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Favelas ecológicas: passado, presente e futuro da favela turística

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Academic year: 2020

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS DOUTORADO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

FAVELAS ECOLÓGICAS:

PASSADO, PRESENTE E FUTURO DA FAVELA TURÍSTICA

APRESENTADA POR

CAMILA MARIA DOS SANTOS MORAES

PROFESSORA ORIENTADORA ACADÊMICA Dra. BIANCA FREIRE-MEDEIROS

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS DOUTORADO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

FAVELAS ECOLÓGICAS:

PASSADO, PRESENTE E FUTURO DA FAVELA TURÍSTICA

APRESENTADA POR

CAMILA MARIA DOS SANTOS MORAES

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS DOUTORADO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

PROFESSORA ORIENTADORA ACADÊMICA Dra. BIANCA FREIRE-MEDEIROS

CAMILA MARIA DOS SANTOS MORAES

FAVELAS ECOLÓGICAS:

PASSADO, PRESENTE E FUTURO DA FAVELA TURÍSTICA

Tese de Doutorado apresentada ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC como requisito parcial para a obtenção do grau de

Doutor em História, Política e Bens Culturais.

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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV

Moraes, Camila Maria dos Santos

Favelas ecológicas: passado, presente e futuro da favela turística / Camila Maria dos Santos Moraes. – 2017.

262 f.

Tese (Doutorado) - Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas, Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais.

Orientador: Bianca Freire-Medeiros. Inclui bibliografia.

1.Favelas. 2. Turismo. 3. Meio ambiente. 4. Ecoturismo. I. Freire-Medeiros, Bianca. II. Escola de Ciências Sociais da Fundação

Getulio Vargas. Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais. III.Título.

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Agradecimentos

Esta tese é resultado de muitos encontros e trocas, a começar pelos encontros com as minhas orientadoras da vida: Maria Amália Oliveira, Rosane Manhães Prado e Bianca Freire-Medeiros. Sem essa tríade de mulheres poderosas não teria chegado até aqui. Foi pelas mãos de Amália que cheguei a Rosane, e pelas mãos de Rosane cheguei a Bianca, que me guiou pelos caminhos dessa tese.

Bianca me recebeu com todo carinho, dedicação a atenção, mesmo com todas as mudanças em sua vida nos últimos anos, para além disso, Bianca ainda promoveu outros tantos encontros em minha vida. Com ela, aprendi muito sobre etnografia, favelas, e sobre o mundo. O mundo de favelas na imensidão dessa cidade, o mundo da pesquisa em favelas para além do Brasil, e o mundo da pesquisa sobre mobilidades. Bianca literalmente me colocou em movimento, fui a Alemanha e Inglaterra, pelas mãos dela, e na terra da rainha, reencontrei John Urry, velho conhecido de muitos estudantes de turismo, que me recebeu com imenso carinho, generosidade e atenção.

John, fazendo o que sabia de melhor, promoveu novos encontros na minha vida. Graças a ele, conheci Monika Büscher, uma surpresa e um presente em um momento que precisei e muito; Carmen Dayrell, uma das primeiras pessoas que conheci em Lancaster que se tornou uma grande amiga; Lynne Pearce que me recebeu em vários de seus cursos sobre pesquisa e escrita de tese; Javier Caletrio, grande amigo e inspiração; Carlos Lopez-Galviz que me deu ótimas dicas de leitura; Sarah Becklake, Cosmin Popan e Georgia Newmarch, orientandos de John que representam aqui todos os colegas de Lancaster do Departamento de Socologia, CeMoRe e Institute for Social Futures.

Ainda sobre os encontros na Inglaterra, só tenho a agradecer à Joanne Wood, que recebeu a mim e a todos os demais estudantes estrangeiros de Lancaster como uma mãe, e ao time de Brazucas de Lancaster: Lígia, Isabela, Bernardo, Luciana, Josi, Camila, Raquel, Marcelo, Aline e Bresser, guardo vocês com todo amor e carinho, vocês foram minha família em Lancaster e espero muitos reencontros daqui pra frente.

De volta ao Brasil, eu não poderia deixar de agradecer aos encontros com outros orientandos da Bianca na nossa mobilities gang. Bernardo, João, Andréa e Maria Alice, todos de algum modo colaboraram nessa jornada, fica aqui minha imensa gratidão.

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Às voltas com a pesquisa em favelas foram tantos os encontros que espero não esquecer de nenhum deles, a começar pelos do Pavão, Pavãozinho e Cantagalo, com Rita de Cássia, Valquíria Cabral, Andrea Nogueira, Antônia Ferreira, Sidney Tartaruga e Acme; na Babilônia e Chapéu Mangueira, com Palô, Regina Tchelly, Cristiane Oliveira e Vitor Medina; no Vidigal, com Sérgio Mello, Mauro Quintanilha, André Gosi e André Koller; na Rocinha, com Ailton Macarrão, José Ricardo e Maria Helena; no Tabajaras e Cabritos com Gilmar Lopes; no Santa Marta com Dorlene Meireles, Salete Martins, Thiago Firmino, Gilson Fumaça e Sheila Souza; no Complexo do Alemão com Cristiano Ferreira, Ingrid Couto e François Camargo; no Turano com Wilson Moraes, no Salgueiro com Denise Vieira e Emerson Menezes; no Vale Encantado com Otávio Barros, a todos vocês muito obrigada!

Nos encontros com organizações que também atuavam em favelas, agradeço aos representantes do Shopping Rio Sul; seu Abílio Tozini da ALMA; Gabriel Voto e Henrique Nascimento do Favela Verde; Fabiana Ramos do Sebrae; Leticia Santana do Rio + Social; Philipe Campello da RioTur, Celso Bredariol da antiga FEEMA, Cláudia França, Peterson Silva e Verônica Santos da SMAC pelas trocas e colaborações ao longo dessa pesquisa.

Agradeço ainda aos encontros com outros pesquisadores nas favelas, a começar por Mario Chagas, professor que reencontrei no Museu de Favela e virou colega e parceiro na coordenação de projetos; a Márcio Grijó que encontrei em pesquisas sobre as favelas pacificada, Fabian Frenzel, Malte Steinbrink, Ko Koens, Alessandro Angelini, Lena Jott, Thomas Frisch; Emily LeBaron, Theresa Williamson, Mario Brum e Mauro Amoroso que representam aqui os muitos pesquisadores, brasileiros e estrangeiros que pesquisam favelas e de algum modo dialogaram e contribuíram para esta tese. Deixo ainda um agradecimento a Douglas Ribeiro, jovem estudante de turismo da USP e morador de Paraisópolis que nos deixou muito cedo.

Ao CPDOC, representado pelos professores Luciana Heymann e Alexandre Moreli, eu devo um agradecimento pelo apoio à congressos fora do Brasil, o que me proporcionou muitos encontros e trocas de grande valia.

Faço um agradecimento especial a cada membro da banca: à Dulce Pandolfi pela qual tenho grande respeito e admiração; à Lícia Valladares, pela mais do que especial participação nesta banca, à Rafael Soares Gonçalves, com quem aprendi muito sobre direito e meio ambiente em favelas; à Thiago Allis que vem debatendo o Paradigma das Novas Mobilidades

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no Brasil e abrindo caminho para jovens pesquisadores como eu; e à Palloma Menezes, pelas conversas e pesquisas na interseção entre turismo, favela e segurança pública.

Aos colegas do Departamento de Turismo e Patrimônio da UNIRIO que tiveram paciência ao longo destes quatro anos de doutorado, e aos mais recentes colegas do Programa de Pós-Graduação em Ecoturismo e Conservação que estavam ansiosos para a conclusão desta tese, deixo aqui meu muito obrigada!

Aos meus queridos alunos e bolsistas Fernanda, Tainá, Juliana, Thamirys, Larissa, Yuri, Germana, Lúcio, Pedriná, Alessandra, Helena e Ivan que me acompanharam antes e durante este doutorado com seus belos trabalhos.

Fica ainda um agradecimento especial aquelas amizades e relacionamentos que sobreviveram aos desencontros provocados por esta tese, aos amigos e amigas da vida toda e da vida sindical: Léo, Daniel, David, Vivi, Trog, Naya, Paty, Henry, Pri, Antônio, Mama, Fábio, Marie, Gi, Hugo, Lelê, Mayke, Fabi, Renan, Wendy, Dani, Carla, Vilani, Castelo, Andrea, Leo, Rafa e Cláu

E, por último e não menos importante, agradeço minha mãe, Angélica, por tudo, tudo mesmo, todo apoio, carinho, compreensão e patrocínio, afinal mãe de professora / pesquisadora também é sempre uma grande patrocinadora, nada, nada mesmo seria possível sem ela. Ao meu irmão lindo, Tiago, que mesmo longe, parece estar perto. E ao mais importante encontro da minha vida, com meu companheiro Sandro, vulgo Alexsandro Evangelista. Te amo, meu amor!

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Resumo

As favelas do Rio de Janeiro foram historicamente elaboradas como desmatadoras, áreas de risco, lócus da pobreza e violência, problemas que acometem “a cidade maravilhosa”. Através da história, esses foram os significados impressos às favelas através de políticas públicas. No entanto, na contramão do que se podia esperar, seletas favelas foram descobertas pelos turistas, as vésperas da Eco 92, Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, sediada no Rio em 1992. Entre os anos 1990 e 2000, essas favelas se consolidaram como atrativos turísticos da cidade, concorrendo inclusive com Corcovado e Pão de Açúcar. As polêmicas visitas foram pauta de matérias jornalísticas e apelidadas como “safari da pobreza” ou “zoológico de pobres”. Nos anos 2000, o Estado passou a reconhecer essas áreas como atrativos e ainda a estimular a comercialização turística das favelas no contexto dos megaeventos, o que foi acompanhado por novas políticas de urbanização como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Morar Carioca, e novas políticas de segurança pública como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). A versão social desses projetos colocou o turismo em pauta. Consultores, analistas e técnicos foram contratados para realizar estudos de potencialidades e capacitações para moradores de favelas empreenderem, dentre outras áreas, no turismo, que se expandiu e atravessou as fronteiras da zona sul, chegando ao centro, zona norte e zona oeste da cidade, em menores proporções. Ao mesmo tempo que se espalhou, esse turismo especializou-se e diferenciou-se. O turista passou a encontrar as mais diversas experiências em favelas, desde a gastronomia local, museus, galeria de arte, albergues e hospedagens mais luxuosas, até às festas e a volta de seletos bailes funk, que passaram a reunir cariocas e turistas em espaços mais elitizados e caros. Algumas favelas passaram a ver nessa expansão / transformação um problema. A valorização econômica da favela passou a atingir aqueles que não conseguiam mais se manter neste local e acompanhar as mudanças. Apareceram os mais diversos movimentos de resistência, desde aqueles que vão contra o turismo em favelas, aos que querem fazer parte, mas a seu modo. Neste contexto, encontrei propostas de turismo de base comunitária que ganharam força no discurso local como alternativa ao turismo de massa, e propostas de ecoturismo, aliando elementos do turismo de base comunitária a preservação do meio ambiente. Assim, tendo como referencial teórico o Paradigma das Novas Mobilidades (Sheller e Urry, 2006, 2016) e o fenômeno da traveling favela (Freire-Medeiros, 2013) analisei as iniciativas de turismo de base comunitária e ecoturismo, buscando compreender suas origens e propostas de aliança entre turismo e meio ambiente. Para tanto, realizei uma etnografia multissituada, onde me movi pela expansão do turismo em favelas cariocas no contexto dos megaeventos. Ao longo das pesquisas, percebi que o turismo e as redes que mobiliza, colocaram em disputa novos significados paras as favelas, e no, caso especifico desta tese, a contestação da favela antiecológica. Assim, apresento os diversos discursos de representantes do Estado, consultores, analistas e empreendedores locais que mobilizados para ou pela expansão do turismo em favelas refletiram sobre passado, presente e o futuro das favelas.

Palavras-chave: Favelas; Turismo; Meio ambiente; Paradigma das Novas Mobilidades; Futuro.

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Abstract

Favelas of Rio de Janeiro have been historically elaborated as deforestation, risk areas, poverty and violence, problems that affect “the marvellous city”. Through history therefore, these were the meanings imposed to favelas by public policies. However, and against all odds, selected favelas were discovered by tourists, just before the Earth Summit - Eco 92, the United Nations Conference on Environment and Development, based in Rio. Between 1990 and 2000, these favelas consolidated as tourist attractions competing with Corcovado and Sugar loaf. The controversial visits were accused of being “poverty safaris” or “poverty zoos”. In the 2000s, the State recognized these areas as tourist attractions and stimulated the commercialization of favelas in the context of megaevents, which came with urbanization policies such as the Growth Acceleration Program (PAC) and Carioca Living (Morar Carioca), and a new public security policy the Pacifying Police Units (UPP). The social version of these projects has put tourism on the agenda. Consultants, analysts and technicians were hired to carry out studies of potentialities and capacities of favela residents to undertake tourism business which expanded and crossed the borders of the southern zone, reaching the centre, north and west of the city, in smaller proportions. While it spread, this tourism specialized and differentiated itself. Tourists could find the most diverse experiences in favelas, from the local gastronomy, museums, art gallery, to luxurious lodgings, parties and funk dances, that gathered cariocas and tourists in expensive spaces inside favelas. This expansion / transformation came to be perceived as a problem. The increase of economic value inside favelas areas began to reach those who could no longer remain in these places. The most diverse movements of resistance appeared, from those that go against the tourism in favelas, to those who want to be part, but in its way. In this context, I have found proposals for community-based tourism that have gained strength in local discourse as an alternative to mass tourism, and ecotourism proposals, combining elements of community-based tourism with preservation of the environment. Thus, with the theoretical framework of the New Mobility Paradigm (Sheller and Urry, 2006, 2016) and the phenomenon of the traveling favela (Freire-Medeiros, 2013), I analysed community-based tourism and ecotourism initiatives, seeking to understand their origins and proposals of an alliance between tourism and the environment. For that, I performed a multisited ethnography, where I moved through the expansion of tourism in Rio de Janeiro favelas in the context of megaevents. Throughout the research, I noticed that tourism and the networks it mobilizes have put in dispute new meanings for the favelas, and in the specific case of this thesis, the anti-ecological favela contestation. Thus, I present the various speeches of State, consultants, analysts and local entrepreneurs who mobilized for or by the expansion of tourism in favelas reflected on the past, present and future of favelas.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 14

Tema: Favelas ecológicas e os processos de produção e reprodução da favela turística ... 14

Contexto sócio-histórico: Eco 92, Rio+20 e Rio 2032? ... 19

Referencial Teórico: O Paradigma das Novas Mobilidades ... 24

Hipóteses: o turismo como processo de ressignificação de favelas ... 27

Metodologia: a pesquisa multissituada ... 32

Organização da tese: passado, presente e futuro do turismo em favelas ... 45

CAPÍTULO I ... 48

Passado: da favela antiecológica à favela turística A favela antiecológica ... 48

O projeto de Ecodesenvolvimento da FEEMA ... 58

Mutirão Reflorestamento ... 65

A descoberta da favela turística ... 77

Os Ecolimites ... 87

CAPÍTULO II ... 92

Presente – Parte I: políticas públicas e a expansão do turismo em favelas no contexto dos megaeventos Políticas Públicas em favelas no contexto dos megaeventos ... 96

Projeto de Desenvolvimento do Empreendedorismo em Comunidades Pacificadas ... 103

Rocinha ... 110

Pavão, Pavãozinho e Cantagalo ... 114

Santa Marta ... 121

Complexo do Alemão ... 125

Tabajaras e Cabritos ... 134

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CAPÍTULO III ... 145

Presente – Parte II: o ecoturismo como alternativa de expansão do turismo em favelas no contexto dos megaeventos Babilônia e Chapéu Mangueira: as paradigmáticas favelas ecoturísticas ... 145

Vidigal: a trilha da moda e o lixão que virou parque ... 167

Laboriaux: a joia da Rocinha ... 188

CAPÍTULO IV ... 200

Futuro: perspectivas para o turismo em favelas A favela de rápida mobilidade ... 211

A favela fortificada ... 216

A favela digital ... 220

A favela ecológica ... 224

CONSIDERAÇÕES FINAIS: ... 229

Passado, presente e futuro da favela turística Estocolmo 72, Eco 92, Rio+20 e Rio 2032? ... 229

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INTRODUÇÃO

Tema: Favelas ecológicas e os processos de produção e reprodução da favela turística

Em uma manhã ensolarada de janeiro de 2011, cheguei à Estrada Ary Barroso para um

tour com um guia local e liderança comunitária do Chapéu Mangueira. Marcamos de nos

encontrar no Leme, entrada das favelas Babilônia e Chapéu Mangueira. Conhecidas por terem sido cenários de Orfeu negro (1959), de Marcel Camus, e Tropa de elite (2007), de José Padilha, além de dois documentários sobre as favelas - Chapéu Mangueira e Babilônia -

histórias do morro (1999), de Consuelo Lins, e Babilônia 2000 (1999), de Eduardo Coutinho

- hoje são famosas pelos seus projetos ecológicos e uns dos acessos à mais recente área de preservação da cidade, o Parque Natural Municipal da Paisagem Carioca1, criado em 2013.

Subimos a favela de mototáxi e paramos perto de uma escadaria de onde avistávamos a Creche da Tia Percília e a Associação de Moradores da Babilônia. Ele nos levou até a creche comunitária e depois à Associação, de onde conseguíamos avistar o “telhado verde” da creche, um telhado com um gramado, que nosso guia local explicou que mantinha a creche mais fresca e era “ecologicamente correto”.

Seguimos para a entrada da trilha, onde havia uma casa de pau-a-pique, que ele disse que representava como todas as casas da favela foram um dia, e que pretendem mantê-la como está para preservar essa memória. Adentramos a trilha, enquanto o morador nos explicava que a Babilônia havia recebido o título de “favela ecológica” de uma organização internacional, por conta do reflorestamento realizado na área desde o final dos anos 1980 pelos moradores, projeto que seria apresentado na Rio+20, Conferência para o Desenvolvimentos Sustentável da ONU que seria realizada em 2012 na cidade, 20 anos depois da Eco 92. Comecei então a buscar mais informações sobre esse título e suas origens, bem como estava se dando a preparação dessas favelas para a Conferência.

1 Com o reconhecimento, pela UNESCO, da paisagem carioca como Patrimônio Mundial da Humanidade em

2012, na categoria de Paisagem Cultural, foi confirmada a necessidade de uma maior proteção ambiental e paisagística da região, o que levou o Município a criar o referido Parque. O Parque reúne sob a mesma gestão as Áreas de Proteção Ambiental (APA) do Morro do Leme, Urubu e Ilha de Cotunduba (1990); a Área de Proteção Ambiental (APA) dos Morros da Babilônia e São João (1996); e a Área de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana (APARU) do Complexo Cotunduba – São João (2009), com o objetivo de preservar ecossistemas naturais e a beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, recreação e de turismo ecológico.

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15 Assim, encontrei, não só localmente como também externamente, o eco da favela ecológica. Na Babilônia e Chapéu Mangueira encontrei as obras do Morar Carioca, programa da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro voltado para a urbanização de favelas, que nessas foi adjetivado de “verde”. Mais tarde, conheci o Favela Orgânica, um projeto local voltado para a promoção do conhecimento sobre o ciclo total dos alimentos desde sua produção, passando pela preparação com aproveitamento de cascas e talos, evitando o desperdício, até o retorno para a terra das sementes para uma nova produção. E, por último, o Revolusolar, um projeto voltado para a instalação de painéis de energia solar em casas da Babilônia. Em conversa com o presidente da associação de moradores em 2015, ele me falou sobre todos esses projetos e seu trabalho para tornar a Babilônia, nas suas palavras, uma “favela sustentável e com qualidade de vida para seus moradores”.

Fora da Babilônia e Chapéu Mangueira, encontrei outros projetos ecológicos em favelas que surgiram ou ganharam força e visibilidade com a Rio+20. No Vidigal, encontrei o Sitiê, um Parque Ecológico criado por moradores onde antes era um lixão. Resultado do engajamento de um grupo de moradores, que iniciou a limpeza no local com replantio e construção de hortas para distribuição da produção aos moradores do entorno. No Laboriaux (Rocinha), um movimento foi fundado visando ao debate e à promoção da qualidade de vida e desenvolvimento sustentável dessa parte da favela, que havia sido classificada como “área de risco” e ameaçada de remoção após fortes chuvas que atingiram a cidade em abril de 2010.

Essa face ecológica das favelas era, até então, pouco conhecida. Lembremos que essas áreas foram historicamente elaboradas como antiecológicas e supostamente desmatadoras, pois teriam ocupado áreas onde outrora a mata atlântica predominava, como podemos observar na matéria publicada no portal de notícias O Globo.com, em 26 de junho de 2010.

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Figura 1: Matéria publicada no Portal O Globo.com em 26/06/2010 Fonte: O Globo.com2

A matéria denuncia que favelas estariam ocupando parcial ou totalmente áreas de preservação demarcadas pela União, Governo do Estado ou Município, indicando um crescimento de 282,3% em cinco anos. Ou seja, eram apenas 17 favelas nessa situação em 2003, conforme estudo do Tribunal de Contas do Município, e em 2010 já seriam pelo menos 65 (O Globo.com, 2010).

No entanto, justamente as vésperas da maior conferência global sobre meio ambiente, algumas ações ecológicas em favelas ganharam espaço e visibilidade, como podemos ver na matéria da Empresa Brasileira de Comunicação de 08 de maio de 2012.

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Figura 2: Matéria da EBC sobre visitas ao Parque Ecológico Sitiê durante a Rio+20 Fonte: Empresa Brasileira de Comunicação (EBC3)

A matéria apresenta o Sitiê e o divulga como espaço de visitação durante a Rio+20. É interessante notar, que, depois da Conferência, o fluxo turístico para o Vidigal se intensificou, sendo uma das principais fronteiras da expansão do turismo em favelas entre 2013 e 2014. Essa intensificação de fluxos de pessoas e investimentos para favelas e seus projetos ecológicos possibilitou a apresentação desse lado ecológico, por vezes encoberto pela difundida imagem da favela antiecológica. E, por sua vez, estimulou a elaboração de roteiros alternativos que possibilitam novas experiências aos turistas. Como podemos notar no roteiro “Favelando”.

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Figura 3: Reportagem do Jornal O Dia sobre o Circuito Favelando. Fonte: O Dia.com4

“Favelando” foi um roteiro elaborado em uma parceria de guias do Complexo do Alemão, Turano e Vidigal propondo dois dias de experiências turísticas nessas favelas. Chamado por seus criadores de “Circuito Turístico Cultural e Ecológico”, possibilitava ao turista “vivenciar um intercâmbio cultural”. O circuito incluía “Andar de Teleférico, experiência em transporte público, se deliciar com Caipirinhas, ‘Tira-Gosto’, almoço típico de um ‘Favelado’, Feijoada na Laje em casa de morador, Hospedagem na Favela (...) e trilha do Morro Dois Irmãos”. (Gigatrek5, 2015).

Este roteiro resume bem as diversas possibilidades de experiências turísticas em favelas do Rio promovidas nos últimos anos, e o termo “favelando” apresenta o processo de expansão com formação de redes e continuidade entre as favelas turísticas representado neste

tour. Vale notar ainda que “favelando” seria também uma tradução quase que literal do termo slumming, cunhado na Inglaterra Vitoriana para classificar atividades realizadas por pessoas

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http://odia.ig.com.br/noticia/riosemfronteiras/2015-07-31/moradores-vibram-com-possibilidade-de-imersao-de-visitantes-nas-favelas.html

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19 oriundas das classes mais altas que iam até as áreas habitadas pelos mais pobres, em geral, para atividades relacionadas à caridade e práticas cristãs, trabalhos sociais, jornalismo ou ainda pesquisas sociológicas. (Koven 2004 apud Freire-Medeiros, 2009; 2013). Apesar de os criadores não terem nomeado o roteiro inspirados no termo slumming, tal comparação é inevitável quando consideramos que pesquisadores concordam que o slum tourism ou o turismo em áreas de pobreza apresenta semelhanças com o "Slumming" do século XIX (Freire-Medeiros, 2009, 2013; Steinbrink, 2012; Frenzel, 2016).

O “Favelando” simboliza, assim, não só a travessia de fronteiras turísticas da cidade para as favelas, mas também a expansão das fronteiras do turismo para outras favelas no Rio de Janeiro. Esse processo pôde ser observado no período do Rio “cidade-sede”, uma cidade- sede de megaeventos como a Copa do Mundo de Futebol da FIFA de 2014 e os Jogos Olímpicos Rio 2016, quando, para Soares Gonçalves (2013), a inserção das favelas na cidade parece estar “mais do que nunca condicionada às suas novas configurações de áreas pacificadas, patrimonializadas para o turismo” (Soares Gonçalves, 2013: 33).

Neste cenário, acompanhei, então, uma expansão do turismo em favelas pela cidade, quando o ecoturismo apareceu como uma importante tendência do turismo em favelas, mobilizado por agentes do Estado, moradores e ONGs, que buscavam inserir novas favelas no sistema turístico internacional. E mais: se antes as favelas eram consideradas antiecológicas, esse ecoturismo em favelas contesta essa assertiva e coloca em disputa novos significados para as favelas.

Contexto sócio-histórico: Eco 92, Rio+20 e Rio 2032?

Em 1992, foi realizada na cidade do Rio de Janeiro a Eco 92 – Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Naquele momento, as favelas ocupavam um lugar de destaque nas mídias como áreas violentas e causadoras dos riscos sociais e ambientais para a cidade.

A socióloga Márcia Leite mostra com pertinência como o Rio, representado desde o início do século XX como a “cidade maravilhosa”, ao longo dos anos 1990, recebeu outro título - o de “cidade partida”.

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20 Assassinatos, roubos, assaltos, sequestros, arrastões nas praias, brigas de jovens em bailes funk e confrontos armados entre quadrilhas rivais ou entre estas e a polícia ganharam as ruas de uma forma inusitada por sua frequência, magnitude, localização espacial, potencial de ameaça e repercussão na mídia local e nacional. Sucessivos governos (municipais e estaduais), eleitos com a promessa de controlar ou acabar com a violência na cidade, e implementando políticas bastante diferenciadas com vistas a este fim, pouco ou nada conseguiram fazer para reverter este quadro. Interpretando o crescimento da violência na chave da “questão social”, vários de seus analistas passaram a nomear o Rio de Janeiro como uma “cidade partida” (Ventura, 1994; Ribeiro, 1996, entre outros apud Leite, 2000:74).

Matéria do Portal Uol de notícias relembrou reportagem da Folha de São Paulo intitulada "Rio sitiado”, publicada em 2 de junho de 1992, que apresentava a imagem de um canhão apontado para a favela da Rocinha, o que demonstra a significação dessa área como um perigo para a cidade e para os participantes da Conferência.

Figura 4: Matéria do Portal UOL de notícias publicada em 16 de junho de 2012. Fonte: Portal de notícias UOL6

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21 O evento reuniu mais de 30 mil pessoas, incluindo cerca de 100 chefes de estado e 10 mil jornalistas e tropas federais para garantirem a segurança.

As ruas por onde circulariam os visitantes foram “sanitarizadas” com o recolhimento da população de rua e várias favelas foram camufladas em uma tentativa de fazê-las invisíveis e inaudíveis aos estrangeiros. O Exército manteve tanques de guerra na entrada das favelas mais próximas aos locais onde as atividades da Conferência eram realizadas, enquanto soldados em verde musgo patrulhavam a área (Freire-Medeiros e Moraes, 2015:366).

No entanto, nesse clima, se deram as primeiras visitas comerciais às favelas Rocinha e Vidigal. Para Freire-Medeiros (2013), o interesse por conhecer áreas de pobreza através de roteiros turísticos aparece como resultado de uma ressignificação da pobreza como objeto de consumo, capaz de reforçar as fronteiras sociais e a distinção. Esse turismo se apresenta ainda como parte da expansão dos chamados tours de realidade, que prometem um contato seguro e direto com “territórios marginais idealizados como oposto” à realidade local do turista. Frenzel (2016) a ascensão desses tours em áreas de pobreza, nos anos 1980 e 1990, se dá após a Guerra Fria, com a prevalência de uma ordem global Neoliberal caracterizada por uma retração do Estado de Bem-Estar Social e aumento das questões sociais globais. O pesquisador defende que o turismo em áreas de pobreza se torna uma questão, ao mesmo tempo em que pobreza e desigualdade se tornam uma preocupação.

Não por acaso, a Eco-92 trazia em seus debates temas como o combate à pobreza e foi balizadora para consolidação da percepção de “interdependência entre as dimensões ambientais, sociais, culturais e econômicas do desenvolvimento” (Guimarães e Fontoura, 2012). Ou seja, para os conferencistas não haveria desenvolvimento sustentável sem pensar nas questões sociais e culturais que contribuíam para a insustentabilidade da sociedade.

Também no Rio de Janeiro, 20 anos mais tarde, a Rio+20 “reacendeu as esperanças de avançar na transição a uma sociedade global sustentável”, com objetivo de analisar e avaliar o que foi feito desde a Eco 92. Durante a Conferência, mais de 190 países enviaram representantes para o Rio. Simultaneamente, aconteceu a Cúpula dos Povos, no Aterro do Flamengo, com eventos paralelos organizados por ONGs, cooperativas, comunidades indígenas, quilombolas e demais movimentos sociais, além de pesquisadores, políticos e representantes do setor privado. Para Guimarães e Fontoura (2012), a Rio+20 foi planejada para ser espaço de negociações sobre aspectos do futuro ambiental do planeta, mas focou-se

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22 em discussões, na visão dos pesquisadores “quase acadêmicas”, sobre economia verde, desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza, temas que encontramos nas iniciativas apresentadas nessa tese (Guimarães e Fontoura, 2012).

Como podemos notar, há uma clara noção de continuidade dos debates da Eco 92 para a Rio+20, e, como veremos nesta tese, houve continuidade também no desenvolvimento turístico de favelas. Em termos de cidade, a conferência marcou ainda o chamado período dos megaeventos, sendo considerado o primeiro evento teste.

A análise sobre o período dos megaeventos se justifica, pois, conforme destacado por Zirin (2014), o Brasil foi o primeiro país a sediar a Copa do Mundo de Futebol da FIFA de 2014 e os Jogos Olímpicos Rio 2016, em um espaço tão curto de tempo, tornando essa organização desafiadora. E, para se preparar para essa missão, o Rio sediou, em 2012, a Rio + 20; em 2013, a Jornada Mundial da Juventude Católica e a Copa das Confederações, todos considerados eventos-teste para 2014 e 2016. Nesse curto espaço de tempo, os olhares do mundo se voltaram para o Brasil e para o Rio de Janeiro algumas vezes. Houve uma intensificação de fluxos de pessoas e investimento, gerando um aumento de turistas7 e um potencial aumento de locais turísticos para atender a essa nova demanda. Assim, novos locais turísticos encontravam um cenário favorável para sua elaboração, como resultado de processos econômicos, sociais e culturais.

Para os sociólogos Sheller e Urry (2004), uma cidade sede de megaeventos sai do lugar comum e passa a ser uma “cidade-sede”, passa a olhar para o futuro e se preparar para esses eventos que produzem e intensificam enormes fluxos de pessoas e capitais. Por serem considerados únicos, envolvem momentos de “condensação global”, ou seja, de intensa localização de pessoas e investimentos (Roche 2000: 224 apud Sheller e Urry, 2004: 9). E foi exatamente isso que ocorreu no Rio entre 20098-2016. O Rio de Janeiro deixou de ser uma cidade comum, e passou a se preparar para sediar esses eventos. Fluxos de pessoas e capitais foram intensificados e chegaram a seletas favelas do Rio, em forma de políticas públicas,

7 Segundo o Anuário Estatístico do Ministério do Turismo (2016), em 2002, quando o Rio de Janeiro foi

anunciado como sede dos Jogos Pan-Americanos de 2007, o Brasil recebeu 3,2 milhões de turistas; em 2012 foram 5,7; 2013, 5,8; 2014, 6,4; e, segundo a Empresa Brasileira de Comunicação (2017), em 2016 foram 6,6 milhões, fechando este último ciclo dos megaeventos na cidade.

8 Ano em que o Rio de Janeiro é definido como sede da Rio+20, das partidas da Copa do Mundo de Futebol da

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23 investimentos nacionais e internacionais que preparam terreno e movimentam novas favelas para dentro do sistema turístico internacional.

Assim, a análise sobre o período Rio cidade-sede e a intensificação de fluxos de pessoas e investimentos para a cidade e, por sua vez, para as favelas, permite observar a elaboração e reelaboração dessas áreas para o turismo por autoridades públicas, ONGs, organizações comunitárias, entre outros atores. Novas favelas turísticas foram “produzidas” ou elaboradas, oferecendo meios de hospedagem, bares e restaurantes, além de festas e roteiros “alternativos” ao favela tour. Nesse contexto, encontrei como tendência o ecoturismo, ou os tours relacionados a práticas e projetos ecológicos, que aparecem com frequência e colocam em contestação a histórica elaboração das favelas como antiecológicas, quando não ressignificam essas como ecológicas.

Nesses roteiros ecoturísticos, por vezes, encontrei referências, projetos e planos para o futuro das favelas, com propostas que buscam melhoria da qualidade de vida e sustentabilidade para essas áreas; ao mesmo tempo em que encontrava uma preparação para receber turistas nos megaeventos que estavam no futuro próximo e imediato de 2014 e 2016, bem como os efeitos dessa atividade nas favelas.

Assim, o futuro das favelas é posto em pauta. Em 2014, no Vidigal, uma série de debates discutiu temas como gentrificação e “remoção branca”, que serão analisados ao longo desta tese. Em 2015, o I Congresso de Turismo de Base Comunitária da Rocinha debateu sobre o legado olímpico nas favelas e, na Câmara dos Vereadores, um Projeto de Lei que visava a proibir o turismo em favelas, abriu espaço para a formação de um Grupo de Trabalho que redigiu um novo projeto de lei com vistas a promover ações públicas para o desenvolvimento do turismo de base comunitária nessas áreas.

Como dito, esses eventos estavam preocupados com o futuro, com o Rio pós-megaeventos e, em especial, com o futuro das favelas nesse contexto. Diante disso, esta tese aborda três tempos históricos relativos ao período dos megaeventos, considerando este como tempo presente, o período entre 19799 e 2008 como passado e o futuro pós-Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, que demarca o fim da performance do Rio de Janeiro como cidade-sede.

9 1979 é o recorte para início da pesquisa, pois neste ano encontrei a o primeiro projeto relacionado à elaboração

das favelas como antiecológicas, no contexto do Projeto de Ecodesenvolvimento da FEEMA, que será analisado no capítulo I.

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Referencial Teórico: O Paradigma das Novas Mobilidades

Para a melhor compreensão e análise desses períodos históricos, bem como do processo de ressignificação de favelas, no contexto de expansão do turismo para essas áreas, recorro ao Paradigma das Novas Mobilidades (PNM). Elaborado, inicialmente, pelos sociólogos por Mimi Sheller e John Urry no começo dos anos 2000, o PNM tem sido construído por pesquisadores de diferentes disciplinas e localizados em várias partes do globo. Para Urry, na virada do milênio, assistimos a uma intensificação de fluxos que envolveram e ainda envolvem boa parte das sociedades, demandando, assim, uma nova forma de se pensar estas sociedades e a própria sociologia. Considerando que as mobilidades são um fenômeno social complexo que vai além das dimensões físicas, corporais e econômicas, tradicionalmente analisadas em estudos sobre viagens, transportes, mobilidade social, o sociólogo propõe que reposicionemos as mobilidades como uma importante lente de análise das culturas, imaginários, espaços e indivíduos (Urry, 2000; 2007).

Na introdução à coletânea Tourism mobilities: places to play places in play (2004), Sheller e Urry analisam o turismo sob as lentes das mobilidades, o que chamam de mobilidades turísticas. Para isso, avaliam como a compressão tempo – espaço, resultado de inovações e ampliação de acesso a diferentes meios de transporte, com novas tecnologias de informação e comunicação, trouxeram as pessoas em todo o mundo para mais perto umas das outras, aumentando os fluxos de viajantes, migrantes e turistas que se deslocam de um lugar para o outro e produzem novos lugares turísticos (Sheller e Urry, 2004:3-4).

Para compreender a proposta dos sociólogos, é importante lembrar que lugares são construídos por pessoas e suas práticas sociais, culturais, políticas e econômicas no espaço. São, portanto, produzidos a partir da mobilidade, encontros, contatos e rede de capitais, pessoas, objetos, sinais e informações, assim como também são produzidos em função da ausência desses. Disto isto, Sheller e Urry (2004) propõem os estudos sobre os lugares turísticos a partir dos movimentos dos complexos sistemas formados pela combinação de redes de pessoas e lugares.

Esta é a ideia que perpassa a noção de places to play / places in play – lugares para jogo ou lugares para performance. Considerando que play em inglês também significa peça teatral, ou espaço para performance, os lugares são, assim, performados ou elaborados por

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25 diversos atores, sejam esses residentes, operadoras de turismo, ONGs, Estado e turistas. Por isso, não faz sentido olhar para o turista em separado do lugar, ou para o lugar separado dos turistas, mas, sim, olhar para os movimentos e redes que se formam nestes lugares, tornando-os turístictornando-os.

A partir da análise sobre a produção de lugares turísticos, Sheller e Urry formularam o Paradigma das Novas Mobilidades, e, para isso, consideraram as “significativas mudanças teóricas, desenvolvimentos metodológicos e novas questões de pesquisa” que emergiam nas ciências sociais10 (Sheller, Urry, 2016: 12, trecho traduzido pela autora). O PNM busca, assim, refundar as ciências sociais através da investigação do papel estruturante do movimento nas instituições e práticas sociais, que envolvem diversas conexões presenciais ou a distância, via dispositivos como celulares e computadores ou softwares como Skype, ou as redes sociais. Para os pesquisadores, “diferentes modos de mobilidade e suas complexas combinações, como: viagens corporais de pessoas; movimento físico de objetos; viagens virtuais frequentemente em tempo real transcendendo a distância; comunicação de pessoa para pessoa através de mensagens; e viagem imaginativa” estruturam instituições e relações sociais na contemporaneidade (Sheller e Urry, 2016: 11, trecho traduzido pela autora).

Assim, o Paradigma das Novas Mobilidades abre uma nova perspectiva para estudos de turismo, mais especificamente para os estudos do turismo em favelas. Isto porque oferece uma fuga das tradicionais dicotomias dos estudos do turismo, tais como as análises sobre as motivações dos turistas ou dos impactos aos ambientes físicos e/ou culturais, e passa a oferecer um olhar e um entendimento sobre as mobilidades estruturantes do turismo como um sistema híbrido e complexo composto por objetos, lugares, tecnologias e relações sociais (Cresswell, 2006; Mavric e Urry, 2009).

Dito isto, os lugares turísticos estudados nesta tese – as favelas – são analisados como lugares em constante movimento. Utilizo, portanto, a noção de traveling favela / “favela viajante”, cunhada por Freire-Medeiros (2013). Inspirada, entre outras referências, nas ideias de Sheller e Urry (2004), a socióloga propõe que a combinação da favela enquanto marca e destino turístico se dá através da “circulação de imagens, significados, objetos e corpos responsáveis por criar e mobilizar a favela turística”, tornando-se um fenômeno mundial na virada do milênio (Freire-Medeiros, 2013: 24, trecho traduzido pela autora).

10 As citações publicadas originalmente em inglês e sem tradução para o português foram traduzidas livremente

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26 Freire Medeiros (2013) identificou em entrevistas com operadores de turismo em favelas, o papel fundamental do filme Cidade de Deus (2002) na circulação da favela pelo mundo. Dirigido por Fernando Meirelles e considerado “um sucesso comercial sem precedentes” com grande repercussão internacional, o longa apresentou um testemunho da vida em uma favela carioca do ponto de vista local e somou-se a uma série de outras produções e coproduções nacionais e estrangeiras, que fizeram circular ainda mais imagens destas áreas. Além da indústria cinematográfica, a favela circula também nos campos de arte, decoração e vestuário, podendo ser representada em uma instalação artística em um museu, em um chinelo Havaianas ou ainda ser a temática de um restaurante internacional de comida brasileira. Somam-se a essas formas de circulação as fotos de turistas que visitam favelas e as postam nas redes sociais (Freire-Medeiros, 2013).

Até o início dos anos 2000, a principal favela turística era a Rocinha. A partir de então, começa a compartilhar a atenção de turistas com favelas que passam a oferecer interessantes combinações do que não se espera encontrar em uma favela, como, por exemplo, um museu, galerias de arte, projetos ecológicos ou hospedagens de luxo, que escapam às expectativas do que seria oriundo da favela. Assim, o turismo em favelas no Rio de Janeiro e, em especial, a expansão desse turismo para além da Rocinha, se distingue da oferta internacional, não deixando o turista “cair” nesta contradição. No Vidigal, os turistas fazem uma trilha pela mata, visitam um parque ecológico e se hospedam em albergues luxuosos, que não lembram em nada a arquitetura que se poderia chamar de “tradicional” da favela; o mesmo ocorre no Laboriaux, parte alta da Rocinha, onde o turista faz uma trilha, toma banho em uma represa e se hospeda em pacatas casas que mais lembram um vilarejo no meio da mata do que uma favela; e na Babilônia, além das trilhas, os turistas encontram pousadas e albergues que também desafiam os padrões da própria favela. Há quem se hospede na Babilônia sem saber ou reconhecer que está em uma favela. Essa talvez seja a principal característica da expansão desse turismo no Rio de Janeiro: a comercialização do que não seria exatamente típico ou considerado parte da favela, mas está lá, foi produzido na favela, na onda de expansão desse turismo, mas uma expansão que queria se distinguir do padrão

favela tour Rocinha. Ou seja, os turistas passaram a encontrar na favela aquilo que não cabia

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Hipóteses: o turismo como processo de ressignificação de favelas

Dito isso, esta tese parte da hipótese de que o ecoturismo em favelas aparece como estratégia de diferenciação na expansão do mercado turístico em favelas e acaba por possibilitar uma ressignificação da então favela antiecológica em ecológica.

Esse processo de ressignificação das favelas se dá através da diferenciação/distinção nos termos de Bourdieu (2007), que defende a construção social do gosto, ou seja, como este é determinado ou resultado do capital social e cultural de um indivíduo, não apenas do capital econômico. No livro A Distinção, o sociólogo apresenta como gosto define e distingue também classes sociais, bem como produtos são criados para determinadas classes para atender a esses gostos.

Apesar de não desenvolver nesta tese um debate sobre classes, entendo que, no contexto da Eco 92, os roteiros turísticos em favelas apareceram para atender a determinados gostos de turistas que buscavam se diferenciar daqueles que conheciam apenas os tradicionais atrativos da cidade como Corcovado e Pão de Açúcar. Já na Rio + 20, os discursos sobre consumo sustentável e economia verde se expressaram no interesse de turistas em se diferenciarem daqueles que já faziam o favela tour em 92, buscando outras formas de conhecer as favelas; dentre elas, através do ecoturismo, que agrega valores ambientais à favela turística.

Frenzel (2016) aponta o turismo como um campo discursivo onde as questões sociais são negociadas e onde espaços políticos são criados para responder a problemas sociais. O turismo em áreas de pobreza é, assim, uma forma de acessar essas questões para conhecer ou aprender sobre desigualdade e pobreza, e, ao mesmo tempo em que o turista aprende, imprime valor a estes lugares (Frenzel, 2016: 4).

Neste sentido, Frenzel discute o poder do turismo nestas áreas através da sua valorização turística, que é “entendida como um resultado de práticas dos turistas que levam a uma mudança de percepção no valor destas áreas de forma ampliada”. Ou seja, para o pesquisador, a valorização turística tem a capacidade de adicionar camadas de significados aos locais quando estes se tornam turísticos, e esses novos significados podem romper com valores estabelecidos localmente. Isto porque, na visão deste pesquisador, o turista, na grande

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28 maioria dos casos, não conheceria os regimes de valor locais (Frenzel, 2016: 7, trecho traduzido pela autora).

Assim, se pensarmos no caso das favelas do Rio de Janeiro, para Frenzel, os turistas não estariam familiarizados, por exemplo, com os chamados “dogmas sobre as favelas”, identificados e elaborados pela socióloga Lícia Valladares, que em suas pesquisas encontrou uma série de assertivas feitas sobre as favelas nas mídias, no âmbito governamental e no próprio meio acadêmico, que foram denominados pela pesquisadora de “dogmas” (Valladares, 2005: 148-152).

O primeiro dogma se refere à especificidade da favela. Segundo a pesquisadora, desde sempre a favela foi considerada “diferente”. Os geógrafos chamam a atenção para o diferencial da ocupação irregular do território, os arquitetos ressaltam as construções e a urbanização que fogem à racionalidade arquitetônica, os órgãos oficiais destacam as irregularidades e ilegalidades. O segundo dogma se refere à categorização de favela como “lócus da pobreza e violência”, ou seja, é o território por excelência onde residem os pobres. Como território de pobreza, passa à categoria de símbolo do território dos problemas sociais, do espaço físico e tecido social precários. Este signo acompanha a ideia de favela como um enclave, um “gueto”, sendo por isto eleito pela academia para estudos, e pelos projetos sociais governamentais e não-governamentais para investimentos. O terceiro dogma trabalhado por Valladares se refere à “unicidade”, ao tratamento único analítico e político dado à favela, ou seja, o termo favela é pouco relativizado e é generalizado; politicamente e analiticamente “caímos no erro” de tratar de favela e não de favelas.

Na interpretação de Frenzel, esses valores ou esses dogmas não seriam de conhecimento dos turistas em alguns dos casos observados pelo pesquisador. No entanto, acredito que os dogmas identificados por Valladares (2005), apesar de desconhecidos pelos turistas internacionais, não deixam de estar presentes e ser reproduzidos na favela turística, que é comercializada por grandes operadoras como algo específico e particular da cidade do Rio de Janeiro, como pobre e violenta, e como se todas fossem iguais, em especial no comércio desse tipo de turismo por grandes empresas. Por consequência, para muitos turistas, conhecer uma favela do Rio seria como conhecer todas.

No entanto, na favela ecoturística, os dogmas são afastados e até mesmo contestados. Nessa favela encontramos uma relação de integração entre favela e cidade (ao invés da

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29 especificidade), pacificação (no lugar da violência), diferenciação (ao invés da unicidade) e ecologia / sustentabilidade (no lugar da antiecológica). A pobreza se mantém na favela turística e na ecoturística; no entanto, como veremos nos capítulos III e IV, a pobreza também é ressignificada, não como riqueza, mas como criatividade produtiva para a sustentabilidade.

Nos casos a serem apresentados nesta tese, veremos um diálogo entre a favela turística e ecológica na favela ecoturística, que aparece em um contexto de diversificação e diferenciação entre turismos, turistas, guias e empreendedores interessados em atender às demandas para esse consumo sustentável. Em diálogo com o meio ambiente, ou apresentando uma preocupação ambiental, uma série de atores ligados ao turismo em favelas busca se diferenciar, em um contexto de expansão, agregando o valor ambiental.

É importante destacar que a criação de mercadorias ambientais não é novidade. Sua origem remonta aos anos 1970, quando, a preocupação ambiental torna-se uma questão pública, disseminando a preocupação com os limites “da natureza como fonte de recursos e depósito de restos”. Parte desse processo se relaciona com a emergência do movimento ambientalista em resposta à “constante e acelerada investida do capital sobre a natureza” (Bakker ,2010: 726 apud Misoczky e Böhm, 2012:546-547).

De acordo com Smith (1984), o que a economia verde traz como novidade é a “inscrição do capital na paisagem”, que se expressa na mudança de percepção do meio ambiente como espaço de extrativismo e produção agrícola para a produção de mercadorias que não precisam ser extraídas, mas ganham valor “reinseridas” ou “mantidas na natureza socializada”. Essa inscrição do capital na paisagem pode ser percebida no turismo em favelas, quando observamos a inscrição da favela turística na paisagem. Se a inscrição da favela na paisagem do Rio era até então predominantemente antiecológica, o que veremos nos casos a serem apresentados é uma reinscrição da favela na paisagem como ecológica ou uma ressignificação que é impulsionada pelo turismo, tendo em vista que, quando estes projetos ecológicos são visitados e começam a colocar em circulação imagens, objetos, signos e informações das favelas ecológicas, essas passam a ser ressignificadas.

Deste modo, ao agregar o valor simbólico ambiental à favela turística, essas novas iniciativas atendem, de um lado, aos interesses de um público que deseja se distinguir daqueles que praticam o tour padrão Rocinha; e, de outro, atraem não só turistas como moradores da cidade do Rio de Janeiro, que passam ou voltam a frequentar favelas para fazer

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30 trilhas ou ir a bares e restaurantes; ou seja, as favelas passam a fazer parte do repertório de práticas locais de lazer e entretenimento.

Diante disso, defendo nesta tese a ideia de que a diferenciação dos roteiros turísticos em favelas provocou uma distinção entre as favelas turísticas. Promovida por atores locais, essa diferenciação escapa às referências prévias da traveling favela; mas, ainda assim, faz parte deste fenômeno, é um desdobramento ou uma consequência da “favela viajante”, ainda que por oposição. No entanto, com a circulação de pessoas, turistas e visitantes, em favelas que oferecem algo que escapa ou desafia as próprias noções ou dogmas sobre as favelas, o turismo passa a colocar em disputa e em circulação novos valores agregados, ressignificando a favela turística, que, por sua vez, pode ressignificar a relação favela e cidade.

É importante considerar ainda que o ambientalismo é frequentemente visto como um movimento social temático próprio das chamadas “sociedades prósperas”, ou seja, as sociedades do mundo desenvolvido, que já teriam superado sua luta por direitos básicos como acesso à moradia, saúde e educação, que estariam preocupadas com o legado ambiental para as gerações futuras.

Contestando essa visão mais geral, o economista Joan Alier cunha a expressão “ecologismo dos pobres” e aponta a necessidade de reconhecimento dos movimentos sociais frequentemente relacionados com lutas pela sobrevivência e que são, portanto, ecologistas. Isto porque seus objetivos são definidos em termos de necessidades para a vida – “energia (incluindo as calorias da comida), água e espaço habitar”. E, por isso, “são movimentos ecologistas, porque tratam de retirar os recursos naturais da esfera econômica, do sistema de mercado generalizado, da racionalidade mercantil (...)” (Alier, 1997:9).

Alier lembra que o ecologismo ou ambientalismo não é uma novidade. As sociedades ricas ou desenvolvidas, apresentam movimentos sociais contra energia nuclear, porque nessas sociedades há um enorme consumo de energia que mobilizou investimentos em centrais nucleares, mas também existe um ecologismo da sobrevivência, dos pobres, para o qual pouca atenção ainda é dada.

A ecologia de sobrevivência nem sempre aciona os vocabulários científicos regulares, pois se utilizam de “linguagens políticas locais”. Neste sentido, quando a liderança de movimento negro local traz em seu repertório discursivo a expressão “racismo ambiental” para discutir remoção, meio ambiente e favela, está trazendo sua linguagem política para o

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31 debate ambiental. Assim, é importante refletir também se o ecoturismo em favelas está se expressando como linguagem política local para o debate sobre meio ambiente e favela.

Quando grupos de moradores começam a perceber que é possível utilizar o turismo como linguagem política com e através dos turistas, eles passam a lutar por um lugar de protagonistas no turismo em favelas. Um lugar que muitas vezes é disputado na perspectiva de mercado, em uma disputa por clientes, mas também não deixa de ser uma disputa por um protagonismo na atividade, capar de colocar em circulação aquilo que os moradores consideram interessante mostrar e contar sobre a favela. E, nos casos pesquisados, há o interesse por mostrar uma favela, para além das imagens já massificadas de pobreza, violência e ilegalidade.

Assim, podemos considerar que o ecologismo dos favelados, ou o interesse do morador da favela sobre as questões ambientais é atrelado, sim, à sobrevivência, manutenção no território e qualidade de vida. E o turismo é o meio para ressignificar a favela.

Como exemplo, utilizo uma fala do subsecretário de Turismo em uma reunião da comissão de turismo na Câmara de Vereadores, em junho de 2015, onde ele conta que esteve em um evento internacional apresentando a cidade do Rio e seus principias produtos. Nessa apresentação, ele utilizava fotos de lugares como o Mirante do Arvrão e a Trilha do Morro Dois Irmãos. Quando o subsecretário revelava que esses lugares ficavam em uma favela o público se impressionava.

Figura 5: Foto de suíte do Albergue Mirante do Arvrão. Fonte: Booking.com11

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Figura 6: Vista do Mirante final da Trilha do Morro Dois Irmãos. Fonte: Foto da autora (2014)

Em congressos internacionais e muitas vezes em congressos no Brasil, quando apresentava minha pesquisa de tese e as fotos de determinadas áreas e iniciativas nas favelas do Rio de Janeiro, muitas pessoas não identificavam como algo de uma favela. Justamente porque não remetiam às imagens que se conhece, imagens de violência, pobreza, risco, e aqui enquadro toda a sorte de riscos – ambientais e sociais.

Neste sentido, apresento, nesta tese, como as favelas são locais de significados sempre em disputa, que produzem rupturas e disjunções, pelas complexas combinações de movimentos proporcionados pelo turismo em favelas.

Metodologia: a pesquisa multissituada

Para dar conta desse objeto em constante movimento, eu tive que me colocar igualmente em movimento e adotar métodos compatíveis. Assim, é importante detalhar sobre a construção da metodologia e os métodos empregados na pesquisa para esta tese e, mais especificamente, sobre os limites e desafios de uma etnografia multissituada sobre turismo em favelas no Rio de Janeiro.

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33 A pesquisa multissituada foi propagada a partir dos estudos George Marcus (1995) e ganhou maior reconhecimento no final dos anos 1990 em estudos de migração, quando o “estar lá”, tradicional expressão dos estudos etnográficos cunhada por Geertz (1988), se amplia para os pontos de partida e de chegada (Watson, 1977 In: Hannerz, 2003). É importante notar que a etnografia multissituada não é novidade. Como Marcus nos lembra, o próprio Malinowski, pioneiro nas pesquisas de campo antropológico, já realizava estudos multissituados em sua etnografia sobre os Trobiandeses, quando ele seguia os nativos, e suas trocas e rituais envolvidos no Kula. Assim, a etnografia multissituada se apresenta como um importante método para analisar movimentos ou fluxos em casos de pesquisas sobre fenômenos que se manifestam em diversos locais, mas guardando relações uns com os outros através de redes que se formam intra e interlocais. Deste modo, para análise da ampliação das fronteiras do turismo em favelas no Rio de Janeiro, bem como para entendimento sobre o processo de expansão desse, a etnografia multissituada foi selecionada como método mais apropriado para dar conta de um objeto em constante movimento.

É importante citar que etnógrafos que estudam o Turismo, em geral, fazem observação participante como turista e / ou como profissionais de turismo (Frohlick e Harrison 2008). Eu tentei fazer as duas coisas, embora a maior parte do tempo eu estivesse na posição de profissional do turismo.

No grupo de observações realizadas como turista, visitei as favelas pesquisadas, fui à restaurantes e bares em favelas, me perdi para encontrar lugares, passei horas andando e observando mirantes, becos, manifestações artísticas, tirando fotos, comprando souvenires e experimentando os transportes locais. Todas estas atividades me ajudaram a interagir e conversar com todos os tipos de pessoas, como: moradores, empresários locais, trabalhadores, turistas, policiais, entre outros. No entanto, a maior parte dos turistas em favelas ainda são estrangeiros, apesar de hoje encontrarmos também turistas nacionais, e, por isso, meus momentos de turista, após algum tempo de interação, eram convertidos ao lugar de professora / profissional do turismo, pois as pessoas me identificavam como turista até o momento que eu abria a boca e explicava o que estava fazendo ali em português.

Com o tempo, percebi que era mais bem recebida quando me apresentava como professora de turismo do que como uma pesquisadora, fato que ocorria diante da intensificação de pesquisadores acadêmicos, de empresas e do Estado interessados nos novos

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34 projetos, novas políticas públicas, questões de segurança e turismo, no contexto dos megaeventos. Como profissional / professora de turismo, os moradores me viam de forma mais familiar e como alguém que poderia trocar conhecimentos não só extrair informações. Esta posição me deixava mais confortável no meu trabalho de campo, e abria espaços para observação participante, como por exemplo, reuniões e debates sobre o turismo em favela; ou participação como professora / palestrante de turismo para os moradores; ou mediando reuniões de organizações locais com outras organizações interessadas em projetos em favelas; ou ainda escrevendo projetos com moradores. Como professora, em diversos momentos estava acompanhada dos meus alunos que também contribuíam nos projetos locais falando outras línguas ou testando roteiros.

Com isso, realizei visitas, observações participantes, conversas informais e entrevistas semiestruturadas em nove grupos de favelas do Rio de Janeiro, a saber: Rocinha; Vidigal; Pavão, Pavãozinho e Cantagalo; Tabajaras e Cabritos; Babilônia e Chapéu Mangueira; Santa Marta; Complexo do Alemão; Turano, Coreia, Salgueiro e Formiga; Vale Encantado; e Vila Kennedy. É importante destacar que nestas favelas não realizei um estudo sobre a cultura e vida social, nem utilizei todos os métodos citados em todas as situações. Eu analisei a expansão do turismo para e nestas áreas ponderando: os atores envolvidos; as redes formadas; as relações construídas entre atores destas favelas; entre eles e atores externos, como, por exemplo, agentes governamentais, turistas nacionais e estrangeiros, entre outros.

Neste sentido, e, considerando como disperso e diversificado, é o turismo em favelas hoje, que, como vimos, não se limita mais à Rocinha, busquei entender a construção de redes de turismo e seu papel no estabelecimento de ligações translocais, encontrando interconexões entre os atores e redes de turismo em favela para entender e acompanhar como se deu o processo de expansão desse turismo no Rio. Para isso, segui o conselho de Buscher et al. (2011) e permiti-me mover e ser movida pelos diversos atores envolvidos no turismo em favelas no Rio de Janeiro, como, por exemplo: minha orientadora, experiente pesquisadora do tema; meus estudantes engajados e curiosos com o turismo em favelas no Rio; moradores atuantes no turismo; outros pesquisadores. Assim, pude perceber como pessoas, objetos, informações e ideias se movem e são mobilizados em interação uns com outros, revelando como estes movimentos e relações moldam ordens sociais, políticas e econômicas (Wittgenstein, 1953, Garfinkel, 1967 apud Buscher et al 2011: 7).

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35 De acordo com Buscher et al (2011), existem alguns métodos móveis que podem ser acionados por pesquisadores, tais como: observar e participar de atividades em movimento, acompanhar o movimento de objetos, mensagens de texto e etnografias nos campos virtuais, entre outros. Dentre as possibilidades de métodos móveis propostos me identifico com o método chamado de “caminhar com”, ou seja, o método de pesquisa em que o pesquisador caminha ou “segue” os pesquisados. Em diversos momentos da minha pesquisa eu fiz isso, andava pelas favelas, conhecendo-as com um morador. No entanto, este método não retrata por completo o que fiz na minha pesquisa, é preciso adicionar outro elemento que seria o “trabalhar com” ou “colaborando com” ou ainda “trocando com”. Pois, a forma que eu encontrei de fazer pesquisa foi trabalhando com os moradores de favelas, indo às reuniões com os moradores, onde minha entrada nestes espaços era, de certo modo, condicionada a minha possibilidade de contribuir ou trocar conhecimento sobre turismo, e isso era possível, porque eu era conhecida e reconhecida por diversos atores como a professora ou profissional de turismo.

Assim, a etnografia multissituada me ajudou a cobrir diferentes cenários do turismo em favelas, que se desdobram em práticas significativas que permitem a percepção e a compreensão das conexões entre os agentes locais, apresentando as ligações multissituadas que encontrei desde 2009, quando do início das minhas pesquisas sobre o tema, ainda como mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Naquele momento, eu dava meus primeiros passos na pesquisa sobre a expansão das fronteiras do turismo em favelas, tomando o Museu de Favela (MUF) no Pavão, Pavãozinho e Cantagalo como referente empírico. O MUF é um museu territorial e comunitário fundado em 2008 por lideranças comunitárias com apoio do Projeto Social do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e se insere no contexto do turismo em favelas com a proposta de se tornar monumento turístico das favelas cariocas.

Com a declaração do Rio de Janeiro como cidade-sede de megaeventos (Rio+20, Copa do Mundo e Jogos Olímpicos) entre 2009 e 2016, eu pude observar em algumas favelas a sua preparação, engajamento e participação nestes megaeventos. Para isso, como professora no Departamento de Turismo e Patrimônio da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), fundei o Observatório do Turismo em Favelas, com o objetivo de mapear e

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36 colaborar com as iniciativas e projetos locais relacionados ao turismo em favelas na cidade do Rio de Janeiro.

Dentre as principais ações do Observatório, estava a continuidade dos trabalhos no Museu de Favela. Acompanhei o planejamento e criação de um novo roteiro do MUF na parte alta do Pavão, Pavãozinho e Cantagalo, o chamado Caminho do Alto. O Museu pretendia preservar a mata remanescente no topo do morro, bem como contar para moradores e visitantes as tradições e histórias de uso do ambiente por parte da comunidade. Este caminho foi apresentado pelo MUF à empresa do PAC social que, no contexto da Rio+20, estava interessada em desenvolver projetos ecológicos e, portanto, financiou o projeto.

Para iniciar os trabalhos de elaboração do Caminho do Alto, uma das primeiras ações do MUF foi realizar uma visita à CoopBabilônia (Cooperativa de Reflorestadores da Babilônia), no Morro da Babilônia, no Leme, onde um grupo de moradores conduz um projeto de reflorestamento local e onde também desenvolveu um projeto de ecoturismo. Foi assim, que cheguei à CoopBabilônia e iniciei a pesquisa que resultou nesta tese.

Foi seguindo o MUF até à CoopBabilônia que passei do Pavão, Pavãozinho e Cantagalo para a Babilônia e Chapéu Mangueira, iniciando a minha jornada em busca de projetos e iniciativas de turismo em favelas liderados por moradores, “descortinando”, ou seja, observando os bastidores do processo de tornar favelas turísticas ou recuperando através da história oral como se deu esse processo.

Em 2011, trabalhei como pesquisadora de campo no projeto “Modelagem de Plano Estratégico para Estimular o Turismo em Comunidades Pacificadas”, do Ministério do Turismo em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, coordenado pela minha orientadora. Nessa ocasião, realizei o levantamento das potencialidades turísticas do Pavão, Pavãozinho, Cantagalo, Babilônia e Chapéu Mangueira; entrevistei pessoas envolvidas em projetos locais de turismo, guias e representantes das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) dessas favelas; e descobri a “favela ecológica”, conforme relatado no início desta introdução.

Em 2012, acompanhei as atividades relacionadas à Rio+20 realizadas na Babilônia e Chapéu Mangueira e o processo de criação do Parque Natural Municipal da Paisagem Carioca, em 2013. No mesmo ano, dei continuidade à pesquisa de campo juntos aos reflorestadores, à secretária da cooperativa, ao engenheiro florestal da CoopBabilônia, além de agentes das Secretaria Meio Ambiente da Cidade (SMAC). Nesse período, entendi que a o

Referências

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