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Academic year: 2022

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Que socialismo é esse?

Crise e os períodos reformistas no socialismo soviético

Ian Lo Feudo

A construção do socialismo pelo alto nos anos trinta foi para a sociedade soviética uma aventura essencialmente conturbada e difícil. Muito se argumenta se realmente houve socialismo ali. Deixando de lado o debate marxista sobre se houve socialismo naquele país, podemos melhor interpretar que houve sim, a construção de uma modernidade soviética, alternativa aos padrões ocidentais. Durante muito tempo o ocidente tentou caracterizar a história soviética como um espectro de tirania do início ao fim, sem considerar que a modernidade não se desenha da mesma forma em todas as sociedades que a alcançam. Fato é que nos tempos de Lênin, apesar do comunismo de guerra, houve épocas de relativa liberdade e democracia, às margens dos limites impostos pelas condições do período e da interpretação bolchevique da doutrina marxista. Porém, a ascensão de Stálin ao poder levará embora muito do que havia de construtivo naquela nova Rússia, agora União Soviética. As reformas pelo alto instauraram uma doutrina centralizada na burocracia do partido e sua liderança máxima. Stalin construiu de fato um gigante industrial, militar, tecnológico. A sociedade, mesmo com os expurgos e opressão, acompanhou o projeto do dirigente e trabalhou muito para a construção do novo país. A modernidade então se desenhou nos moldes arquitetados pelo partido bolchevique e pela linha que adotara Stálin. Um verdadeiro dinossauro, que além de ferro e aço, consumiu muito sangue. Um novo conceito de sociedade até então inédito na história humana. No tempo da morte de Stálin, já se sabia que era preciso balancear a dieta do dinossauro. Analisaremos então, as duas mais claras tentativas de reformar o socialismo soviético, as trajetórias de Kruschev e Gorbachev, respeitando, é claro, os limites do tempo.

Os dois governaram Uniões Soviéticas diferentes, mas com problemas muito parecidos.

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“Sovietes e a eletrificação são a base do novo mundo.” – Pôster que ilustra a construção da modernidade soviética.

Por que Reformar?

Reformar porque os próprios dirigentes do partido já percebiam o esgotamento daquelas estruturas. Os problemas no campo Soviético já eram desde cedo percebidos. Sabe-se que a relação entre campo e indústria naquele país era muito problemática: podemos imaginar o crescimento industrial em pé sobre os

ombros do sofrido campesinato soviético.

A centralização política era outro problema evidente. Será que só existiria um futuro possível? O Estado na União Soviética era quase tudo. Era dono das terras e dos demais meios de produção, definia os preços, os salários, ditava as regras do jogo. Trotsky já alegara que aquele era, sim, um estado operário, porém, um estado operário extremamente degradado. Seguindo esta mesma linha, retomo o ancestral argumento de Bakunin: os velhos operários agora no governo passaram a governar de acordo com seus próprios interesses. Não por ser da natureza humana, como pensava o anarquista russo, mas por consequência da centralização política na mão de uma burocracia que passou a explorar o povo, como se fosse uma autêntica burguesia.

Outra questão é que esse Estado era também um Estado-Partido. Será que é possível aglutinar dentro de um único partido os interesses do proletariado russo e do campesinato ucraniano, por exemplo? Essa questão pode até hoje não ter uma resposta unânime, mas em 1953, alguns dirigentes do PCUS já desconfiavam que a resposta fosse não.

As reformas no plano político-econômico: Simplificações e (ou) ineficiências.

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apesar de reformador, fez um movimento no sentindo de atribuir mais poderes ao partido. Desmantelou os órgãos estatais poderosíssimos criados por Stalin dentre eles a secretaria especial de Stálin e os aparelhos de repressão. No lugar deles reinseriu o partido em posição de destaque, concentrando poderes, é verdade, mas não perdeu a perspectiva da necessidade de descentralizar o estado soviético.

O campo soviético já de muito tempo apresentava um quadro bastante grave.

Nesse sentindo, o novo líder tentou mudar a relação entre indústria pesada e agricultura, e também indústria pesada e indústria leve. No campo, Kruschev procurou descentralizar as políticas, melhorar a dinâmica econômica e readaptar os produtos à geografia soviética. O sucesso imediato das reformas esbarrou na falta de políticas mais profundas, que aumentassem a autonomia das empresas e cooperativas e dessem maior liberdade às massas para exprimirem suas demandas. O estado tinha o propósito de ser popular e expressar essas demandas, mas a burocratização e o centralismo degradaram essa relação. Kruschev até captou esse sinal, dividiu o partido ente interesses industriais e agrários, porém, além de sua formulação subestimar a complexidade do problema, encontrara imensa resistência nas entranhas do partido.

Gorbachev herdará uma crise parecida, ao menos filha dos mesmos problemas que Kruschev tentou combater. No entanto, pressupõe-se que mais duas décadas de políticas centralistas e conservadoras, quase neoestalinistas, teriam agravado o nível de degradação do Estado operário. O novo secretário- geral procurou adotar políticas modernizantes. Crise maior, preocupações maiores. Gorbachev não demorou muito pra entender que a reforma passava pela democratização do sistema. Logo, lançou um programa de reformas - a Perestroika, que queria dizer reestruturação. O programa identificava mais claramente as mazelas do sistema, e nisso ele se difere essencialmente do programa de Kruschev. No entanto, suas propostas eram em demasiado genéricas, lembrando um pouco a baixa eficiência do antigo dirigente.

Em meios às complicações que o processo de reforma enfrentava, Gorbachev lançou algumas mudanças importantes, dentre elas maior autonomia às empresas e cooperativas, regulamentação do trabalho individual e outras mudanças importantes pra alavancar o comércio de bens de consumo, mecanismos até há pouco tempo inéditos na modernidade soviética. No entanto, a falta de outras medidas complementares, que talvez ainda fossem difíceis de assimilar pela sociedade, porém, vitais para o processo de reforma, impediu o sucesso das medidas propostas.

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O otimismo de Kruschev e a popularidade de Gorbachev: Líderes que tentaram modernizar o socialismo.

O preço da verdade – desestalinização e Glasnost.

Para compreender os processos de reforma, ou melhor, as relativas causas que as levaram ao insucesso, não se deve priorizar apenas e só questões político-econômicas, mas também o peso da memória, a interação e os efeitos do processo de mudança na população e seu potencial em despertar reações imprevisíveis.

Um dos fatores que contribuiu bastante para a deposição de Kruschev, em 1964, foi e com certo peso o processo de desestalinização. Em 1956, no XX congresso do PCUS, Kruschev inicia a demolição do mito Stálin. Discurso lido apenas para os dirigentes, que chegou de forma oral à população, o homem não só incriminara Stálin, mas passava o sujeito de guia da humanidade para monstro desumano. As críticas ao violentíssimo controle social de Stálin foram bem recebidas em um primeiro momento. No entanto, Kruschev calculou mal em que termos fazer a denúncia, como se tivesse esquecido de que não só ele, mas outros dirigentes ali conviveram e fizeram o jogo de Stálin. E a sociedade civil? Não participara do processo de modernização dos anos 30?

Durante mais de 20 anos, as pessoas não endeusaram Stálin ao passo que mandavam seus companheiros para campos de trabalho forçado? Pior que isso, Kruschev não considerou que tipo de reflexo todo esse processo ia gerar.

Justo no momento em que a sociedade se tornara moderadamente mais livre, questionamentos fortes sobre o sistema e até mesmo da necessidade do socialismo e da revolução começaram a aparecer. Esse processo, junto com os fatores de ordem político-econômica que nós já debatemos, levaram ao

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E Gorbachev? Será que estava isento das críticas da sociedade? E como reagiria? Este é um dos pontos que merecem atenção. Gorbachev ainda carregava um fardo relativamente mais leve, pois seu antecessor mais notável e autoritário - Brejnev – não havia chacinado nem um décimo dos mortos por Stálin. Nem por isso as coisas se tornaram mais fáceis. A explosão na usina nuclear de Chernobyl deu novo rumo às coisas. Não havia mais como esconder a situação de subdesenvolvimento tecnológico e degradação social a que havia chegado a URSS. Gorbachev, no entanto, não fez questão de esconder o acontecido e adotou uma postura inovadora, que apesar de importante para as reformas que planejara, desencadeou uma chuva de críticas e incertezas.

Estamos falando da Glasnost. A nova política de transparência e liberdade de crítica causara abalos mais graves que nos tempos de desetalinização. As críticas ao sistema foram contundentes em toda a parte, inclusive nocautearam os argumentos contra a reforma dos setores mais conservadores. Mais uma vez o socialismo e a revolução foram postos em questão.

Junto às primeiras críticas vieram, é claro, mais críticas. A imprensa agora era livre e investigativa, e correrá atrás de divulgar a miséria do estado operário, a corrupção, os ricos dirigentes que desviavam recursos, a existência do mercado negro (como se ninguém soubesse). Que socialismo é esse? É socialismo? Uma onda de questões passageiras ou uma crise de valores fatal?

O socialismo soviético nunca se recuperará desse cataclismo. E o pior é que, à luz da necessidade emergente, o processo de reforma não se acelerou. As pressões internas só aceleraram outro tipo de processo, dos mais contundentes. O surgimento do congresso dos deputados do povo, que previa eleições, e posteriormente as independências das repúblicas até então soviéticas. Devemos lembrar que, antes de ser derrubado, Kruschev havia apresentado propostas democratizantes, de uma nova constituição onde se repensaria as estruturas de participação.

Hungria em 1956 e Moscou em 1991: Tendências desagregadoras.

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Gorbachev e Kruschev – conclusões

Dois homens distintos, duas épocas diferentes. O primeiro, talvez, mais moderno que o segundo, o segundo, talvez, mais sincero que o primeiro.

Discutir e comparar as duas figuras não é nosso foco, mas elas são símbolos de duas tentativas de reformas de um país que já fora a maior potência do mundo. A ousadia desses homens não os levou ao sucesso, mas graças à ousadia de seus projetos foi possível ver (mais claramente nas propostas do primeiro) que o país criado por Lenin e Trotsky transformara-se em um grande dinossauro socialista, porém, carente de humanização. Esses homens mostraram que o caminho da União Soviética poderia ter sido outro. O campo socialista hoje deve aprender com os erros dos socialistas do passado, considerando, sobretudo, a pluralidade e a complexidade das sociedades humanas.

Bibliografia:

Reis Filho, Daniel Aarão – Uma revolução Perdida, Ed. Perseu Abramo, 2007.

Guerra, Adriano – Kruschev e Gorbachev. Artigo disponível em http://www.scielo.br/pdf/ln/n14/a06n14.pdf

Lewin, Moshe – O século soviético, Ed. Record, 2004.

--- O fenômeno Gorbachev, Ed. Paz e Terra, 1988.

Segrillo, Angelo -O Declínio da União Soviética: um estudo das causas, Record, 2000.

Referências

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