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A compreensão do lugar e a valorização do espaço rural: o caso da Escola Municipal São Francisco, Julio de Castilhos - RS / THE COMPREHENSION OF THE PLACE AND AGRARIAN SPACE VALUING: THE CASE OF JULIO DE CASTILHO'S SÃO FRANCISCO TOWN SCHOOL - RS

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Academic year: 2020

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CAMINHOS DE GEOGRAFIA - revista on line http://www.ig.ufu.br/revista/caminhos.html ISSN 1678-6343

Instituto de Geografia ufu Programa de Pós-graduação em Geografia

Caminhos de Geografia Uberlândia v. 10, n. 31 det/2009 p. 34 - 50 Página 34 A COMPREENSÃO DO LUGAR E A VALORIZAÇÃO DO ESPAÇO AGRÁRIO: O CASO DA ESCOLA MUNICIPAL SÃO FRANCISCO, JULIO DE CASTILHOS - RS1

Carmen Rejane Flores Wizniewsky

Professora Adjunta da Universidade Federal de Santa Maria carmenrfw@terra.com.br

Fernanda Lerner

Mestranda do Programa de Pos-graduação em Extensão Rural da UFSM fernandalerner@gmail.com

RESUMO

O presente artigo trata de uma pesquisa desenvolvida na comunidade da Escola Municipal São Francisco, localizada no Assentamento Alvorada, no município de Julio de Castilhos, RS. A constituição do Assentamento Alvorada através do INCRA foi resultado de uma forte mobilização social do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no ano de 1996, onde foram assentadas 72 famílias. Na Escola Municipal São Francisco que está localizada dentro do assentamento e atende os filhos dos assentados, observou-se que apesar de sua localização, ela não promove em suas práticas pedagógicas, a compreensão do lugar e a valorização daquele espaço agrário e de seus sujeitos. Nesse estudo buscou-se compreender e analisar a relação da Escola com a comunidade do assentamento abordando a valorização dos saberes sociais desde uma perspectiva do lugar.

Palavras Chave: Assentamento, lugar, saberes sociais, formação de sujeitos,

escolas do campo.

THE COMPREHENSION OF THE PLACE AND AGRARIAN SPACE VALUING: THE CASE OF JULIO DE CASTILHO’S SÃO FRANCISCO TOWN SCHOOL, RS

ABSTRACT

The present article refers to a research developed in São Francisco town school placed at Alvorada Settlement in the town of Julio de Castilhos, RS. The constitution of Alvorada Settlement trough INCRA resulted from a strong social mobilization led by MST (Landless Workers Movement) in the year of 1996 in which 72 families were settled. In Sao Francisco town school which is located inside this settlement and assists the settler‟s sons it was noticed that in spite of its location, the school does not promoted pedagogic practices of places comprehension and space valuing of that agrarian space among its students. This study aims to understand and assess the relation between this school and the settlement community approaching the value that is given to social knowledge from a local perspective.

Key - Works: Settlement, place, local knowledge, field schools, subjects formation.

INTRODUÇÃO

Na década de 1980 o país vê ressurgir os grandes movimentos de luta pela terra e pela Reforma Agrária que haviam sido abafados por duas décadas de Ditadura Militar. Entre eles, destaca-se o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Fundado em 1985 como uma forma de organização, o MST busca através de suas manifestações o apoio da sociedade civil para atrair a

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Recebido em 17/07/2009

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atenção do Estado e exigir deste a formulação de políticas publicas que resultem na Reforma Agrária através da implantação de assentamentos.

Os integrantes do MST, além da terra, lutam por uma educação de qualidade, formadora de sujeitos históricos capazes de desenvolver suas potencialidades e buscar outro tipo de desenvolvimento: o sustentável. Neste sentido, o MST procura uma educação voltada à formação de verdadeiros sujeitos no campo, promovendo uma organização primorosa e participante. A discussão em torno a construção de uma escola “do” campo e não “no” campo, levada a cabo pelos movimentos sociais faz emergir uma crítica a escola rural tradicional, por muito tempo considerada extensão das escolas urbanas.

Na década de 1960 a escola rural serviu como um meio de difusão da mecanização característica das novas tecnologias introduzidas no campo, processo que desencadeia o período denominado Revolução Verde. Neste contexto se desenha um cenário de grandes transformações tanto na cidade como no campo: saberes tradicionais dos agricultores substituídos gradativamente por conhecimentos técnicos, proliferação de modelos de desenvolvimento transferidos de outras realidades, urbanização, industrialização e grande entrada de capital internacional no país são algumas das transformações que deixam uma profunda marca no campo brasileiro.

Com os investimentos na educação rural da década de 1960 e 1970 pretendia-se a integração do território nacional e a disseminação de valores e princípios comuns capazes de estreitar os laços de cooperação e identidade com o modelo agrícola industrial, aproximando regiões com baixo consumo e com grande potencial produtivo ao sistema capitalista. Era interesse do Estado o adestramento de

produtores através da difusão de tecnologias para um mercado definido. Segundo Calazans (1993)

foram criadas políticas educacionais homogeneizadoras que contemplassem essa nova realidade brasileira, políticas que deixaram um registro significativo em grande parte das escolas brasileiras, onde se percebe a presença de uma escola do campo desconectada da realidade de seus sujeitos sociais.

Este artigo faz uma abordagem acerca da Escola Municipal São Francisco, localizada no Assentamento Alvorada, município de Julio de Castilhos, RS. O referido assentamento foi implantado pelo INCRA no ano de 1996, após a ocupação da Fazenda Alvorada por agricultores sem terra pertencentes ao MST. O Assentamento é constituído por 72 famílias de várias regiões do Estado Gaúcho. A escola do assentamento atende somente à filhos dos agricultores assentados. O objetivo geral do trabalho está focado na análise da relação da escola com a comunidade do assentamento na qual está inserida, sob uma perspectiva de compreensão e valorização do lugar. Os aspectos analisados no trabalho tratam inicialmente de uma contextualização da escola do campo, as políticas públicas para a educação, a importância do lugar, dos saberes sociais e seus sujeitos.

Para a obtenção dos dados foram utilizadas técnicas qualitativas distintas aplicadas a três segmentos da comunidade escolar, constituída nesse caso pelos alunos de 4ª e 5ª série, os professores e famílias de agricultores assentados. Os instrumentos utilizados foram entrevistas específicas para cada segmento como forma de potencializar a coleta de dados.

Contextualizando a educação do campo

A luta por uma educação de qualidade para a formação de sujeitos do campo, alcança o seu ápice com elaboração das Diretrizes Operacionais para a Educação do Campo, aprovada em 2001. Estas diretrizes vêm favorecer o direito às diferenças e a política de igualdade tratando da educação como uma forma de inclusão social. As Diretrizes foram desenvolvidas no sentido de considerar o campo como um espaço heterogêneo, com grande diversidade econômica, presença de movimentos sociais multiculturais e respeitando a relação que o campo estabelece com o urbano. (FERNANDES, 2002) Existe, segundo as Diretrizes Operacionais para Educação do Campo, uma denominação de urbano e de rural que exclui o trabalhador do campo da totalidade definida pela cidade. Portanto,

Com esse entendimento, é possível concluir, pelo esvaziamento do rural como espaço de referência no processo de constituição de identidades, desfocando-se a hipótese de um projeto de desenvolvimento apoiado, entre outros, na perspectiva de uma educação escolar para o campo. No máximo seria necessário decidir por iniciativas advindas de políticas compensatórias

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e destinadas a setores cujas referências culturais e políticas são concebidas como atrasadas (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2002 p. 76).

Segundo Fernandes (2002) a aprovação das Diretrizes Operacionais para Educação do Campo representam um importante avanço na construção do Brasil Rural, de um campo de vida, onde a escola é espaço essencial para o desenvolvimento humano. É um passo de quem acredita que o rural e o urbano se complementam e por isso mesmo necessitam ser compreendidos como espaço geográficos singulares e plurais, com suas identidades culturais e modos de organização diferenciados não podendo ser pensados apenas através de uma ótica urbana.

Atualmente, observar o processo educacional mediado pela escola permite colocar que a maioria das relações estabelecidas entre educadores e educandos é uma relação de transmissão de conhecimentos, uma narrativa, onde “é o professor que sabe”, e o aluno “o que não sabe” e está na escola para aprender “do” professor. O conhecimento está em um mundo distante e desconhecido muitas vezes inalcançável dos alunos. Freire (1975, p. 81) assim caracteriza essa educação

(...) Falar da realidade como algo parado, estático, compartimentado e bem comportado, quando não falar ou dissertar sobre algo completamente alheio á experiência dos educandos vem sendo realmente a suprema inquietação desta educação (...) Nele o educador aparece como seu indiscutível agente, como o seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é “encher” os educandos dos conteúdos de sua narração. Conteúdos que são retalhos da realidade desconectados da totalidade em que se engendram e em cuja visão ganhariam significação (FREIRE, 1975 p. 81).

A esta educação que o mesmo autor chama de “educação bancária”, os estudantes são vistos como seres de adaptação, de ajustamento. Quanto mais exercício de arquivamento lhes é feito, menos desenvolverão em si a consciência de transformadores do mundo.

É justamente contra essa “educação bancária” que os movimentos sociais e a sociedade envolvida com o campo organiza a Educação Básica do Campo (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2002). A educação do campo é construída com base na realidade dos sujeitos, considerando a valorização do lugar como prática pedagógica, assim como os saberes sociais e a história dos sujeitos, formando o que Freire (1975) denomina de “homens históricos”:

Os homens, pelo contrário, ao terem consciência de sua atividade e do mundo em que estão, ao atuarem em função de finalidades que propõem e se propõem, ao terem o ponto de decisões de sua busca em si e em suas relações com o mundo, e com os outros, ao impregnarem o mundo de sua presença criadora através da transformação que realizam nele, na medida em que dele podem separa-se e, separando-se, podem com ele ficar, os homens ao contrário do animal, não somente vivem, mas existem, e sua existência é histórica (FREIRE, 1975, p.128).

A educação voltada a formação de sujeitos históricos é o principal objetivo da educação do campo no âmbito dos movimentos sociais. Kolling (1999) assim caracteriza a escola do campo:

Aquela que trabalha desde os interesses, a política, a cultura, e a economia dos diversos grupos de trabalhadores e trabalhadoras do campo nas suas diversas formas de trabalho e de organização, na sua dimensão de permanente processo, produzindo valores, conhecimentos e tecnologias na perspectiva do desenvolvimento social e econômico igualitário dessa população. A identificação política e a inserção geográfica na própria realidade cultural do campo são condições fundamentais de sua implementação (KOLLING, 1999, p. 63).

Caldart (2002) apresenta-nos a problemática de que a educação deve ser “no” e “do” campo. “No” campo por que os sujeitos têm direito de serem educados no lugar onde vivem e; “do” campo, os sujeitos tem direito a uma educação pensada do seu lugar, vinculada a sua cultura e suas necessidades humanas.

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Neste contexto, Fernandes (2002) faz uma reflexão sobre a educação do campo baseada na realidade e sua importância na formação da identidade social de seus participantes:

A educação do campo é um conceito cunhado com a preocupação de se delimitar um território teórico. Nosso pensamento é defender o direito que uma população tem de pensar o mundo a partir do lugar onde vive, ou seja, da terra em que pisa, melhor ainda: desde a sua realidade. Quando pensamos o mundo a partir de um lugar onde não vivemos, idealizamos um mundo, vivemos um não lugar. Isso acontece com a população do campo quando pensa o mundo e, evidentemente, o seu próprio lugar a partir da cidade. Esse modo de pensar idealizado leva ao estranhamento de si mesmo, o que dificulta muito a construção da identidade, condição fundamental da formação cultural (FERNANDES, 2002 p.98).

Para a investigação da educação junto a camponeses é necessário levar em conta, - além do fato da atividade produtiva constituir a primeira fonte de conhecimento – também saber interpretar o sentido que os camponeses têm da sua realidade, valorizando sua objetividade e seus valores subjetivos. O trabalho é a prática social mais fundamental, posto ser através do trabalho que os homens atuam sobre a natureza e o mundo social modificando-o e simultaneamente modificando a si próprios nesse processo (DAMASCENO, 1993).

O saber social constitui os conhecimentos, habilidades e valores que são produzidos em uma classe social em um determinado período histórico. Pode-se agregar a noção de lugar como um elemento que constitui o saber social. “Logo o saber social é um saber gestado no cotidiano do trabalho e da luta camponesa um saber que é útil ao trabalho, aos enfrentamentos vividos cotidianamente pelos camponeses”. (DAMASCENO, 1993 p. 56).

Comenta Callai (2005) que cada povo, de cada sociedade, apresenta suas marcas, tendo estas marcas ligação direta com a identidade que é construída no sentimento de pertencer ao lugar. Reconhecer, enfim, a sua identidade e o seu pertencimento é fundamental para qualquer um entender-se como sujeito que pode ter em suas mãos a definição dos caminhos da sua vida, percebendo os limites que lhe são postos pelo mundo e as possibilidades de produzir as condições para a vida.

Na perspectiva de uma educação transformadora, formadora de sujeitos históricos, é necessária à investigação da identidade dos lugares e dos sujeitos a partir das pessoas que ali vivem, reconhecer as crenças, as religiões, as dificuldades, os anseios de vida destas pessoas, enfim, a cultura daquele espaço que imprime na paisagem as características destes indivíduos.

O lugar como categoria de análise geográfica merece destaque quando se trata da formação de sujeitos no campo. Conhecer o lugar, seu significado na história da sociedade representa valorizar as raízes culturais e sócio-espaciais. Para Santos (1997), o lugar constitui-se de dimensão de existência e se manifesta no cotidiano, nas relações sociais, nas firmas e nas instituições.

Diferentemente do território, o lugar não possui uma rede de poder, mas sim é delimitado por uma gama de acontecimentos históricos que unem os homens que vivem naquele espaço, e por ele possuem uma relação de lealdade e de troca. Assim Yi Fu Tuan (1983) tece algumas considerações acerca do lugar,

O que começa com o espaço indiferenciado transforma-se em lugar a medida que o conhecemos melhor e datamos de valor[...]as idéias de espaço e lugar não podem ser definidas uma sem a outra. A partir da segurança e estabilidade do lugar estamos cientes da ampliação, da liberdade e da ameaça do espaço e vice-versa. Além disso, se pensar-mos no espaço como algo que permite o movimento, então o lugar é pausa; cada pausa no movimento torna-se possível que localização se transforme em lugar (TUAN, 1983, p. 6)

O espaço somente passa a ser lugar no momento em que se adquire uma definição, uma intimidade e uma significação por este espaço. Carlos (1996 apud SOARES, 2006) enfatiza a necessidade de considerar-se a dimensão histórica do espaço no momento de análise dos lugares, considerando-os em função de uma tradição, de uma cultura, de hábitos ou ainda através de uma língua em comum.

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Já Pred (1984 apud NOGUEIRA, 2003) considera o lugar um processo historicamente contingente. Para o autor o lugar é algo concreto, um produto humano e envolve uma apropriação e transformação espacial, inseparáveis da reprodução e transformação da sociedade no tempo e espaço. O lugar, segundo Pred, é um processo de entrelaçadas de práticas institucionais e individuais aliado às características estruturais da sociedade.

Com o processo de globalização e mundialização, conhecido pela expansão de relações capitalistas de produção e sua capacidade de tentar impô-las em todos os pontos do mundo, começa-se a redefinir o conceito de lugar. Este passa a ser observado sob uma ótica de diferenciação para a ação do processo de globalização. Neste sentido, Callai (2005 ) aponta que na mesma medida em que ocorre o movimento de globalização, que tende a homogeneizar todos os espaços, intensifica-se também, a diferenciação dos espaços, pois, ao contrário do esperado, grupos sociais e as pessoas, não reagem da mesma forma a dado processo. Cada lugar vai ter marcas que lhe permitem construir a sua identidade.

Callai (2005) considera imprescindível o ensino da geografia nas séries inicias do ensino fundamental, pois, segundo a autora, aprendemos a ler, lendo o mundo, a escrever, escrevendo o mundo que nos cerca. Esse processo de leitura de mundo parte do espaço onde as crianças possuem algum relacionamento, ou seja, o lugar. Para essa leitura é importante o papel do educador, e que este reconheça o saber dos educandos e o lugar onde vivem. Desta forma a autora acrescenta É necessário que haja concepções teórico-metodológicas capazes de permitir o reconhecimento do saber do outro, a capacidade de ler o mundo, da vida e sua dinamicidade, superando o que está posto como verdade absoluta. É preciso trabalhar com a possibilidade de encontrar formas de compreender o mundo, produzindo um conhecimento que é legitimo. (CALLAI, 2005 p. 232)

Desta forma pretende-se transmitir aos educandos desde o conhecimento imediato dos homens e das peculiaridades do seu meio até o conhecimento e compreensão das condições de vida de todos os homens do mundo. Esse compreender consiste em conhecer os homens de um determinado local em seu meio físico, biológico e cultural. Assim o papel do educador junto aos educandos é de ver e compreender a realidade para poder expressar essa realidade, descobrindo-a, dando a esses sujeitos instrumentos para a sua análise crítica, e a ação sobre essa realidade.

Nesse processo de alfabetização e de descoberta do novo, elemento importante na vida da criança é essencial que o conteúdo e os componentes curriculares sejam constituídos pela vivência dos sujeitos envolvidos, reconhecendo a história de cada um e a história do grupo, combinando o conteúdo escolar com a trama das experiências e cultura do grupo social.

Toda a informação fornecida pelo lugar e pelo grupo social na qual a criança está inserida é importante, uma vez que instiga novas descobertas, que podem estar relacionadas a sua própria vida, sobre as relações entre as pessoas do lugar e questões específicas do meio ambiente onde vivem. É importante para o educador, conforme Calai (2005), poder trabalhar no processo educacional com essa capacidade da criança e da forma como elas vêem o mundo para que possa daí surtir o processo educacional. A incorporação das especificidades do lugar e do saber social dos agricultores é de suma importância, uma vez que a partir da valorização do lugar e de como os agricultores e suas famílias vêem este lugar que se pode partir para a construção de educação transformadora, formadora de sujeitos históricos.

O Lugar da Escola Municipal São Francisco e o Assentamento Alvorada

O Assentamento Alvorada está localizado a 10 Km da sede do município de Júlio de Castilhos, na BR 158 em direção a Santa Maria, região Central do Rio Grande do Sul, possuindo uma área total de 1.569 hectares. Predominam no município de Júlio de Castilhos as grandes propriedades rurais (latifúndios) destinadas á pecuária extensiva ou a monocultura da soja. O assentamento recebeu o nome da fazenda desapropriada pelo INCRA em 1996, por ser considerada improdutiva, e que se destinada à pecuária extensiva. O Assentamento, oficializado em 1996, está constituído por 72 lotes com média de 21 hectares cada lote. A Figura 01 demonstra a localização do Assentamento Alvorada no Estado do Rio Grande do Sul.

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Figura 1 - Localização do Assentamento Alvorada no Estado do Rio Grande do Sul. Fonte: Elaborado pelos autores.

A ocupação e desapropriação da Fazenda Alvorada são consideradas um marco histórico, na luta pela terra no âmbito nacional e estadual, abrindo caminho para várias outras ocupações, visto que eram aproximadamente 1.200 famílias acampadas na fazenda Alvorada. O período de acampamento das famílias assentadas varia entre um e sete anos. Os assentados são em maior parte agricultores ou filhos de agricultores que foram excluídos do processo produtivo pela Modernização da Agricultura, principalmente nas décadas de 1970 e 1980, e que ingressam no MST para lutar pela reconquista da terra, ou acesso a ela.

A produção no Assentamento Alvorada é diversificada, destacando-se a produção de soja, milho e a bovinocultura de leite com utilização de mão de obra eminentemente familiar. O modelo produtivo adotado pelos assentados está mais próximo do modelo agrícola que os excluiu da terra, ou seja, ainda um grande número de assentados continua reproduzindo a mesma agricultura capitalista, ligada a monocultura (principalmente da soja), e ao uso de insumos químicos os quais aumentam substancialmente os custos de produção e dependência as indústrias fornecedoras. Esta realidade, segundo foi observado, se deve a ausência de políticas públicas voltadas aos assentamentos e que apontem a um Desenvolvimento Rural Sustentável em todas as suas dimensões.

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A instalação da Escola no Assentamento Alvorada foi conturbada, uma vez que, inicialmente não existia um prédio adequado e a escola funcionava em um dos antigos galpões da Fazenda Alvorada. Durante quatro anos os pais reivindicaram a instalação de uma escola com infra-estrutura de qualidade, o que veio a se concretizar em 2000. Segundo as lideranças do Assentamento, este fato se deve, em grande medida, a não aceitação inicial do assentamento por parte das lideranças políticas e da sociedade local 2.

A Escola Municipal São Francisco atende cerca de 40 crianças de três a quatorze anos de idade, proporcionando vagas na Educação Infantil e Ensino fundamental (pré escola a 5a série). O funcionamento da escola se dá em dois turnos. Pela manhã são atendidas as crianças de 4 a a 5 a série e a tarde da pré-escola a 3 a série.

O lugar na percepção dos alunos da Escola Municipal São Francisco

O primeiro contato com os alunos da Escola Municipal São Francisco, foi estabelecido em uma reunião de confraternização em homenagem aos pais em agosto de 2007. Esse momento serviu como base para a definição da forma de coleta de dados. Estabeleceu-se para a coleta junto aos alunos um questionário semi-estruturado. Aplicaram-se onze questionários aos alunos de 4ª série, e oito questionários aos alunos de 5ª série do Ensino Fundamental. A idade das crianças3 da 4ª série varia entre nove e 12 anos e os de 5ª série, entre 10 a 13 anos. No turno inverso, os alunos efetuam atividades da realidade do campo como limpar a casa, cuidar da horta, dos animais, lavarem a louça, cuidar dos irmãos menores, atividades as quais são cotidianas nas propriedades de agricultores familiares.

Referindo-nos às perspectivas do futuro profissional, ocorre a identificação por parte dos alunos por profissões estritamente urbanas, muitas delas com uma imagem de grande futuro profissional colocado pelos meios de comunicação em massa. Profissões como jogador de futebol e professor aparecem com mais freqüência na investigação.

Ao remetermos-nos a questão sobre a opinião dos alunos acerca do campo, todos afirmam gostar de morar no campo, acham bom, pelos mais variados motivos, como a capacidade que se tem de colher e plantar, a ausência da violência, a natureza, a lida com a terra e a criação de animais. O aluno H da 5ª série afirma, “(...) é legal por que no campo você pode fazer o que quiser ninguém proíbe”. A resposta expressa a sensação de liberdade e contato com a natureza existente no campo proporcionado uma visão romântica, justamente pelo convívio destas crianças com a natureza e o trabalho do campo.

No imaginário dos alunos, a cidade, ao contrário do campo representa insegurança demonstrada pela maioria dos alunos, apesar de estar presente no seu ideário profissional. Tal visão decorre de aspectos como a violência e a poluição. Acrescenta-se ainda a justificativa que na cidade não existe a possibilidade de plantar e colher, criar animais e brincar ao ar livre. Entretanto alguns alunos reconhecem que apesar de ruim, gostariam de morar na cidade para conseguir emprego, e a cidade é importante, pois é lá que se compram as coisas não produzidas no campo.

Ao questionar os alunos de 4 a série de como eles gostariam que fossem as aulas lecionadas pelas professoras e como gostariam que fosse a Escola São Francisco, os alunos ressaltam que as aulas poderiam ser mais lúdicas e ligadas a sua realidade (Quadro 1).

O quadro 2 apresenta as respostas dos alunos da 5 a série da Escola São Francisco quando questionados sobre como gostariam que fossem as aulas lecionadas pelas professoras da escola e como gostariam que fosse a escola São Francisco.

Questionando os alunos sobre como poderia ser a escola, a maioria gostaria que ela não mudasse, ou gostam dela assim. Outros alunos desejam uma escola onde se ensinasse mais educação física, mais futebol e a presença de quadra de esportes - está reivindicação do antiga do Círculo de Pais e Mestres junto à prefeitura. Existe ainda a preocupação dos alunos, quanto á necessidade do ensino

2

Segundo os assentados, essa falta de apoio ligado ao início do assentamento, também ocorreu com a instalação da Rede de Energia Elétrica e água potável.

3 Os educandos neste trabalho serão chamados segundo a letra do alfabeto e a série a qual freqüentam. A referência se dará conforme a letra de chamada e a série do aluno.

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mais moderno, ressaltando a informática e internet na escola. Por outro lado ainda, alguns alunos colocam que a escola deveria ensinar a trabalhar na horta e desenvolver um projeto ligado as práticas do campo.

Ao questionamento de como os alunos gostariam que fossem as aulas na Escola São Francisco surgem as mais diversas respostas, merecendo destaque a afirmação na qual as aulas poderiam ser mais alegres. Isso se expressa através do pedido de utilização de mais desenhos, de música, dança e culinária. São palavras e atos, que manifestam nas crianças um maior contato com a alegria e a vida dentro da escola.

Quadro 1

Respostas dos alunos da 4ª série, ao questionamento sobre como que gostariam que fossem as aulas e a escola.

Aluno Como gostaria que fossem as aulas? Como gostaria que fosse a escola?

A Mais compridas Maior

B Não respondeu Com quadra

C Com mais plantas e desenhos Não tem nada

D Mais recreio Não tem nada

E Gostaria de mais desenhos Mais educação física F Gostaria que fossem mais alegres Não respondeu

G Mais recreio Deveria ensinar jogar futebol

H Que explicassem mais do campo Ter educação física e alguns exercícios físicos I Que as professoras fossem mais gentis Ter educação física e mais exercícios

J Com mais desenhos Não tem nada

L Com mais música Não falta nada

Fonte: Coleta de dados dos autores

Quadro 2

Respostas dos alunos da 5 a série ao questionamento sobre como que gostariam que fossem as aulas e a escola

Aluno Como gostaria que fossem as aulas? Como gostaria que fosse a escola? A Não gostaria que mudasse Uma quadra de esportes e gostaria que

ensinasse as mesmas coisas B Diferentes, queria culinária. Ensinar horta

C Gostaria de mais coisas novas Ter um projeto de horta D

Estão boas, mas gostaria de ter aula de música, dança, culinária e que se saísse mais para o campo

Gostaria de uma horta

E

Continuar como são gostaria que a escola ensinasse a mexer em computador , internet e falasse mais sobre esportes

Como ela é

F Informática É boa, mas gostaria que fosse mais arrumada G A tarde, com música, culinária, dança e

que saíssem mais para o campo. Gosta como ela é H Estão boas, mas deveriam ensinar mais

sobre a roça

“Que teria um campo que poderia jogar de tudo, que seria uma escola que ensinava sobre a vida agrícola, ela ensinaria sobre a vida rural."

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No segundo momento a escola deveria explicar mais sobre o campo, sobre a roça, e também sair para o campo, visitando as famílias observando aspectos culturais, produtivos e sociais. Percebe-se que, mesmo estando localizada eminentemente numa área rural atendendo filhos de camponeses, a escola, na percepção dos alunos, não compartilha a dinâmica e a realidade do lugar onde vivem. O contato com a realidade, com o lugar, como coloca Callai (2005) são importantes para a construção do saber. Uma vez construído este saber do lugar, de vida cotidiana, este pode ser extrapolado para o mundo. O contato com a natureza, com as coisas da vida diária, as quais detêm um valor sentimental para as crianças possibilita a compreensão do saber, e o saber do porque dos acontecimentos, formando assim o que Freire (1975) denomina de homem histórico.

A história do lugar no processo educacional é de suma importância, pois como coloca Callai (2005), é partindo deste lugar que se compreende melhor a realidade. Desta maneira questionaram-se os alunos se estes conheciam a história de seu lugar. A maioria dos alunos afirmou não conhecer a história do lugar onde residem. Seguem no quadro 3 as respectivas respostas dos alunos ao questionamento. Verifica-se, entre os onze alunos da 4ª série aos quais foram aplicados os questionários que sete afirmam não conhecer a história do lugar onde morram, enquanto os restantes afirmam saber que o Assentamento era uma antiga fazenda.

Os aspectos positivos estão destacados novamente na percepção dos alunos, considerando o seu lugar ótimo para morar. O aluno E da 4ª série acrescenta a necessidade de mais estradas no assentamento, dado apresentado também posteriormente pelos agricultores. No quadro 4 apresentam-se as respostas dos alunos da 5ª série diante do questionamento.

Quanto os oito alunos da 5ª série, dois não responderam a pergunta, dois afirmam não conhecer a história do lugar enquanto os restantes tecem comentários acerca do lugar. Verifica-se que o aluno D da 5ª série descreve a história do seu lugar da seguinte forma; “Sim, conheço a história do meu lugar, lá antigamente moravam os escravos, eu gosto daqui e moro bem perto das minhas amigas (...) ele é muito bonito e legal, eu não queria que ele mudasse”. O aluno H da 5ª série responde que o lugar onde ele morra é bom, mas gostaria de uma escola maior. Este aluno refere-se ao Assentamento como um lugar bom e legal e onde nós, provavelmente se referindo a comunidade em geral, fazemos à história do assentamento e faz o seguinte relato:

A VIDA DE ONDE EU MORO.

Eu gosto do assentamento onde eu moro porque aqui eu sou feliz mas eu queria que mudaçe um pouco o assentamento eu queria que fizessem uma quadra de esporte ele é bom de viver é um lugar que é muito legal aqui nós fizemos a história do assentamento (Aluno H 5ª Série, 2006)4

Quadro 3

Resposta dos alunos da 4ª série ao questionamento sobre a história do lugar

Aluno Conhece a história do lugar onde mora?

A Não

B Não respondeu C Não respondeu D Sabe que era fazenda

E Gostaria que tivessem mais estradas e acha o lugar bom, entretanto não sabe se conhece F Não sabe

G Acha que meu lugar é ótimo, porém não conhece a história de seu lugar. H Sabe um pouco e acha bom

I Um pouco bom

J Não

L Não respondeu

Fonte: Coleta de dados dos autores

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Quadro 4

Respostas dos alunos da 5ª série ao questionamento sobre a história do lugar e de seus pais

Aluno Conhece a História do lugar onde mora? A Não conhece a historia

B Acha bonito, pois é um lugar cheio de plantas C Não respondeu

D Sim lá antigamente moravam os escravos, eu gosto daqui e moro bem perto das minhas amigas (...) ele é muito bonito e legal, eu não queria que ele mudasse."

E Não conhece a história do assentamento F Não respondeu

G Acha muito bom, e muito bonito. H É bom, mas queria uma escola maior

Fonte: Coleta de dados dos autores

Questionou-se também se os alunos conheciam a história de seus pais e familiares, e sua origem. Dos onze alunos da 4ª série entrevistados seis não sabem qual é a origem dos pais. A aluna A da 4ª série coloca que os pais vieram de Bagé e gostavam de laçar bois, referência provável da antiga profissão dos pais ou avós da mesma. Os alunos I e D sabem a origem dos seus pais, sendo de Vacaria e São Pedro, enquanto a aluna H não soube responder, pois reside com a avó.

Quanto aos alunos da 5ª série, dos oito alunos entrevistados, cinco deles não souberam responder sua origem. A aluna B coloca que os pais são de origem Mineira e residiam anteriormente no assentamento Ramada, também em Julio de Castilhos. A aluna D da 5ª série apenas coloca que os pais passaram bastante dificuldade. O aluno H assim escreve "meus pais são agricultores e eles passaram muita dificuldade para chegar até aqui” (Aluno H , 5ª Série, 2006)

Verifica-se então que as crianças não se reconhecem na história do lugar onde vivem. Tanto na história do lugar como da família as respostas das crianças contradizem as dos pais, os quais afirmam contar a sua história de luta pela terra aos filhos, ao mesmo tempo em que se observa uma contradição na atuação dos professores, quando afirmam utilizar-se da realidade do lugar (assentamento) no processo educativo. O provável motivo pelos alunos negarem sua relação com a luta pela terra pode estar no fato da própria escola negar, ou ainda, como afirmou a diretora da escola, o fato dos professores não se sentirem seguros ou motivados em termos de conhecimento e empenho para fazer abordagens sobre a trajetória do assentamento e do movimento social ao qual os agricultores, pais dos alunos fazem parte. É importante destacar que o os lideres do Assentamento demonstram uma séria preocupação a este respeito, inclusive propondo cursos e materiais aos professores da escola. Para eles essa resistência pode estar ligada às determinações da Secretaria Municipal de Educação. Também foi cogitado que se outra instituição fizesse uma formação, os professores aceitariam conhecer a história da luta dos Movimentos Sociais de Luta pela Terra, em especial ao MST. Outra forma de resgatar o passado recente da antiga fazenda Alvorada e sua divisão em lotes num contexto de luta pela terra, é o resgate da história oral das famílias residentes no Assentamento, incluindo na discussão os pais, norteadores deste resgate histórico.

O lugar na percepção dos docentes da Escola Municipal São Francisco

A Escola São Francisco conta com cinco professoras5 para lecionar diversas disciplinas para os alunos da pré - escola á 5ª série do Ensino Fundamental. Quatro delas foi aplicado o questionário de investigação para realização desta pesquisa e para a quinta professora não foi aplicado questionário pela mesma ser mais atuante no cargo de diretora.

Ao serem questionadas sobre como começaram a atuar profissionalmente na zona rural, três professoras afirmaram terem sido designadas, enquanto uma delas, a única que reside próximo do Assentamento, optou pela escola pela facilidade de acesso. As demais professoras residem ou na

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zona urbana do município de Júlio de Castilhos ou na zona urbana do município de Santa Maria, dependendo de transporte diário.

Ter uma identificação com a cultura dos educandos, conhecer a sua realidade facilita a prática docente e a construção do conhecimento por parte dos alunos. Desta forma quando perguntamos as professoras sobre sua a identificação com o campo, três professoras afirmam possuí-la, duas por terem nascido no campo e ter passado parte de suas vidas lá, e a terceira por já ter trabalhado muito tempo na área rural. A quarta professora afirma não possuir identificação com o rural, entretanto aponta; “gosto muito de trabalhar no meio rural, pois se aprende muito aqui” (P.3, 2006).

Quando questionadas se haviam recebido formação inicial ou continuada com abordagens sobre a educação do campo, a totalidade das professoras afirma não terem recebido formação específica para a atuação nas escolas do campo. Por outro lado, vêem como positiva a formação de professores das escolas do campo sendo está de suma importância, uma vez que desperta nos profissionais a questão da diferenciação para com os educandos do campo.

Todas as professoras alegam utilizar-se da realidade do campo para exemplificar as aulas, com a justificativa de que, partindo da realidade dos educandos se torna mais fácil a compreensão dos conteúdos, extrapolando-os após para a realidade do país e do mundo. Entretanto tais respostas entram em contradição com as respostas dos alunos uma vez que estes gostariam de mais contato com o campo. É necessária uma análise mais profunda para verificar como os exemplos utilizados pelas professoras em aula realmente condizem com a realidade do campo e dos alunos. Pode-se inferir que as respostas dos professores nos questionários abordaram aspectos de como elas vêem a prática educativa, e como esta deveria ser em sala de aula, e não necessariamente como ela é desenvolvida no cotidiano da vida escolar.

O quadro 5 apresenta algumas informações sobre a formação das professoras que atuam na Escola São Francisco- Julio de Castilhos.

Quadro 5

Informações sobre as docentes da escola São Francisco, Assentamento Alvorada, Julio de Castilhos

Professora Aulas que ministra Formação Formação

específica 1 Matemática, ciências, educação física Matemática, ciências, educação física Não

2 Currículo por atividade Pedagogia Não

3 Currículo por atividade Magistério no ensino médio e cursando

letras Não

4 Currículo por atividade Magistério Não

Fonte: Coleta de dados dos autores

Quanto as principais reclamações e dificuldades dos educandos, as professoras apontam prioritariamente a dificuldade na compreensão dos conteúdos por parte destes alunos, que tem origem, segundo elas da falta de atenção ou interesse. Ainda a professora P.1 coloca a causa das dificuldades dos alunos na falta de perspectiva de vida, da falta de apoio da família, além da acomodação na busca do novo por parte destes alunos. Porém é necessário verificar quais conteúdos a escola prioriza e como os conteúdos são trabalhados para assim concluir sobre a causa da falta de interesse por parte dos alunos. Ao se expor algo aos educandos, completamente alheio à realidade conhecida, num processo de arquivamento como coloca Freire (1975), tende-se a tornar enfadonho o processo educativo, tornando outras atividades mais interessantes, sendo estas às que vão ganhar a atenção do aluno.

O planejamento das atividades e conteúdos conforme a realidade dos alunos e a inclusão, na base curricular, de práticas pedagógicas que podem contribuir para um maior aproveitamento em sala de aula, são uma forma de levar o educando a construção do saber. As atividades práticas das quais os alunos fazem relato como plantar, colher, cuidar dos animais, resgatar saberes intergeracionais como a produção de sementes crioulas, ou o uso ervas medicinais entre outros, podem ser incluídos nas

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aulas com o objetivo de valorizar o trabalho e aproximar os conteúdos teóricos da prática., ou seja a práxis pedagógica, a qual faz referência o educador Paulo Freire.

Quanto às perspectivas das professoras em relação ao futuro dos alunos, todas afirmam estimulá-los a seguir em frente para conquistar um futuro melhor, através da educação fazendo um ensino técnico, ou ensino superior, voltado ao seu meio como agrônomos ou veterinários. Não existe nas afirmações das professoras a perspectiva futura de ver as crianças no campo, trabalhando como agricultores. Provavelmente por esta profissão não ser muita desejada e respeitada pelos citadinos. Resgatamos assim Fernandes (1999) quando traz a visão do camponês – Jeca Tatu – vista pelo homem urbano. Ter uma nova perspectiva que não seja a de filho de camponês ou até mesmo camponês, mas sim a de profissionais diplomados, é o desejo das docentes.

O lugar na percepção da comunidade do Assentamento Alvorada

Nos dados coletados observa-se que as famílias6 do Assentamento Alvorada possuem uma boa relação em comunidade. Aos domingos são feitos almoços comunitários na sede do Assentamento. Percebe-se que a relação da comunidade do assentamento fundamenta-se em torno da instituição igreja e da associação comunitária. Os mesmos sujeitos participantes da gestão da Igreja (católica) participam também da gestão escolar e da associação comunitária.

A relação da comunidade entrevistada com a escola parece girar em torno das reuniões do Círculo de Pais e Mestres (CPM) e da festa realizada pela escola uma vez por ano. O CPM é composto por pais ainda ligados de alguma forma as propostas do MST, sendo os mesmos que participam das discussões no âmbito da igreja e da comunidade.

O entrevistado C5 justifica que sua participação mais intensa com a escola foi justamente no momento da instalação desta no assentamento, processo de bastante luta, havendo inclusive o envolvimento de instâncias maiores como o INCRA. Atualmente este entrevistado não participa diretamente das discussões acerca da escola.

O entrevistado C3 por sua vez revela o não envolvimento das pessoas da comunidade com a escola, por não se interessarem pela instituição escola como transformadora do espaço rural. A grande maioria dos agricultores não tem a escola como um referencial na comunidade. Ela ainda é vista como um local de relativa importância para os filhos dos agricultores, mas não para a comunidade. A ida dos pais a escola resume-se à participação destes nas reuniões do CPM e das festas e confraternizações.

Para C1 a relação da escola com a comunidade poderia melhorar se esta fosse um espaço de valorização do lugar e dos sujeitos, através de projetos que aproximem a escola da realidade diária no assentamento, a compreensão e valorização do ato de produzir a terra, além de lutar junto por um desenvolvimento rural sustentável. Desta forma cada agricultor poderia ensinar especificidades da sua lida com a terra e com o campo, pois sendo o local um assentamento de agricultores de vários pontos do Rio Grande do Sul cada agricultor possui saberes tradicionais que podem ser trocados omo forma de valorizar este espaço produtivo. A escola seria neste caso uma ponte entre estes saberes e o conhecimento formal.

O entrevistado C2 assim relata

A relação da escola com a comunidade poderia melhorar colocando a prática da lida do campo para a criançada, encaminhando a criança, para construir uma estufa no pátio do colégio. Esta serviria para que pudessem-se ensinar para a criança, como pudessem-se planta, como pudessem-se faz a muda, como pudessem-se faz o transplante da muda. (C.2,2006)

Para o entrevistado a escola deveria ser um lugar de valorização de aspectos cotidianos da vida camponesa, onde os sujeitos do campo são respeitados. Essa atitude por parte da escola é fundamental formar sujeitos preparados para enfrentar os desafios inerentes ao espaço rural, a manter seus filhos no campo, pois segundo ele, como as coisas estão atualmente, no futuro, o campo será formado por velhos. Para o entrevistado C5 os professores apresentam e dão valor demasiado às coisas da cidade, não havendo grande envolvimento com as coisas da terra. Assim as crianças

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acham a cidade muito boa, pois é lá onde se encontra o dinheiro, e acabam não conhecendo a verdadeira realidade da cidade. Antigamente o trabalho era parte da escola. Trabalhar com a terra, com a horta era na escola. (C5, 2006)

Verifica-se a consciência deste entrevistado acerca das transformações do campo atual, reconhecendo a parcela de importância da escola para conter essas transformações. A necessidade do trabalho mais direto com a terra dentro da escola é apontada pelo entrevistado. A contribuição dos pais neste ponto ficaria no fornecimento de mão-de-obra inicial para a construção de uma horta e o fornecimento de sementes para o trabalho.

O entrevistado C8 faz o seu relato sobre o envolvimento da escola com a comunidade

Atualmente está se produzindo mais, porém ainda continuam aplicando o que vem lá de cima, não tem muita identificação com a nossa luta, então se tivesse mais participação com a realidade do nosso assentamento (...) tem coisa de cidade que ficam ensinando pras crianças e isso pode influenciar elas a ir para a cidade (C8, 2006)

A afirmação anterior demonstra de forma clara preocupação do entrevistado sobre a influência da escola e sua prática sobre os alunos. Para este assentado, uma vez que a escola valoriza o espaço da cidade pode ocorrer à saída destas crianças do campo em busca do apresentado sobre a cidade em sala de aula. O assentado coloca a necessidade de maior identificação da escola com a produção e a vida do campo. Ainda levanta a questão da distância curricular da escola com o local onde está inserida.

As professoras, segundo C8 estão fechadas nas convenções do regime municipal, não fazendo alterações simples as quais poderiam modificar a prática educativa. Ainda acrescenta que a escola não valoriza a vida dos agricultores, tratam a educação como se estivessem educando sujeitos da cidade, e não trazem coisas da „colônia‟7

. O entrevistado faz referencia ainda ao fato dos alunos terem que se deslocar para a cidade para terminar os estudos, influenciando-os a abandonar o campo.

O entrevistado C9 ressalta o desejo de uma escola mais próxima da realidade do campo, evidenciado quando o assentado descreve a escola do assentamento. Nas suas palavras,

Tinha que ensinar o que nós fazemos como nós vivemos. A minha família toda acampou, irmã, pai... acho que precisa ensinar o que nós passemos...aproximar mais as crianças da realidade que os pais vivem. Acho que hoje em dia as crianças devem conhecer a sua história. Os filhos têm que saber o por parte dos pais que eles foram acampados. Mas muitos pais têm vergonha e não contam, e a escola também não interfere. Uma vez que fizemos apresentação,8 (...), eu arrumei o meu guri e ele ficou apavorado em ver aquilo, uma coisa que ele nunca participou.(C 9, 2006) A declaração do assentado, quando se refere ao desconhecimento do passado dos pais pelos alunos vai de encontro as respostas dadas pelos alunos quando questionados se conheciam o seu lugar e a história da luta de seus pais. O espanto do filho ao assistir uma apresentação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra descreve o não reconhecimento da história e dos saberes dos agricultores, tendo em vista que nasceram no Assentamento e não participaram no processo de luta pela terra. O relato de alguns camponeses assentados evidencia o sentimento de vergonha por terem sido acampados e depois assentados por meio do MST. Tal fato decorre do sujeito não se reconhecer na sua própria trajetória de vida e de luta. Este aspecto pode ser decorrente do medo rechaço social, evidenciado pelo preconceito com os “sem terra” em um município caracterizado pelo conservadorismo oligárquico e predomínio das grandes propriedades. Também pode ser entendida como uma opção de não revelar aos filhos à trajetória de luta pela terra, já que é impregnada de sofrimentos que antecederam e mesmo durante a luta. Neste sentido o papel da escola é

7 Termo utilizado no Rio Grande do Sul para referenciar as colônias de imigração de meados do século XIX, localizadas em áreas rurais, pois as áreas urbanas nesta época ainda eram escassas. Tal termo é perpetuado até os dias atuais referindo-se à zona rural.

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fundamental, pois ela não deve permitir que aflore preconceitos em relação trajetória dos assentados, ao contrário, a escola deve valorizar esta luta e ressaltar a importância da Reforma Agrária não somente para os sujeitos que formam o MST, mas para construção de um país mais justo.

O entrevistado C9 nos contempla com a sua proposta de educação para os filhos dos agricultores do assentamento

Acho que, como são filho de colono, tem que aprender o que a gente aprendeu, não coisas diferentes, por isso que o filho da gente chega um tempo e não vai pra frente. Vão ser que nem nóis mesmo, porque nóis sempre tivemo pouco mais conforme eles podem ter um pouco mais, mas senão vai trabalhar fora né, ou vão trabalhar em cima do que nós temos. (C.9, 2006)

Para o entrevistado C.6 a escola deveria mostrar a importância do campo para a cidade, uma vez que a cidade é abastecida pelo campo. Neste contexto, poderia trazer exemplos sobre os produtos consumidos na cidade, começando-se pelos mais simples, formando uma complexa rede de dependências da cidade em relação ao campo. Ainda efetuar um resgate sobre1 as tradições existentes na cidade as quais possuem sua origem nos sujeitos que vivem no campo.

Remetendo-nos ao lugar, questionamos sobre como os agricultores vêm o lugar onde residem atualmente. Constatou-se que todos os agricultores se sentem bem no lugar, apesar das dificuldades enfrentadas como a seca, o acesso à saúde, a moradia precária, e o acesso a transporte.

O entrevistado C2 descreve o lugar onde vive atualmente comparando-o com os lugares onde vivia antes. “Tudo é bom, não se compara com os lugares onde eu vivi antes.” (C2, 2006) Como vivia de meeiro, cada vez que construía sua casa, e se fixava em um lugar, era mandado embora, pois os donos da terra a requeriam para aumentar a produção. O assentado relata que nunca estabeleceu identidade e relação com os locais onde resistiu. Para o entrevistado poder-se-ia melhorar no assentamento aspectos como tecnologia, o cuidado com as árvores, reflorestamento em nascentes. Ainda discutir mais sobre as questões ambientais do assentamento, como os córregos, as fontes de água (responsáveis pelo abastecimento dos assentados) o planejamento para a construção das novas casas enfim, estabelecer entre os agricultores um diálogo para o desenvolvimento de idéias na busca de uma Rede de Cooperação no Assentamento.

Quanto as principais dificuldades do lugar onde vive, o entrevistado C9 coloca o acesso a saúde, observado assim suas palavras

Tem-se cuidar para não ficar doente, não é boa a coisa aqui, bem doente eles atendem no hospital ,mas para marcar uma ficha não é fácil. Tem que ligar para o posto eles guardam as fichas para os pacientes mas acontece que quando o doente chega na cidade não tem mais ficha para ser atendido. (C9, 2006)

Conhecer a história do lugar e da formação da comunidade é importante no processo educativo permitindo à criança a construção de trajetórias de vida e assim remeter essa trajetória para a construção do futuro. Neste sentido o entrevistado C2 acha importante o conhecimento da história, devendo a escola se responsabilizar por contar esta história aos alunos, através de agricultores os quais relatariam sua trajetória para as crianças no colégio. “Existem pessoas de vários lugares morando aqui, e as crianças não sabem disso”( C2, 2006). O mesmo entrevistado levanta um ponto importante quando afirma a existência, no assentamento, de muitos agricultores com vergonha de dizer que são assentados pelo MST. Uma das entrevistadas afirma não contar a história de sua luta por terra para os filhos, primeiro por esta luta ter sido muito sofrida, segundo por ter medo da reação dos filhos ao saberem que são filhos de agricultores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Ainda a mesma entrevistada evidencia o preconceito sofrido pelas crianças na cidade de Júlio de Castilhos por serem filhos de agricultores assentados, portanto prefere não contar muitos detalhes sobre a sua trajetória.

Por outro lado, outros agricultores acham importante para os filhos saber do passado, principalmente a sua origem e sua trajetória na conquista da terra, principalmente para saberem de onde as coisas vêm e como é difícil consegui-las.

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O agricultor entrevistado C4 acha muito importante os pais contarem para os filhos o passado no acampamento e assentamento. Todos os filhos deste entrevistado moraram ou nasceram no acampamento. Já a entrevistada C.5 coloca que a filha sabe da história de luta pela terra, das dificuldades dos pais para estar hoje residindo no Alvorada, entretanto, a filha jamais pretende acampar e entrar na luta pela terra pretendendo ir para a cidade trabalhar e morar.

Os agricultores acham importante o respeito pela história da luta pela terra e sua continuidade para as gerações futuras. A grande maioria dos pais admite contar a história da luta pela terra aos filhos. Tal afirmação entra em contradição com a resposta dos alunos da escola São Francisco, onde a maioria admitiu não conhecer a história do Assentamento e a história de seus pais.

Considerações Finais

Apesar de estar localizada num assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, atendendo eminentemente filhos de agricultores familiares, a Escola Municipal São Francisco não trabalha de forma a valorizar o espaço agrário na qual está inserida, bem como desconsidera a história destes sujeitos. O espaço rural do Assentamento, suas dinâmicas, assim como os saberes socias acumulados historicamente pelos sujeitos e o lugar não são incorporados na prática educativa da escola.

O não reconhecimento da história e dos saberes sociais por parte da escola pode ser observado quando os alunos relatam não conhecer a história de seu lugar e a história de seus pais. O lugar onde as crianças vivem o campo é por si só colorido, uma mistura tonalidades e formas, além de sons da natureza. Trazer para sala de aula o estudo do lugar, do Assentamento Alvorada, poderia ser uma forma de tornar as aulas mais atrativas, prazerosas e significativas. Neste processo a atuação docente se torna relevante. Os professores da Escola Municipal São Francisco não receberam uma formação inicial ou continuada das instituições de ensino superior onde concluíram seus cursos de licenciatura, não atendendo assim as necessidades e especificidades dos sujeitos do campo. Contudo, observa-se à disposição das professoras em tentar modificar a forma e o processo de aprendizagem posto na escola o que já é um indício e um caminho melhor á ser seguido para a incorporação da identidade do povo do lugar no processo educativo.

Por outro lado os pais afirmam achar importante o reconhecimento da história pelas crianças do assentamento, e alegam contar essa história para os filhos. Reconhecem não ser somente papel da escola a perpetuação dos saberes do lugar e da sua história, mas papel de toda a comunidade participar da gestão e discussão da escola.

Atualmente existe um afastamento dos pais em relação a escola, em conseqüência da também distante postura desta instituição em relação à comunidade. Ou seja, a escola é vista pela grande parte dos pais como um prédio, freqüentado pelos seus filhos para o processo de alfabetização. É preciso transformar essa realidade e trazer a escola para dentro da comunidade. A escola deve ser um organismo disseminador e construtor de conhecimentos. Ela precisa se voltar às especificidades locais, tentando trazer os problemas e anseios que norteiam a vida dos sujeitos da escola São Francisco.

Um primeiro passo para tornar a escola uma instituição voltada a atender as demandas da comunidade é a revisão do seu Projeto Político Pedagógico. Pode-se verificar no transcorrer do trabalho que o Projeto Político Pedagógico está em processo de reelaboração por parte do Município de Julio de Castilhos. Este é o momento de chamar a comunidade escolar e rediscutir o papel da escola, constituir de forma coletiva o Projeto Político pedagógico, que deve ser seguido por uma reformulação da concepção de educação, e a incorporação das demandas locais no processo educacional.

A construção da horta escolar é uma forma de tornar a escola mais dinâmica no assentamento. Esta horta permitiria que os alunos dentro da escola aprendessem novas técnicas, desenvolvessem práticas sobre a lida com as plantas, as quais poderiam ser usadas na exploração familiar. A escola, construindo uma horta estaria se aproximando da prática e trabalho elaborado no dia-a-dia do campo, além de produzir legumes e verduras para a merenda escolar. Seria uma forma de interação entre os diversos segmentos da comunidade escolar, e de chamar a comunidade escolar à participar da escola, com os pais participando do andamento do projeto demonstrando as diversas formas de cultivo de plantas, de manejo de solo, e de alimentação existentes no assentamento.

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Após uma reflexão teórica discutindo a questão educacional do campo como direito de todos os cidadãos é necessário considerar que a escola independentemente da sua localização no campo ou na cidade na maioria das vezes não valoriza da forma como deveria efetivamente valorizar os sujeitos e os lugares com os quais tem trabalhado. Para essa consideração não é necessário partir para muito longe do nosso próprio ambiente institucional, a Universidade onde, nas licenciaturas não se abordam questões como a educação do campo, educação indígena, educação de quilombolas, de populações ribeirinhas. A própria educação urbana é tratada como una, não considerando dentro do espaço urbano a existência de várias especificidades, como áreas de invasão, com risco ambiental, e áreas com alto índice de criminalidade.

Sabe-se que a discussão sobre educação do campo está se abrindo lentamente para a sociedade, saindo das concepções dos movimentos sociais do campo e adquirindo novas formas, adaptando-se a realidade a ser atendida. Acreditamos que a escola assim como a educação deve respeitar as especificidades do lugar e dos sujeitos, tendo como base para a construção do processo educativo estes elementos. Desta forma percorre-se o caminho para uma educação voltada à formação de sujeitos transformadores do espaço e possuidores de sua história.

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Referências

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