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COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA TRIBUNAL COMUM

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Tribunal da Relação de Évora Processo nº 2473/11.7TBEVR.E1 Relator: MATA RIBEIRO

Sessão: 11 Julho 2013 Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: APELAÇÃO

COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA TRIBUNAL COMUM

TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

Sumário

1 – Para aferir da competência material do tribunal não basta atender ao pedido, havendo que ponderar o modo como o autor configura a ação na sua dupla vertente, pedido e causa de pedir, tendo ainda em conta as

circunstâncias disponíveis que revelem sobre a exata configuração da causa.

2 – A competência dos tribunais comuns é residual, estendendo-se a todas as áreas que não sejam atribuídas a outras ordens judiciais.

3 – Embora a questão em litígio, tal como a autora a define – reconhecimento do direito de propriedade sobre um imóvel adquirido em hasta pública

promovida pelo réu Município - não diga diretamente respeito ao clausulado contratual, referente a regras e normas previamente definidas para tal

arrematação, o certo é que invocando em primeira linha a autora o modo de aquisição da propriedade tal “venda em hasta pública” sempre os requisitos inerentes a esse modo de aquisição deverão ser apreciados, até porque o réu na sua defesa veio argumentar que a autora os não cumpriu na sua

integralidade, o que conduz à atribuição de competência para julgamento da causa à jurisdição administrativa (artº 4º n.º 1 al f) do ETAF).

Sumário do relator

Texto Integral

ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

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M ..., Lda., intentou no Tribunal Judicial de Évora (2º Juízo Cível) ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Município de ..., alegando factos tendentes a peticionar:

a) - Ser reconhecido e declarado o direito de propriedade da autora (…) sobre o prédio urbano (…) por se considerarem verificados os pressupostos do artigo 1317º do Código Civil através da aquisição por venda em hasta pública;

b) - Ser reconhecido o direito de propriedade da A. sobre o mesmo prédio através da presunção decorrente do artigo 7º do Código do Registo Predial;

c) – Ou se assim não se entender, por se verificar acessão industrial imobiliária (…);

d) Ser o Réu (…) condenado a reconhecer este direito de propriedade da A.;

e) – Em consequência, ser o Réu condenada a desocupar o referido prédio e entregá-lo livre de pessoas e bens à A.;

f) Ser o registo predial efetuado pelo Réu em 2008 sobre tal prédio, declarado nulo (…);

g) ser declarada inutilizada a descrição do prédio constante do registo por ser posterior ao registo feito pela A. (…);

h) Se assim não se entender, ser reconhecido o direito da A. às benfeitorias por si realizadas (…) devendo o R. ser condenado a pagar-lhe, por elas, o valor de € 636 303,38 (…)”.

Citado o réu contestou, por exceção, arguindo a ilegitimidade da autora e por impugnação, pugnando, a final, pela sua absolvição do pedido.

O Julgador a quo “constatando a eventual presença da exceção dilatória da incompetência deste Tribunal, em razão da matéria,” ordenou “o cumprimento do disposto no artigo 3º, n.º 3, do C.P.C.”

Em consequência da notificação vieram, o réu, e o M.P., emitir pronúncia no sentido da verificação da respetiva exceção, ao invés da autora por considerar tratar-se de uma questão puramente de direito privado onde se discute o reconhecimento do direito de propriedade sobre um imóvel, pugnando pela sua não verificação.

De seguida foi proferida decisão cujo dispositivo reza:

“Face ao exposto, julgo procedente a exceção de incompetência absoluta deste Tribunal e, em consequência:

a) julgo materialmente incompetente este Tribunal para conhecer da presente ação;

b) absolvo o réu da instância;

c) condeno a autora nas custas da ação.”

*

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Irresignado com tal decisão veio a autor interpor o presente recurso, pugnando pela competência do tribunal e pelo prosseguimento da ação, terminando, nas suas alegações, por formular as seguintes conclusões, que se transcrevem:

“1. Vem o presente recurso de Apelação interposto da Sentença que julgou materialmente incompetente o Tribunal Judicial de Évora para conhecer da presente ação e, em consequência, absolveu o réu da instância.

2. Na verdade, veio o Tribunal pronunciar-se, declarando-se incompetente por entender que a questão litigiosa assenta numa relação jurídica administrativa, defendendo que o litígio deveria ser submetido à apreciação da jurisdição administrativa.

3. Ou seja, o Tribunal a quo entendeu que na ação proposta estava em causa uma relação jurídica administrativa, pelo que a competência para a apreciar seria de um Tribunal Administrativo.

4. Com o devido respeito, entendemos que assim não é.

5. Com efeito, o litígio dos autos resulta de uma ocupação por parte do ora Apelado, de um determinado imóvel, motivo pelo qual a ora Apelante,

pretendeu que lhe fosse reconhecido o direito de propriedade sobre tal imóvel, através do recurso aos meios judiciais.

6. Para fundamentar o reconhecimento do seu direito de propriedade, alegou ter existido uma arrematação em hasta pública de um lote de terreno, válida, regular e reconhecida pelo próprio R.;

7. Alegou e demonstrou (documentalmente) ter construído a suas expensas um edifício nesse lote de terreno;

8. Alegou ter-se registado a sua propriedade na Conservatória do Registo Predial e inscrito na matriz predial urbana.

9. E invocou que o direito de propriedade se fundava, subsidiariamente, no instituto de direito civil da acessão industrial imobiliária, (artigos 1333.º e ss.

do Código Civil).

10. Ou seja, o litígio dos autos não resultou da validade ou não da venda em hasta pública de um lote de terreno, mas antes, e sobretudo, de uma ocupação que pôs em causa um direito de propriedade de sobre um imóvel, constituído predominantemente por um edifício (construído nesse lote de terreno).

11. Pelo que, nem o direito de propriedade da Apelante sobre o edifício (e do prédio no seu todo) decorre de uma relação contratual (eminentemente) de natureza administrativa, nem o ato de ocupação do mesmo prédio decorre de uma relação contratual de natureza administrativa.

12. O ato de ocupação terá decorrido, eventualmente, de um alegado contrato de compra e venda realizado pelo R. a um terceiro, (não registada, sequer, na Conservatória de Registo Predial, por ausência de trato sucessivo,

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naturalmente.).

13. Além disso, e ao contrário do que é referido na sentença de que se

recorre, a Apelante não pede para ser reconhecido o direito de propriedade sobre o lote de terreno arrematado em hasta pública.

14. O que a Apelante vem pedir é que, na sequência da violação do seu direito de propriedade perpetrado pelo Apelado, lhe seja reconhecido o direito de propriedade sobre um determinado imóvel constituído por um edifício e logradouro.

15. Vem, igualmente, requerer seja o Apelado condenado a desocupar o imóvel e a entrega-lo à Apelante.

16. E que seja declarado nulo o registo predial feito, entretanto, pelo Apelado sobre o mesmo prédio dos autos.

17. Além disso, se tais pretensões improcederem, a Apelante, vem pedir subsidiariamente, que lhe seja reconhecido o direito às benfeitorias realizadas e o pagamento das mesmas.

18. Concluindo-se, portanto, que a relação jurídica em causa não se rege por normas de Direito Administrativo, mas antes por norma jurídico privadas.

19. Com efeito, conforme resulta dos pedidos formulados na Petição Inicial, a análise da presente ação terá necessariamente de passar pela apreciação de vários institutos jurídicos de cariz fundamentalmente civil, que não

representam uma relação jurídica administrativa, conforme entende o Tribunal a quo.

20. Matérias que, segundo a Constituição da República Portuguesa (CRP) e a lei processual civil, estão atribuídas diretamente à jurisdição dos Tribunais judiciais, cfr. n.º 1 do artigo 211.º CRP e artigo 66.º do CPC:

21. Pelo que, visando a presente ação o reconhecimento e a defesa do direito de propriedade da Apelante, (relação típica de direito privado), o mais

provável seria o Tribunal Administrativo julgar-se incompetente para conhecer da presente ação se, ao invés do que sucedeu, a mesma tivesse sido intentada num Tribunal Administrativo.”

*

Não foram apresentadas alegações por parte do recorrido.

*

Apreciando e decidindo

O objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso -

disposições combinadas dos artºs 660º n.º 2, 661º, 664º, 684º n.º 3 e 685º- A todos do Cód. Proc. Civil.

Assim, a questão essencial que importa apreciar, resume-se em saber se o

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Tribunal Judicial de Évora tem competência em razão da matéria para apreciar e decidir a presente ação.

Para apreciação da questão há que ter em conta os fundamentos constantes na petição, designadamente, os seguintes:

- A A. é uma Sociedade Comercial Unipessoal que se dedica à exploração de estabelecimentos hoteleiros e similares; compra e venda de propriedades e revenda dos adquiridos para esses fins. (cfr. Certidão de teor comercial que se junta como Doc. n.º 2).

- A A. é dona e legítima possuidora do prédio urbano sito Rua …, em …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da Freguesia da …, (cfr.

Caderneta Predial que se junta como Doc. n. 3).

- Em 22 de Julho de 1992, a Câmara Municipal de ... promoveu a venda em hasta pública de lotes municipais destinados à construção de habitação e comércio, comércio e indústria, habitação e garagens.

- Neste enquadramento, a A., M …, Lda., arrematou em regime de propriedade plena nesta Hasta Pública um lote industrial sito na …, na então Rua …, pelo valor de Esc: 10.155.000$OO. (Conforme Certidão de arrematação que se junta como Doc. N.º 8).

- As atas da Hasta Pública foram aprovadas em reunião de Câmara Municipal de ... de 9 de Setembro de 1992 (cfr. Certidão que se juntou como Doc. N.º 8).

- A A., de acordo com o que estipulava o Regulamento de Hasta Pública, liquidou metade do valor da arrematação no próprio dia 9 de Setembro de 1992, no valor de Esc.: 5.077.500$00, conforme guia de receita emitida pela Câmara Municipal de ... que se junta como Doc. N.º 9.

- A A. pagou o competente imposto Municipal de Sisa, em 22/03/2007, cfr.

documento de liquidação de SISA que se junta como Doc. n.º 10.

- Durante o período entre a Arrematação Pública e o ano de 1996, a ora A. foi prosseguindo o processo de licenciamento da construção de imóvel no lote arrematado, sob o n.º 12546 do Departamento e Administração Urbanística.

Para tanto, e como é habitual, foram pedidas licenças de construção, apresentados projetos e foram emitidos pareceres por parte da Câmara Municipal de .... (cfr. Docs. nºs. 11,12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18).

- E a construção do imóvel foi acompanhando a evolução do processo de licenciamento junto da Câmara Municipal de ..., conforme previa o

Regulamento Municipal de atribuição de lotes.

- Para tanto, a A. comprou materiais de construção, com eles construiu e concluiu o pavilhão que ali existe, contratou e pagou a pedreiros e pagou todas as despesas inerentes à sua construção (cfr. nomeadamente, faturas e recibos que se juntam como Docs. nºs. 19 e 20).

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- Durante o ano de 1994 a ora A. recolheu os pareceres necessários das entidades exteriores ao Município de ..., com vista à obtenção do alvará de - funcionamento de uma discoteca no imóvel, então construído por si.

- Foram emitidas as licenças e os certificados necessários à instalação da discoteca a favor da M ..., Lda. (cfr., nomeadamente Docs. nºs. 21 e 22).

- Foram feitas vistorias e a Câmara Municipal de ... emitiu parecer para autorizar conceder licença à M ..., Lda. para legalização do existente e ampliação de uma unidade comercial no lote 12 da Zona Industrial …, pois tinha muito interesse em licenciar a discoteca, por não ter um serviço desta natureza para oferecer aos munícipes e à população estudantil de … (Docs.

nºs. 23 e 24).

- Por esse motivo, em 19 de Outubro de 1995, a CME emite a seguinte

informação: “Esta firma (entenda-se M … Lda.) adquiriu o lote em referência por hasta pública realizada em 22/07/92 tendo sido pago no ato de

arrematação a importância de 5.077.500$00 e o restante preço do lote, no montante de Esc. 4.772.500$00, deverá ocorrer no momento da escritura”.

“Conforme consta do processo que se encontra nestes serviços, por diversas vezes foi solicitado ao interessado a liquidação da sisa, bem como guia

comprovativa do pagamento correspondente ao selo de arrematação (6% do valor de arrematação) com vista à realização da escritura.”

“Até ao momento, o interessado não deu cumprimento ao solicitado. Como a obra se encontra em estado adiantado de construção, propõem estes serviços que seja emitida licença de ocupação sem que seja celebrada a respetiva escritura.”

“Assim, solicita-se que esta informação seja anexada ao respetivo processo de obras.” (documento constante do processo na Câmara Municipal com o n.º DAU 12546).”

- Em 5 de Janeiro de 1996, a ora A. pagou à Câmara Municipal de ... as taxas devidas pela execução e conclusão da obra, no valor total de Esc.: 80.263$OO, que correspondeu a uma parte do valor das taxas devidas pela legalização do imóvel (cfr. guia de receita que se junta como Doc. nº. 25).

- Antes, contudo, já a A. tinha requerido a inscrição na matriz do prédio

concluído no lote com a seguinte descrição: prédio urbano de r/c composto por restaurante e discoteca, com área coberta de 585 m2 e descoberta de 970,40 m2 (cfr. cópia do modelo 129 que se junta como Doc. n.º 26).

- Em 3 de Dezembro de 2002 foi emitida caderneta predial urbana declarando que o prédio está inscrito em nome de M ..., Lda., sob o artigo … da freguesia da …, sendo composto por galeria com uma divisão e duas casas de banho, rés-do-chão com duas divisões, um vestíbulo, três casas de banho, uma

arrecadação e um logradouro, com área coberta de 292,50 m2 e descoberta de

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1262,90 m2 (Doc. n.2 27).

- Sendo que atualmente este prédio está descrito sob o artigo …, com o valor patrimonial de € 736,303,38 (setecentos e trinta e sei mil, trezentos e três euros e trinta e oito cêntimos), cfr. Caderneta predial que se juntou como Doc.

nº 3.

- Esta descrição matricial é idêntica à descrição predial junto da Conservatória do Registo Predial de Évora, que data de 15 de Novembro de 1996. com o n.º

… da freguesia da …, em nome da A., M …, Lda. (descrição do teor predial que se junta como Doc. n.º 28).

- Nesta qualidade de proprietária, a ora A. tem sido notificada para proceder à liquidação dos impostos de Contribuição Autárquica e atualmente Imposto Municipal sobre Imóveis, conforme se pode atestar dos documentos que se juntam como n.º 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 37.

- O próprio Município de ..., ora Réu, vem reconhecendo o direito de

propriedade da ora A. sobre o prédio em causa, emitindo, além de mais, conta- corrente e faturas relativas a água e saneamento, cfr. Históricos de faturação que se juntam como Docs. nºs. 38 e 39.

- O lote de terreno arrematado, a construção do prédio e o prédio ali

construído constam desde 1992 no mapa de imobilizado da contabilidade da A., M ..., Lda., conforme documento que se junta como Doc. n.º 40.

- No passado dia 30 de Maio, quando o representante legal da A. se preparava para entrar no prédio, como diariamente fazia, deparou-se com os portões exteriores de acesso fechados com cadeados, (cfr. registos fotográficos que se juntam como Docs. nºs. 4, 5 e 6).

- De igual modo, a A. também não conseguiu aceder ao interior do pavilhão, uma vez que a fechadura da porta de acesso também tinha sido mudada.

- Tais circunstâncias criadas por outrem, impediram o representante legal da A. de aceder ao seu prédio, uma vez que não detinha chaves que abrissem quer os portões exteriores, quer a porta de acesso ao interior do edifício.

- A aposição dos cadeados nos portões foi feita sem autorização e sem o conhecimento prévio da A., bem como foi sem autorização e sem

conhecimento prévio da A. que foi arrombada a porta de entrada do editício do seu prédio e mudada a sua fechadura.

- Vendo-se violentamente impedido de aceder ao prédio, que de resto, é a própria sede da A., o seu representante legal fez a correspondente queixa junto das autoridades policiais, (cfr. participação que se junta como Doc. n. 7).

- Entretanto, o representante da A. veio a ter conhecimento que tal ato teria sido praticado alegadamente por ordem do Réu, Município de ....

- Com a prática de tal ato a A., através do seu representante legal ficou

absolutamente impedida de entrar no seu prédio e sede de empresa, uma vez

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que a aposição de cadeados nos portões exteriores não permite, de modo algum, a sua entrada no logradouro.

- E a mudança da fechadura do edifício não permite a entrada no edifício pelo representante da sua proprietária e ora A..

- A atuação do Réu teve como motivação não só impedir o acesso da A. ao seu prédio, o que logrou com absoluto sucesso, bem como, intimidar o seu

representante legal e inibi-lo de exercer os seus direitos.

- Após o esbulho violento de que a A. foi vítima, o seu representante legal fez várias diligências junto da Polícia de Segurança Pública que lhe exibiu uma cópia do teor de um prédio, alegadamente propriedade do Réu, da qual consta o prédio urbano construído pela A., através de uma retificação feita em 2008 cfr. Cópia do teor do prédio descrito em Livro sob o n.º …, que se junta como Doc. n.º 41.

- Atualmente, e desde 1994, o prédio urbano existente é constituído por

edifício com r/c com área coberta de 585 m2 e um logradouro de 970,40 m2.

Vejamos!

O Julgador a quo, declinou a competência material do Tribunal Judicial para conhecer da questão, atribuindo-a aos Tribunais Administrativos, por entender que “pretendendo a autora o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre um lote” de terreno que diz ter adquirido por venda hasta pública promovida pelo réu “a questão litigiosa assenta numa relação jurídica administrativa” abrangida pela previsão do artº 4º n.º 1 al. a) e f) do ETAF.

Desde já, diremos, que perfilhamos do entendimento que, no caso em apreço, deva ser atribuída aos tribunais administrativos competência em razão da matéria para julgamento da causa, porque, embora a questão em litígio, tal como a autora a define, não diga diretamente respeito ao clausulado

contratual, referente a regras e normas previamente definidas para a arrematação em hasta pública de bens pertencentes ao réu, o certo é que invocando em primeira linha a autora o modo de aquisição da propriedade “ venda em hasta pública” promovida pelo réu, sempre os requisitos inerentes a tal modo de aquisição terão se ser apreciados, até porque o réu na sua defesa veio argumentar que a autora os não cumpriu na sua integralidade, não

podendo arrogar-se a qualquer direito de propriedade sobre o imóvel em questão.

Nos termos do art. 211º n.º 1 da CRP, “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais,” donde se concluiu que a

competência dos tribunais comuns é meramente residual, competindo aos tribunais administrativos e fiscais “o julgamento das ações e recursos

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contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das

relações jurídicas administrativas e fiscais” cfr (art. 212º n.º 3 da CRP e artº 1º n.º 1 do ETAF).

Dentro desse objeto compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios em que esteja em causa, nomeadamente:

- Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses

legalmente protegidos dos particulares diretamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal.

- Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objeto passível de ato administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspetos específicos do respetivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que atue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público. (cfr. artº 4º n.º 1 al. a) e f) do ETAF.

Na determinação da competência dos tribunais em razão da matéria releva essencialmente os elementos identificadores da causa, designadamente a causa de pedir, o pedido alicerçado por esta, e as partes, tendo-se em atenção a pretensão tal como é configurada pelo autor.[1]

Assim, no âmbito do reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel, está subjacente um contrato de arrematação em hasta pública promovida pelo réu, que a autora diz ter cumprido, sendo que aquele invoca o seu

incumprimento, pelo que é manifesto que o tribunal tem a priori de emitir pronúncia sobre tal problemática e como tal irá aferir de eventual violação de normas de direito administrativo, estando, assim em causa, também

apreciação de questões relativas à interpretação, validade ou execução de contratos de objeto passível de ato administrativo, muito embora se pretenda aferir do reconhecimento (ou não) do direito de propriedade de determinado imóvel constituído por um edifício e respetivo logradouro.

Não podemos deixar de ter em conta que a competência em razão da matéria deve aferir-se pela natureza da relação jurídica apresentada pelo autor na petição, havendo que fazer a ponderação do modo como autor configura a ação, na sua dupla vertente do pedido e da causa de pedir, e tendo ainda em conta as demais circunstâncias disponíveis pelo tribunal que relevem sobre a exata configuração da causa, sendo que, no caso, não respeitando o litígio (na versão da autora) diretamente a violação de normas e regras inerentes ao direito administrativo não podemos olvidar que a avaliação dos termos e

requisitos da relação jurídica administrativa que possibilitou à autora arrogar- se titular do direito de propriedade sobre imóvel em causa, mesmo que,

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apenas, se possa cingir à componente do terreno, conduz à apreciação duma relação jurídica administrativa.

Efetivamente, o alegado direito a que se arroga a autora emerge de uma venda em hasta pública, promovida pelo réu e em cumprimento de normas de direito público, pelo que como é salientado na decisão recorrida podemos afirmar “que tais normas são impostas pelo réu, investida de ius imperium, aos particulares ou pessoas coletivas que com ele pretendessem negociar a

aquisição daquele lote ou outros que fizessem parte do loteamento municipal do Parque Industrial e Tecnológico de …, que foi aprovado pelo Câmara Municipal e pela Assembleia Municipal, por deliberações tomadas em

reuniões, e em conformidade com atas que a própria autora dá a conhecer na sua P.I. E tais normas (que resultam dos Regulamentos sobreditos), impõem condições estabelecidas apenas pelo réu, sem negociação prévia com os adquirentes, por intermédio dos seus órgãos Câmara Municipal e Assembleia Municipal. A autora, como pessoa de direito privado, candidatou-se à

aquisição do lote, aceitando as respetivas condições regulamentares estabelecidas pelo réu e, nessa sequência, efetuou obras no lote, pediu licenças, autorizações e procedeu a registos.”

Assim, em face do disposto no artº 4º n.º 1 al. f) do ETAF, o tribunal comum não pode pronunciar-se sobre o tema da propriedade do imóvel, uma vez que tal importaria, necessariamente, ab initio tomar posição sobre aspetos

contratuais cujo objeto de contração é passível de ato administrativo.

O pronunciamento sobre o invocado do direito de propriedade da autora e sua alegada violação, implica apreciar e decidir sobre aplicação e integração das normas inerentes à hasta pública, tendo em vista, designadamente aferir no âmbito do procedimento contratual “hasta pública” da validade da

arrematação que subjaz a pedido de reconhecimento do direito de propriedade por parte da autora.

Pois, se é certo que o reconhecimento de propriedade de bens e o

cancelamento do registo é matéria de direito civil, não podemos olvidar que no caso concreto a relação jurídica donde emana a aquisição do direito que a autora se arroga é eminentemente administrativa.

Deste modo Independentemente de quaisquer abordagens que se façam sobre o thema decidendum a titularidade do direito de propriedade do imóvel a que se arroga a autora depende primeiramente da interpretação e aplicação das normas estabelecidas para a realização da hasta pública promovida pelo réu, donde tal competência não pode deixar de ser atribuída e reconhecida à jurisdição administrativa.

Nestes termos, irrelevam as conclusões apresentadas pela recorrente, sendo de manter a decisão impugnada e de julgar improcedente o recurso, por não

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se mostrarem violadas as normas legais cuja violação foi invocada.

DECISÃO

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão impugnada.

Custas pela apelante.

Évora, 11 de Julho de 2013 Mata Ribeiro

Sílvio Teixeira de Sousa Rui Machado e Moura

__________________________________________________

[1] - v. Ac. STJ de 12/02/2004 in http://www.dgsi.pt, processo n.º 04B188.

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