Tribunal da Relação de Lisboa Processo nº 9095/2005-6
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA Sessão: 20 Outubro 2005
Número: RL
Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
MANDADO DE DESPEJO
Sumário
1. A acção de despejo constitui um processo especial que encerra dentro de si, não apenas características declarativas, dentro das quais se segue,
efectivamente, tramitação do processo comum (Art. 56-1 RAU), mas também executivas.
2. O mandado de despejo previsto no artigo 59º do RAU deve ser emitido no âmbito da própria acção declarativa onde foi proferida a sentença
(FG)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório:
Tendo sido proferida sentença, em 16 de Junho de 2004, na acção de despejo, com processo sumário, movida por Maria, contra L, no Tribunal Judicial da Comarca de Benavente, a qual, julgando a referida acção procedente,
decretou a resolução do contrato de arrendamento comercial celebrado entre as partes, relativo ao prédio sito em Ribatejo, inscrito na matriz urbana sob o artigo 1671 da mesma freguesia, e condenou o ali réu a entregá-lo à autora livre e devoluto, veio esta requerer na acção, no dia 1 de Outubro de 2004, a emissão de mandado de despejo para desocupação efectiva do locado, nos termos do disposto no artigo 59º do Regime do Arrendamento Urbano aprovado pelo DL nº 321-B/90, de 15 de Outubro, doravante designado por RAU, invocando o trânsito em julgado da aludida sentença e a não
desocupação do locado pelo réu.
Sobre este requerimento recaiu despacho proferido em 18 de Outubro de 2004 com o seguinte teor: “Fls. 21 a 23: desentranhe e autue por apenso, como execução para entrega de coisa certa, com as especialidades constantes do art. 59º do RAU”.
Inconformada, agravou a requerente, sustentando na sua alegação a seguinte síntese conclusiva:
1ª Ao não ordenar a emissão de mandato de despejo imediato, como tinha sido requerido, o despacho recorrido violou o art. 59º do RAU.
2ª O mandato de despejo deveria ter sido imediatamente emitido no âmbito da própria acção declarativa, nos termos do art. 59º do RAU, e não em processo executivo autónomo para entrega de coisa certa.
3ª Ainda que assim não se entendesse, o que não se concede, mesmo no âmbito do processo executivo para entrega de coisa certa, o mandato de despejo deveria ter sido imediatamente emitido sem citação do executado concedendo-lhe prazo para entrega do locado.
4ª É o que decorre do art. 59º do RAU: o mandato de despejo previsto neste preceito é de emissão e cumprimento imediato: não depende de qualquer citação prévia do inquilino na qual lhe seja concedido um prazo para a entrega do prédio.
5ª A norma do artigo 59º do RAU aplicação prevaleceria, no caso em apreço, sobre as normas do regime da execução para entrega de coisa certa, que apenas se aplicariam subsidiariamente.
6ª O despacho recorrido viola o art. 59º do RAU por omitir a ordem de emissão de mandato de despejo requerida pela ora Recorrente - mesmo entendendo-se que este deveria ser emitido no âmbito de processo executivo apenso ao declarativo - ordenando, pelo contrário, a citação do executado por solicitador de execução pela qual lhe é conferido novo prazo para proceder à entrega do locado ao senhorio.
Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido, ordenando-se a autuação das fls. 21 e seguintes dos autos no processo declarativo e a emissão imediata do mandato de despejo tal como requerido pela ora Recorrente, no âmbito do mesmo processo declarativo.
Caso assim não se entenda, deverá ser ordenada a emissão imediata do
mandato de despejo requerido, mesmo no âmbito do processo executivo, sem necessidade de citação prévia do inquilino ou concessão de prazo para a entrega do locado.
Não houve contra alegação.
O Mmº. Juiz sustentou o seu despacho.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
2. Fundamentos:
Delimitado como está pelas conclusões da alegação da agravante, verifica-se que o objecto do presente recurso consiste, tão somente, em saber se o
mandado de despejo previsto no artigo 59º do RAU deve ser emitido no âmbito da própria acção declarativa onde foi proferida a sentença que o decretou ou deve ser processado por apenso a esta como execução para entrega de coisa certa, sendo que para a decisão a tomar, no caso concreto, haverá que
considerar a facticidade enunciada supra.
Estabelece o citado artigo 59º do RAU o seguinte:
“1 – O senhorio pode requerer um mandado para a execução do despejo, quando o arrendatário não entregue o prédio na data fixada na sentença.
2 – O requerente deve pôr à disposição do executor os meios necessários para a remoção, transporte e depósito dos móveis e objectos que sejam
encontrados no local.
3 – Quando seja necessário arrombar as portas ou vencer qualquer resistência material, o funcionário encarregado de executar o mandado deve requisitar a intervenção da força pública e a assistência de qualquer autoridade
administrativa, em cuja presença efectuará o despejo, lavrando-se auto de ocorrência.”
Não esclarece este preceito como deve processar-se o mandado de despejo, divergindo a doutrina sobre a matéria.
Assim, Aragão Seia (1) tomou posição sobre esta questão no sentido de que a solução mais acertada é a de o despejo material, ou seja, a efectiva
desocupação do prédio dever processar-se formalmente como uma execução para entrega de coisa certa, instaurada por apenso, e não como um incidente da acção declarativa enxertado nesta depois de proferida e transitada em julgado a sentença que tal ordenou e que constitui o título executivo.
Por outro lado, Pinto Furtado (2) escreve que a acção de despejo constitui “um processo especial que encerra dentro de si, não apenas características
declarativas, dentro das quais se segue, efectivamente, «a tramitação do processo comum» - art. 56-1 RAU - mas também executivas”, e acrescenta, sintetizando, que a acção de despejo se caracteriza como “uma acção declarativo-executiva cuja decisão final, embora fundada numa actividade essencialmente assertória do facto extintivo invocado pelo senhorio, deve ser tida como uma sentença constitutiva -, pois antes dela, o contrato de
arrendamento persiste em vigor”.
De forma mais directa Menezes Cordeiro e Castro Fraga (3) defendem que a
“possibilidade de enxertar o mandado de despejo – figura executiva – na acção declarativa propriamente dita, corresponde a uma das especificidades mais marcantes desse tipo de acção. Firmemente radica na cultura jurídica
portuguesa e traduzindo um meio efectivo para dinamizar o mercado do arrendamento, o mandado de despejo mantém-se, ficando agora na sua única sede possível.”
Mais claro ainda Lebre de Freitas (4) afirma que “Actualmente, revogadas as disposições do Código de Processo Civil que regulavam a acção de despejo, esta, quando respeitante a prédio urbano, conserva a natureza mista, mas passou, na sua fase declarativa, a ser um processo comum (art. 56-1 RAU), em que, proferida a sentença, se pode vir enxertar a fase executiva…”,
acrescentando, que “A execução é requerida nos próprios autos da acção de despejo, bastando o senhorio requerer que se passe mandado para o efeito”.
Afigura-se ser sufragar este último entendimento.
Efectivamente, o legislador parece ter querido facultar ao senhorio um meio rápido e eficaz de executar o despejo decretado na sentença que encerra a fase declarativa da acção de despejo, evitando que, definida a situação jurídica do locado, este permaneça por razões de índole exclusivamente processual nas mãos de quem não tem ou deixou de ter título para o ocupar.
Razões económicas e ligadas à especificidade do mercado de arrendamento justificam esta medida.
Aliás, a tese seguida no despacho recorrido, no sentido de que a execução do despejo deve seguir, por apenso, os termos da acção executiva para entrega de coisa certa, deixaria por explicar, pelo menos cabalmente, a necessidade de introdução de um preceito como o artigo 59º citado. No silêncio do legislador a execução do despejo seguiria, naturalmente, os termos da execução para entrega de coisa certa, tal como sucede com a cobrança coerciva das rendas em dívida ou de indemnização, que, por apenso, seguem os termos do
processo de execução para pagamento de quantia certa.
Quis imprimir-se brevidade à execução material ou efectiva do despejo, dotando-a de um meio processual expedito e esse desiderato é alcançado tratando a execução do despejo como um incidente da acção declarativa em que foi decretado, o que lhe confere características de uma acção declarativo- executiva.
3. Decisão:
Nesta conformidade, concede-se provimento ao agravo e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, o qual deverá ser
substituído por outro que ordene a passagem do mandado de despejo, seguindo-se os demais trâmites previstos no Regime do Arrendamento
Urbano.
Sem custas (artigo 2º nº 1 al. g) do Código das Custas Judiciais.
20 de Outubro de 2005 (Fernanda Isabel Pereira) (Maria Manuela Gomes)
(Olindo dos Santos Geraldes) ___________________________________
1 Cfr. Arrendamento Urbano Anotado e Comentado, 4ª ed., Almedina, págs.
278, 280 e 311.
2 In Manual do Arrendamento Urbano, 2ª ed., Almedina, págs. 955 a 957.
3 In Novo Regime do Arrendamento Urbano Anotado, Almedina, 1980, pág.
106.
4 In A Acção Executiva, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 335.