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Os sentidos da educação religiosa na construção do eu contemporâneo: espiritualidades juvenis

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Academic year: 2020

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UMinho | 20 1 5

Universidade do Minho

Instituto de Educação

Jorge Agostinho Gomes Esteves

Os Sentidos da Educação Religiosa na

Construção do Eu Contemporâneo:

Espiritualidades Juvenis

Outubro de 2015

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Jorge Agostinho Gomes Esteves

Os Sentidos da Educação Religiosa na

Construção do Eu Contemporâneo:

Espiritualidades Juvenis

Outubro de 2015

Dissertação de Mestrado

Mestrado em Ciências da Educação - Área de Especialização

em Sociologia da Educação e Políticas Educativas

Trabalho Efetuado sob a orientação do

Doutor José Augusto Palhares

Universidade do Minho

Instituto de Educação

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DECLARAÇÃO

Nome: Jorge Agostinho Gomes Esteves

Endereço Eletrónico: jorge.gomes.esteves@gmail.com

Telefone: 938259324

Número de Cartão de Cidadão: 11722005 1zz3

Título da Dissertação: Os Sentidos da Educação Religiosa na Construção do Eu Contemporâneo: Espiritualidades Juvenis

Orientador: Doutor José Augusto Palhares

Ano de conclusão: 2015

Designação do Mestrado: Mestrado em Ciências da Educação, Área de Especialização em Sociologia da Educação e Políticas Educativas

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO PARCIAL DESTA DISSERTAÇÃO, APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.

Universidade do Minho, 30/10/2015

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A materialização desta investigação tornou-se exequível graças ao ombro amigo daqueles e daquelas que se atravessaram diante de mim ao longo desta travessia do deserto. Foram sinais de oásis e, como tal, sementes de frescura, colorido e orientação. Neste momento, presto-lhes a minha homenagem de apreço e gratidão.

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao Doutor José Augusto Palhares, orientador desta dissertação e coordenador de mestrado, pela colaboração prestada, destacando o rigor e a exigência com que orientou os azimutes desta investigação e, obviamente, a sua amizade.

Ao Diretor da Escola onde leciono, Monsenhor José Augusto Gomes Ribeiro, pela forma entusiasta com que me apoiou neste trilho de investigação.

No interior do areópago escolar, não poderei esquecer os meus alunos que foram exímios e extraordinários na ajuda prestada, porque sem eles todo o meu trabalho investigativo seria um mero oásis de vacuidade.

A todos os meus amigos e colegas de jornada, por serem catalisadores nos momentos em que o desânimo parecia ser o único ponto a nortear a minha cartografia vivencial.

Por último, mas não menos importante, quero fazer memória de toda a minha família, nomeadamente, os meus pais, o meu irmão, a minha cunhada e alguém que na sua pequenez se torna grandiosa aos meus olhos: a minha afilhada Áurea.

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Os Sentidos da Educação Religiosa na Construção do Eu Contemporâneo: Espiritualidades Juvenis

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A complexa variedade dos modos de crer que as culturas juvenis apresentam, a sua fluidez, a cada vez mais rápida mutação no processo de busca de um sentido para a vida, de realização pessoal e social fora do enquadramento institucional das diversas instâncias educativas, coloca a estas instituições importantes desafios.

Neste terreno movediço de instabilidade, imprevisibilidade e num intenso refluxo de informação como é que as gerações juvenis buscam o sentido da sua vida? Que rituais emergem para além da imanência dos areópagos de socialização (a família, a escola, a igreja e as redes sociais)? Tudo será imanente ou há algo para além do meramente imanente, entrando no campo da espiritualidade?

Neste sentido, procuramos perceber como é que os jovens se (re)conhecem perante si e o mundo que os rodeia, como se orientam para fora de si em busca de novos conhecimentos procurando aferir sentido e significado à sua vivência existencial no interior de equilíbrios tensos e desequilibrados que pautam os diversos areópagos de educação e socialização juvenis.

Partimos do pressuposto que nas vísceras das gerações juvenis se encontra entranhado o sentido da espiritualidade, uma espiritualidade que os transporta para a busca do sentido da sua vida, individual ou comunitária, no hoje do agora. Uma espiritualidade que está para além do altar sagrado das tradições religiosas e não a identificam com uma entidade superior. Busca-se na espiritualidade um caminho que os ajude a viver, a superar os obstáculos da vida e os desajustes sociais: uma espiritualidade como resposta ao grito dos seus corações inquietos.

Para onde nos aponta a bússola das suas espiritualidades? Para uma tetralogia.

Primeiro trilho: o desabrigo do existir. Neste desabrigo eles autocentram-se na vivência estoica do carpe diem.

Segundo trilho: uma fibra ótica online. Terceiro trilho: o sonho que move uma vida.

Quarto trilho: uma rede solidária. Não são ilhas meramente isoladas nos mares da vida.

Neste trilho de investigação, optamos por um design metodológico de um estudo de caso. Aferimos os nossos dados a partir de uma vara bifurcada: inquérito por questionário e focus groups.

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The Meanings of Religious Education in the process of Building up the Contemporary Self: Youth Spiritualties.

ABSTRACT

The complex variety of beliefs that youth cultures present, their fluidity, the increasingly quicker mutation in the process of searching for a meaning of life, the personal and social fulfilment out of institutional framework in the field of education, arise to these institutions important challenges.

How does the youth generation search for their own meaning of life in this ground shift of instability, unpredictability and intense reflux of information? Which rituals emerge beyond the immanency of socialisation areopagi (family, church and social networks)? Is everything immanent or is there something else beyond the merely immanent, into the spirituality field?

Thus, we have tried to understand how do young people know and recognize themselves as well as the world around them, how do they find their way seeking for new knowledge while trying to make sense and giving meaning to life existence in the middle of inward strained balance and imbalances which rule the several educational and youth socialisation areopagi.

We assumed that youth generations have deeply ingrained in their own guts the spirituality sense which leads them to the search of their own meaning of life whether it is personal or related to their role in community and relying on the here and now. A spiritual awareness beyond the sacred altar of religious traditions which is not found as a Superior Being. The Spirituality is regarded as a way that helps them to live, to overcome hurdles and social imbalances: a spirituality as an answer to the call of their restless hearts.

Where does the compass of their spiritualties point us to? Towards a tetralogy.

First track: the homelessness of the existence. In this absence of shelter they self-focus in a carpe diem stoical experience.

Second track: an online optical fibre.

Third track: a dream that pushes life forward.

Fourth track: a solidarity network. They are not isolated islands adrift in the open seas of life. In this track of research, we opted for a methodological design of a case study. Our data were achieved by using a bifurcated rod: a survey questionnaire and focus groups research.

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AGRADECIMENTOS ………... iii RESUMO ……….. v ABSTRACT ……… vii

LISTA DE TABELAS ……….. XIII LISTA DE FIGURAS ……….. XV INTRODUÇÃO ………. 1

CAPÍTULO I – NO CREPÚSCULO DA RELIGIÃO ……… 5

1.1. Religiosidade/Espiritualidade: convergentes e/ou divergentes? ……….. 7

1.1.1. Pós-modernidade: era do vazio e homem light ……… 8

1.1.2. Religião soft ……… 12

1.1.3. Problemas……… 18

1.1.4. Propostas ……… 20

1.1.4.1. A Religião como superação da pós-modernidade ……….. 20

1.1.4.2. Despertar espiritual contemporâneo ……….. 22

1.1.4.3. O futuro da espiritualidade ……….. 26

1.1.4.4. Dimensões de uma crença ……… 27

1.1.4.5. A religiosidade e integração na sociedade ……… 30

CAPÍTULO II –OOSSTTRRIILLHHOOSSJJUUVVEENNIISS……….. 37

2.1. No horizonte das culturas juvenis ………. 40

2.2. Urdidura da vida: vou por aqui ou por ali? ………. 41

2.3. Trajetórias yô-yô e os voos de borboleta ………. 43

2.4. O virtual e as fugas ………. 45

2.5. Selfies Comunicacionais: viagens entre o real-virtual e o real-real ……….. 48

2.5.1. Primeira selfie paradoxal: mais escolarizados, menos cultos ……… 49

2.5.2. Segunda selfie paradoxal: privatização e individualização versus convivialidade e comunicação interpessoal ……… 51

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2.5.3. Terceira selfie paradoxal: os jovens entre a ausência e a

presença no ciberespaço ……….. 52

2.6. Corpos e sexualidades: que prazeres e riscos? ……… 53

2.7. Os Jovens e a Escola ……… 61

2.7.1. Antes de entrar no mundo escolar, pensemo-lo! ……… 61

2.7.2. A escola e o lazer: universos distintos ……… 62

2.7.3. Identidades juvenis e dinâmicas de escolaridade ……….. 64

2.7.4. A escolha escolar: um trilho biográfico ……….. 70

2.7.5. Redes de Sociabilidade ………. 75

2.7.5.1. Redes de Sociabilidade: sala de aula ………. 77

2.7.5.2. Rede de sociabilidades: a mesa familiar ……… 80

2.8. Os Jovens e a Igreja ……… 85

2.8.1. Os jovens no contexto social e religioso ………. 87

2.8.1.1. No contexto social ……….. 87

2.8.1.2. No contexto religioso ………. 88

2.8.2. A experiência (da educação) religiosa dos jovens ……….. 89

2.8.3. A Cultura Religiosa na escola ………. 92

2.8.4. Visão da Educação Moral Religiosa (EMR) na Escola Pública ……….. 93

CAPÍTULO III –MMEETTOODDOOLLOOGGIIAA……….... 97

3.1. Design Metodológico ……….. 97

3.2. Estudo de caso ………. 100

3.3. Técnicas de Recolha de Dados ……….. 101

3.3.1. Inquérito por Questionário ……… 103

3.3.2. Grupos de Discussão Direcionada (focus groups) ………. 105

3.3.3. O outro lado da recolha de dados ………. 108

3.4. Tratamentos dos dados ………. 109

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CAPÍTULO IV –PPOOSSTTAARRUUMMAASSEELLFFIIEE……….. 115

4.1. Desbravar o azimute da cartografia juvenil ……… 115

4.1.1. Afinal, quem são? ……… 115

4.1.2. Ad intra e ad extra do múnus escolar ………. 119

4.2. Os Areópagos de educação e socialização juvenis ………. 124

4.2.1. Em redor do areópago da mesa familiar ………. 128

4.2.1.1. Os “cotas” até gostam de mim ………. 129

4.2.2. No areópago escolar: céu ou inferno? Talvez purgatório! ……… 133

4.2.2.1. A escola: experiência identitária do aspirador do tempo …………. 133

4.2.2.2. Educação escolar e religiosa: pontes ou muros? ……… 136

4.2.2.3. Educação escolar: uma visão profética de futuro ……….. 142

4.2.3. No areópago da sacrossanta religião ……….. 143

4.2.3.1. Jovens no confessionário ………. 143

4.2.3.2. Jovens colocam a Igreja em tribunal ……….. 146

4.2.3.3. O esmiuçar da espiritualidade ……… 149

4.2.4. No areópago do altar sagrado das redes socais ………. 153

4.3. Jovens: o que os (des)espera ……… 158

4.4. O desabafo de um penitente ……….. 163

CAPÍTULOV – NA BÚSSOLA DA CONCLUSÃO……… 165

5.1. A nossa bússola aponta para norte e encontramos o areópago familiar ……….. 165

5.2. A nossa bússola aponta para sul e encontramos o areópago escolar ……… 166

5.3. A nossa bússola aponta para este e encontramos o areópago da religião ……… 166

5.4. A nossa bússola aponta para oeste e encontramos o areópago das redes sociais ….. 167

5.5. Exame de consciência no crepúsculo da penitência ………. 169

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ……….. 171

APÊNDICES ……….. 191

Tabela A: Distribuição dos alunos por concelho ……… 192

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Tabela C: Licenciatura do pai ……….. 193

Tabela D: Licenciatura da mãe ……… 193

Tabela E: Profissão do pai ………... 194

Tabela F: Profissão da mãe ……….. 196

Tabela G: Atividades extracurriculares ……….……… 197

Tabela H: Importância das instituições nas dimensões do desenvolvimento (frequências de resposta) ………. 198

Tabela I: Inquérito ……….……….. 199 Tabela J: Tópicos de orientação dos grupos de discussão (focus groups) 208

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Caracterização dos grupos de discussão ………. 113

Tabela 2: Caracterização familiar ……… 117

Tabela 3: Autoavaliação do comportamento em sala de aula ………. 123

Tabela 4: Teste Mann-Whitney para a comparação do comportamento em sala de aula e da classificação média pela frequência ou não em EMR ………. 124

Tabela 5: Importância das instituições nas dimensões do desenvolvimento (resultado médio) ……… 126

Tabela 6: Os alunos no seio da sua família ………. 130

Tabela 7: Opinião dos alunos acerca da relação entre educação e Igreja ………. 138

Tabela 8: Visão da Igreja ………. 147

Tabela 9: Visão da espiritualidade ……….. 150

Tabela 10: Expectativas face ao futuro ……… 158

Tabela 11: Teste Mann-Whitney para a comparação das expectativas face ao futuro relativamente ao género ………. 159

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Características da população ……… 116

Figura 2: Áreas de estudo ………. 117

Figura 3: Escolaridade dos pais ……….. 118

Figura 4: Reprovações ………. 120

Figura 5: Classificação média e pretensão de ingressar no ensino superior ……… 120

Figura 6: Participação em atividades extracurriculares ………. 121

Figura 7: Distribuição média da autoavaliação do comportamento em sala de aula … 123 Figura 8: Importância das instituições nas dimensões do desenvolvimento (média) … 125 Figura 9: Participação dos alunos na família ………. 129

Figura 10: A religião na vida dos alunos ………. 144

Figura 11: Caracterização da prática religiosa ………. 145

Figura 12: Caracterização da prática religiosa dos alunos que referiram não crer em Deus ……… 145

Figura 13: Visão da Igreja ………. 148

Figura 14: Tempos de utilização da internet ……… 154

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INTRODUÇÃO

Creio nos anjos que andam pelo mundo, Creio na deusa com olhos de diamantes, Creio em amores lunares com piano ao fundo,

Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes;

Creio num engenho que falta mais fecundo, De harmonizar as partes dissonantes, Creio que tudo é eterno num segundo, Creio num céu futuro que houve dantes,

Creio nos deuses de um astral mais puro, Na flor humilde que se encosta ao muro,

Creio na carne que enfeitiça o além,

Creio no incrível, nas coisas assombrosas, Na ocupação do mundo pelas rosas, Creio que o amor tem asas de ouro.

Ámen.

Natália Correia, Credo, Antologia Poética

Após a interiorização e o deleite deste poema, valerá a pena deixar-nos provocar, ou quiçá, desafiar: creio em deus ou em deuses? Creio na espiritualidade ou em espiritualidades? Ámen!

No limiar de um mundo novo, cheio de realidades contraditórias, onde se operam mudanças rápidas e profundas num curto espaço de tempo, assistimos a uma revolução cultural e ideológica que está a implantar novos modos de pensar e estar no mundo. É uma revolução do nosso tempo e no nosso mundo, provocando, não raras vezes, um choque com as crenças e valores da tradição religiosa em que estamos integrados. Numa sociedade invadida pelo desabrigo do eu, marcada pela dinâmica da secularização, da incerteza e do imediato que constrói ídolos e mitos, como pensar ou discursar o sentido da educação religiosa nas gerações juvenis?

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Por que é que na Igreja se veem sempre menos jovens e desaparecem, ano após ano, dos grupos de jovens paroquiais? Como justificar o analfabetismo cristão, sobretudo bíblico, das novas gerações juvenis, num espaço cultural do qual a Bíblia representa um dos grandes códigos de sentido e do qual muitas vezes se recordam as raízes cristãs? Por que razão, por um lado, cada vez mais jovens utentes do Facebook, no seu perfil, atribuem a si próprios uma orientação ateia ou agnóstica, enquanto, por outro, estão em contínuo crescimento os sítios da Web onde se pode deixar uma oração, acender uma vela, passar um momento de paz? Fará sentido dizer que as plataformas religiosas convencionais e históricas já não fazem parte do ADN das gerações juvenis? Se os adultos não encontram espaços nas Igrejas, acentuando um divórcio entre a fé e a vida das pessoas, se as crianças e adolescentes desertam da catequese, será que temos medo de nos arriscar a perguntar: que caminhos nos aguardam desabrochar?

Urge, nos dias de hoje, não desistir de tentar saber o que se passa com as nossas gerações juvenis, de nos interrogarmos, indefinidamente, sobre o sentido do que acontece, percebendo que há uma “bibliografia que não para de crescer sobre a crise das crenças, sobre o retorno do religioso, sobre as correntes esotéricas contemporâneas, sobre os novos movimentos religiosos e as novas espiritualidades e, para dizer de uma forma mais global e com menos rótulos, sobre a religião na pós-modernidade” (Domingues, 2003, p. 15). Talvez comecemos a perceber que o espiritual dos seres humanos não morreu, apenas se desenvolve fora da instituição Igreja.

(Re)surgem novas experiências espirituais e místicas que vivem ressarcidas do registo do coração, da afetividade sem que haja vigilância da razão e dispensam, facilmente, a mediação das religiões institucionalizadas, sem o nihil obstat das instituições religiosas, dissociadas de um compromisso eclesial, sem organização estrita e sem dogmas, passando para o campus mais pessoal e subjetivo, uma busca espiritual que (re)nasce à margem da presença de um Deus professado e acreditado.

Nos estudos que se têm feito sobre a oração praticada pelos jovens, estão a chegar à conclusão que oração aparece como uma técnica psicológica – essencialmente meditativa ou explosiva, voltado para si própria – do que uma oração de cariz cristã, mais de procura da energia e harmonia interior do que confrontação com uma alteridade que ponha em causa o seu narcisismo, de uma tendência mais sensorial, emotiva e fluída (Mardones, 1994). Procura-se

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uma redescoberta do eu, realização de si, gratificação, privilegiando o sentimento pessoal, a expressividade e espontaneidade, salvação aqui e agora.

Na atitude de busca e experimentação religiosa, os jovens “preferem formas mais equitativas, lúdicas, até hedonistas, em conformidade com os valores dominantes, não admitem líderes nem dependência hierárquica do exterior” (Domingues, 2003, p. 27) tornando-se uma espécie de nebulosa místico-esotérica. No interior desta nebulosa, onde é que os jovens podem forjar a sua personalidade e identidade?

Percebendo que a religião inspira representações coletivas, inspira os modos de vida e de pensamento enquanto fonte de sentido e de valores, marca profundamente a identidade dos indivíduos e dos povos, modelando um ideal a habitar no quotidiano, revela-se um temível acelerador de paixões humanas, capaz de cristalizar as energias com uma força excecional, para o melhor e para o pior (Bourgine, 2012), tornando-se a instituição igreja, onde a religião se interioriza e professa, uma fonte que “altera radicalmente a natureza da vida social quotidiana e afeta os aspetos mais pessoais da experiência” (Giddens, 2001, pp. 29-30).

Aos poucos e poucos, vamos tomando consciência que as novas gerações juvenis sentem-se apanhadas pelo excesso dos acontecimentos, pelos ritmos frenéticos, pela lógica das perdas, dos proveitos, dos interesses, dos contratos; as referências familiares e escolares esbatem-se; de repente acordamos no seio de uma nebulosa existencial que faz medo, relativiza os gostos de viver. O regresso ao espiritual pode ser uma resposta às frustrações, ou, seja, ao desencanto existencial do sujeito face à precariedade de sentido. Pode também ser uma resposta aos medos apocalípticos, ou uma tentativa de preencher os vazios engendrados pela cultura técnico-científica.

O certo é que os jovens, a partir dos anos sessenta/setenta, tiveram uma importante função no desenvolvimento da modernização das estruturas sociais e “rompendo com as estruturas normativas dominantes em busca de outros espaços e canais alternativos, assumiram novos valores, novas condutas, marcando novos rumos e abrindo novas perspetivas” (Duque, E., 2007, p. 12), conscientes que aquilo que define a juventude é a sua atitude de procura do novo, de algo ainda não conhecido e não atingido, um grupo social que não pretende integrar-se na sociedade adulta, que adota novos ritmos, ritos e hábitos, entra em rutura/choque com o passado familiar e da própria autoridade das instituições (igreja, escola) para construir algo de

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novo, uma visão (im)pessoal e própria. Hoje não há identidades herdadas, cada um vai inventando a sua própria identidade e a reivindica publicamente.

Bora lá fazer uma selfie. Acreditamos que nos dias de hoje colocamos muitas perguntas sobre as realidades juvenis e seus demandos ou desvarios esotéricos de espiritualidades mas talvez tenhamos poucas respostas. Eis o principal motivo que nos leva a encetar este trilho de investigação. A complexa variedade dos modos de crer que as culturas juvenis apresentam, a sua fluidez, a cada vez mais rápida mutação no processo de busca de um sentido para a vida, de realização pessoal e social fora do enquadramento institucional das diversas comunidades religiosas e educativas, coloca a estas instituições importantes desafios. Afinal, a bússola dos trilhos juvenis aponta para onde? Norte ou (des)norte?

Procuramos, numa abordagem inicial, perceber a dimensão da religião e da espiritualidade nas sociedades contemporâneas e como o ser humano se revê e refaz perante estas na construção da sua identidade e como forma de superação das suas narrativas existenciais.

Afunilando o nosso discurso, entramos nas entranhas do horizonte das culturas juvenis, procurando desbravar as suas urdiduras e trajetórias no interior da imanência dos areópagos de socialização e educação (a família, a escola, a igreja e as redes sociais), sendo estes terrenos movediços que moldam a sua identidade, a sua forma de ser e de estar e, ao mesmo tempo, percebendo como eles (re)criam o cariz identitário dos areópagos em causa.

Na cartografia desta investigação, optamos por um design metodológico de um estudo de caso. Aferimos os nossos dados a partir de uma vara bifurcada: inquérito por questionário e focus groups.

Bora lá fazer uma selfie, porque compreender a nossa geração juvenil e para onde ela nos orienta é extremamente vital, porque podemos cair no risco da inaptidão e da ignorância.

O mundo conhecido oferece segurança, o desconhecido toca o medo que habita a nossa razão e emoção e fazem disparar as atitudes de autodefesa que bloqueiam qualquer tentativa de crescimento intelectual e de maturação: será que pensar e viver hoje é ser igual a ontem? Será que pensar e viver hoje é limitar-se a manter decisões de ontem sem repensar as questões de hoje? Fazer perguntas…implica (de)mover-se...

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C A P Í T U L O I

NO CREPÚSCULO DA RELIGIÃO

O ser humano tem o desejo de Outrem, absolutamente transcendente. O desejo como a medida do infinito. Emmanuel Levinas (1988, p. 284)

A religião, como fenómeno individual e social, é uma dimensão intrínseca e das mais importantes da pessoa humana, sendo esta uma tónica importante na distinção entre o ser humano e os animais. Ela influencia comummente a maneira como se vive e interpreta as diversas valências inerentes ao ser humano (vida familiar, profissional, política, sexual, nascimento, morte), não há aspeto vivencial algum, pessoal e/ou comunitário, que não tenha a marca do óleo sagrado da religião.

Hodiernamente, seria extremamente difícil (re)interpretar a história dos povos, as diversas culturas e civilizações sem o toque implícito ou explícito da religião. Por exemplo, enquanto a história da cultura ocidental está marcada, mesmo numa questão identitária, pelo cristianismo (católico ou protestante), os países árabes não se concebem na sua estrutura sociopolítica sem o islamismo. Tudo o que respira em redor do nosso ser quotidiano: crenças, valores, educação, motivações, desejos, sonhos, formas de pensar, amar, viver, a cultura, a arte nas suas mais diversas manifestações e outras expressões humanas estão marcadas pela religião(Oliveira, 2000, p. 6).

Tentar definir religião torna-se algo difícil devido à grande diversidade de condutas consideradas religiosas e à grande variedade de religiões, desde as mais naturais dos povos primitivos, às religiões reveladas: Judaísmo, Cristianismo, Islamismo.

Há diversos aspetos que devem estar presentes na abordagem da própria religião: a crença ou doutrina (dimensão cognitiva, contida, normalmente, num livro sagrado, como por exemplo, a Bíblia), o ritualismo (dimensão comportamental e de ordem simbólica e sagrada, como são os sacramentos no Cristianismo), a moral (comportamento coerente com a doutrina acreditada e professada) e a pertença a uma comunidade.

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Importa, neste momento, perceber a etimologia do termo “religião”: para Cícero, este termo provém do termo latino relegere (ler de novo, observar/recordar coisas de Deus). Para Lactâncio, apologista cristão do século IV, o termo em causa deriva de religare (tornar atar, ligar-se com Deus). No prisma de Santo Agostinho, o termo surge de reeligere (eleger de novo a Deus). Note-se que, qualquer que seja a etimologia (o termo que atrai a si mais consistência é o termo religare), orienta o termo religião como adesão voluntária do homem a Deus ou divindade, através de ritos e cultos diversos, o que se torna diferente do fenómeno das seitas e movimentos de New Age, cuja proveniência é, em muitos casos, de cariz proselitista ou interesseira (Oliveira, 2000). Na religião estão presentes, para além do ritual simbólico e do sentido comunitário, dois aspetos fundamentais: a crença numa força sobrenatural e não abarcável à luz da experiência humana e a coordenação da própria vida em consonância com a respetiva crença, estando, por isso, presentes numa dimensão relacional aspetos subjetivos e outros objetivos, interiores e exteriores, individuais e sociais.

O homem é por natureza um ser religioso, desde que se tornou consciente de si próprio, na sua fragilidade e fugacidade, e se deu conta de ser um ser dependente de alguém que o transcende e, por isso, desde os primórdios da sua história, o ser humano criou os seus ritos ou

cerimónias para se colocar em ligação com a divindade. A religião como “qualquer sistema de pensamento e ação, partilhada pelo grupo, que

fornece ao indivíduo um quadro de orientação e um objeto de devoção” (Fromm, 1950, p. 21), torna-se importante para fazer uma abordagem holística do próprio conceito de religião, porque toda a experiência religiosa compromete e abarca a pessoa humana, todas a suas dimensões cognitivas, afetivas, motivacionais, comportamentais e o seu contexto social. Todo este fenómeno religioso está presente em todos os tempos e lugares, cuja intenção principal é de dar um sentido ao homem e a tudo aquilo que o rodeia, de encontrar os meios e os fins para dar um significado a tudo.

Por que se é religioso? Quais as razões que levam os seres humanos a possuírem pensamentos e comportamentos religiosos, a terem uma crença e a viverem segundo essa crença? Será uma necessidade biológica presente no nosso código genético? Será uma necessidade meramente intelectual, sob pena de não encontrar um significado para a vida? Será uma necessidade de autorrealização pessoal e de autotranscendência? Será apenas uma questão pessoal, idiossincrática ou de caráter ou meramente uma questão de contexto

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sociocultural? Será simplesmente um hábito social e civil, uma atitude convencional? (Oliveira, 2000). Ou será uma necessidade psicológica defensiva para fazer face ao medo ou dominar os sentimentos de ansiedade e de culpa? As fontes da religião são múltiplas: o medo, a esperança do além, o fascínio diante do mistério do mundo e da existência, a culpabilidade, da mesma forma, e correlativamente, o conteúdo da religião vivida compõe-se de elementos muito diversos: sentimentos de dependência, de respeito e de confiança, busca de sentido para a existência, sentimento de proteção, medo diante do caráter estranho do próprio mundo (Vergote, 1966).

Começa-se por interpretar a religião como caminho de segurança e respostas às frustrações que advêm das angústias e tribulações, das alienações sociais, das fragilidades morais do homem e do seu medo perante a morte, assim sendo, o ser humano “buscaria na religião uma Providência em quem confiar, um mundo novo e mais justo, um Deus consolador e compassivo, uma tentativa de imortalidade” (Oliveira, 2000, p. 42).

1.1. Religiosidade/Espiritualidade: convergentes e/ou divergentes?

A religião distingue-se da religiosidade nas seguintes linhas: a religião sendo um conjunto de doutrinas e práticas visando colocar o ser humano em ligação com o divino ou o sobrenatural, reconhecendo o homem um Princípio superior do qual se faz dependente através da fé e da fidelidade moral aos compromissos assumidos. A religiosidade é a tendência para os sentimentos religiosos ou abertura ao sobrenatural, mas de forma difusa e descomprometida.

Segundo Domingues (2003) a “espiritualidade associa-se mais à experiência interior e mística e menos ao compromisso eclesial. A espiritualidade diz-se mais em termos pessoais e experienciais; a religiosidade inclui a fé pessoal, mas inserida nas coordenadas institucionais e organizativas” da Igreja (p. 19). A religiosidade está mais perto das ditas religiões institucionais (tradicionais) e a espiritualidade como mais pessoal e subjetivo e onde esta é também apresentada como “um processo dinâmico, pessoal e experiencial que procura a atribuição e significado existencial, podendo ou não coexistir com credo religioso” (Azevedo, 2012, p. 122).

Os diversos fenómenos associados à espiritualidade são parte essencial da religião e, atualmente, a maioria das características da religiosidade inscreve-se num eixo efetivamente distanciado das formas institucionalizadas de religião. Uma espiritualidade aponta, pois, “para

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uma forma de religião aberta, aligeirada de dogmas e obrigações impostas do exterior e numa maior proximidade vital com a experiência afetiva de cada um” (Domingues, 2003, p. 22).

A manifestação máxima da modernidade – elevação da razão humana a espírito absoluto, identificando-se com o transcendente e substituindo-o – entrou num processo de deterioração, hoje já não se acredita nessa razão absoluta e autónoma, mas apenas se vivem razões parciais e fragmentadas dos contextos culturais e individuais, onde a “morte de deus” – profetizada por Nietzsche – se apresenta como símbolo da derrocada de todos os fundamentos absolutos e imutáveis, temos o fim do espírito absoluto e o regresso à proliferação dos espíritos finitos.

No entanto, a morte de deus acaba por conduzir tendencialmente a um nihilismo, ou seja, a era do vazio (Lipovetsky, 2013), em que nada conta porque tudo vale e tudo se torna igual, em que nada vale a pena porque tudo é penoso, em que ter-se-á eliminado toda a possibilidade de encontrar um sentido, seja ele qual for.

Neste linha de ideologia do sem sentido/vazio (re)conduz o ser humano em busca de seguranças e soluções no seu próprio interior, “reeditando as versões gnósticas do espírito versus matéria, da consciência individualista versus norma objetiva e soluções por recurso ao transcendente meramente exterior e esotérica” (Duque, J., 1998b, p. 595): trata-se de uma espécie de domínio mágico-religioso.

Analisaremos alguns elementos da religiosidade a qual poderíamos denominar “pós-moderna” numa dimensão sociocultural – uma espécie de devotio post-moderna. Porém, para entendermos esta religiosidade, temos que fazer uma leitura hermenêutica da pós-modernidade.

1.1.1. Pós-modernidade: era do vazio e homem light

O conceito da pós-modernidade é, para muitos, uma fase do anything goes – vale tudo. E tudo vale, paradoxalmente, porque nada tem valor. Diante de uma modernidade na acentuada afirmação de determinados valores – liberdade, emancipação, autonomia – acentua-se o caráter de transitoriedade e fugacidade desses mesmos valores, tidos anteriormente como absolutos e transcendentes, por isso considerados como incondicionais e indisponíveis (Duque, J., 2003).

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Frente a realidades tidas como projetos de salvação – caso da política e da tecnologia – aparece a desilusão, provocada pela contradição dialética das realidades em causa.1

A crise da modernidade – que continua entranhada na nossa cultura – está marcada pelo processo de individualização e de independização em relação a instituições e parâmetros culturais estabelecidos e familiares (Lipovetsky, 2013), em que o ser humano, perante a sua incapacidade de assumir as rédeas do seu próprio caminho, acaba por se tornar numa marioneta do jogo incontrolável dos poderes económicos/ financeiros e de marketing de uma sociedade marcadamente consumista, a quem o homem se rende, quiçá idolatra, de forma incondicional e acrítica.

A sociedade tradicional marcada pela transcendência do sentido, deu origem a mundo marcado pela imanência do sentido: “a vida concebida como liberdade, torna-se capaz de criar as suas próprias significações, ao mesmo tempo que, paradoxalmente, deixa cair as pessoas na insignificância do trabalho, na insignificância dos tempos livres, insignificância de todas as participações. Um sentido que não tem uma dimensão transcendente, é necessariamente relativo e efémero” (Fernandes, 2001, pp. 13-14).

Nesta nuance, começamos a perceber que “não há verdade universal nem realizações que salvem, mas apenas verdades parciais – ou melhor, formas de vida e de crença que aparentam ser verdade, mas que podem tornar-se, de um dia para o outro, falsidade” (Duque, J., 1998b, p. 594), ficando com plena noção que os valores de pertença verdade absoluta, perdem o seu cariz de absoluto e apenas se afirmam ao sabor dos interesses da pessoa humana, ou nem sequer se afirmam porque onde não há valores universais, qualquer afirmação de determinado valor é suspeita ou mesmo descabida de qualquer sentido.

Afirma-se, assim, um espaço vazio no lugar anteriormente ocupado por esses valores que nenhum valor novo substitui. Se outrora, nas fases na nossa história, os valores também caíam, acontecia para dar origem a outros valores, que mais alto se levantavam. O que torna diferente aquela que se costuma já chamar a “era do vazio” (Lipovetsky, 2013) é o facto de

1 Na realidade, são os valores da modernidade, assim como as realidades sociais que a marcam, que contêm, a

semente do vazio e do nihilismo, pois são valores e realidades que desafiam o ser humano a voltar-se para si próprio e, por consequência, para o nada de si mesmo, colocando de parte todas as referências de história, de memória e da própria fundamentação transcendente. Numa referência a Natoli: “a liberdade incondicionada é liberdade para o nada; grande caminho de emancipação, mas ao mesmo tempo uma singular situação de angústia e de tensão frente à imponderável e, dada a contingência dos acontecimentos, extrema necessidade de salvação. O modernismo possui espaços largos, grande mobilidade, mas pleno de incertezas. No momento em que quer assegurar-se, odeia aquilo que o assegura, porque vê nisso um vínculo, aquilo que limita o seu espaço de liberdade” (citado por Duque, J., 2003, p. 169).

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nenhum valor mais alto se levantar. Parece que tudo jaz num avançado estado de decomposição, um vazio que se entranha na existência e convivência do ser humano.

Esse vazio é provado, precisamente e por paradoxal que pareça, por uma superabundância, pelo excesso da nossa cultura, relativamente a muita coisa; é este excesso quantitativo que nos impossibilita – por saturação, certamente – de fazer uma avaliação qualitativa daquilo que nos é dado a viver ou a possuir. Cria-se, porém, uma sociedade de superfície, de casca, de invólucro, pela nossa incapacidade de saborear o miolo da realidade. O que existe é apenas em aparência exterior de tudo, uma realidade que fica aquém de si mesma, tudo existe anestesiado de aparência, sem realidade e sem significado. Tudo passa a ser simulacro, encoberto, sem possibilidade de um dia se manifestar o real da sua própria realidade, “como os contextos, as necessidades e aspirações são profundamente mutáveis, tendem a diluir-se as identidades confessionais em proveito de identidades plurais” (Fernandes, 2001, p. IX).

Um aparato da cultura da banalidade cuja principal missão é ocupar a mente sem a preocupar, sobretudo, sem a fazer pensar – muito menos se de um pensamento crítico se tratasse. Assistimos a uma redução constante da complexidade que nos envolve em simplismos de visões e soluções monolíticas e unívocas, que redundam em mero simplismo, a banalidade que prefere reduzir essa complexidade da realidade a uma visão linear e exclusivista e, por isso, criar um embelezamento fingido e ilusório do real, para evitar confrontações com a própria realidade.

Será possível, na convivência com a cultura da banalidade, possuir uma verdadeira atitude religiosa? Parece-nos que não. Mas porquê? Porque as soluções fáceis e ilusórias apresentam uma forte tentação de uma religiosidade diluída. Proliferam, porém, os recursos ao religioso como estratégia de compensação de medos, de limites ou das mais variadas necessidades; a religião é funcionalizada e funciona como mecanismo servidor para a própria satisfação e alheia-se do compromisso transformador da realidade. O sujeito, na sua singularidade, torna-se no seu critério último e absoluto e no qual acaba por “ser absorvido nos mecanismos anónimos e abstratos do próprio consumo de fruição” (Duque, J., 1999, p. 213).

A sociedade pós-moderna é uma sociedade onde impera a indiferença da massa, em que a saciedade e estagnação são os sentimentos dominantes, em que a autonomia privada se torna óbvia, em que o novo é acolhido do mesmo modo que o antigo, em que se banalizou a

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inovação, em que o futuro deixou de ser assimilado a um sistema de progresso invencível (Lipovetsky, 2013)

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O ser humano que se deixou entranhar por essa época, ou é um ser em angústia perante a falta de orientação, ou é um homem que se deixou habitar e governar por esse vazio, que se deixou vivenciar pelo fascínio desse radical nihilismo e pela aceitação anestesiada do superficial. Começa, assim, a arquitetar-se o “homem light” (Rojas, 1994) deixando-se anestesiar pela leveza da situação em que está inserido, que deixa de aprofundar as raízes da sua essência enquanto ser humano, movendo-se apenas por areias movediças, prescindindo de referências inspiradoras para uma vida nobre, dotadas de verdadeiros valores, acabando por todos os “sistemas de referência se tornarem vagos, insuficientes, descartáveis e opcionais, deixando os indivíduos entregues ao culto mais ou menos narcísico de si próprios, fragilizados face a um mundo que parece ter apenas um traço claro e constante: o da permanente mudança” (Lipovetsky, 2013, pp. 9-10), uma espécie de época do deslizar, tudo desliza e se apaga numa indiferença permanente.

A queda abrupta dos valores que sustentavam a cultura ocidental, inclusive a própria modernidade, é acompanhada pela crise das instituições religiosas (Dubet, 2002), de uma forma particular, das Igrejas Cristãs, contribuindo, então, para uma forte erosão desses instituições, por isso, a crise na vivência da religiosidade tradicional poderá ser enquadrada na crise de valores que afeta a pós-modernidade.2

A perda de identidade e segurança próprias da era do vazio, cria uma forma específica de consciência a que Peter Berger apelidou de “homeless mind” (consciência sem abrigo) (citado por Duque, J., 2003, p. 171), que provoca, como consequência, uma incessante procura de lar ou pátria. Nessa demanda, o ser humano contemporâneo, na esperança de encontrar um porto seguro, lança-se a tudo aquilo que encontra à mão de semear, ressurgindo, assim, o interesse pela religião como uma espécie de tábua da salvação.

2A crise religiosa “é reflexo da crise prolongada e profunda das sociedades do nosso tempo. As Igrejas fazem parte

das sociedades em transformação, nas quais vivem, vendo-se afetadas pelos seus problemas” (Velasco, 1999, p. 127).

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12 1.1.2. Religião soft

As sociedades ocidentais, de uma forma particular a partir do Renascimento, têm sido sujeitas a um processo de racionalização, arrastando atrás de si um acentuado desencantamento do mundo, um desencantamento que se manifesta no esgotamento do invisível, esgotamento da sacralidade das próprias sociedades (Fernandes, 2001).

O mundo em que estamos inseridos é hoje (e será cada vez mais) um lugar complexo e de contrastes, onde a diversidade da manifestação do religioso recolhe um conjunto de elementos provenientes de diversas culturas, que devido aos seus elementos fragmentados se torna difícil de fazer uma caracterização precisa e homogénea desse fenómeno a que poderíamos apelidar de “religião soft” tão presente, diríamos até, devidamente entranhado, no nosso contexto sociocultural.

Apesar dessa amálgama de elementos fragmentários do fenómeno religioso, parece-nos pertinente colocar em destaque alguns elementos caracterizadores desses movimentos (Duque, J., 2003), tendo plena consciência que uns mais acentuados em determinadas tendências, outros noutras.

I – Tendo como base a caraterização, já anteriormente feita, da pós-modernidade com sendo uma realidade sociocultural selada com a era do vazio, a religiosidade (re)aparece como compensação do desassossego da angústia criada por esse vazio, onde a religião, nesse mesmo contexto, se apresenta e “é assumida essencialmente como salvação individual, aqui e agora, causadora de bem estar psíquico (e até físico), na medida em que confere a tão procurada segurança” (ibidem, p. 172).

Uma religiosidade que está orientada para satisfazer as necessidades individuais da identidade, de harmonia, de afeto, de proteção, ou seja, necessidades primárias. Estamos perante, então, uma religiosidade substancialmente psicológica, e que os significados e os valores meramente religiosos são elaborados com uma linguagem tipicamente psicológica: redescoberta do eu; realização de si; gratificação; valorização do sentimento pessoal; experiência individual; o subjetivismo; pouca razão e muita emoção; primado da expressividade e espontaneidade; salvação aqui e agora. Uma religiosidade como um fenómeno intrapsíquico, nomeadamente a ampliação da autoconsciência.

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Por isso, e do ponto de vista qualitativo, vai-se perdendo a referência ao Transcendente, “enquanto alteridade fundamentadora e dadora de sentido universal, ficando-se apenas por pequenas e médias transcendências, do âmbito subjetivos ou meramente inter-subjetivo, como no caso dos próprios rituais de grupos aparentemente ritualistas” (Duque, J., 2003, pp. 172-173).

Do ponto de vista quantitativo, ocorre um retrocesso nos modelos de referência, resultando numa espécie de linha de mercado onde cada um, numa atitude meramente consumista, vai-se abastecendo, tornando-se um autêntico clientelismo religioso. Esta linha de mercado religioso vai provocar a proliferação do neopaganismo e do pluralismo religioso como a fragmentarização do religioso.

II – O individualismo consumista, próprio da sociedade da pós-modernidade, (re)cria uma religiosidade que poderíamos de apelidar de religiosidade selvagem, na medida em que a sua bússola de orientação é o próprio indivíduo. Uma religiosidade “como resultado de uma espécie de bricolage doméstica, a partir de inúmeras peças e materiais à disposição, no imenso mercado das crenças, dos símbolos e dos ritos” (ibidem, p. 174). A religião a funcionar como uma espécie de self service – em que cada um se serve conforme os gostos e tendências na procura de experiências fortes – supermercado espiritual ao serviço da privatização da religião.

O paradigma desta nova religiosidade, mais do que qualquer movimento religioso, é selado por um conjunto de tendências que coabitam debaixo do nome New Age (Nova Era). A New Age atrai a si o anúncio de uma nova era, o nascer do homem novo. Insere-se no combate ao ambiente materialista e proclama um novo paradigma: o primado do espírito. Desde as religiões monoteístas ao budismo, das gnoses antigas até às psicologias modernas, a New Age torna-se uma amálgama de teorias e práticas num sincretismo nebuloso e precursor que anuncia a religião universal do século XXI (Jorge, 2003), podendo representar o extremo de uma existência marcada pela mutação constante de modelos e elementos de referência religiosa, “o sagrado em termos de um movimento ondulatório de intensidades variáveis, de acordo com as sensibilidades individuais” (Fernandes, 2001, p. 39).

Na sua componente psicológica, a New Age torna-se numa experiência de “transformação psico-espiritual pessoal, sob a forma de experiência mística, que advém de uma crise pessoal ou através da prática da meditação, técnicas, terapias ou experiências paranormais que alteram os estados de consciência e permitem perceber a unidade da realidade” (Jorge,

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2003, p. 40). É uma espiritualidade que reflete um narcisismo espiritual, criam um mundo privado da realização do eu e consequente afastamento do mundo.

Uma espiritualidade que se identifica com um conjunto de técnicas, terapias, cujo objetivo é conduzir o ser humano a uma nova consciência cósmica e a descobrir deus em si mesmo e a encontrar a sua própria salvação, salvação aqui e agora, com o seu imediatismo.

No palco teatral da atualidade, com a tónica da nudez e da crueza, ouvem-se gritos de angústia, perplexidade e desesperança, que traduzimos sob a inspiração de Fernando Pessoa (Mensagem): “quem nos roubou a alma?/De que bruxedo/Que magia incógnita e suprema/Nos enche as almas de dolência e medo/Nesta hora inútil, apagada e extrema?”. Este tempo com a marca da vulnerabilidade, tantas vezes insuportável, acaba por atrofiar, enclausurar e escravizar o ser humano: não sabemos em quem acreditar, sentimo-nos inseguros, impotentes, ameaçados, desconfiados de tudo e de todos, desconfiados do hoje e do amanhã, uma espécie de nebulosa existencial que faz medo, relativiza o sentido e o gosto de viver.

A New Age pode servir-nos como exemplo concreto de uma determinada conceção de espírito comum a diversos grupos e pessoas na nossa contemporaneidade, onde a New Age nos oferece uma cosmovisão global da realidade partindo de pressupostos da atual sociedade do consumo e pluralista, pretensamente universal e anti-institucional, pressupostos que estão na origem dos tais movimentos de pluralidade de espíritos.

Uma das características fundamentais deste movimento é a sua interpretação do sentido da História, na qual a sua leitura interpretativa é de natureza astronómica, com consequências, sobretudo psicológicas: o espírito é concebido “como força anónima e impessoal, meramente imanente ao cosmos não a um Deus transcendente” (Duque, J., 1998b, p. 596).

Apresenta-se como um novo paradigma de racionalidade que aponta o espírito como força irracional e afetiva, de felicidade fácil e momentânea, que confere um estado harmonicamente holístico, inserindo-nos numa “época astronómico-antropológica de felicidade” (ibidem, p. 596).

Na linha de orientação desta cosmovisão, a New Age coloca-se à margem de referência de um corpo eclesial, ou seja, de uma comunidade/instituição devidamente organizada e regulada, recusando qualquer referência a uma tradição determinada, apontando apenas em abrir “o presente a forças ou energias de tipo cósmico” (Gisel, 1998, p. 54). Coloca de parte qualquer tipo de ordem mediadora, com a pretensão de uma acesso direto e individual à

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verdade, é uma “forma típica da religiosidade selvagem ou vagabunda, fora de qualquer institucionalização possível” (Duque, J., 1998b, p. 596) acabando por aniquilar o valor da institucionalização, da inculturação de qualquer verdade e vivência da religiosidade.

Um outro aspeto característico da New Age é o seu sincretismo, em que tudo vale e tem cabimento, onde o único critério absoluto parece ser a total ausência de critérios. O espírito individual torna-se num valor absoluto, conforme as tendências pessoais e respetivas necessidades, valoriza-se a componente emocional e afetiva. Quando existe um recurso religioso à transcendência, este possui contornos vagos e indefinidos, adaptando-se ao gosto de cada um, ao gosto de freguês.

O recurso a esta dimensão da New Age contribui para que o ser humano, de forma idolátrica, se centre em si mesmo e nunca se predispondo na direção do outro, enquanto ser relacional, trata-se de um espírito que tudo escraviza, anulando a sua identidade intrínseca, enquanto dignidade inviolável e tornando-se uma projeção de si próprio, virtual e imaginada que conduz a uma fuga da realidade histórica, em nome de um ideal abstrato3, e esta rutura do real

consigo mesmo conduz à revalorização do caminho da imaginação (Duque, J., 1999), como proposta alternativa, construtiva e criativa, enquanto espaço de abertura do possível, para além do real da realidade vigente e aparente.

Uma das expressões desse imaginário é precisamente a religião. Em todos os tempos, o sistema religioso “serviu de lenitivo para as amarguras ou frustrações, de catalisador de esperanças, de resposta à sede de infinito, de apoio para os combates da existência e de suplemento de alma para a vida” (Fernandes, 2001, p. 1).

No contexto da cultura contemporânea, surge o muito falado “regresso dos deuses” (Duch, 1991, p. 330), trata-se de sagrado plural, o regresso do politeísmo e assistimos a um reencantamento (repaganização) do mundo que nos envolve e nos deixa “imiscuir por formas e fórmulas pseudo-religiosas” (ibidem, p. 334). À morte de um mito, sucede um profícuo regresso das mitologias.

Quando centralizamos a nossa atenção na quebra da prática das religiões históricas e da sua perda de influência sobre a sociedade contemporânea, vamo-nos esquecendo de uma

3 Gisel(1998), vê aí a grande diferença ente mística cristã autêntica e o movimento New Age, diferença que toca na

forma como se concebe a relação do humano com o divino, do humano com o mundo e consigo mesmo: “a existência é passagem, não como momento a superar, mas como lugar de ser, de um ser em excesso em relação a todo o ente e em relação ao cosmos”. No mesmo sentido, a New Age acusa uma “fraqueza de relação ao mundo social e uma certa indiferença quanto à história” (p. 64).

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constante proliferação de seitas e de movimentos religiosos e este fenómeno “vem mostrar que não terá sido a crença, em si mesmo, que diminuiu, mas antes a recomposição do campo religioso” (Fernandes, 2001, p. VII); proliferam, assim, uma panóplia de crenças alternativas. Manifestam-se, assim, algumas formas de religiosidade sem religião e sem Deus (Berger, 1971). Não é a religião nem a crença no transcendente que está em causa, mas as religiões históricas e as formas de crer. Digamos que a humanidade parece já não conseguir sobreviver sem a referência a uma divindade.

III – A religiosidade selvagem é, por natureza, “refratária à organização institucional. Por isso, a nova religiosidade afirma-se, claramente, como anti-institucional” (Duque, J., 2003, p. 174). Apesar de percebermos que, atualmente, a prática da religiosidade ad hoc tem aumentado, porém, temos plena consciência que religiões tradicionais institucionalizadas têm sentido o aumento da indiferença, ou pelo menos, a diminuição da “prática” enquanto participação exterior e explícita com sinal de comunhão e pertença à instituição em que está inserido. As novas experiências espirituais e místicas, vivem sobretudo no registo do coração e da afetividade sem muita vigilância da razão. Dispensam facilmente a mediação das religiões institucionais, sem o nihil obstat das instituições. Profunda desarticulação entre crer e o sentido de pertença. A experiência do religioso, as crenças, os símbolos deixam de estar amarrados a um determinado contexto institucional e passam a estar sobre alçada da experiência individual (Duque, E., 2007).

A questão que se levanta, consiste em saber qual o lugar do sagrado no mundo contemporâneo. Sem termos uma dimensão de adivinhação do futuro, mas percebendo os sinais dos tempos (leitura interpretativa), constatamos que hoje existe um declínio da religião, enquanto “sistema de significação, capaz de integrar e de dar sentido à vida dos indivíduos. A sociedade entrou, ou está a entrar, na época do pós-cristianismo” (Fernandes, 2001, pp. 11-12), na medida em que assistimos a “um esvaziamento dos universos simbólicos de conteúdos religiosos” (Fernandes, 2001, p.12), a religião deixa de fazer parte do ADN dos indivíduos e do sentido deorientação, em termos normativos, da vida social.

Estamos perante, aquilo que Lipovetsky (2013, pp. 132-133) apelida de retorno do sagrado como “fenómeno muito pós-moderno, em ruptura declarada com as Luzes, com o culto da razão e do progresso”. Tal atitude resultará não só de uma falta de sentido ou de uma recusa obstinada da dominação tecnocrática, mas da “dessubstacialização narcisística, do indivíduo

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flexível à procura de si mesmo, sem balizagem nem certeza”. Este retornar ao sagrado, sintoma e indicativo de um período de crise, funciona como fuga ao excesso da burocratização da vida da sociedade atual e à reconciliação do homem consigo próprio.

IV – A dimensão do integrismo que “pressupõe que a essência da religião é a doutrina mais do que o ritual e, ainda, que essa doutrina por ser fixada com rigor e de forma definitiva, o que pressupõe, além disso, a escrita” (Duque, J., 2003, p. 176) vai caindo em desuso uma vez que a maioria dos indivíduos – pelo menos os que estão inseridos na nossa cultura ocidental – não são adeptos propensos a afirmações fundamentalistas e rigoristas, mas sim aquilo que J. Duque (2003) chama de “misticismo difuso”, que na sua essência “resulta da conjugação mais ou menos coerente de elementos das mais variadas proveniências e de diversas tradições místicas, esse misticismo está marcado por uma forte incoerência doutrinal” (p. 176). No entanto, esta incoerência acontece como forma de protesto contra o exagero exacerbado da dogmatização racional pretendida pela própria religião.

Esse misticismo difuso acaba por criar um mote de (re)encantamento (com tendências neo-gnósticas) das realidades mais díspares e que extrínseca ou intrinsecamente circundam no ADN do ser humano: a ciência; os astros (astrologia); o corpo (veja-se a luta, às vezes titânica, por uma corpo esteticamente a roçar a perfeição); a natureza (radicalização dos movimentos ecológicos); a política (idolatração de figuras e partidos); desporto (enquanto movimento de massificação de indivíduos); a música (como movimento proliferador de histerismo/esoterismo). Nesta mesma linha de seguimento ideológico, notamos que neste misticismo difuso está patente o recurso à dimensão da sensibilidade e da corporeidade como rutura ao racionalismo moderno, em que o que mais vais vale na dimensão individual é apenas e somente a experiência, tornando-se a nova religiosidade numa ocultação – às vezes num impulso de recusa – em falar do intelecto, mas apenas fazendo menção à experiência do existencial. Nesta linha orientadora, assume real importância os mais diversos símbolos, mitos e ritos, que afetam a pessoa humana de forma espiritual-corpórea e não meramente racional como era da pretensão da religiosidade que estava patente na modernidade (Duque, J., 2003).

V – Nesta proliferação de realidades, emerge com peculiar importância a ligação entre feira mercantil do religioso e os mass media em duas dimensões pertinentes: primeira – os mass media, nesta era da globalização, são os instrumentos mais eficientes e eficazes de marketing publicitário das doutrinas e/ou cultos religiosos; segunda – os próprios media são

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rotulados como uma espécie de áurea de encantamento quase religioso e enquanto instrumentos de encantamento do mundo, adquirem um status quo que às vezes nos impossibilita de perceber o que é a oferta do sagrado, se o conteúdo, se o meio. Uma cultura de mediatismo que “corresponde, não apenas a uma religião mediática, mas a própria religião dos media, com os seus templos e sacerdotes virtuais” (Duque, J., 2003, p. 178).

Esta ligação estrita entre feira mercantil do religioso e os mass media acaba por criar um certo clima de cumplicidade tal, que acaba por desencadear uma luta de atritos e conflitos de poder e de interesses, tornando-se numa aliança dicotómica de amor-ódio, ou mesmo de uma ocupação de um espaço quase religioso.4

1.1.3. Problemas

Esta panóplia de religiosidade da pós-modernidade, tal como foi descrita anteriormente, acarreta atrás de si alguns problemas que lhe estão inerentes.

O primeiro problema a ser colocado advém do simples facto que este tipo de religiosidade acaba por ser criada como forma de compensação de uma vazio existencial que outras realidades não conseguiram colmatar. A religião e os seus sucedâneos são assumidos como formas de controlar aquilo que na realidade é incontrolável, ou seja, como uma necessidade de incutir segurança no seio de uma realidade que parece constantemente a autonegar-se. Porém, reduzir a religião ou a religiosidade “a essa função de tapa buracos, esta é transformada numa construção idolátrica, mais tarde ou mais cedo denunciada pela história ou, pelo menos, destinada a provocar desilusões” (Duque, J., 2003, p. 179).

Um segundo problema desta religiosidade prende-se com o facto de esta compensação oferecida por esta mesma religiosidade se apresentar como um mecanismo de compensação fácil, onde existe um lado descomprometido em relação aos ritos e doutrinas da própria religião com a pretensão de conseguir uma salvação mágica e harmoniosa como fuga às realidades intrínsecas e à vivência do ser humano, tal como a questão do mal e do sofrimento.

4 Segundo Duque, J. (2003, p. 179), “bastaria pensar no caso, precisamente, do desporto. Se é que os media

contribuem para o seu encantamento, a verdade é que, pouco a pouco, vão substituindo os lugares do desporto real (os estádios) enquanto catedrais dessa religiosidade, para eles próprios assumirem esse posto. Mas, porque o são de forma virtual, fica por esclarecer se o reencanto se orienta para o desporto, enquanto tal, ou os media que o mediatizam”.

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A pluralidade como imagem de marca do todo poderoso poder de mercado, que acaba por encetar uma pluralidade falsa, reduzindo tudo à lógica da uniformidade do referido mercado, como refere o sociólogo Zygmunt Bauman (1991, p. 245) “a diversidade prolifera; e o mercado prolifera também. Dito de modo mais preciso, só pode prosperar aquela diversidade que é útil ao mercado”. Acaba por ser uma pluralidade disfarçada, tornando-se numa ditadura do sistema comercial que engloba a própria religiosidade pessoal e grupal, em que a pluralidade reina apenas no mundo quantitativo, porque qualitativamente impera um subtil e encoberto monolitismo global, que é potencialmente mais ditador do que todas as ditaduras até então conhecidas (Duque, J., 2003).

Este tipo de ditadura assume, porém, uma versão mais de cariz intelectualizada: a tradicional ditadura dos idealismos, onde o próprio sistema de religiosidade acaba por ocultar, e muitas vezes eliminar, a história identitária de cada ser humano, acabando por este idealismo desencarnado corresponder a um espiritualismo de mera energia cósmica e, por isso, irreal já que o ser humano, para além da sua historicidade corpórea, é (re)modelado em e por culturas, em e por instituições.

Como podemos percecionar, os problemas que a religiosidade da pós-modernidade nos coloca não são apenas problemas de cariz conflitual doutrinal ou dogmático com as ditas religiões tradicionais, mas são, sobretudo, problemas de compreensão do ser humano e da sua realidade circundante, problemas contraditórios das próprias conceções religiosas que chegam a defender a pessoa humana com atitudes e doutrinas que destroem o próprio indivíduo (Varanda, 2003). Veja-se como exemplo, o fanatismo religioso fonte de encanto e sedução para muita gente mas que, tantas vezes, se torna em fonte de destruição de povos e culturas. Apontar alguns problemas da religiosidade da pós-modernidade é, sobretudo, com o intuito de alertar para os perigos que podem advir para o ser humano e obviamente para a sobrevivência, diríamos, da própria humanidade e ao mesmo tempo fornecer chaves e símbolos para interpretar a realidade (Escudero, 2012).

Ao ser humano, enquanto tal, é-lhe pedido que tenha a inteligência e ousadia para ter a capacidade de discernimento dos diversos “rótulos de deuses” que se afiguram diante do olhar humano, criando um confuso ruído de tal ordem, em que cada um procura comercializar a sua mercadoria, ocorrendo interferências que impedem de captar os sinais da verdadeira transcendência. Que seja capaz de ter uma atitude crítica perante a multiplicidade dos espíritos

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que desafiam o ser humano a ser escravo de si mesmo e das forças que ele mesmo cria e nas quais de autoprojeta, ou então, herdeiro escravizado das forças anónimas e sem rosto que se dizem a habitar no cosmos (Bourgine, 2012).

Trata-se de um chamamento programático de revisão que cada ente humano é convocado a fazer, porém, a revisão “implica sempre uma visão, visão não meramente repetitiva mas crítica, crítica não meramente superadora ou substituidora mas desconstrutora” (Duque, J., 1999, p. 182), com uma capacidade de leitura/interpretação hermenêutica do tempo como sinal que transporta em si uma mensagem, para não sucumbirmos aos tempos e aos sinais, sem os ler. Uma revisão como leitura dos sinais dos tempos, uma visão que deve ser assumida mais como um desafio, do que como atitude de vitória ou derrota.

1.1.4. Propostas

1.1.4.1. A Religião como superação da pós-modernidade

Certamente que estamos plenamente conscientes que nos encontramos numa situação histórica difícil de fazer uma leitura hermenêutica correta devido ao facto dessa mesma história se encontrar num dinamismo de constantes mutações e ebulição e, ao mesmo tempo, confusa. Neste contexto, colocar a questão da verdade da religião nem sempre é fácil devido à dificuldade em encontrar uma resposta cabal e linear, mas parece-nos pertinente colocar essa questão com frequência para poder distinguir manifestações de autenticidade e de deturpações da mesma.

De qualquer modo, na confluência das diversas definições de religião, parece encontrar- -se uma conceção globalizante de religião “como articulação tensional entre referência transcendente, portanto a algo ou alguém que os precede e nos excede (referência universal) e configuração imanente, portanto articulação cultural concreta de referência particular” (Duque, J. 2003, p. 198).

A dimensão referencial ao transcendente impede que se absolutize tudo aquilo que tem a marca do finito, uma vez que toda a configuração cultural, qualquer rito, mito, e mesmo qualquer indivíduo não constituem, por natureza, algo absoluto e imutável. Nesta referência ao transcendente, quer como origem quer como fim em si e em todos, abre-nos para uma realidade

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não abarcável, ou seja, que está para além de nós, evitando, por isso, uma atitude escravizadora de nós próprios e dos outros (Escudero, 2012).

A dimensão referencial ao imanente impede toda uma construção abstrata de próprio infinito. A referência ao transcendente ocorre não por “abstração do imanente, mas por um maior aprofundamento do mesmo, nas suas próprias raízes, no seu próprio ser” (Duque, J. 2003, p. 198). De facto, não é razoavelmente pensável, nem possível essa referência ao que nos precede sem uma ligação histórico-cultural concreta.

Na vivência do fenómeno religioso é importante ter em consideração que a ausência destas duas dimensões – o da transcendência ou o da imanência – e o mero reducionismo de um relativamente ao outro criará deturpações da própria religião, e a eliminação da sua verdade originará pseudo-religiões ou pseudo-vivências da religião e para tal, o fenómeno verdadeiramente religioso terá que viver uma mútua referência perseverante aos dois pólos, em situação tensional, na medida em que um elimina a exclusividade do outro (Escudero, 2012).

Neste equilíbrio relacional, dá-se articulação e valorização da realidade enquanto entidade marcada pela pluralidade e nunca a anulação das próprias diferenças do real, porque o recurso à transcendência não anula, de forma inequívoca, a nossa compreensão e vivência da realidade, mas provoca uma abertura do aprofundamento da vivência do real, onde a pluralidade não se torna sinónimo de indiferença. Não podemos cair no radicalismo de conceber uma transcendência nem dualista, nem fixista. O primeiro modelo – de inspiração neo-platónica e assertivamente destruído por Nietzsche – acaba por anular a referência à realidade mundana, em nome de outro que não é; o segundo orienta-nos para a absolutização do nosso mundo real.

A referência ao transcendente terá que ser uma “referência que possibilite a fundamentação de diferentes perspetivas da realidade, sem absolutizar nenhuma delas, mas também sem cair no puro relativismo, já que todas se orientam para a mesma verdade transcendente” (Duque, J., 2003, p. 201).

A religião, na sua verdade concreta, não tem apenas como objetivo superar a pós- modernidade criticando-a, mas assume aspetos importantes que permite pensar a sua possível e correta articulação com a dimensão da fé cristã.

Porém, para não cair na tentação de correr o risco de todos os idealismos, a fé cristã não poderá simplesmente limitar-se a uma atitude de adesão meramente espiritual, do foro interior ou mesmo individual a uma palavra ou a um conteúdo também ele altamente

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Tabela 1: Caracterização dos grupos de discussão
Figura 1.1. Distribuição do sexo  Figura 1.2. Ano de escolaridade
Tabela 2: Caracterização familiar  Caracterização familiar (n= 329)
Figura 3: Escolaridade dos pais
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Referências

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