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A história da educação feminina e a experiência artística

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Academic year: 2022

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DO SER EMPAREDADO DE GILKA MACHADO AO BAILADO DE EROS VOLUSIA: A EXPERIÊNCIA ARTÍSTICA E A SUBJETIVAÇÃO FEMININA NA

PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX

Fernanda Conceição Costa Frazão Doutoranda em Educação Linha: História e Historiografia da educação Universidade Federal do Paraná

Resumo: Este estudo trata da história da educação feminina pelas trajetórias da poeta Gilka Machado (1893-1980) e sua filha, a dançarina Eros Volusia (1914-2004). Seus poemas, coreografias e pesquisas são abordados como discursos, produzidos nas experiências e contextos delas com seus corpos femininos: “modos de subjetivação” que se dão a partir do exercício e da atividade sobre si mesmo, considerando as relações históricas de gênero. É relevante ressaltar que o ser artista em questão é entendido como a ocupação de uma margem (FOUCAULT, 2010), que proporcionou a algumas mulheres a possibilidade de produção de discursos autênticos, fora da lógica masculina e patriarcal, e até em oposição a eles. Nesse sentido, as trajetórias artísticas de Gilka e Eros se apresentam como um exercício, que vai da forma feminina tolhida e emparedada, lida nos poemas de Gilka, que reclamava sobre o lugar social das mulheres na década de 1910, até as coreografias e atuações de Eros Volusia, a partir da década de 1930, que apresentaram na arte da dança a encarnação de uma existência feminina sem tantos limites ao corpo. Artistas e seus contextos motivam pensar continuidades e rupturas para a história da educação das mulheres na primeira metade do século XX, e provocam interrogar sobre as possibilidades da arte como dispositivo de subjetivação feminina, bem como o lugar das mulheres nas artes, pela perspectiva da filosofia da diferença.

Palavras-chave: Relações de gênero; História da Educação Feminina; Gilka Machado; Eros Volusia; Experiência artística.

Financiamento: CAPES

A história da educação feminina e a experiência artística

Quais possibilidades o ser mulher artista edificou para a história da educação feminina, é a questão, que sem pretensões de se esgotar nesta breve exposição, norteia meus estudos históricos sobre mulheres artistas. Como as artistas experimentaram seus momentos e em que medida suas produções eram em resposta ao contexto histórico. Em especial, em que medida essas

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experiências se tornariam mais especificas por se tratar de produção feminina e quais as possibilidades de promoção de experiência feminina. Ou ainda, como pensar a subjetivação feminina a partir da experiência artística, por quais critérios e apontamentos teóricos.

Construir uma narrativa histórica pautada em um projeto relativo à educação feminina faz cumprir o que considero relevante para a pesquisa, que é a delimitação de conceitos, saberes e práticas presentes nesse histórico. A partir do interesse por uma história da educação lida em manifestações artísticas, algumas categorias e conceitos se mostram. O corpo em seus mecanismos e visibilidades, as formas de produção artística por mulheres em seus conteúdos e lugares diversos, o patriarcado que constitui a estrutura que abriga instituições e pretensas verdades, o feminismo que questiona os padrões de desigualdade com sobreposição e privilégios sociais e culturais do masculino, só para citar alguns.

Nesta exposição, tratarei de forma incipiente sobre a experiência artística feminina, um exercício para pensar o termo como conceito para o trabalho com temática relativa à história da educação feminina.

Iniciando a exposição, é importante situar que a experiência artística feminina é tratada sob dois aspectos.

Em um deles, faz-se uma elaboração sobre a experiência artística feminina, como o que possibilita e favorece uma produção de discursos sobre o corpo e a partir dele. Considerando os padrões femininos estabelecidos ao longo da primeira metade do século XX, é notável a vigilância sobre os corpos femininos e também as restrições para sua circulação.

O silenciamento feminino é considerado como o que se instala na sociedade patriarcal a partir do impedimento à participação no processo eleitoral e político, na irrisória entrada feminina em cursos de educação superior, na ausência delas na organização das instituições religiosas1, ou seja, naquilo que diz respeito à dinâmica de funcionamento e organização das principais instituições da esfera pública, cultural e social (FRAZÃO, 2012).

A exclusão das mulheres da história acontece no nível do poder singular2, que as silencia.

1 “(...) é verdade que todas as políticas da Igreja, e sobretudo da Igreja Católica ocidental, foram opressivas, para a mulher em particular e para os povos em geral. E isso por dois motivos: primeiro, porque, já há dezesseis séculos, desde Constantino, a Igreja tornou-se romana, e mesmo imperial, a serviço do privilegio econômico e social; em seguida, porque, nascida e desenvolvida em sociedades de tipo patriarcal, essa Igreja, monopolizada em todos os níveis de seu clero pelos homens, continua constantemente hierárquica, autoritária e hostil, por principio, ao feminino” (GARAUDY, 1982, p. 142)

2 Segundo Perrot (1988, p. 167), é preciso considerar a polissemia do termo poder: “no singular, ele tem uma conotação política e designa basicamente a figura central”. A nova história, inaugurada na terceira fase dos Annales, produziu a partir das outras fases dessa tradição de historiadores, uma nova perspectiva de poder, agora no plural, que “se estilhaça em fragmentos múltiplos, equivalente a ‘influências’ difusas e periféricas, onde as mulheres têm sua grande parcela”.

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A história de fontes oficiais, de circulação autorizada juridicamente e valorizada pelas instituições de saber não considera as atuações particulares e do âmbito privado. Manifestações artísticas e estéticas também seriam ignoradas.

“Mulheres enclausuradas, como chegar até vocês?”, pergunta Perrot (1988, p. 186), que identifica no poder plural a possibilidade de localizar essas mulheres: “São as mulheres em ação que interessa encontrar, inovando em suas práticas, mulheres animadas e não mais autômatos, mas criando elas mesmas o movimento da história”.

A experiência artística feminina é tomada como um dispositivo frente a essa situação de silenciamento mencionada. Os limites institucionais às mulheres são sustentados por saberes e práticas que afetam diretamente a dinâmica dos corpos, pois a interdição à ocupação de determinados cargos e funções é também a interdição à ocupação de espaços, muitas vezes ditos públicos e de interesse social, econômico, cultural. O limite à entrada nesses espaços faz parte de uma rede que condiciona o corpo feminino a uma existência mais passiva; assim indicava um cronista da revista Careta em ao final da década de 1910:

(...) Rir alto é salutar, mas falar como pensa, falar em tom suave, em surdina quasi, de modo que impressione, aos ouvidos, aos olhos;

provoque mesmo os lábios, desperte o desejo; mas de leve, com voz clara, timbre certo, gestos amenos, que a sua imagem, gravando-se imperceptivelmente na memória de todos que a ouvirem, por elles elegida, terá em cada salão um throno na cadeira que occupar. A vivacidade excessiva desnorteia, pois desloca a mulher no conjunto harmonioso de suas linhas, dá-lhe um ar viril, abruptalhado, quando ella pelos próprios tecidos que veste exige brandura, tudo o que é macio, o bello sempre novo de uma adolescência perenne (CARETA, 19/01/1918 p. 33).

Assim, tomar a experiência artística como dispositivo, em uma perspectiva foucaultiana, equivale a pensá-la como uma estratégia, uma técnica (REVEL, 2011, p. 43) para resistência aos também dispositivos, que cumprem disciplinar e normalizar os corpos femininos na lógica e apelo da sociedade patriarcal e suas instituições. Estas carregam “a verdade, espécie de erro que tem a seu favor o fato de não poder ser refutada, sem dúvida porque o longo cozimento da história a tornou inalterável” (FOUCAULT, 2012, p. 60).

Em caráter metodológico, é interessante indicar neste ponto a genealogia, como análise de proveniência: “Ela deve mostrar o corpo inteiramente marcado de história e a história

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arruinando o corpo”, e este como “superfície de inscrição de acontecimentos” (FOUCAULT, 2012, p. 65).

Sobre o apelo às questões corporais para a educação feminina, é interessante realçar o que se entende pela potência que carrega a expressão do corpo. Na medida em que os corpos femininos eram coagidos e destinados à estática, a produção de um discurso feminino era secundarizado, desestimulado; desvinculado da ação, estaria fadado ao fetiche e a normalização masculinos (FRAZÃO, 2017, p. 7033).

Estes apontamentos, que delimitam mais os aspectos do controle e do chamado silenciamento sobre o ser mulher, são para enfatizar a experiência artística na história da educação feminina como possibilidade de atuação, fala, produção de discursos descomprometidos com a instituição patriarcal. A produção artística, um discurso marginalizado ou secundarizado, talvez recebido em um sentido alegórico, desponta na história das mulheres como emergência da resistência e como afirmação de autonomia feminina, considerado aqui um dos dispositivos de sua subjetivação histórica na primeira metade do século XX.

Se um sistema de educação nada mais é que a possibilidade de inclusão no discurso, a educação dos sentidos, a condução das sensibilidades femininas era então, um mecanismo para sua dominação, e no caso do exercício da arte, em contraponto, uma via para a subjetivação (FRAZÃO, 2017, p. 7034).

Dessas análises mais gerais sobre a condição feminina, segue o segundo aspecto a ser tratado acerca da experiência artística feminina. Este diz respeito às produções artísticas da poeta Gilka Machado (1893-1980) e da bailarina Eros Volusia (1914-2004), o que consiste em visitar o teor geral de suas obras, em atenção ao que elas apresentam como condição do ser mulher artista.

Feita a relação inicial entre a interdição aos discursos de produção feminina e o próprio corpo feminino, trata-se de situar as produções artísticas mencionadas como uma via de resistência aos padrões estabelecidos. “Os livros de poesia de Gilka Machado e as coreografias e escritos de Eros Volusia são considerados discursos a partir dos quais se apresentam as condições históricas a que ambas estavam submetidas” (FRAZÃO, 2017, p. 7028).

A experiência artística feminina, apresentada por Gilka e Eros, parte da relação parental de mãe e filha, respectivamente, e apresenta convergências nos temas sobre os quais fazem

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referencia, direta ou indiretamente. A tônica para esta exposição diz respeito às questões relativas ao corpo.

O corpo tolhido de Gilka Machado

“O significado de ser mulher ou homem é muitíssimo variável no tempo e no espaço e esta variabilidade aplica-se não só aos respectivos conteúdos, mas também às fronteiras entre o feminino e o masculino e à própria rigidez com que são encaradas” (BOCK, 1989, p. 165). E nas poesias de Gilka Machado é possível identificar aspectos que dizem respeito á mencionada variabilidade entre gêneros.

O que Gilka faz constantemente em seu discurso poético é negar, resistir à ordem estabelecida. É possível afirmar que ela nega a ordem histórico- cultural na qual se insere e busca, nas suas divagações, na dispersão que seus versos lhe permitem, um retorno à natureza, como forma de se libertar do que ela chama de “jugo vil dos homens e ronda da velha sociedade” (FRAZÃO, 2014, p. 6).

“De que vale viver,/Trazendo na existência emparedado o ser?”, é uma questão que Gilka propõe em seu poema Ancia Azul, de seu primeiro livro, Cristaes Partidos (1915).

Pensar e, de continuo, agrilhoar as idéas Dos preceitos sociaes nas torpes ferropéas;

Ter ímpetos de voar,

Mas preza me manter no ergástulo do lar, Sem a libertação que o organismo requer;

Ficar na inércia atroz que o ideal tolhe e quebranta...

Ai! Antes pedra ser, insecto, verme ou planta, Do que existir trazendo a forma de Mulher!

Aves!

Quem me dera ter azas,

Para acima pairar das cousas rasas, Das podridões terrenas,

E sahir, como vós, ruflando no ar as pennas, E saciar-me de espaço, e saciar-me de luz, Nestas manhans tão suaves!

Nestas manhans azues, lyricamente azues! (MACHADO, 1915, Ancia azul).

Nestas primeiras poesias publicadas, Gilka faz uso dos recursos da natureza para expor

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suas contestações à ordem patriarcal, identificando a condição feminina como algo forjado culturalmente para manutenção de condições aquém das reais possibilidades. O uso do termo ideal, na poesia Ancia Azul, pode ser considerado como um dispositivo, identificado por Gilka, na manutenção da condição feminina (FRAZÃO, 2014, p. 8). Conforme formas perfeitas, ideais de ser mulher, eram afirmadas por um conjunto de saberes e práticas, mais alinhada estaria a sociedade em exigir delas esse comportamento passivo. Aliás, o comportamento já viria inscrito como uma regra já auto imposta3.

O registro de sua arte foi também o registro de sua experiência, de seus anseios, da construção histórica de seu ser mulher. Sua trajetória, expressa na linguagem e conteúdo temático de seus poemas, apresenta o que identifico como um projeto de subjetivação, iniciado com a delimitação e queixa pela sua insatisfação pela condição feminina, inicialmente negando o corpo como possibilidade de realização da existência4, em decorrência dos limites impostos às mulheres.

Posteriormente, nas suas obras da década de 1920, “ela parece permitir em seus escritos uma relação corpórea mais livre, uma maior permissão à descrição das sensações” (FRAZÃO, 2014, p.

9-10).

Meu corpo todo, no silencio lento, em que me acaricias,

meu corpo todo, às tuas mãos macias, é um bárbaro instrumento

que se volatilisa em melodias...

e, então, supponho,

à orchestral harmonia de meu ser, que teu grandioso sonho

digo, em mim, o que dizes, sem dizer, de serão.

Mãos leves, mãos fagueiras, que tramam rendas verdadeiras

na minha sensação (MACHADO, s.p., 1928).

Na ocasião da publicação do livro Meu glorioso pecado (1928), sua filha, Eros Volusia, estava perto de realizar sua primeira apresentação no Rio de Janeiro, “numa vesperal do dia 28 de setembro de 1929, no Teatro Municipal. Um ano após iniciar seus estudos de balé, sua estréia naquele palco nobre seria com um samba” (PEREIRA, 2004, p. 27).

3 “(...) é sagaz a identificação que ela faz das articulações produzidas no plano material, que promovidas ao status de ideologia causa uma situação disciplinar estabilizada” (FRAZÃO, 2014, p. 8).

4 “As referencias à natureza está presente em toda a obra de Gilka. No poema Possa eu, da phrase nos absonos sons, o primeiro do seu livro intitulado Estados de alma (1917), lê-se: “Gelar minha alma de paixões accesa \ porquê? Si desta forma ao Mundo vim; \ se adoro filialmente a Natureza \ e a Natureza é que me fez assim” (MACHADO, 1917). Ela continua então afirmando sua relação com a natureza nesse sentido de libertação dos conceitos culturais, como o dispositivo que lhe dá o aval para tratar suas experiências com liberdade, ao menos no que diz respeito à sua produção literária” (FRAZÃO, 2014, p.

9).

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Segundo relata Eros, Gilka acompanhou sua carreira sempre muito de perto. A bailarina comenta: “Foi nos versos de minha mãe que criei bailados como: ‘Ansia de Azul’, ‘Noturno’,

‘Agonia da Saudade’, ‘Cascavelando’, ‘Movimento’, ‘Última Folha do Outono’, ‘Oração’”

(VOLUSIA, 1983, p. 151).

O bailado nacional de Eros Volusia

A trajetória de Gilka avança, e na década de 1930 abre esse diálogo com a criação artística de Eros, demarcando a relação com a arte e inspirando os gestos da filha.

Desde criança eu fazia improvisações sobre qualquer música que me agradasse aos ouvidos e procurava ficar na pontinha dos pés numa ânsia de ascenção! Minha mãe não desejava que eu seguisse uma carreira artística. Ela achava que no Brasil, principalmente para a mulher, a arte como profissão trazia grandes aborrecimentos e muitos espinhos, dado o preconceito existente na época. Observando, no entanto, minha tendência para a dança e sentindo que a mesma estava em mim enraizada procurou matricular-me na Escola de Danças do Teatro Municipal, dirigida por sua fundadora Maria Olinewa (...) Minha mãe passou a dedicar-se a minha formação artística e acompanhava-me em todas as minhas atuações (VOLUSIA, 1983, p. 36).

Parece haver uma fusão de experiências artísticas, que por seguimentos diferentes, provocam um rastro comum, que vai do poema de Gilka, que reclama por libertação do corpo, até o que se estabeleceu como a criação do bailado nacional brasileiro, por Eros.

Eros Volusia, estilisando as dansas populares, os batuques dos nossos terreiros, os poracé de nossos brasileiros, está fazendo uma obra de grande mérito e de patriotismo. E, assim, vai a dansa brasileira, aos poucos, com seu tropicalismo moreno, se fazendo conhecida de outros povos, mostrando-lhes os grandes tesouros coreográficos, agora acordados pela varinha mágica de Eros Volusia (Dom Casmurro, 17/08/1940, ed. 162, p. 9).

No caso de Eros, sua formação se dá pela poética de Gilka, pelo acesso à dança clássica em espaços como o Teatro Municipal do Rio de Janeiro, e pela circulação em espaços periféricos da cidade, visitando aspectos marginalizados das religiões afro e cultura popular como o samba.

Com isso, associa a técnica e estudos em resposta às questões que lhe surgem, sobre as possibilidades de criação e autenticidade provocadas pela sua circulação diversa, no sentido de espaços e realidades diferentes.

O sileciamento feminino, que foi denunciado por Gilka Machado nas suas poesias, foi elaborado na arte da dança, na projeção do corpo e da cultura popular brasileira, que também era

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marginalizada.

Observa-se que os jogos de poder consistem na aplicação de forças, o que implica em resistência e desencadeia uma constante reconfiguração dos padrões, tendo em vista a plasticidade das relações. Considerando a produção de discursos (FOUCAULT, 2010), e a arte de Gilka e Eros como uma produção discursiva, pode-se dizer delas realizarem o uso de margens como uma forma de exercício de poder. A margem, pensada como um contorno, logo fora da ordem principal da produção de discursos, resiste ao padrão, podendo lhe dar formas, contornos.

Perspectivas e possibilidades para o corpo feminino pela experiência artística

O uso da arte é destacado como essa possibilidade. Uma produção de discurso secundarizado, por isso autorizado – mas ainda assim com ressalvas! – às mulheres. Assim, pode ser utilizado para denuncias, no caso a negação, mas também para a afirmação da potencia criativa feminina.

Ambas, corporeidade feminina e cultura popular, cultivavam uma potencia que circulava e que estavam vivas dentro de um sistema contraditório nas seguintes condições: as instituições que se estabeleciam para o cuidado social observavam seus usos, pontuava suas possibilidades dentro de um controle moral e delineava as transgressões. Porém, sem a aceitação e reconhecimento. A necessidade da homogeneização e sileciamento do que não pertencia às classes dominantes prevalecia na hierarquia da dominação patriarcal, lida na chave das instituições já mencionadas.

Mas a resistência aos padrões encontra suas brechas na ânsia em ir de encontro aos desajustes no que diz respeito a desigualdade de gênero e de discriminação da cultura popular.

Uma luta que se faz no nível corporal, pela sobrevivência de ideais que, lançados à dinâmica da realidade, escracha os limites do poder que tolhe os corpos femininos e de toda uma cultura que precisava ser apresentada em seu lugar de autenticidade.

Considerando as relações de gênero como um jogo de forças, observa-se que existem possibilidades e limites nas dinâmicas de determinadas culturas. Saberes e práticas são atualizados para garantir o alcance, reprodução e instituição de modelos representativos. E nestas relações, a produção de sujeitos e suas subjetividades têm aparato nessa física articulada de eventos, instituições, saberes.

Conforme as representações são construídas, os corpos vão se moldando em seus papéis

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sociais. A questão, quando se trata de relações de gênero, é que as formas dadas ao ser mulher chegaram ao século XX com padrões de inferioridade para elas em relação aos homens, com afirmações que lhes atribuía menor capacidade cognitiva, inviabilizava a atuação política e social e lhes impunha condições decorativas na dinâmica social.

Por fim, um aspecto que reafirmo para esta perspectiva da história das mulheres, diz respeito às histórias micro, em que “a história do corpo só assume todo o seu significado ao nível do cotidiano” (LE GOFF, s.d., p. 89). Diante do silenciamento das mulheres no que diz respeito à atuação na formulação de saberes institucionalizados, resta a atenção à circulação desses corpos femininos pela história, para narrativas de abordagens mais reais em perspectivas emergentes e capilares. E que à luz da história, o presente seja mais pleno de reconhecimento da riqueza da pluralidade e da horizontalidade das relações, sejam elas de gênero, raciais, sociais ou qualquer outra.

Fontes

CARETA. Editora Kosmos: Rio de Janeiro, 19/01/1918.

DOM CASMURRO. Ed. 162. Rio de Janeiro, 17/08/1940.

MACHADO, Gilka. Cristaes Partidos. Rio de Janeiro, 1915.

MACHADO, Gilka. Estados de Alma. Rio de Janeiro, 1917.

MACHADO, Gilka. Meu Glorioso Pecado. Editores Almeida e Torres: Rio de Janeiro, 1928.

VOLUSIA, Eros. Eu e a Dança. Continente Editorial: Rio de Janeiro: 1983.

Referências

BOCK, Gisela. História, história das mulheres, história do gênero. In: Penélope. Fazer e desfazer história. Dossier, n. 4, Nov, 1989

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Trad. Laura Fraga de Almeida Sampaio. 20ª Ed.

São Paulo: Edições Loyola, 2010.

FOUCAULT, Michel. Microfisica do poder. Graal: São Paulo, 2012.

FRAZÃO, Fernanda C. Costa. A revista Careta e a educação das mulheres: uma dispersão discursiva para a normalização feminina no contexto urbano (1914-1918). Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de São João del-Rei, São João del Rei (MG), 2012.

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FRAZÃO, Fernanda C. Costa. Da natureza à subjetivação do ser histórico feminino: a resistência ao corpo tolhido nas poesias de Gilka Machado (1915-1933). X Congresso Luso- Brasileiro de História da Educação. Percursos e desafios na História da educação Luso-Brasileira.

PUC-PR: Curitiba, Paraná, 2014

FRAZÃO, Fernanda C. Costa. Gilka Machado e Eros Volusia: a educação das sensibilidades e a subjetivação feminina pelas artes (1915-1948). IX Congresso Brasileiro de História da Educação: João Pessoa, Paraíba, 2017.

GARAUDY, Roger. Liberação da mulher, liberação humana. Zahar Editores: Rio de Janeiro, 1982.

LE GOFF. A história do cotidiano. In: ARIÈS, P. et al. História e nova história 3ªed. Lisboa:

Teorema, s.d.

PEREIRA, R. Eros Volusia: A criadora do Bailado Nacional. Relume Dumará: Rio de Janeiro, 2004.

PERROT, Michele. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

REVEL, Judith. Dicionário Foucault. Forense Universitária: Rio de Janeiro, 2011.

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