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Intervenção precoce em contexto hospitalar : a atuação do psicomotricista no Centro de Neurodesenvolvimento do Hospital Beatriz Ângelo

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Academic year: 2021

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Universidade de Lisboa

Faculdade de Motricidade Humana

Intervenção Precoce em contexto hospitalar

A atuação do Psicomotricista no Centro de

Neurodesenvolvimento do Hospital Beatriz Ângelo

Relatório de Estágio elaborado com vista à obtenção do Grau de Mestre

em Reabilitação Psicomotora

Orientadora:

Professora Doutora Maria Teresa Perlico Machado Brandão

Júri:

Presidente

Professor Doutor Pedro Jorge Moreira de Parrot Morato

Vogais

Professora Doutora Maria Teresa Perlico Machado Brandão

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“I cannot pretend i am without fear. But my predominant feeling is one of gratitude.” Oliver Sacks

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Agradecimentos

Na caminhada da vida há sempre quem caminhe ao nosso lado, na mesma direção ou noutra, com o mesmo propósito ou outro, mas com uma crença e amizade que nos fazem querer caminhar mais e melhor. A todos os que estiveram comigo nesta caminhada, o meu muito obrigada:

À Professora Doutora Teresa Brandão, orientadora académica, por todo o apoio e disponibilidade, esclarecimento de dúvidas e orientação, bem como por me ter transmitido e motivado a obter mais conhecimentos na área do desenvolvimento infantil e intervenção precoce que auxiliaram a concretização deste percurso;

À Dr.ª Sofia Gonçalves, orientadora local, por ser quem é. Por acreditar sempre em mim, por me abrir portas e ensinar-me a abri-las, por todas as estratégias e partilhas profissionais e pessoais, por todas as aprendizagens, pela motivação, pelo seu positivismo constante, humanismo e compreensão. Por todo o apoio ao longo desta caminhada;

A toda a restante equipa do Centro de Neurodesenvolvimento do Hospital Beatriz Ângelo, nomeadamente à Dr.ª Mónica Pinto, Dr.ª Sandra Santos e Dr.ª Vera Rodrigues (pediatras do neurodesenvolvimento), Dr.ª Ana Pinelas (terapeuta da fala) e Dr.ª Ana Catarina Gomes (psicóloga educacional), por me terem recebido da melhor forma, por todas as partilhas e aprendizagens, por todos os sorrisos e, acima de tudo, por me terem feito sentir que estava no local certo. Há locais e pessoas que nos marcam e há aprendizagens profissionais e humanas que nos enriquecem de forma holística. No CND ninguém é apenas mais uma pessoa, todos são “a pessoa”;

A todas as crianças que se cruzaram no meu caminho, em especial aos meninos com quem pude intervir. Foram uma fonte constante de alegria, de desafios e de motivação, levarei comigo todos os momentos vividos e todo o carinho recebido. Um obrigada também às famílias das respetivas crianças por toda a confiança depositada em mim e por acreditarem que é possível;

Aos meus amigos e ao Filipe, por me apoiarem, por me ouvirem e me acompanharem neste percurso;

Aos meus familiares, especialmente pais e irmãos, os grandes impulsionadores dos primeiros passos de qualquer caminhada que faça. Obrigada por tudo.

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Resumo

O presente documento foi elaborado no âmbito da Unidade Curricular de Ramo de Aprofundamento de Competências Profissionais, inserida no Mestrado em Reabilitação Psicomotora e visa apresentar o trabalho desenvolvido, em contexto de estágio, no Centro de Neurodesenvolvimento, do Hospital Beatriz Ângelo. O processo de intervenção psicomotora, ancorado nos fundamentos e modelos de atuação da intervenção precoce na infância, foi desenvolvido com 6 crianças com atrasos e/ou perturbações do neurodesenvolvimento, ao longo de 8 meses, com idades compreendidas entre os 15 meses e os 5 anos. As intervenções decorreram de forma individual, com vista à promoção do desenvolvimento psicomotor nos seus vários domínios, melhorias na aquisição de competências específicas e do bem-estar socio-emocional das crianças e respetivas famílias. Este processo envolveu a observação, a avaliação inicial, elaboração de um plano de intervenção para cada caso, a intervenção propriamente dita e a avaliação final, com comparação e reflexão sobre os resultados. Também proporcionou a partilha de estratégias e atividades às famílias para darem continuidade ao trabalho desenvolvido em sessão, em contexto familiar, tudo isto considerando o estabelecimento de uma relação empática e de confiança com as crianças e famílias. No final, verificaram-se evoluções, com a aquisição de novas competências desenvolvimentais, bem como melhor consciência familiar acerca da importância da estimulação do desenvolvimento e do brincar.

Palavras-chave: Intervenção Precoce; Intervenção Psicomotora; Escala de Desenvolvimento Mental de Griffiths; Perturbações do Neurodesenvolvimento; Atraso Global do Desenvolvimento; Perturbação do Espetro do Autismo; Envolvimento das famílias.

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Abstract

This document was prepared under the Ramo de Aprofundamento de Competências Profissionais, inserted in the Masters in Psychomotor Therapy, which aims to reflect the work in the Neurodevelopment Center, Hospital Beatriz Angelo. The psychomotor intervention process, based on the fundamentals and models of early intervention in childhood, was developed during 8 months, with 6 children with development delays and/or neurodevelopmental disorders, aged 15 months to 5 years. Interventions were going individually, with the goal of promoting psychomotor development in their many domains, improvements in the acquisition of specific skills and the socio-emotional well-being of children and their families. The process involved the observation, initial assessment, conception of an intervention plan for each case, intervention itself and final assessment, with comparison and reflection on the results. It also provided the sharing of strategies and activities for families to give working development in session, in family context, all this in consideration of establishment of an empathetic and trusting relationship with children and families. In the end, there were evolutions, with the acquisition of new developmental skills, as well as a better family awareness about the importance of developmental stimulation and play.

Keywords: Early Intervention; Psychomotor Intervention; The Griffiths Mental Development Scales; Neurodevelopmental Disorders; Global Developmental Delay; Autism Spectrum Disorder; Involvement of Families.

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Lista de Abreviaturas

AGD Atraso Global do Desenvolvimento

CND Centro de Neurodesenvolvimento

DA Dificuldades de Aprendizagem

DC Défice Cognitivo

DRELVT Direção Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo

DPM Desenvolvimento psicomotor

EDMG Escala de Desenvolvimento Mental de Griffiths

e.g. por exemplo

ELIM Estado Limite

ELIs Equipas Locais de Intervenção Precoce

HBA Hospital Beatriz Ângelo

i.e. isto é

IP Intervenção Precoce

PEA Perturbação do Espetro do Autismo

PEL Perturbação Específica da Linguagem

PHDA Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção

RACP Ramo de Aprofundamento de Competências Profissionais

SNIPI Sistema Nacional de Intervenção Precoce na infância

TABS Temperamental Atypical Behavior Scale

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Índice Geral

Agradecimentos ... v

Índice Geral ...ix

Índice de Tabelas ... xii

Índice de Figuras ... xiii

Índice de Gráficos ... xiii

Introdução ... 1

I Enquadramento da Prática Profissional ... 3

I.1 Enquadramento Institucional Formal ... 3

I.1.1 Hospital Beatriz Ângelo ... 3

I.1.2 Centro de Neurodesenvolvimento ... 4

I.2 Enquadramento Teórico ... 9

I.2.1 Intervenção Precoce na Infância ... 9

I.2.2 Evolução do conceito e das práticas em IP ... 11

I.2.3 Enquadramento legal da IP em Portugal ... 14

I.2.4 Intervenção Precoce e Intervenção Psicomotora ... 16

I.2.5 Importância do rastreio precoce no desenvolvimento ... 18

I.2.6 Perturbações do Neurodesenvolvimento ... 20

I.2.7 Família em foco ... 26

II Realização da Prática Profissional ...30

II.1 Organização das atividades de estágio ... 30

II.1.1 Calendarização ... 30

II.1.2 Horário do estágio ... 31

II.2 População atendida ... 33

II.3 Processo de Intervenção ... 35

II.3.1 Avaliação Psicomotora: instrumentos de avaliação ... 36

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II.3.3 Intervenção Psicomotora ... 45

II.4 Atividades Complementares ... 49

II.4.1 Reunião do Centro de Neurodesenvolvimento ... 50

II.4.2 Formação sobre perturbações do neurodesenvolvimento no CND ... 50

II.4.3 Conversas com pais (CND-HBA) ... 50

II.4.4 6º Aniversário CND ... 51

II.4.5 11as Jornadas da Família: Mitos e Modas - Clínica Médica Gerações ... 52

II.4.6 Poster para exposição na Semana de Reabilitação Psicomotora ... 52

II.4.7 1ªs Jornadas do Centro de Estudos do Bebé e da Criança: Olhar a primeira infância ... 52

III Estudos de Caso ...54

III.1 Estudo de caso D.A. ... 54

III.1.1 Avaliação Inicial ... 55

III.1.2 Perfil intraindividual ... 60

III.1.3 Intervenção Psicomotora... 61

III.1.4 Avaliação final – Análise dos resultados ... 63

III.1.5 Discussão dos Resultados de Intervenção ... 67

III.2 Estudo de caso R.M. ... 68

III.2.1 Avaliação Inicial ... 69

III.2.2 Perfil Intraindividual ... 73

III.2.3 Intervenção Psicomotora... 74

III.2.4 Avaliação final – Análise dos resultados ... 77

III.2.5 Discussão dos Resultados de Intervenção ... 80

III.3 Estudo de caso V.S. ... 81

III.3.1 Avaliação inicial ... 83

III.3.2 Perfil intraindividual ... 89

III.3.3 Intervenção Psicomotora... 90

III.3.4 Avaliação final – Análise dos resultados ... 93

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III.4 Principais conclusões sobre a intervenção ... 100

III.5 Dificuldades e limitações ... 102

Conclusões e Recomendações ... 104

Bibliografia ... 107

Anexos... 115

Anexo A – Espaço físico CND ... 115

Anexo A.1 Planta do CND ... 115

Anexo A.2 Exemplo do espaço físico do CND ... 116

Anexo B – Exemplos de materiais elaborados para a intervenção ... 117

Anexo C – Exemplo de plano de sessão ... 118

Anexo D – Exemplo de relatório de sessão ... 120

Anexo E – Exemplo de Atividade para Casa (D.A.) ... 122

Anexo F – Conversas com pais ... 125

Anexo F.1 – Programa das sessões ... 125

Anexo F.2 – Panfleto sessão 1: O que não se aprende no jardim-de-infância ... 126

Anexo F.3 – Panfleto sessão 6: Uma outra maneira de ser ... 128

Anexo G – Poster Semana da Psicomotricidade ... 131

Anexo H – Exemplo de relatório de avaliação formal ... 132

Anexo I – Resultados obtidos na avaliação informal (TABS) ... 135

Anexo I.1 Avaliação inicial - R.M. ... 135

Anexo I.2 Avaliação final - R.M. ... 135

Anexo J – Checklist de observação sobre o desempenho da criança ... 136

Anexo J.1 – Checklist de observação sobre o desempenho da criança (pais) ... 136

Anexo J.2 – Descritivo de análise da avaliação inicial informal do V.S.: Checklist de observação sobre o desempenho da criança ... 139

Anexo K – Planos de intervenção ... 142

Anexo K.1 - Estudo de caso 1 (D.A.) ... 142

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Anexo K.3 - Estudo de caso 3 (V.S.) ... 148

Anexo L – Documento sobre estratégias para birras ... 152

Anexo M – Exemplo de relatório final de intervenção ... 154

Anexo N – Textos de reflexão sobre a intervenção ... 158

Índice de Tabelas

Tabela 1 - Cronograma das Atividades desenvolvidas no CND. ... 31

Tabela 2 - Modelo base do horário de estágio. ... 32

Tabela 3 - Caracterização sintetizada das crianças acompanhadas. ... 45

Tabela 4 - Avaliação das crianças acompanhadas. ... 46

Tabela 5 - Síntese do processo de avaliação e intervenção. ... 47

Tabela 6 - Resumo dos resultados obtidos na EDMG (avaliação inicial D.A.). ... 57

Tabela 7 - Identificação das áreas fortes e áreas a promover com o D.A. ... 61

Tabela 8 - Resultados obtidos na EDMG (avaliação final D.A.). ... 66

Tabela 9 - Resumo dos resultados obtidos na EDMG (avaliação inicial R.M.). ... 71

Tabela 10 - Identificação das áreas fortes e áreas a promover com o R.M. ... 74

Tabela 11 - Resultados obtidos na EDMG (avaliação final R.M.). ... 78

Tabela 12 - Resumo dos resultados obtidos na EDMG (avaliação inicial V.S.). ... 84

Tabela 13 - Resumo dos resultados que divergem entre pais e técnica na Checklist de Observação do Desempenho da Criança. ... 85

Tabela 14 - Identificação das áreas fortes e áreas a promover com o V.S... 90

Tabela 15 - Resultados obtidos na EDMG (avaliação final V.S.). ... 95

Tabela 16 - Resumo dos resultados que divergem entre pais e técnica na Checklist de Observação do Desempenho da Criança: comparação avaliação inicial e final. ... 95

Tabela 17 - Resultados da avaliação inicial e final SDQ-prof. ... 98

Tabela 18 - Resultados da avaliação inicial do R.M. com o TABS. ... 135

Tabela 19 - Resultados da avaliação final do R.M. com o TABS. ... 135

Tabela 20 - Plano de Intervenção Psicomotora D.A. ... 142

Tabela 21 - Plano de Intervenção Psicomotora R.M. ... 145

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Índice de Figuras

Figura 1 - Organograma da organização do HBA: Departamento de Pediatria (Luz Saúde,

s.d.c). ... 8

Figura 2 - Síntese do trabalho desenvolvido e participação no estágio. ... 32

Figura 3 - Planta da localização do CND na pedopsiquiatria. ... 115

Figura 4 - Gabinete utilizado pela TSEER e para intervenção da estagiária. ... 116

Figura 5 - Sala de espera para as crianças. ... 116

Figura 6 - Gabinete do banho assistido. ... 116

Figura 7 - Sequência de rotinas diárias. ... 117

Figura 8 - Jogo de imitação de posições. ... 117

Figura 9 - Velcro com as partes do corpo. ... 117

Figura 10 - Cartões de antónimos. ... 117

Figura 11 - Autonomia no vestuário. ... 117

Figura 12 - Identificação de emoções. ... 117

Figura 13 - Programa das sessões da Conversas com Pais. ... 125

Figura 14 - Poster elaborado para a Semana da Psicomotricidade... 131

Índice de Gráficos

Gráfico 1 - Crianças e jovens avaliados e em intervenção em Psicomotricidade. ... 33

Gráfico 2 - Diagnósticos do desenvolvimento das crianças avaliadas. ... 34

Gráfico 3 - Comorbilidades do desenvolvimento verificadas nas crianças avaliadas. ... 35

Gráfico 4 - Outras condições associadas ao desenvolvimento das crianças avaliadas. . 35

Gráfico 5 - Balanço dos objetivos atingidos em cada domínio do desenvolvimento (D.A.). ... 67

Gráfico 6 - Scores brutos e possíveis de obter no TABS (avaliação inicial R.M). ... 71

Gráfico 7 - Comparação dos resultados da avaliação inicial e final com o TABS. ... 79

Gráfico 8 - Balanço dos objetivos atingidos em cada domínio do desenvolvimento (R.M.). ... 81

Gráfico 9 - Balanço dos objetivos atingidos em cada domínio do desenvolvimento (V.S.). ... 100

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Introdução

O presente relatório é realizado no âmbito da Unidade Curricular (UC) de Ramo de Aprofundamento de Competências Profissionais (RACP), do segundo ano do Mestrado em Reabilitação Psicomotora, da Faculdade de Motricidade Humana (FMH), da Universidade de Lisboa (UL), para obtenção do grau de mestre na área em questão.

O RACP objetivaestimular conhecimentos ao nível da Reabilitação Psicomotora, considerando as suas vertentes científica e metodológica e promover a capacidade de reflexão em equipa; desenvolver competências ao nível do planeamento, gestão e coordenação de serviços e/ou programas de Reabilitação Psicomotora, em diversos contextos e domínios de intervenção;desenvolver a capacidade de inovação na criação e implementação de novos conhecimentos e novas práticas, assim como no desenvolvimento de novas perspetivas profissionais e politicas, possibilitando a integração profissional e científica da área. Assim, esta UC procura preparar o estudante para a sua inserção no mercado de trabalho, através da promoção de competências profissionais ao nível da avaliação, planificação e processo de intervenção; prepará-lo para a integração e articulação com uma equipa de profissionais de várias áreas de formação, obtendo uma visão mais eclética do trabalho multidisciplinar; permitir estabelecer uma relação adequada com os outros profissionais, famílias dos casos acompanhados no local e com a comunidade; e envolvê-lo numa participação ativa nas atividades desenvolvidas pelo local de estágio.

Desta forma, o estágio profissionalizante foi realizado na área do Desenvolvimento e Aprendizagem, no Centro de Neurodesenvolvimento, integrado no Hospital Beatriz Ângelo. Assim, o presente documento objetiva descrever as ações realizadas no Centro, analisando-as posteriormente de forma fundamentada, a fim de se obter conclusões, a nível profissional e pessoal, sobre todo o processo. No âmbito da avaliação, houve participação em 133 avaliações e em intervenção psicomotora houve um acompanhamento de seis crianças, com idades compreendidas entre os 15 meses e os 5 anos.

Este relatório procura dar a conhecer o trabalho desenvolvido pela estagiária, estando organizado em três partes fundamentais:

1. Enquadramento da Prática Profissional, formado pela contextualização do local onde foram desenvolvidas as atividades de estágio e pela revisão de literatura que sustenta os modelos de intervenção e descreve, ainda, as devidas problemáticas que se relacionam com a população atendida;

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2. Realização da Prática Profissional, onde se encontram conteúdos relacionados com a organização e contextualização das atividades, apresentação da população atendida, descrição do processo de intervenção e de outras atividades que complementam o trabalho prático;

3. Estudos de Caso, capítulo constituído pela descrição detalhada do processo de avaliação e intervenção de três crianças acompanhadas, bem como apresentação dos seus perfis intraindividuais, referências aos planos de intervenção e análise crítica dos resultados da intervenção.

No final do documento, constam as conclusões e recomendações, resultantes da conceção teórica e prática do trabalho desenvolvido, com referência a fatores limitadores e impulsionadores da sua elaboração e com forte impacto no desenvolvimento de competências profissionais e pessoais da estagiária.

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I Enquadramento da Prática Profissional

A primeira parte do relatório integra dois capítulos com conteúdos que enquadram a prática profissional da estagiária. O primeiro contempla informação sobre o local onde se desenvolveram os processos terapêuticos, i.e., enquadramento institucional formal, e o segundo contém informação bibliográfica e de revisão de literatura sobre as temáticas que explicam e justificam o trabalho desenvolvido, i.e., enquadramento teórico. Com a leitura destes capítulos pretende-se que haja uma melhor interpretação do trabalho prático.

I.1 Enquadramento Institucional Formal

O trabalho desenvolvido, no âmbito do RACP, permite que o estagiário tenha oportunidade de integrar uma equipa de profissionais, num determinado contexto e que, sob orientação, adquira diversas aprendizagens para crescimento pessoal e profissional. Assim, a atividade prática da estagiária foi concretizada no Centro de Neurodesenvolvimento (CND), do Hospital Beatriz Ângelo (HBA). De forma a contextualizar a prática profissional e o modo de funcionamento do local, neste capítulo procede-se a uma breve descrição do HBA, enquadrando a necessidade de criação do CND, caracterizado após o hospital.

I.1.1 Hospital Beatriz Ângelo

O Hospital Beatriz Ângelo (HBA) é uma instituição criada no âmbito de uma parceria público-privada entre o Estado Português, a HL – Sociedade Gestora do Edifício, SA e a SGHL – Sociedade Gestora do Hospital de Loures. Gerido pelo grupo Luz Saúde, o HBA encontra-se integrado no Sistema Nacional de Saúde (SNS) e está localizado em Loures. A abertura dos serviços ocorreu em 2012, vindo desde então a colmatar uma necessidade reconhecida nos cuidados hospitalares prestados às populações de Loures, Mafra, Odivelas e Sobral de Monte Agraço. Atende uma população de cerca de 278.000 pacientes (Luz Saúde, s.d.a), estimando-se que 54.000 seja população pediátrica (Pinto, 2017a). De realçar que, desde 2016, com a entrada do novo sistema que põe em prática a livre escolha e circulação de doentes no SNS, no HBA são então atendidos pacientes de qualquer zona do país (Governo da República Portuguesa – Ministério da Saúde, 2017).

I.1.1.1 Visão, Missão e Valores

O HBA tem como visão ser um operador de referência no que concerne à prestação de serviços de saúde, exercendo práticas médicas de elevada qualidade, com coordenação e integração de diversos níveis de cuidados. Assim, a sua missão assenta na prestação de serviços adequados às necessidades da população que atende, priorizando a eficácia,

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qualidade e eficiência dos mesmos, a partir de elevados padrões de ética e integridade. Ainda, procura investir no desenvolvimento da investigação e formação dos profissionais na sua área de atividade (Luz Saúde, s.d.b).

Esta instituição rege-se com base em oito valores fundamentais: procura constante de resultados para atingir objetivos definidos; rigor intelectual através de uma abordagem rigorosa e racional face a cada decisão; aprendizagem e reflexão constante; responsabilidade pessoal; respeito e humildade pelos outros; atitude positiva e ambiciosa na concretização de objetivos; integridade perante acionistas, doentes e famílias; espírito de equipa e esforço coletivo com impacto de ação na comunidade (Luz Saúde, s.d.b). I.1.1.2 Serviços clínicos

No HBA encontram-se serviços organizados em cinco diferentes valências: Especialidades e Consultas, que incorporam 35 especialidades, entre as quais se destaca a Pediatria (Luz Saúde, s.d.c). Assim, um dos serviços da Pediatria diz respeito ao Centro de Neurodesenvolvimento, local específico onde foi desenvolvido o trabalho da estagiária.

I.1.2 Centro de Neurodesenvolvimento

O Centro de Neurodesenvolvimento (CND) surge no HBA, em fevereiro de 2012, momento da abertura do hospital, de forma a colmatar uma necessidade de apoio a crianças e jovens com perturbações do ponto de vista desenvolvimental. Integrado no Departamento de Pediatria, apresenta um papel fulcral na deteção, diagnóstico e orientação dos apoios prestados a crianças em risco ou em situação de deficiência. Assim, o trabalho desenvolvido no CND desvia-se do modelo biomédico, integrando uma equipa multidisciplinar bem articulada que procura dar resposta aos problemas médicos, educativos e sociais das crianças e famílias que atende (Pinto, 2017a).

I.1.2.1 Objetivos

O CND apresenta diversos objetivos gerais, tais como: sinalização, diagnóstico e orientação para intervenção, bem como acompanhamento das crianças com problemas do neurodesenvolvimento; realização de uma abordagem da criança de forma transdisciplinar através de uma equipa multiprofissional, possibilitando o apoio social, educativo e assistencial, tanto à criança como à família, através da articulação com a comunidade; promover uma ligação com as equipas de docentes de apoios educativos, em colaboração com a Direção Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo (DRELVT) e as Equipas de Apoio às Escolas (EAEs); assegurar uma parceria e complementaridade com o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo e articulação com o SNIPI e com

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as ELIs da área de referência do HBA; privilegiar uma articulação com equipas de educadoras de IP dos vários agrupamentos de escolas da zona de referência do hospital; promoção do ensino pré e pós-graduado para profissionais de saúde e de educação; 7

promoção da investigação clínica. Além destes, o CND incentiva a articulação com outras especialidades, hospitais e Associações através de protocolos (Pinto, 2017a).

I.1.2.2 População atendida

O CND atende crianças e jovens com idades compreendidas entre os 0 e os 18 anos, com suspeita de perturbações do neurodesenvolvimento ou diagnóstico definido, bem como tem ainda preocupação com as suas famílias e integração na comunidade (Pinto, 2017a). Como referido anteriormente, cerca de 54000 dos utentes do HBA são população pediátrica. Tendo em conta estimativas sobre a prevalência de problemas do neurodesenvolvimento nesta população, é possível que um total entre 4000 e 5000 crianças e jovens apresente algum problema do neurodesenvolvimento, justificando de imediato a criação do CND (Pinto, 2017a).

No âmbito destas perturbações, destaca-se um maior número de crianças com Dificuldades de Aprendizagem (DA) (1950), Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA) (1170-1940) e Perturbações Específicas da Linguagem (PEL) do tipo Expressivo (1620-2700), não descurando a existência de comorbilidades (Pinto, 2017a). De notar que desde fevereiro de 2012, data de abertura do Centro, e setembro de 2017, foram avaliadas 3608 crianças no CND (Pinto, 2017).

I.1.2.3 Recursos Humanos

O CND é formado por uma equipa multidisciplinar fixa e permanente, coordenada pela Dr.ª Mónica Pinto e formada por profissionais com interesses variados e de diversas áreas da saúde (Pinto, 2017a). A equipa do CND é então composta por:

a) Pediatras do Neurodesenvolvimento – existem três pediatras do neurodesenvolvimento no Centro, responsáveis pela triagem, orientação para a avaliação e intervenção nas estruturas da comunidade, pela investigação etiológica, e pela definição diagnóstica e de seguimento (Pinto, 2017a);

b) Neuropediatra – a tempo parcial, é responsável pela avaliação, investigação etiológica, diagnóstico e tratamento da patologia neurológica (Pinto, 2017a);

c) Técnica Superior de Educação Especial e Reabilitação (TSEER) – responsável pelas avaliações psicopedagógicas, avaliação das pré-competências académicas, avaliação do Desenvolvimento Psicomotor (DPM). Orienta os estágios da Faculdade de

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Motricidade Humana e supervisiona a intervenção dos casos em seguimento. É o elemento responsável pelo Protocolo de Vigilância do Recém-Nascido de Risco, participando na avaliação de crianças com idades mais baixas (Pinto, 2017a);

d) Terapeuta da Fala – realiza as avaliações no âmbito da Perturbação da Linguagem, Comunicação e Fala, e Perturbação Fonológica para orientar a intervenção, supervisiona casos com necessidade de apoio direito e orienta os pais, no caso de não precisarem de intervenção direta. Participa na avaliação multidisciplinar psicopedagógica e orienta estágios no âmbito da Terapia da Fala (Pinto, 2017a);

e) Psicóloga Educacional – responsável pela avaliação cognitiva e do desenvolvimento, avaliação dos perfis funcionais e do comportamento adaptativo e apoio da adequação curricular. É, igualmente, responsável pelas avaliações psicopedagógicas e avaliação das pré-competências académicas. Orienta e supervisiona os estágios de Psicologia (ISPA e Faculdade de Psicologia) (Pinto, 2017a).

I.1.2.4 Contexto e Espaço Físico

Apesar do CND estar integrado no Departamento de Pediatria do HBA, a sua localização física situa-se no espaço da Pedopsiquiatria. O CND tem à sua disponibilidade três gabinetes de consulta, adaptados para a avaliação do jogo livre e avaliação formal, uma sala designada como “banho assistido”, igualmente utilizada como gabinete, uma sala de espera para as crianças, caso seja preciso falar a sós com os pais, uma sala de refeições e uma bancada com computadores, para trabalho de office. Num dos gabinetes, há uma pequena copa, que auxilia as refeições e arrumações da equipa. Não existindo um espaço próprio destinado a intervenções, dado que estas só acontecem em situação de estágio, são utilizados os gabinetes de consulta para este fim, com algumas modificações na disposição dos materiais dos mesmos (consultar anexo A).

I.1.2.5 Recursos Materiais

O CND dispõe de materiais direcionados para atividades desenvolvidas no âmbito psicopedagógico, como e.g. livros, peças de encaixe, jogos didáticos e brinquedos potenciadores de jogo simbólico (e.g. bonecas, carros). Outros materiais necessários para as intervenções, ficaram ao cargo da estagiária e da TSEER, orientadora local.

De realçar que o CND está decorado com alguns desenhos e autocolantes nas paredes dos gabinetes e corredor, contribuindo para a promoção de um ambiente mais calmo e lúdico e, consequentemente, uma maior motivação e adesão nas avaliações. Na

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mesma linha de pensamento, a equipa do Centro não utiliza farda por ser regra para promover um ambiente mais familiar.

I.1.2.6 Modelo de encaminhamento e funcionamento

O encaminhamento das crianças até ao CND ocorre a partir dos médicos de família via Alert, por outras consultas do HBA, ou por marcação pela Secretária de Unidade, autorizadas pela coordenadora do Centro, desde que cumpram o requisito de terem idade entre os 0 e 18 anos (Pinto, 2017a).

Assim, a referenciação pode advir de outras especialidades do HBA ou do exterior (Centros de Saúde ou escolas). Chegados ao CND, os utentes são direcionados para uma primeira consulta médica, onde se encaminha os casos para os outros elementos da equipa. A criança é, posteriormente, alvo de avaliação pelo profissional mais indicado. Este dá o seu parecer sobre a eventual necessidade de referenciação para apoio na comunidade e a criança é, então, encaminhada para uma intervenção, no exterior, direcionada à sua problemática (e.g. Intervenção Precoce, Terapia da Fala, Psicomotricidade, entre outros). As crianças mantêm seguimento regular em consulta de pediatria do neurodesenvolvimento e supervisão pelo CND, até obterem alta. Contudo, realça-se que aquando a alta, a criança continua a ter uma rede de suporte no CND, podendo voltar sempre que considerem pertinente (Pinto, 2017b).

Em suma, o CND é composto por seis profissionais de diferentes áreas e formações, que se reúnem semanalmente à quinta-feira com o intuito de triar e marcar novos pedidos, discutir casos avaliados e em seguimento, bem como protocolos, apresentar casos programados para a semana seguinte, realizar uma atualização teórica quando oportuno, entre outras atividades de organização. Na primeira quinta-feira de cada mês realiza-se uma reunião com os Professores de Educação Especial de diversos agrupamentos de escola das áreas de referência do HBA, a fim de averiguar o desenvolvimento do apoio prestado. Na última quinta-feira do mês ocorre uma reunião aberta à participação das ELIs, na qual se confirma os apoios prestados às crianças sinalizadas e se discute a evolução de todo o processo, de forma a melhorar as vias de articulação. A equipa do CND participa, ainda, em reuniões do Serviço de Pediatria e organiza sessões de formação para investigação e para os estagiários (Pinto, 2017a).

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Abaixo encontra-se um organograma, que representa graficamente a organização do HBA, direcionado para os cuidados de saúde prestados pela Pediatria, com especial enfoque nos serviços do CND.

Figura 1 - Organograma da organização do HBA: Departamento de Pediatria (Luz Saúde, s.d.c).

I.1.2.7 Articulação com a família e comunidade

No HBA, e especificamente no CND, os profissionais têm o cuidado de articular o seu trabalho com os vários contextos em que a criança se encontra inserida, ou que a poderão favorecer. Assim, no Centro não há só preocupação com a qualidade dos serviços prestados, mas também com a continuidade dos mesmos.

Um dos meios disponibilizados à comunidade é o site do HBA, uma página de acesso fácil e livre, onde está disponível informação sobre o hospital (Luz Saúde, s.d.d). O HBA disponibiliza uma revista em formato digital, a Luz Saúde Beatriz Ângelo, que aborda assuntos sobre os profissionais e a comunidade que o hospital atende (Luz Saúde, 2017e). Outro projeto desenvolvido na comunidade foi o HBArte, envolvendo a participação de jovens com idades entre os 16 e 20 anos. Consistia na elaboração de materiais para decoração das paredes interiores do hospital, tendo como objetivo principal a aproximação dos jovens à realidade hospitalar, como um espaço onde todos os dias circulam doentes, familiares e profissionais de saúde (Luz Saúde, 2017f).

Especificamente no CND, existe uma articulação bem definida entre os vários elementos com a comunidade, através das reuniões com as ELIs e agrupamentos de escolas (Odivelas, Loures, Mafra e Sobral de Monte Agraço), articulação com a Unidade de Primeira Infância (UPI), com o SNIPI, Centros de Saúde e Medicina Geral e Familiar (Pinto, 2017b). Ainda, existe preocupação constante em programar atividades de formação para pais sobre temáticas que os preocupem, proporcionando maior contacto entre os

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elementos do Centro e famílias e entre os elementos destas, auxiliando os pais em questões pertinentes para lidarem com os seus filhos (Pinto, 2017a).

O CND é parceiro de uma associação sem fins lucrativos, Mentes Sorridentes, que é responsável por um projeto de implementação de mindfullness em escolas de Loures e Odivelas, com expansão da sua parceria à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) e à Saúde Escolar (Gonçalves, Almeida, Gonçalves e Pinto, 2017).

Com tudo o referido, realça-se que o CND apresenta um funcionamento interno com uma articulação muito coesa entre os vários profissionais e que, cada vez mais, tenta estender esta articulação a todos os serviços e projetos que façam sentido e potenciem um melhor atendimento e desenvolvimento da população que atende.

I.2 Enquadramento Teórico

No segundo capítulo, será apresentada a revisão bibliográfica com conteúdos que justificam, através de métodos e investigação científica, o trabalho desenvolvido na prática profissional da estagiária e que caracterizam a população alvo. Assim, serão apresentadas as definições de Intervenção Precoce, respetiva legislação e evolução do termo, bem como será igualmente enquadrada a Intervenção Psicomotora neste âmbito. Posteriormente, serão abordadas as Perturbações do Neurodeesenvolvimento que contemplam a população em intervenção no local de estágio, i.e., Atraso Global do Desenvolvimento e Perturbação do Espetro do Autismo. Para fechar o capítulo, e tendo em conta que a família é o elemento precursor do desenvolvimento infantil, será feita uma abordagem ao seu papel neste processo.

I.2.1 Intervenção Precoce na Infância

O desenvolvimento humano é caracterizado como um processo contínuo que ocorre ao longo da vida (Neto et al., 2007), sendo que o período da infância se destaca por ser um processo complexo e multideterminado (Molinari, Silva e Crepaldi, 2005). Desta forma, o desenvolvimento infantil surge como resultado da interação entre fatores genéticos, biológicos e ambientais, sendo que estes interferem com a maturação e formação dos vários sistemas desde a gestação (Brito, Vieira, Costa e Oliveira, 2011).

As experiências iniciais e os estímulos do ambiente, incluindo as relações entre pais e filhos, desempenham um papel fundamental no desenvolvimento da arquitetura cerebral. Considerando que a genética influencia a modelação do desenvolvimento da criança, mas que o ambiente tem também um papel preponderante neste processo, realça-se que esta

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ocorrência de alterações físicas e mentais. Este acontecimento, designado por plasticidade cerebral, é determinante ao longo da vida, embora mais promissor nos primeiros anos, sobretudo nos períodos críticos do desenvolvimento (i.e., janelas temporais específicas) (Inguaggiato, Sgandurra e Cioni, 2017).

Assim sendo, também as vivências na infância apresentam um papel proeminente no desenvolvimento infantil, pois promovem a formação e duração de padrões de interação social e incorporação de regras, potenciando o desenvolvimento comportamental da criança (Neto et al., 2007).

Segundo Guralnick (2005) uma intervenção planeada, de qualidade e precoce, potencia resultados positivos e de grande valor que atenuam ou permitem ultrapassar problemas do foro biológico, genético e ambiental. Desta forma, o reconhecimento da importância dos primeiros anos de vida impulsiona a ideia de intervir precocemente em crianças com problemas de desenvolvimento (Cruz, Fontes e Carvalho, 2003). Assim, a Intervenção Precoce (IP) surge como forma de dar resposta, o mais cedo possível, aos problemas da criança e família, através da prestação de um apoio integrado e abrangente (Brandão Coutinho, 2004), e de serviços terapêuticos individualizados, com elevada eficácia na prevenção ou minimização de problemas de crianças em idades baixas. Quanto mais cedo é facultado o apoio, melhores serão os resultados a longo prazo para a criança, família e comunidade (Brandão Coutinho, 2004; Johnson, Moffatt, Smith e White, 2012).

Nesta linha de pensamento, são considerados dois grandes argumentos neurobiológicos que sustentam a importância da IP: 1) nos primeiros anos de vida existe

grande atividade sinaptogénica e maior plasticidade neural, pelo que se deve ter em conta a existência de períodos sensíveis que se relacionam com mudanças na capacidade de adaptação do cérebro perante experiências vividas; 2) o desenvolvimento cerebral está

dependente da genética e das experiências ambientais, sendo que a privação ambiental acarreta efeitos hostis para o desenvolvimento (Blakemore e Frith, 2005).

Assim, realça-se a importância da intervenção em idades baixas como forma de prevenir e/ou corrigir trajetórias de risco, sendo este um direito de todas as crianças e famílias, principalmente as que se encontram numa situação de maior vulnerabilidade (Carvalho et al., 2016). São consideradas elegíveis para apoio, no âmbito da IP, crianças (e respetivas famílias) nas quais, por algum motivo, o seu desenvolvimento se encontra comprometido, apresentando um desfasamento entre o esperado para a sua idade e aquilo que efetivamente acontece ou se encontram em situação de risco. Desta forma, consideram-se três tipos de risco: 1) risco estabelecido, que se refere a crianças com

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desenvolvimento atípico precoce, com problemas médicos de etiologia conhecida; 2) risco

biológico, onde se presenteia o historial de eventos pré, peri e/ou pós-natais, que aumentam a probabilidade de ocorrer um desenvolvimento atípico; 3) risco envolvimental,

correspondente a crianças biologicamente saudáveis, mas com reduzidas experiências precoces (Bruder, 2010).

O Decreto-Lei n.º 281/2009, que regula a IPI em Portugal, define-a como uma prática de apoio integrado centrado na família e na criança, através de ações de natureza preventiva e reabilitativa, no âmbito da educação, saúde e ação social. Procura prestar serviços a crianças dos 0 aos 6 anos, com alterações ou risco de alterações nas funções e estruturas do corpo que limitem a sua participação nas atividades próprias para a idade e contexto social, ou crianças em risco grave de atraso do desenvolvimento (i.e., condições de risco a nível biológico, psicoafectivo ou ambiental), com o envolvimento das famílias (Decreto-Lei n.º 281/2009, 6 de outubro). Contudo, ao longo do tempo, este conceito sofreu evoluções quer na teória, como na prática, o que será analisado seguidamente.

I.2.2 Evolução do conceito e das práticas em IP

Atualmente, após inúmeros trabalhos de investigação no âmbito da IP, recorda-se o consenso naquilo que diz respeito ao direito de crianças com necessidades especiais e das suas famílias beneficiarem de apoio especializado e individualizado (Gronita, Matos, Pimentel, Bernardo e Marques, 2011), assegurando assim o direito de participar e de estar incluído numa sociedade (Decreto-Lei 281/2009, 6 de outubro).

I.2.2.1 A nível internacional

As primeiras definições e programas de IP surgiram nos anos 60/70 (Gronita et al., 2011), nos Estados Unidos da América, direcionados inicialmente para crianças socialmente desfavorecidas, com o objetivo de proporcionar uma estimulação intensiva antes de entrarem para a escola. Mais tarde, os programas expandem-se até às crianças com deficiências, e é nesta altura que surge um programa (Home-Start) que veio trazer uma nova perspetiva ao domínio da IP, introduzindo a sua implementação a nível domiciliário e reforçando a importância dos cuidados da criança em casa e por parte do prestador de serviços (Cruz et al., 2003). Desta forma, constata-se que a intervenção até aqui se centrava na criança e em procedimentos do âmbito médico, social, educacional e terapêutico. Assim, a IP era caracterizada como o somatório de recursos para prevenção e aperfeiçoamento do desenvolvimento e comportamento de crianças com problemas decorrentes de fatores de risco biológicos e ambientais (Gronita et al., 2011).

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Na década de 80, Dunst aborda a IP como o suporte e recursos proporcionados às famílias de crianças em idade baixa, por equipas de serviço social formal e informal, influenciando direta ou indiretamente a criança, os pais e o funcionamento familiar. A criança deixa de ser o foco da intervenção e a família, integrada na comunidade, passa a ser o centro desta (Dunst, 2000). Nesta altura, torna-se possível distinguir três vertentes distintas perante o conceito de IP: 1) a personalização de programas que atendam às

carências específicas da família; 2) o estabelecimento de funções dos pais e técnicos, que

trabalham como facilitadores das decisões e escolhas dos pais sobre os serviços; 3) o

reforço dos vínculos que ligam as famílias a uma comunidade com vista ao aumento da eficácia na utilização dos serviços para combater situações de stresse (Powel, 1988). I.2.2.3 A nível nacional

O termo “estimulação precoce” precedeu ao de “intervenção precoce”, tendo este último uma dimensão mais ampla. Enquanto a estimulação se centrava especificamente sobre a necessidade de estimular as competências motoras e sensoriais da criança para obter maior desempenho nestes domínios, a intervenção surge para dar resposta aos problemas de desenvolvimento ou risco para tal, em crianças dos 0 aos 6 anos (Franco, 2007).

Concomitantemente ao final dos anos 70 e início dos 80 nos EUA, também em Portugal surgiram algumas iniciativas na área da IP, vindas da preocupação em prestar serviços adequados a crianças em idades baixas com problemas do ponto de vista desenvolvimental (Castro, 2016). A fundamentação que vem fornecer um quadro conceptual das práticas em IP ocorre nesta altura, com base nos modelos teóricos descritos abaixo.

Como influências teóricas que elevaram o papel dos contextos no desenvolvimento da criança e que, por sua vez, permitiram a passagem para modelos centrados na família e o desenvolvimento de programas de IP, destacam-se a teoria transacional, a teoria sistémica aplicada à família e a teoria ecológica (Carvalho et al., 2016). Também a teoria do apoio social teve impacto fulcral nas práticas atuais de IP, mas será abordada mais à frente no tópico do Apoio Social, descrito no ponto I.2.7.2.

Neste sentido, o Modelo Transacional de Sameroff e Chandler (1975) procura explicar a bidirecionalidade das interações dinâmicas e contínuas, que ocorrem entre a criança, a família e o envolvimento e estima o desenvolvimento como o produto destas interações (Sameroff e Fiese, 2000). É a partir desta teoria que surge o conceito de environtype, que explica o desenvolvimento como resultado das experiências proporcionadas pelo meio. Assim, as situações de risco biológico ou social podem ser

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modificadas conforme o contacto com o meio, sendo que esta teoria identifica como pontos fulcrais de intervenção a alteração do comportamento da criança e adequação das perceções e competências parentais (Tegethof, 2007; Sameroff e Fiese, 2000).

Já a Teoria Sistémica, aplicada à família, trouxe contributos à IP na medida em que explica que a família funciona como um conjunto invisível de exigências funcionais que permitem organizar a interação entre os vários membros que a constituem. Assim, considera igualmente que a família opera respeitando padrões transacionais. Nesta teoria, os membros da família constroem subsistemas (e.g. geração, género, interesse e função), com diferentes níveis de poder e nos quais os comportamentos de um membro vão influenciar todos os outros (Minuchin, 1990).

No Modelo Ecológico do Desenvolvimento Humano, de Bronfenbrenner (1979), o desenvolvimento ocorre a partir de interações recíprocas e bidirecionais entre os pais e a criança, nos diferentes contextos. Desta forma, o contexto é entendido como um sistema de influências externas. Então, o desenvolvimento decorre de uma hierarquia, organizada em subsistemas dentro de sistemas, que por sua vez se inserem em outros maiores, todos interdependentes entre si e com influências mútuas. Estes sistemas (i.e., microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema) influenciam o desenvolvimento da criança, pelo que qualquer mudança passível de ocorrer, trará repercussões no desenvolvimento da mesma (Bronfenbrenner, 1979; Tegethof, 2007). De uma forma geral, este modelo considera a interdependência entre os vários sistemas que influenciam o desenvolvimento da criança e procura compreender as interações que surgem entre a criança e os seus vários contextos (Molinari et al., 2005). Mais tarde, em 1998, surge uma nova versão deste modelo, designado por Modelo Bioecológico do Desenvolvimento Humano, que vem trazer uma visão mais abrangente sobre o tema. Refere que o indivíduo interage com tudo o que presencia o seu envolvimento, constatando-se influências e interações recíprocas e contínuas que ocorrem ao longo do tempo, i.e., considera a relação entre a criança e o contexto e acrescenta o fator tempo ao modelo antigo (Bronfenbrenner e Morris, 2006).

Posto isto, denota-se que primeiramente os serviços de IP se centravam na criança e nos problemas de desenvolvimento da mesma (Franco, Melo e Apolónio, 2012). Os modelos teóricos abordados acima e sustentados pela investigação e os avanços na compreensão do desenvolvimento e aprendizagem da criança, contribuíram para uma mudança de paradigma no que se refere ao crescimento isolado da criança (Carvalho et al., 2016). Na década de 90, existiram iniciativas pioneiras no âmbito da IP em Portugal, dada a preocupação em prestar serviços adequados a crianças com necessidades

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especiais (Castro, 2016). Portanto, surgiram ao longo do tempo, por todo o país, novos programas de equipas de apoio integrado de IP (Gronita et al., 2011).

Assim, mais tarde, surge o Modelo Centrado na Família, que inclui a intervenção com a família e as noções de suporte social (Gronita et al., 2011; Carvalho et al., 2016). A família adquire um papel ativo e é tida como parceira no processo de avaliação e intervenção. Atualmente, a maioria dos programas de apoio à família estendem-se ao suporte comunitário para potenciar a troca de recursos e apoios que figurem a assistência necessária ao bem-estar das crianças, família e comunidade (Gronita et al., 2011). É então que a conceptualização e operacionalização dos modelos teóricos e das práticas de IP apresentam grande evolução, com base nos programas científicos e na investigação no âmbito das ciências do desenvolvimento, educação, sociais e de outras várias áreas (Carvalho et al., 2016).

Desta forma, Franco (2007) refere que o conceito de IP adquire uma proporção mais vasta, abordando a sua dimensão transdisciplinar. Esta perspetiva pressupõe a existência de um conceito de equipa forte, dinâmico e colaborativo, com responsabilidade de todos os elementos no planeamento, tomada de decisão e avaliação dos resultados. Considera ainda fundamental a existência de partilha de informação e conhecimento de suporte mútuo entre os técnicos e onde cada um deve integrar conhecimentos e estratégias que ultrapassam a sua área de formação (Franco, 2007).

I.2.3 Enquadramento legal da IP em Portugal

Segundo Castro (2016), o Projeto Integrado de Intervenção Precoce desenvolvido e aplicado no distrito de Coimbra, revelou-se um precursor de um modelo de colaboração intersectorial único, responsável por uma parceria entre a saúde, educação, segurança social e outras instituições da comunidade. Corresponde a um modelo baseado na família de crianças com risco biológico e ambiental, em idades precoces, reconhecido a nível nacional e internacional, dadas as suas práticas inovadoras e de qualidade (Castro, 2016). Como referido anteriormente acima, de uma forma geral, a IP define-se como uma prática de apoio a crianças com idades compreendidas entre os 0 e 6 anos e suas famílias, em situação de risco ou com alteração nas funções ou estruturas do corpo (Decreto-Lei n.º 281/2009, 6 de outubro).

Na sequência dos princípios acordados na Convenção das Nações Unidas dos Direitos das Crianças e no âmbito do Plano de Ação para a Integração das Pessoas com Deficiência ou Incapacidade 2006-2009, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 281/2009,

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procedeu-se à criação do Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância (SNIPI). O SNIPI rege-se pela articulação entre os Ministérios da Educação, da Saúde e do Trabalho e da Solidariedade Social e é coordenado por uma Comissão de Coordenação. Assim, apresenta diversos objetivos de atuação: a) procura assegurar às crianças a proteção dos seus direitos e o desenvolvimento de capacidades, através de ações de IP em território nacional; b) pretende detetar e sinalizar todas as crianças em risco de alterações ou com alterações nas funções e estruturas do corpo, ou risco grave de atraso de desenvolvimento; c) procura intervir, após deteção e sinalização, conforme as necessidades de cada família e criança elegível, para tentar reduzir ou prevenir riscos de atrasos no desenvolvimento; d) apoia as famílias no acesso a serviços e recursos; e) envolve a comunidade através de mecanismos de apoio social (Decreto-Lei n.º 281/2009, 6 de outubro).

As linhas de orientação do SNIPI defendem que quanto mais precocemente se acionarem as intervenções e políticas relacionadas com o crescimento e desenvolvimento humano, mais capazes se tornam as pessoas para participar autonomamente na vida social, tendo uma vida ativa, com maior probabilidade de correção das limitações funcionais de origem (SNS, s.d.).

O SNIPI, através da organização das entidades que envolve, dispõe de uma rede de serviços de apoio integrado, de natureza preventiva e reabilitativa, à criança e família, a nível social, educativo e de saúde. Encontra-se organizado em três níveis, i.e. local, regional e nacional. A nível local, encontram-se as Equipas Locais de Intervenção Precoce (ELIs) que desenvolvem atividade a nível municipal na identificação de crianças e famílias em risco, assegurando vigilância às que não são imediatamente elegíveis para integrar o SNIPI, mas que manifestam situação de risco. São efetuadas avaliações das mesmas e, com base na sua análise, se se verificar elegibilidade para entrar no sistema, há elaboração e execução do Plano Individual de Intervenção Precoce (PIIP). Ainda, há preocupação no sentido de tentar assegurar a estas famílias e crianças recursos e apoios necessários, dinamizando redes de apoio formal e informal. Estas equipas são também responsáveis por articular com as várias entidades de proteção de menores e núcleos de ação de saúde de crianças e jovens em risco. Procuram, igualmente, assegurar os processos de transição adequados para outros programas, serviços ou contextos educativos, articulando com os docentes responsáveis (Decreto-Lei n.º 281/2009, 6 de outubro).

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I.2.4 Intervenção Precoce e Intervenção Psicomotora

Dentro de uma rede de serviços e apoios no âmbito da IP, a Psicomotricidade pode ser inserida neste trabalho, dada a sua forma de atuar, os objetivos que contempla e os pressupostos nos quais se suporta.

Desta forma, a Psicomotricidade pode ser definida como o campo transdisciplinar que estuda e investiga as relações e influências recíprocas e sistémicas entre o psiquismo e a motricidade. Baseada numa visão holística do ser humano, encara de forma integrada as funções cognitivas, sócio emocionais, simbólicas, psicolinguísticas e motoras, promovendo a capacidade de ser e agir no contexto psicossocial de cada indivíduo (Fonseca, 2010; European Forum of Psychomotricity, 2018). Áreas como a medicina, psicologia, neuropsicologia e pedagogia constituem a base para a conceção da Psicomotricidade (European Forum of Psychomotricity, 2018).

Por sua vez, a Intervenção Psicomotora (IPM) possibilita a vivência de experiências que favorecem a expressão e a resolução de conflitos internos, procurando novas soluções perante dificuldades relacionais e/ou funcionais dos pacientes. Ainda, procura encontrar a resolução da dimensão afetiva no sentido de proporcionar uma maior autonomia e independência do indivíduo. De um modo geral, a IPM apresenta atuações basilares sobre os processos cognitivos, emocionais e para a aquisição de novas aprendizagens (Boscaini, 2012). Procura transformar o corpo, utilizando-o como instrumento que age e se relaciona com os outros e com o mundo, quer a nível intra ou interpessoal (Fonseca, 2001).

Englobando a Psicomotricidade uma dimensão teórica e prática sobre o desenvolvimento humano, a sua intervenção pode desenvolver-se a nível preventivo, reeducativo, terapêutico e/ou reabilitativo, atuando em várias situações relacionadas com problemas de desenvolvimento e maturação psicomotora, de comportamento, de aprendizagem e de âmbito psicoafetivo. A sua intervenção destina-se a todos os grupos etários, aplicando técnicas de relaxação e consciencialização corporal, terapias expressivas, atividades lúdicas, de recreação terapêutica, atividade motora adaptada e de consciencialização motora, todas estas a partir da atividade representativa e simbólica (Associação Portuguesa de Psicomotricidade, 2017).

A IPM pode apresentar maior incidência numa das suas duas principais vertentes, relacional ou instrumental, embora estas duas sejam inseparáveis no âmbito de atuação. Desta forma, com maior incidência instrumental, a IPM centra-se numa relação mais concreta com os objetos e as características espaciais e temporais do envolvimento, com

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especial enfoque na intencionalidade, consciencialização da ação e exploração de todas as formas de expressão (i.e., motora, gráfica, verbal, sonora e plástica). A vertente com maior incidência relacional considera que o mais importante não é agir sobre a problemática, mas sim descobrir o conflito pulsional de onde ela decorre, envolvendo a problemática da gestão da identidade e potenciando o papel do terapeuta como agente securizante (Martins, 2001).

Nesta prática, o psicomotricista deve direcionar as ações e comportamentos do indivíduo para uma resposta mais adequada, adaptativa e complexa, escutando-o ativamente e ajudando-a a lidar com situações adversas e de frustração, organizando formas ajustadas de conduta (Costa, 2008).

A Psicomotricidade utiliza estratégias e ações motoras interligadas com uma dimensão psicológica, relacional e afetiva. Esta ciência procura estudar o sujeito através do comportamento e do seu corpo em movimento, a fim de interpretar a sua ação e a relação com os contextos onde se encontra (Almeida, 2013). A IPM apresenta como um dos principais contributos na sua prática a integração de fatores psicomotores (i.e., tonicidade, equilibração, lateralização, noção do corpo, estruturação espácio-temporal, praxia global e praxia fina), que ostentam um forte impacto positivo nos processos de aprendizagem (Fonseca, 2010).

Posto isto, salienta-se que é nos primeiros anos de vida que se adquire várias competências relacionadas com o desenvolvimento motor, coordenando-os com as perceções sensoriais vindas do envolvimento. O movimento é entendido como resultado do desenvolvimento da mobilidade, mas ao mesmo tempo, do desenvolvimento cognitivo e afetivo. É este movimento que ajuda a criança a tomar consciência do seu corpo como um todo, que experiencia um espaço num dado momento (Lima, 2012b).

Considerando a importância dos primeiros anos de vida na aquisição de competências de forma holística, percebe-se a relação entre a IPM e a IP. Para além do referido, relembra-se que a IPM pode atuar em vários níveis, i.e., preventivo, reeducativo, terapêutico e/ou reabilitativo. Dado que a IP se centra na atuação ao nível do desenvolvimento infantil, o mais cedo possível, de forma a eliminar ou atenuar eventuais problemas através da habilitação e a prevenir dificuldades ao nível do desenvolvimento global, podemos atentar que estas duas intervenções conseguem ser equivalentes na sua finalidade.

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conta a utilização de instrumentos validados e pradonizados, garantindo assim maior validade do processo. Contudo, aquando o processo de avaliação, deve considerar-se todo o contexto onde o indivíduo se insere, bem como as suas características individuais (Saint-Cast, 2004). A avaliação da criança, segundo um modelo transdisciplinar, deve ser feita por todos os membros da equipa de intervenção, de forma holística e compreensiva, incluindo a participação ativa da família em todas fases da avaliação e intervenção (Franco, 2007).

Desde as suas dimensões mais motoras, até às estritamente relacionais, a IPM dispõe de uma intervenção específica e uma proposta de modulação que afeta muitas outras áreas da prática profissional em IP (Gras, 2004). Assim, apesar de as intervenções terapêuticas no CND só ocorrerem em situações extraordinárias, como é o caso das atividades de estágio, cumprem com os requisitos mencionados acima de uma prática psicomotora integrada em IP, no que concerne a uma intervenção holística, que tem em conta não só a criança, como os outros intervenientes e os contextos da sua vida.

I.2.5 Importância do rastreio precoce no desenvolvimento

Como referido e explicado anteriormente, o desenvolvimento psicomotor resulta da relação bidirecional entre os fatores inerentes ao próprio indivíduo (i.e., genéticos) e os fatores ambientais. Um desenvolvimento psicomotor dito normal define-se segundo os limites de idade em que ocorrem as aquisições, pela sua adequação qualitativa e pelo ajuste funcional e adaptativo em cada faixa etária (Matos, 2009).

Nas últimas décadas, tem-se assistido a um avanço significativo nos cuidados de saúde infantis, embora se encontre uma maior prevalência de perturbações do neurodesenvolvimento, acentuada principalmente pela atual sobrevivência de crianças consideradas em risco biológico (e.g. prematuros) (Castelhano e Oliveira, 2009). Desta forma, destaca-se a necessidade de efetuar mais triagens do desenvolvimento para prevenir problemas futuros detetados tardiamente.

Os rastreios e monitorizações do desenvolvimento são elementos chave que devem fazer parte de todas as consultas de cuidados preventivos infantis, independentemente de eventuais preocupações por parte dos prestadores de cuidados. Se uma criança tiver um atraso no desenvolvimento, quanto mais precocemente for identificado, mais cedo a criança e a família poderão aceder a intervenções e serviços/apoios adequados (American Academy of Pediatrics, 2006).

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Neste sentido, os rastreios subentendem a aplicação de um breve teste, criado para identificar problemas específicos do desenvolvimento, em idades consideradas chave (Oliveira, 2009). Assim, deve existir periodicamente um rastreio do desenvolvimento, com instrumentos validados, que permita identificar quaisquer áreas de preocupação que requeiram mais atenção (Centers for Disease Control and Prevention, 2018).

As ferramentas utilizadas nos rastreios não fornecem evidências conclusivas de atrasos no desenvolvimento e não resultam em diagnósticos, embora adicionem informação e ajudem a averiguar eventual necessidade de uma avaliação mais detalhada (Centers for Disease Control and Prevention, 2018).

A deteção atempada de situações de risco e/ou problemas de desenvolvimento pode fazer a diferença no seu percurso, pelo que se alerta para a importância da vigilância rotineira e participação em consultas de saúde infantil, pois é nestas que ocorrem procedimentos de deteção de eventuais dificuldades desenvolvimentais (Matos, 2009). Assim há facilidade no diagnóstico e, consequentemente, em iniciar o devido acompanhamento, com uma intervenção adequada e especializada com a criança e família (Castelo e Fernandes, 2009).

A Academia Americana de Pediatria (AAP) recomenda cinco elementos essenciais para a vigilância do desenvolvimento: 1) a valorização das preocupações dos pais no que

respeita ao desenvolvimento da criança, 2) consideração acerca da história do

desenvolvimento, devidamente atualizada, 3) avaliação precisa da criança, 4) identificação

de fatores de risco e de proteção e 5) manutenção de um registo atualizado e preciso dos

resultados encontrados (AAP, 2006).

A vigilância do desenvolvimento e rastreio de perturbações do neurodesenvolvimento podem ser realizadas por diversos profissionais, nomeadamente nos serviços de saúde, na comunidade e em meio escolar. Contudo, o médico de família parece encontrar-se numa posição mais privilegiada para o fazer, dado o contacto regular com as crianças antes de atingirem a idade escolar e o conhecimento da criança, do seu historial, fatores de risco e proteção, contexto familiar e social e preocupações dos pais (Castelhano e Oliveira, 2009).

Para definição de um programa de rastreio, é necessária a existência de uma resposta terapêutica benéfica para a situação detetada, pelo que se torna crucial a existência de estruturas de referenciação que deem resposta assistencial eficaz a cada situação (Braga-Tavares et al., 2010). No CND, são concretizadas avaliações e/ou

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monitorizações do desenvolvimento ocorrem pela suspeita de eventuais dificuldades nos diversos domínios do desenvolvimento infantil, bem como através do protocolo dos prematuros, para despiste de problemas ao longo do crescimento.

Tal como será verificado no próximo capítulo, as perturbações do neurodesenvolvimento acarretam diversas implicações nos vários domínios do desenvolvimento, tanto a nível motor, cognitivo, social e emocional, pelo que rastrear e monitorizar estas crianças se torna fulcral para efeitos positivos no desenrolar do seu desenvolvimento.

I.2.6 Perturbações do Neurodesenvolvimento

As Perturbações do Neurodesenvolvimento (PD) resultam de um grupo heterogéneo de disfunções cerebrais ou sensoriais crónicas (Castelhano e Oliveira, 2009) e ocorrem, geralmente, antes de a criança entrar para a escola. Estas alterações acarretam problemas em vários aspetos do desenvolvimento, tais como no funcionamento pessoal, social, académico ou ocupacional e causam limitações que podem variar desde problemas específicos nas aprendizagens, ao controlo das funções executivas, até consequências nas competências sociais ou cognitivas (APA, 2013).

Alguns sintomas das PD podem ser comuns a mais do que uma PD e, por isso, esta heterogeneidade implica uma conceptualização atenta para a definição de cada subtipo (Shevell, 2010). O diagnóstico de uma PD deverá ter em conta a dimensão biológica, desenvolvimental, emocional e comportamental, e social de cada criança (Matos, 2009). Assim, são consideradas crianças com perturbações do neurodesenvolvimento as que apresentam alterações no decorrer normal do desenvolvimento (Franco, 2007).

Desta forma, neste capítulo serão apresentadas as perturbações do neurodesenvolvimento com maior incidência na população atendida no local de estágio, sendo estas diagnósticos dos estudos de caso descritos na Parte III do relatório.

I.2.6.1 Atraso Global do Desenvolvimento

O desenvolvimento infantil consiste num processo evolutivo, dinâmico e complexo, orquestrado por vários processos cerebrais. Contudo, vários fatores, genéticos e ambientais, podem afetar o crescimento da criança, atrasando-o ou interrompendo o seu desenvolvimento (Wong, 2011).

O termo “Atraso Global do Desenvolvimento” (AGD) é muitas vezes utilizado por profissionais de diversas áreas e em situações variadas (Silva e Albuquerque, 2011),

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principalmente no campo do desenvolvimento infantil (Dornelas, et al., 2016). É, ainda, utilizado por vários médicos para evitar rotular a criança com uma perturbação específica (Dornelas et al., 2016).

Apesar de não constar nas edições anteriores do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Distúrbios Mentais (DSM), o AGD surge na sua versão mais atual (DSM-5), na categoria das Perturbações do Desenvolvimento Intelectual (PDI) (APA, 2013). É utilizado aquando a espera de um diagnóstico definitivo ou mesmo como diagnóstico definitivo (Silva e Albuquerque, 2011; Dornelas, Duarte e Magalhães, 2015). Enquanto diagnóstico temporário, pode implicar que crianças com problemáticas muito distintas possam ter o mesmo diagnóstico, sendo por isso considerado um termo flexível (Silva e Albuquerque, 2011). Destina-se a crianças com idade inferior a 5 anos (APA, 2013; Shevell, 2003), embora se realce que na primeira infância, o diagnóstico possa não ser confiável, dado ser um período caracterizado por diversas e rápidas mudanças desenvolvimentais (APA, 2013). Contudo, em Portugal verifica-se um uso generalizado do conceito, abrangendo crianças em idade escolar (Silva e Albuquerque, 2011).

Assim, o AGD é muitas vezes utilizado perante uma criança com um desenvolvimento lento ou tardio em mais do que uma área do desenvolvimento, ou pelo menos duas (Silva e Albuquerque, 2011; Oliveira, Rodrigues, Venâncio, Saraiva e Fernandes, 2012; Jimenez-Gomez e Standridge, 2014). Por outras palavras, é usado quando a criança apresenta um desvio para alcançar os marcos de desenvolvimento humano no momento expectável (Silva e Albuquerque, 2011; Oliveira et al., 2012; APA, 2013; Dornelas et al., 2015). Este atraso significativo é definido em dois ou mais desvios padrão abaixo da média para a idade (Tirosh e Jaffe, 2011), sendo que os deficits de desenvolvimento variam desde limitações muito específicas nas aprendizagens ou no controlo de funções executivas, que culminam em problemas globais nas habilidades sociais ou intelectuais (APA, 2013).

A persistência de um AGD pode ser indicador de um défice cognitivo ou pode apenas indicar uma demora temporária em atingir qualquer marco do desenvolvimento (Silva e Albuquerque, 2011; Oliveira et al., 2012). Ainda, Shevell et al. (2005) referem que o AGD pode ser visto como um conjunto complexo de sintomas percecionados num espetro de problemas com diferentes tipos de gravidade.

Como concluíram nas suas pesquisas, Dornelas et al. (2015) referem que o AGD resulta de diferentes fatores que interagem com o desenvolvimento da criança, afetando a aquisição das habilidades motoras, cognitivas, linguísticas e sociais. É entendido como um

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