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A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA E SEU TRATAMENTO LEGISLATIVO BRASILEIRO Antonio Diego da Costa 1

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A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA E SEU TRATAMENTO LEGISLATIVO BRASILEIRO

Antonio Diego da Costa

1

Resumo: O presente artigo trata da necessidade de responsabilizar penalmente às pessoas jurídicas e como a legislação brasileira trata do tema.

Nesse sentido, será apresentado de forma bastante breve a perspectiva da doutrina brasileira e estrangeira a respeito do tema.

Também, será demonstrada a necessidade de elaborar uma nova teoria do delito dirigida exclusivamente às pessoas jurídicas. Pois, a atual teoria do delito, adotada pelo direito brasileiro, foi desenvolvida para as pessoas naturais.

Palavras-chave: Direito Penal. Responsabilidade Penal. Pessoa Jurídica.

Direito Brasileiro. Brasil.

Título: La Responsabilidad Penal De La Persona Jurídica Y Su Tratamiento Legislativo Brasileño.

Resumen: El presente artículo trata de la necesidad de responsabilizar penalmente a la persona jurídica y de la forma como la legislación brasileña trata el tema. En ese sentido, será presentado de forma bastante breve la perspectiva de la doctrina brasileña y extranjera a respecto del tema.

También será demostrada la necesidad de elaborar una nueva teoría del delito dirigida exclusivamente a las personas jurídicas, pues la teoría del delito presente en el Código Penal brasileño fue desarrollada para las personas físicas.

Palabras-clave: Derecho Penal. Responsabilidad Penal. Persona jurídica.

Derecho brasileño. Brasil.

1 INTRODUÇÃO

O Ambiente proporcionado pela globalização resulta favorável para o nascimento e crescimento da criminalidade socioeconômica. Pois, em razão do mundo atualmente buscar o aumento da riqueza, a empresa se transforma no principal ator global responsável por lesões a bens jurídicos.

Nesse contexto, os bens jurídicos coletivos se apresentam como aqueles que mais possuem capacidade de sofrer lesões. Resultando em uma maior necessidade de que sejam protegidos pelo Direito Penal.

Mestre em Direito Penal pela Universidad de Salamanca, Espanha. Advogado Criminalista graduado pela Pontifícia 1

Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Brasil.

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Sem embargo, os delitos em que as pessoas jurídicas estão envolvidas não sensibilizam as pessoas naturais da mesma maneira que ocorre com os delitos tradicionalmente cometidos . Melhor

2

dito, a doutrina aponta, entre outras razões, que a imagem do empresário e da empresa não condizem com a imagem do criminoso tradicional .

3

Porém, ainda que existam doutrinadores que sejam ferrenhos opositores à responsabilização penal das pessoas jurídicas , é inegável a necessidade de encontrar mecanismos limitadores da

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atividade empresarial lesiva. Nesse contexto, o tratamento do tema, no Brasil, ganha especial importância, vez que este País atualmente é a sexta maior economia do mundo e, também, possui a maior floresta tropical do planeta em seu território .

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Em efeito, ainda que a Constituição brasileira de 1988 tenha contemplado a responsabilidade penal das pessoas jurídicas em seu texto, ainda existem problemas para sua aplicação. Pois, entre outros problemas, a teoria do delito adotada pelo Código Penal Brasileiro foi desenvolvida para atuar nas condutas praticadas pelas pessoas naturais. O que impede sua aplicação nos delitos cometidos pelas pessoas jurídicas.

Com isso, após chegarmos a esse ponto, resta claro que o presente artigo tem como objetivo principal a análise da necessidade de responsabilizar penalmente às pessoas jurídicas no Brasil.

Tomando por base uma perspectiva de que o sistema atualmente adotado, para imputar a responsabilidade penal às pessoas jurídicas, não é o mais adequado.

“Várias explicações podem ser ensaiadas. É intuitiva a compreensão e a identificação das pessoas em relação a atos 2

criminosos praticados por indivíduos como elas, de ordinário ocorridos num ambiente social e em condições emocionais semelhantes das da população. Essa ‘experiência’ do crime já está arraigada na consciência popular e faz parte da história universal do ser humano. Repugnam os crimes contra a integridade física e contra o patrimônio, os passionais, os atentados sexuais etc. – os mais próximos e mais facilmente assimiláveis e respondidos pela reação da comunidade” (ROTHENBURG, Walter Claudius. A pessoa jurídica criminosa. 3.ª reimpressão. - Curitiba: Editora Juruá, 2007, p. 42).

“Com efeito, o empresário não representa a figura tradicional do criminoso. Antes, com seus modos cultivados, sua 3

elegante e bem apunhada aparência, provoca uma respeitabilidade e uma devoção características de uma sociedade capitalista em que ele representa o modelo do indivíduo bem sucedido, em quem a população idealmente se projeta. Os demais detentores de poder na comunidade, quando não sofrem o mesmo influxo, identificam-se com esse semelhante, oriundo de uma mesma formação e condição sócio-econômica. O empresário participa antes como formulador das políticas criminais, partícipe do lado repressor e provedor do sistema, agente da sociedade tão ou mais interessado em manter seus bens a salvo da criminalidade clássica” (Ibid. 2007, p.43).

GRACIA MARTÍN, Luis. Crítica de las Modernas Construcciones de una mal llamada responsabilidad penal de la 4

persona jurídica. Em: RECPC n.º 18. 2016. Disponível em: <http://201.31.162.84/cache/criminet.ugr.es/recpc/18/

r e c p c 1 8 - 0 5 . p d f ?

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“De logo, anote-se que o tema é mais controvertido aqui no Brasil do que em outras tantas paragens. Para além dos 5

ordenamentos jurídicos fundados na Common Law, na qual a responsabilidade penal do ente coletivo é tradicional, mesmo em países da Europa continental, como França ou Itália, a discussão não é mais ‘se’ deve ser responsabilizado o ente coletivo em matéria criminal, e sim ‘como’ esta responsabilidade deve se dar” (BUSATO, Paulo César; GUARAGNI, Fábio André. A responsabilidade penal da pessoa jurídica. Fundamentos criminológicos, superação de obstáculos dogmáticos e requisitos legais do interesse e benefício do ente coletivo para a responsabilização criminal. Curitiba:

Juruá, 2012. 1ª reimpressão (ano 2013), p.5).

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Para tanto, elegemos dividir este breve ensaio em três partes. Na primeira parte será demonstrado que o surgimento da globalização foi de essencial importância para o desenvolvimento dessa nova modalidade delinquente. Assim, ficará claro que existe um novo agente capaz de provocar danos a bens jurídicos; o que justificaria a discussão para que ocorresse a intervenção penal em sua conduta.

Na segunda parte, apresentaremos duas das principais teorias da autorresponsabilidade empresarial. Com isso, ainda que o sistema de responsabilidade adotado no Brasil se encaixasse no sistema vicarial de responsabilidade, optamos por apresentar duas teorias direcionadas a imputar a responsabilidade penal diretamente à própria pessoa jurídica. Demonstrando, portanto, que existem outras soluções para o problema.

Por fim, na terceira parte deste artigo, apresentaremos a atual situação da responsabilidade penal das pessoas jurídicas no Brasil. Trazendo, inicialmente, a previsão legislativa sobra a responsabilidade penal das pessoas jurídicas e, posteriormente, a perspectiva da jurisprudência brasileira a respeito do tema.

2 GLOBALIZAÇÃO: NOVOS AGENTES, NOVOS PROBLEMAS.

Na era da globalização , as pessoas jurídicas surgem como os principais agentes produtores

6

de lesões a bens jurídicos em matéria de criminalidade socioeconômica . Pois, das atividades

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empresariais, além de benefícios, também podem resultar lesões a bens jurídicos, em especial aos coletivos.

Sobre o tema, Zúñiga Rodríguez aponta que a empresa se constitui como o principal agente produtor de lesões a bens jurídicos, pois há a união entre vários fatores, como: “sociedad de riesgo, nuevo modelo organizativo empresa-red y redes entre la criminalidad organizada y las empresas

De uma forma geral, BECK entende que “la globalización significa los procesos en virtud de los cuales los Estados 6

nacionales soberanos se entremezclan e imbrican mediante actores transnacionales y sus respectivas probabilidades de poder, orientaciones, identidades y entramados varios” (BECK, Ulrich. ¿Qué es la globalización? Falacias del globalismo, respuestas a la globalización. – Barcelona: Paidós. 1998. p. 29).

“En la doctrina se subraya el papel de las empresas en la vida económica actual, la dificultad para descubrir al autor 7

del delito dentro de la empresa, lo que ha permitido trasladar al ámbito de la criminalidad de las empresas la idea de que la organización de las mismas es una expresión de la irresponsabilidad organizada. También se argumenta con la dimensión de los daños que una sociedad puede llegar a producir. Ciertamente se trata de problemas que pueden tener una respuesta en el ámbito de las reparaciones previstas por el derecho privado y en el del derecho penal de las personas físicas. Pero, los penalistas que defienden la tesis que admite una responsabilidad de las personas jurídicas parten, en realidad, de la insuficiencia de la reparación civil y de la responsabilidad penal individual” (BACIGALUPO, Enrique.

Compliance y Derecho penal. - Pamplona: Aranzadi 2011. p.63).

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lícitas” . Com isso, como bem aponta Nieto Martín, a delinquência que envolve a pessoa jurídica

8

passa a ser considerada como “uno de los temas estrella de la política criminal de comienzos del siglo XXI” .

9

O surgimento da pessoa jurídica como um dos principais agentes produtores de lesões a bens jurídicos revela uma tendência, presente na atualidade, de que os delitos socioeconômicos substituirão as condutas violentas. O que resulta na necessidade de adequação das normas penais a esta nova realidade social em que as pessoas jurídicas desenvolvem um papel fundamental na produção de lesões a bens jurídicos . Mais ainda, essa maior importância dos delitos

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socioeconômicos seria uma das razões pela qual existe uma expansão do Direito Penal, tal como bem observa Silva Sánchez .

11

Nesse sentido, ainda que exista essa necessidade de limitar os poderes das pessoas jurídicas, existe uma grande dificuldade para encontrar mecanismos punitivos eficazes para conter sua

ZÚÑIGA RODRÍGUEZ, Laura. Bases para un Modelo de Imputación de Responsabilidad Penal a las Personas 8

Jurídicas. 2ª ed., - Pamplona: Aranzadi, 2003. p. 83.

NIETO MARTÍN, Adán. La responsabilidad penal de las personas jurídicas: Un modelo legislativo. Iustel: Madrid, 9

2008. p. 37. Nesse sentido, o mesmo NIETO MARTÍN aponta quatro razões que justificariam a imputação da responsabilidade penal à pessoa jurídica. 1) A primeira razão seria pelo fato de que a própria existência da empresa já representaria um risco social. Assim, essa estrutura empresarial complexa seria responsável por direcionar as punições até os níveis mais inferiores da sua estrutura, o que resultaria no surgimento de bodes expiatórios e, também, em problemas para identificar as pessoas físicas infratoras. Ademais, o ambiente empresarial influiria no ânimo dos empregados da empresa, de modo que as pessoas físicas passariam a atuar de maneira diferente ao que estão acostumadas. Também, os sócios exerceriam uma pressão nos executivos médios por resultados, resultando na possibilidade de que os executivos médios passassem a atuar em contradição com a Lei. Junto aos três pontos anteriores, haveriam problemas de circulação de fluxo no interior da empresa; pois, haveria a tentativa de ocultar provas do delito. 2) Com a responsabilidade, os sócios e dirigentes se sentiriam pressionados a adotar mecanismos para a prevenção de delitos. Em outras palavras, com o modelo de responsabilidade individual, o sócio dificilmente seria afetado pelas sanções penais impostas, razão pela qual haveria a necessidade de sancionar penalmente às empresas para que os sócios também fossem afetados. 3) Da imputação da responsabilidade penal às pessoas jurídicas também resultariam vários benefícios ao Direito Processual, pois haveria maior facilidade para a aplicação da Lei. Nesse sentido, é facilmente constatável que um Direito Penal que se utiliza da responsabilidade coletiva e individual é mais eficaz que a utilização apenas da responsabilidade individual. Em efeito, com a imputação da responsabilidade penal às pessoas jurídicas se busca que a empresa também crie mecanismos internos para evitar a produção de lesões a bens jurídicos. 4) NIETO MARTÍN também afirma que a globalização e o nascimento da sociedade de risco contribuem para a imputação da responsabilidade penal às pessoas jurídicas. (NIETO MARTÍN, Ibid., p. 37 y ss)

Nesse sentido, BUSATO afirma que “não se trata de abrir mão de princípios de contenção do poder punitivo herdados 10

da Filosofia da Ilustração e do direito penal das luzes. Não. Até porque estes princípios foram criados para um direito penal voltado a seres humanos. Nos dias de hoje, trata-se de adaptar os princípios herdados daquele momento histórico para um novo destinatário: o ente coletivo” (BUSATO; GUARAGNI. Op. Cit., 2013, p. 9).

“El paradigma del Derecho penal de la globalización es el delito económico organizado tanto en su modalidad 11

empresarial convencional, como en las modalidades de la llamada macrocriminalidad: terrorismo, narcotráfico o criminalidad organizada (tráfico de armas, mujeres o niños)” (SILVA SÁNCHEZ, Jesús María. La Expansión del Derecho Penal: Aspectos de la Política Criminal en las Sociedades Postindustriales. 3era ed., - Buenos Aires, BdeF, 2011. p. 106).

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atuação. Melhor dito, as sanções penais atualmente existentes foram desenvolvidas para as pessoas naturais, as quais eram consideradas como os únicos agentes capazes de realizar um delito .

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Essa visão, de que somente as pessoas naturais poderiam ser agentes do delito, resultou em uma grande discussão doutrinária voltada ao estudo desse novo agente produtor de lesões a bens jurídicos. O que resultou na criação de teorias que buscassem explicar o fenômeno e, portanto, justificar a imputação da responsabilidade penal às pessoas jurídicas.

Entre os doutrinadores que aprofundaram seus estudos sobre o tema, acreditamos que S.

Bacigalupo é bastante assertiva ao afirmar que o principal problema que impede a imputação da responsabilidade penal às pessoas jurídicas se encontra na ideia do sujeito destinatário das normas penais .

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Com isso, acatando a ideia de que o problema que impede a imputação da responsabilidade penal às pessoas jurídicas se encontra no sujeito, se passa a buscar qual o melhor caminho para que lhes seja imputada a responsabilidade penal, tendo como opções a imputação dentro do atual sistema penal vigente ou, então, desenvolver um novo sistema exclusivo para as pessoas jurídicas .

14

Apresentados estes dois caminhos, acreditamos que a inclusão das pessoas jurídicas como sujeitos ativos do delito no atual sistema jurídico penal não seria a melhor opção, pois poderia haver uma colisão entre os princípios constitucionais desenvolvidos diretamente para as pessoas físicas .

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Razão pela qual acreditamos que a melhor opção seria desenvolver um sistema de responsabilidade penal próprio para as pessoas jurídicas, o que evitaria, aparentemente, eventuais problemas de incompatibilidade com os princípios constitucionais formados para as pessoas físicas.

“Mas como tornar a própria empresa sujeito ativo do delito econômico – assumindo a responsabilidade penal da 12

pessoa jurídica – quando o Código Penal é voltado para a pessoa individual física?” (SÁNCHEZ RIOS, Rodrigo.

Indagações sobre a possibilidade da imputação penal à pessoa jurídica no âmbito dos delitos econômicos. En:

REGIS PRADO, Luiz; Dotti, René Ariel; (coord.) Responsabilidade penal da pessoa jurídica: Em defesa do principio da imputação penal subjetiva. 3ª ed. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 204).

BACIGALUPO, Silvina. La Responsabilidad Penal de las Personas Jurídicas. - Barcelona: Bosch, 1998. p. 31.

13

“El replantear las categorías dogmáticas también tiene sus límites, cual son los principios fundamentales del Derecho 14

penal delineados a lo largo de estos últimos siglos para sustentar la imposición de una pena. Esto es, el ‘flexibilizar’ las categorías puede tener un coste muy grande –que ya lo está teniendo- para las garantías de nuestro sistema de imputación. Las soluciones sancionatorias por fuera del sistema dogmático de responsabilidad individual, pueden enrumbar por dos caminos: idear un sistema paralelo de responsabilidad penal colectiva (al igual que ya existe para los menores y los inimputables), o sancionar con el sistema contravencional o sancionatorio administrativo”. (ZÚÑIGA RODRÍGUEZ, op. cit., 2003, p. 25).

“En primer lugar, conviene recordar que al hablar del principio de culpabilidad no se está tomando postura sobre la 15

categoría dogmática de la culpabilidad, sino que se está aludiendo a las garantías o subprincipios que se han sedimentado a lo largo de toda la discusión sobre la culpabilidad: principio de dolo o culpa, principio de responsabilidad personal, principio de atribuibilidad y principio de responsabilidad por el hecho” (ZÚÑIGA RODRÍGUEZ, Laura. Bases para un Modelo de Imputación de Responsabilidad Penal a las Personas Jurídicas. 3era ed., - Pamplona: Aranzadi, 2009. p. 33).

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Com o anteriormente exposto se nota que a globalização é uma das principais responsáveis pelo desenvolvimento da delinquência em que as pessoas jurídicas estão envolvidas, resultando na necessidade de que o Direito penal passe a regular suas atividades.

Junto a isso, a maneira como se desenvolveu o Direito penal contribui para a dificuldade em responsabilizar penalmente às pessoas jurídicas. Ou seja, seu desenvolvimento se deu em razão das pessoas naturais.

Assim, a solução para imputar a responsabilidade penal às pessoas jurídicas passaria, necessariamente, pela reanálise dos sujeitos destinatários da norma penal. Em razão disso, nos próximos parágrafos apresentaremos duas das principais teorias que tentam solucionar o problema da imputação da responsabilidade penal às pessoas jurídicas.

3 CULPABILIDADE DA EMPRESA: ALGUNAS TEORIAS PROPOSTAS PARA IMPUTAR A RESPONSABILIDADE PENAL DIRETAMENTE ÀS PESSOAS JURÍDICAS

Entre outras razões, se pode dizer que a tentativa de responsabilizar penalmente à própria pessoa jurídica se dá em razão da existência de um verdadeiro espirito criminal de grupo presente nas pessoas jurídicas criminosas .

16

Ademais, adverte Zúñiga Rodríguez que o Direito penal atual foi desenvolvido em uma época em que as condutas possuíam uma estrutura mais simples, razão pela qual a pessoa jurídica não seria capaz de realizar condutas ilícitas. Em outras palavras, a estrutura do delito foi construída em função da “observación de comportamientos más simples: ‘A mata B’” .

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Dito o anterior, nos próximos parágrafos apresentaremos as teorias de Heine e de Lampe, que tentam justificar a responsabilidade penal da própria pessoa jurídica por meio de suas teorias.

Assim, a principal intenção das próximas linhas é demostrar, de forma racional, que a pessoa jurídica pode ser considerada como um sujeito destinatário de normas penais. Dito de outra forma, a pessoa jurídica pode ser responsabilizada sem que a pessoa natural seja responsabilizada conjuntamente.

NIETO MARTÍN, Adán. La responsabilidad penal de las personas jurídicas: Un modelo legislativo. - Madrid:

16

Iustel, 2008. p. 127.

ZÚÑIGA RODRÍGUEZ, Laura. Responsabilidad penal de las empresas, experiencias adquiridas y desafíos futuros, 17

En: QUELOZ, Nicolas/ NIGGLI, Marcel/ RIEDO, Christof (Ed.). Droit pénal et diversités culturelles, Mélanges en l’honneur de José Hurtado Pozo. Gèneve – Zurich – Bâle: Schulthess, 2012. p. 542.

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1. A TEORIA DO DOMINIO DA ORGANIZAÇÃO FUNCIONAL SISTEMÁTICA

Essa teoria foi proposta por Heine que acreditava que deveria ser elaborado um sistema de

“responsabilidad originaria de la organización, independiente de la culpabilidad de las personas individuales” .

18

Assim, no desenvolvimento de sua teoria, Heine se fixou em três pontos essenciais:

(1)objetivos que se busca conseguir com a imputação da responsabilidade penal às pessoas jurídicas; (2)sua adequação com os princípios do Estado democrático de Direito; y, por fim, (3)sua adequação com os mecanismos do Direito Processual .

19

Segundo Heine, o objetivo da imputação da responsabilidade penal às pessoas jurídicas teria respaldo na falta de mecanismos preventivos quando existissem delitos econômicos . Portanto,

20

Heine tinha a intenção de solucionar os seguintes problemas: Irresponsabilidade individual organizada; irresponsabilidade individual estruturada; e as novas necessidades do Direito na sociedade moderna industrializada .

21

Em razão do anterior, Heine fundamenta sua teoria no fato de que a empresa poderia ser considerada como um garante de proteção e, também, como um garante de supervisão .

22

Entre os benefícios que a empresa poderia obter, com a implementação desses mecanismos para evitar lesões a bens jurídicos, estaria que a imagem da empresa melhoraria a longo prazo.

Também, a implementação desses mecanismos de organização auxiliaria na individualização das condutas pelos magistrados . Assim, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas se basearia em

23

um “defectuoso management de riesgos” e em um dano social grave .

24

A teoria de Heine substituí o domínio do fato, que existe na responsabilidade individual, pelo domínio da organização .

25

Também afirma que a ação empresarial se configuraria com “el resultado de la acumulación de procesos empresariales de unos mandos medios que han surgido con

HEINE, Günter. La responsabilidad penal de las empresas: evolucion internacional y consecuencias nacionales.

18

En: HURTADO POZO, José (coord.). Anuario Derecho Penal de 1996. pp. 19-45. Disponible en: <http://perso.unifr.ch/

derechopenal/assets/files/anuario/an_1996_04.pdf> Acceso en: 29 de julio de 2014. p. 39.

HEINE, Günter. Modelos de responsabilidad jurídico-(penal) originario de la empresa. En: GÓMEZ-JARA DÍEZ, 19

Carlos. Modelos de autorresponsabilidad penal empresarial, propuestas globales contemporáneas. - Bogotá:

Universidad Externado de Colombia, 2008. p. 19.

20 Id.

Ibid., 2008, p. 20.

21

Ibid., 2008, p. 28.

22

Ibid., 2008, pp. 37-38.

23

Ibid., 2008, p. 39-40.

24

Ibid., 2008, p. 40.

25

(8)

el tiempo” . Os elementos subjetivos do tipo seriam mais simples de serem demonstrados, pois, de

26

acordo com Heine, são uma representação social . Com relação à culpabilidade, ela existiria em

27

razão da condução da atividade empresarial .

28

Nas sanções, Heine afirma que se deveria utilizar as sanções já existentes no Direito administrativo, de modo a ter como alvo principal a prevenção de lesões e, assim, a consequente melhora dos mecanismos de organização interna .

29

Por fim, cabe assinalar que ainda que a proposta de Heine seja direcionada às empresas de tecnologia, há plena possibilidade de que seja aplicada a outras empresas. Desde que se mantivesse um número fechado de delitos aos quais a pessoa jurídica pudesse ser responsabilizada .

30

3.2 A TEORIA DO INJUSTO DO SISTEMA

Essa teoria foi desenvolvida por Lampe com base na teoria dos sistemas de Luhmann. De acordo com este autor, a sociedade funcionaria baseada na comunicação, de modo que cada parte integrante da sociedade seria considerada como um sistema autônomo .

31

Tendo esse pressuposto em mente, Lampe afirma que há um elemento subjetivo comum aos delitos em que várias pessoas atuam buscando alcançar um único fim. Ou, nas palabras de Lampe, se notaria “el hecho individual también como un hecho del sistema, es decir, como un ‘injusto del sistema’” .

32

Disso, o injusto do sistema é formado pelos chamados sistemas do injusto, os quais poderiam ser considerados como “las relaciones entre individuos organizados hacia fines injustos” .

33

Ibid., 2008, p. 42.

26 27 Id.

HEINE, op. cit., 1996, p. 42.

28

HEINE, op. cit., 1996, p. 44.

29

HEINE, op. cit., 2008, p. 50-51.

30

“En general, se puede hablar de sistema cuando se tiene ante los ojos características tales que, si se suprimieran, 31

podrían en cuestión el carácter de objeto de dicho sistema” (LUHMANN, Niklas. Sistemas Sociales. Lineamientos para una teoría general. (Trad.) PAPPE, Silvia/ ERKER, Brunhilde/ (coord.) TORRES NAFARRETE, Javier. 2ª ed. - Barcelona:

Anthropos, 1998. p. 27).

LAMPE, Ernst Joachim. Injusto del sistema y sistemas de injusto. En: GÓMEZ-JARA DÍEZ, op. cit., 2008, p. 58.

32

Ibid., 2008, p. 61.

33

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De acordo com Lampe, os sistemas do injusto se dividiriam em dois grupos: simples

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y constituídos. Os primeiros são os injustos em que os indivíduos se organizariam até um fim, devido a uma vontade individual que existe neles próprios (como ocorre na coautoria); já os injustos constituídos se dariam em razão da existência de um estatuto, Constituição ou algo equivalente (como ocorre nas empresas ou Estados) .

35

Os injustos constituídos seriam independentes de suas partes, de modo que possuem um maior nível de complexidade em comparação com os injustos simples .

36

Dentro do injusto constituído estariam as empresas económicas com tendência criminal, as quais teriam essa tendência criminal em razão de três fatores: sua organização interna; sua finalidade perseguida; ou, também, devido ao entorno social em que a atividade se desenvolve .

37

Assim, de acordo com Lampe, seriam quatro os requisitos essenciais para a existência de um injusto do sistema:

“1. El peligro potencial de la empresa que se utiliza mecánica o lógicamente para la producción de la prestación;

2. La estructura deficitaria de la organización, la cual neutraliza sólo parcialmente la peligrosidad de este potencial;

3. La filosofía empresarial criminógena, la cual ofrece a los miembros de la organización la tentación de llevar a cabo acciones criminales;

4. La erosión del concepto de la responsabilidad por la acción individual, lo cual conduce, a nivel regulativo, a la evitación de la responsabilidad por hechos concretos, y, a nivel de la acción, conduce a una evitación de la responsabilidad derivada de las consecuencias de la obediencia a las reglas” .

38

Com relação a pena, para a empresa, ela seria justificada pela necessidade de proteção resultante da constante ameaça à paz jurídica que o injusto do sistema proporciona; enquanto que para as pessoas individuais se justificaria pela “lesión o puesta en peligro del bien jurídico” .

39

De acordo com LAMPE, haveria a presença de um elemento objetivo e um subjetivo em esse sistema de injusto. O 34

ponto objetivo diz respeito a relação que existe entre o mundo interno, dos coautores, e externo, ou seja, sua compreensão só se dá quando se analisa o conjunto de atitudes internas e externas; em que a coautoria seria um injusto funcionalmente organizado. Já o ponto subjetivo seria constituído pela vontade coletiva que envolve a ação de seus integrantes (Ibid., 2008, pp. 62-66).

Ibid., 2008, pp. 61-68.

35

Ibid., 2008, p. 67-68.

36

Cabe ressaltar que os objetivos econômicos da empresa podem se dar de forma autoritária ou em razão de uma 37

negociação. De modo que sempre se buscará que os fins da empresa ocorram de forma aberta, o que permitiria a integração de atitudes criminais; assim: “Dichas actitudes se desarrollan mejor cuando más se le aísle a la empresa de las influencias normativas externas a través de una moral interna” (Ibid., 2008, pp. 71-72).

Id.

38

Ibid., 2008, p. 100.

39

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Portanto, se nota que a intenção de Lampe era desenvolver uma teoria unificadora. De modo a possibilitar que tanto as pessoas naturais como as pessoas jurídicas pudessem ser imputadas pelo mesmo sistema de responsabilidade penal .

40

4. A RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS JURÍDICAS NO BRASIL

4.1 A PREVISÃO LEGISLATIVA

A Constituição brasileira de 1988 contemplou a responsabilidade penal das pessoas jurídicas em dois artigos: art. 173 § 5.º e art. 225 § 3.º. De modo que o conteúdo dos artigos é o seguinte:

Art. 173 § 5.º. A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

Art. 225 § 3.º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Com a leitura, destes artigos da Constituição, fica claro que a intenção do legislador brasileiro foi a de contemplar uma responsabilidade independente entre as pessoas físicas e jurídicas. Assim, ainda que existam interpretações diversas na doutrina , não se pode negar que

41

uma análise mais minuciosa revela que a intenção do legislador brasileiro foi criar um novo sujeito ativo do delito .

42

A inclusão desse novo sujeito destinatário de normas penais teve a intenção de “reduzir a crescente criminalidade praticada por meio de pessoas coletivas, o reconhecimento da nocividade

Ibid., 2008, p. 118.

40

“Nenhum legislador aboliria o princípio da responsabilidade penal pessoal de modo tão camuflado ou hermético, 41

como se a Carta Constitucional fosse uma carta enigmática decifrável por iluminados. Ao contrário, se o constituinte tivesse pretendido instituir exceções à regra da responsabilidade penal pessoal teria utilizado linguagem clara e inequívoca, como, por exemplo: “A lei, sem prejuízo da responsabilidade penal individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade penal desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos crimes contra a ordem econômica e financeira, contra a economia popular e contra o meio ambiente.” Mas essa não é a linguagem da norma constitucional – e se a Constituição não fala em responsabilidade penal, então nem o intérprete pode ler responsabilidade penal, nem o legislador ordinário pode estabelecer responsabilidades penais da pessoa jurídica.” (CIRINO DOS SANTOS, Juarez. A responsabilidade penal da pessoa jurídica. Conferência proferida na inauguração do Instituto de Criminologia e Política Criminal – ICPC, em 6 de março de 2001, Curitiba, PR. Disponible en: <http://icpc.org.br/wp-content/uploads/2013/01/responsabilidade_penal_juridica.pdf> Acceso en 07 de agosto de 2014. p. 01).

ROTHENBURG, op. cit., 2007, p. 27.

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exponencial de ofensa a certos bens jurídicos e a ineficácia dos superados sistemas de prevenção e punição” .

43

Essa contemplação constitucional resultou na elaboração da Lei n.º 9.605/98, que imputa a responsabilidade penal às pessoas jurídicas por delitos ambientais. Dita responsabilidade está prevista no seu art. 3.º, o qual possui a seguinte redação:

Art. 3.º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato”.

De acordo com a redação desse artigo, em uma das interpretações possíveis, a imputação da responsabilidade penal às pessoas jurídicas estaria vinculada a imputação da responsabilidade penal a uma pessoa natural. Melhor dito, ainda que o parágrafo único afirme que há independência entre as responsabilidades das pessoas naturais e jurídicas, fica claro que a responsabilidade da pessoa jurídica está vinculada a constatação de que houve uma decisão de uma pessoa natural vinculada a empresa.

Assim, o sistema vicarial de responsabilidade, utilizado no art. 3.º da Lei n.º 9.605/98, não poderia ser considerado como o de uma autêntica responsabilidade autônoma da pessoa jurídica.

Pois, a imputação da responsabilidade penal às pessoas jurídicas, necessitaria da comprovação de que houve uma ação de uma pessoa natural. Ademais, a forma como o sistema vicarial foi desenvolvido é motivo de crítica na doutrina, vez que não revela uma solução para os casos em que não há identificação da pessoa natural que produziu a infração .

44

Em razão do anterior, ficaria prejudicada a imputação da responsabilidade penal às pessoas jurídicas quando não fosse possível identificar que o dano derivaria de uma decisão de uma pessoa natural. Ou seja, a descrição de “ação” presente na teoria do delito adotada pelo Código Penal Brasileiro foi desenvolvida em razão das pessoas naturais, o que impossibilitaria sua aplicação às pessoas jurídicas.

Disso, fica claro que o Direito Penal Brasileiro não está preparado para imputar a responsabilidade penal autônoma às pessoas jurídicas, pois segue preso à teoria finalista do delito.

DE JESUS, Damásio. Meio ambiente e capacidade penal ativa da pessoa jurídica. En: Revista IOB de Direito 43

penal e processual penal. – Porto Alegre: Magister, V. 1, n. 1, out./nov., 2010. p. 35.

ZÚÑIGA RODRÍGUEZ, op. cit., 2012, p. 554.

44

(12)

Em outras palavras, ainda que existam doutrinadores que afirmem o contrário , não seria possível

45

imputar a responsabilidade penal às pessoas jurídicas se utilizando da teoria finalista do delito, a qual foi desenvolvida para imputar a responsabilidade penal às pessoas naturais.

4.2 PERSPECTIVA DA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

Até o ano de 2013 os Tribunais brasileiros seguiam a ideia de que a imputação da responsabilidade penal às pessoas jurídicas estava vinculada à imputação da responsabilidade penal das pessoas naturais. Essas decisões são facilmente encontradas nas sentenças do STJ (Supremo Tribunal de Justiça) e do STF (Supremo Tribunal Federal).

Em ambos Tribunais a argumentação seguia a ideia de que a imputação da responsabilidade penal às pessoas jurídicas estava vinculada a das pessoas naturais. Disso, foram vários os casos em que não se seguiu com a ação penal devido à ausência da pessoa natural como parte passiva no processo .

46

Sem embargo, no julgamento realizado no STF em 06 de agosto de 2013, a Ministra relatora da primeira turma Rosa Weber proferiu decisão, no Recurso Extraordinário 548181/PR, no sentido

HIRSCH sustenta que haveria possibilidade de que a pessoa jurídica realizasse uma ação, fosse culpável e, também, 45

que as sanções cumprissem os fins da pena (Cf. HIRSCH, Hans Joachim. Derecho penal. Obras completas. Tomo III. – Santa fé: Rubinzal-Culzoni. 2007. p. 116 et seq).

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. INÉPCIA DA 46

DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO MÍNIMA DA RELAÇÃO DA RECORRENTE COM O FATO DELITUOSO. INADMISSIBILIDADE. PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO SIMULTÂNEA DA PESSOA FÍSICA. NECESSIDADE. 1. Nos crimes que envolvem empresas cuja autoria nem sempre se mostra nítida e bem definida, exige-se que o órgão acusatório estabeleça, ainda que minimamente, ligação entre o denunciado e a empreitada criminosa a ele imputada. O simples fato de ser sócio, gerente ou administrador não autoriza a instauração de processo criminal por crimes praticados no âmbito da sociedade, se não for comprovado, ainda que com elementos a serem aprofundados no decorrer da ação penal, a relação de causa e efeito entre as imputações e a sua função na empresa, sob pena de se reconhecer a responsabilidade penal objetiva. 2. No caso, não cuidou o Ministério Público de apontar circunstância alguma que servisse de vínculo entre a conduta da recorrente, na condição de proprietária da empresa, e a ação poluidora. Compulsando os autos, verifica-se, também, que há procuração pública (fl. 88), lavrada em 27.1.00, pela qual se conferiam amplos poderes de gestão da empresa a outra pessoa. 3. Excluindo-se da denúncia a pessoa física, torna-se inviável o prosseguimento da ação penal, tão somente, contra a pessoa jurídica. Não é possível que haja a responsabilização penal da pessoa jurídica dissociada da pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio. 4. Recurso ao qual se dá provimento para reconhecer a inépcia da denúncia”. (RHC 24239 / ES, Rel. Ministro OG FERNANDES. DJe 01/07/2010).

(13)

de que é possível a responsabilidade penal da pessoa jurídica, ainda que as pessoas naturais ocupantes de cargos da Presidência o de direção da empresa tenham sido absolvidas .

47

Na decisão, a Ministra Rosa Weber argumentou que o art. 225 § 3.º da Constituição brasileira não traz a exigência de que a responsabilidade das pessoas naturais e jurídicas estejam vinculadas. Assim, com sua decisão, surge um novo entendimento nos tribunais brasileiros, no sentido de passar a admitir a responsabilidade penal independente das pessoas jurídicas.

Sem embargo, essa decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal ocasionou consequências diretas na forma como o delito é entendido. Dito de outra forma, a teoria finalista do delito foi construída em razão dos comportamentos realizados pelas pessoas naturais, o que resulta que ela não está preparada para solucionar os casos em que as pessoas jurídicas estão envolvidas.

Assim, nasce a necessidade de desenvolver uma nova teoria do delito direcionada exclusivamente às pessoas jurídicas. O que resultaria em uma maior segurança na aplicação da Lei penal e, também, evitaria uma relativização dos princípios constitucionais que protegem às pessoas naturais.

Deixaremos aqui a decisão publicada no informativo do STF: “Crime ambiental: absolvição de pessoa física e 47

responsabilidade penal de pessoa jurídica – 1 É admissível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, ainda que absolvidas as pessoas físicas ocupantes de cargo de presidência ou de direção do órgão responsável pela prática criminosa. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma, por maioria, conheceu, em parte, de recurso extraordinário e, nessa parte, deu-lhe provimento para cassar o acórdão recorrido. Neste, a imputação aos dirigentes responsáveis pelas condutas incriminadas (Lei 9.605/98, art. 54) teria sido excluída e, por isso, trancada a ação penal relativamente à pessoa jurídica. Em preliminar, a Turma, por maioria, decidiu não apreciar a prescrição da ação penal, porquanto ausentes elementos para sua aferição. Pontuou-se que o presente recurso originara-se de mandado de segurança impetrado para trancar ação penal em face de responsabilização, por crime ambiental, de pessoa jurídica.

Enfatizou-se que a problemática da prescrição não estaria em debate, e apenas fora aventada em razão da demora no julgamento. Assinalou-se que caberia ao magistrado, nos autos da ação penal, pronunciar-se sobre essa questão.

Vencidos os Ministros MARCO AURÉLIO e LUIZ FUX, que reconheciam a prescrição. O Min. MARCO AURÉLIO

considerava a data do recebimento da denúncia como fator interruptivo da prescrição. Destacava que não poderia interpretar a norma de modo a prejudicar aquele a quem visaria beneficiar. Consignava que a lei não exigiria a publicação da denúncia, apenas o seu recebimento e, quer considerada a data de seu recebimento ou de sua devolução ao cartório, a prescrição já teria incidido.

RE 548181/PR, rel. Min. ROSA WEBER, 6.8.2013. (RE-548181) Crime ambiental: absolvição de pessoa física e responsabilidade penal de pessoa jurídica – 2

No mérito, anotou-se que a tese do STJ, no sentido de que a persecução penal dos entes morais somente se poderia ocorrer se houvesse, concomitantemente, a descrição e imputação de uma ação humana individual, sem o que não seria admissível a responsabilização da pessoa jurídica, afrontaria o art. 225, § 3º, da CF. Sublinhou-se que, ao se condicionar a imputabilidade da pessoa jurídica à da pessoa humana, estar-se-ia quase que a subordinar a responsabilização jurídico- criminal do ente moral à efetiva condenação da pessoa física. Ressaltou-se que, ainda que se concluísse que o legislador ordinário não estabelecera por completo os critérios de imputação da pessoa jurídica por crimes ambientais, não haveria como pretender transpor o paradigma de imputação das pessoas físicas aos entes coletivos. Vencidos os Ministros MARCO AURÉLIO e LUIZ FUX, que negavam provimento ao extraordinário. Afirmavam que o art. 225, § 3º, da CF não teria criado a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Para o Min. LUIZ FUX, a mencionada regra constitucional, ao afirmar que os ilícitos ambientais sujeitariam “os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas”, teria apenas imposto sanções administrativas às pessoas jurídicas. Discorria, ainda, que o art. 5º, XLV, da CF teria trazido o princípio da pessoalidade da pena, o que vedaria qualquer exegese a implicar a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Por fim, reputava que a pena visaria à ressocialização, o que tornaria impossível o seu alcance em relação às pessoas jurídicas.

RE 548181/PR, rel. Min. Rosa Weber, 6.8.2013. (RE-548181)”. Disponible en: < http://www.stf.jus.br/arquivo/

informativo/documento/informativo714.htm> Acceso en 21 de agosto de 2014.

(14)

5 CONCLUSÃO

É inegável que a globalização trouxe muitos benefícios à sociedade. A facilidade para a troca de mercadorias e serviços é uma das principais consequências positivas que percebemos com seu advento.

Sem embargo, de seu desenvolvimento também resulta o aparecimento de novas formas de cometer delitos. Sendo que as pessoas jurídicas passam a estar no centro do debate, pois seu potencial lesivo é bastante superior em comparação ao encontrado na delinquência tradicional.

A constatação da existência desse novo agente, gerador de lesões a bens jurídicos, ocasiona a necessária reanálise dos mecanismos punitivos estatais. Assim, passa a haver uma discussão para encontrar a melhor maneira de punir este novo agente do delito.

Nesse sentido, para imputar a responsabilidade penal a esse novo agente, poderíamos eleger entre a utilização do atual modelo jurídico penal ou, então, elaborar um novo modelo direcionado exclusivamente às pessoas jurídicas.

A doutrina argumenta que a utilização do atual sistema penal poderia ocasionar uma perda, ou relativização, das garantias constitucionais. Melhor dito, o atual sistema foi desenvolvido para as pessoas naturais, razão pela qual, sua utilização para a punição das pessoas jurídicas não seria o mais adequado.

Devido ao anterior, a doutrina desenvolveu algumas teorias que poderiam auxiliar na solução do problema. Entre elas estão as teorias de Heine e Lampe.

No Brasil, a discussão a respeito da responsabilidade penal das pessoas jurídicas ainda permanece embrionária. Em outras palavras, a discussão gira ao redor da possibilidade ou não de responsabilizar penalmente às pessoas jurídicas. Sendo que grande parte da doutrina entende que a Constituição contemplou essa possibilidade.

Nesse sentido, acreditamos que no atual panorama jurídico penal brasileiro não é possível responsabilizar penalmente às pessoas jurídicas. A teoria do delito utilizada pelo Código Penal Brasileiro foi desenvolvida para explicar as condutas praticadas pelas pessoas naturais, razão pela qual não é possível sua utilização com as pessoas jurídicas, pois são agentes com estrutura distinta a que as pessoas naturais possuem.

Em definitivo, a responsabilidade penal autônoma das pessoas jurídicas, no Brasil, depende

do desenvolvimento de uma nova teoria do delito que explique, de maneira coerente, a possibilidade

de que a pessoa jurídica possa realizar condutas ilícitas e por elas ser punida.

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