elvira Vasconcellos para convertê-la em escola de educação integral; e no planejamento para a inauguração da E. M. Anísio Teixeira, como escola de ensino fundamental com educação integral, já no início do ano letivo de 2014, como de fato ocorreu. O tempo da política e da produção de resultados visíveis teve interferência nesse processo ou se pode fazer referência aqui à dialética entre pensar e fazer, como discorrem Certeau (1994) e Alves (1992)? De toda forma, a Comissão Especial precisou acrescentar mais uma tarefa ao seu repertório de trabalho: além de revisar a literatura, visitar experiências e dialogar com especialistas, passou a ter que acompanhar a implantação da política de educação integral no ensino fundamental, em três escolas com processos distintos, no âmbito da própria rede municipal de Niterói.

4 INCONCLUSÕES: APONTAMENTOS CONCEITUAIS

Educação integral, educação em tempo integral, escola de horário integral, jornada escolar estendida: tudo isso quer dizer a mesma coisa? Em primeiro lugar, os vocábulos educação e escola, muitas vezes assemelhados, exprimem ideias distintas, embora muito correlacionadas. Educação é uma prática tipicamente humana, que se manifesta em todas as relações sociais, mesmo quando estas não são intencionalmente destinadas a educar. As pessoas se educam mutuamente, mediadas por instituições, por valores, por marcas culturais e por tempos históricos (FREIRE, 1983). Escola ou educação escolar, porém, já se reportam a uma dimensão institucional do processo educativo, vale dizer, referem-se a uma das formas organizadas pelas quais o fenômeno educativo pode se manifestar. A educação escolar é, portanto, uma forma planejada, sistemática e intencional de transformar

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sujeitos pelo processo de construção de conhecimentos. A escola é a instituição em que mais comumente se desenrola a ação educativa sistematizada, que também pode ocorrer, é claro, em outras instituições, tais como igrejas, empresas, sindicatos, forças armadas. A pedagogia, efetivada no ambiente escolar ou em outros modelos de institucionalização, é o ato educativo que se planeja, do ponto de vista de seus destinatários, dos conteúdos e da organização curricular, das metodologias, das avaliações, entre outros aspectos. Logo, pode-se dizer que toda ação pedagógica é uma ação educativa, mas nem toda ação educativa tem lastro em atividades pedagógicas sistemáticas e intencionais.

Educação integral e escolarização integral, por sua vez, não estão limitadas à mera questão do tempo, do horário, do turno estendido ou prolongado. Afinal, o qualificativo "integral", neste caso, ficaria suficientemente explicado apenas pela lógica de Cronos, divindade que, na mitologia grega, era o senhor do tempo? Decerto que não, pois a perspectiva da educação integral remete mais diretamente a uma ideia de multidimensionalidade ou, em outras palavras, a uma visão holística, complexa e multifacetada que amplia os horizontes da formação humana (CAVALIERE, COELHO, 2017).

Problematizar essas questões é crucial para entender e praticar, no processo de escolarização, um projeto político-pedagógico que alcance não apenas a formação conteudista, organizada em áreas do conhecimento, geralmente compartimentadas em disciplinas, mas também abranja as dimensões ética, estética e cidadã. Educar, na escola, tendo como referência o paradigma da educação integral, pressupõe conectar a formação em diferentes áreas do saber com a diversidade artística e cultural, com os direitos humanos, com a diversidade e a sustentabilidade ambiental, com a cidadania participativa, com as tecnologias e mídias, com o desporto, entre os eixos que podem estruturar uma proposta pedagógica que almeje a educação integral da pessoa. A partir daí, entra em cena a questão do tempo e do espaço. Com efeito, é necessário organizar, ao longo de uma determinada cronologia escolar ou período letivo (dia, semana, mês, semestre, ano ou outra forma de organização do tempo), aquele conjunto de dimensões formativas que se pretende propor aos estudantes na escola. É preciso, ainda, que os diferentes espaços ou ambientes educativos, como salas de aula, laboratórios, ateliês, auditórios, quadras, pátios, bibliotecas, entre outros, favoreçam, de acordo com sua especificidade, distribuição espacial, mobília, luminosidade, ventilação, equipamentos, o desenvolvimento de atividades formativas planejadas para acontecer, em determinado período de tempo, naqueles espaços.

Apenas a duração da jornada ou a distribuição espacial não configuram, por si sós, uma proposta de escolarização com educação integral. O projeto político-pedagógico da escola, com seus fundamentos, compromissos, intencionalidades, conteúdos e metodologias, é que precisa dar essa

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direção conceitual, pedagógica e epistemológica às ações educativas que a escola pretende desenvolver, na perspectiva da educação integral (CAVALIERE, COLEHO, 2017).

Por fim, o projeto não é uma abstração nem tem vida própria. Ele tem que ser vivificado pelos sujeitos que compõem a comunidade escolar, notadamente os profissionais da educação que, também eles, devem estar preparados, comprometidos e valorizados para se entregar, de forma íntegra e integral, a essa ambição pedagógica tão desafiadora e necessária.

Em tempos de obscurantismo, como estes vividos no Brasil contemporâneo, em que um modelo de governança autocrático, de matriz fascista, tenta se impor, não é surpreendente que a educação, a ciência e a cultura sejam alvos privilegiados da sanha odiosa e intolerante que quer se colocar como padrão das relações sociais. Por isso, emergem as tentativas de amordaçamento da escola, de criminalização do magistério e de banimento do pensamento crítico do contexto escolar. Mais até, pois chega-se a colocar em dúvida a própria finalidade e a necessidade da escola, buscando-se enfatizar a educação domiciliar, enclausurada e avessa à pluralidade de saberes, ideias e pensamentos, como substituta da educação escolar.

Ora, a escola é, antes de tudo, espaço e tempo de socialização, emancipação e humanização dos indivíduos, na diferença, na diversidade, na pluralidade, no conflito, na contradição e na promoção de valores altruístas, humanistas e democráticos (TEIXEIRA, 1997). Quando organizada e vivenciada sob a égide da educação integral, tal como declinada aqui, a escola ganha em potência, como formadora de pessoas que não se bastam em si mesmas, posto que se preocupam, refletem e interferem, das mais diferentes formas, em processos sociais motivados por interesses coletivos. Para tanto, não precisam negar-se enquanto sujeitos individuais, desprezar sua subjetividade, mas perceber e articular suas dimensões individual e coletiva para participar, de forma crítica e reflexiva, da construção, desconstrução ou reconstrução de seu tempo histórico.

REFERÊNCIAS

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Referências

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