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A brincadeira e o jogo infantis como representação do mundo adulto e aprendizagem dos modelos sociais

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Ob. DRAWIN, C.R. Ética e psicologia: por uma demarcação filosófica.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

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66 Educação em Debate, Fort. 17_18jan.ldez. 1989

A BRINCADEIRA E O JOGO INFANTIS

COMO

REPRESENTAÇÃO DO MUNDO ADULTO E

APREN-DIZAGEM DOS MODELOS SOCIAIS

Gláucia Nascimento da Luz Pires

RESUMO

Neste artigo a autora focaliza a brincadeira e o jogo infantis como formas de representação do mundo adulto e manifestações de sua cultura. Através da ob-servação e da socialização, a criança realiza a aprendi-zagem dos códigos sociais, integra-os no seu EU e os reproduz em sua atividade lúdica.

Transmissores de uma certa imagem da sociedade e dos papéis ocupacionais, a brincadeira e o jogo infan-tis são uma representação do social: através deles se difundem as normas e os valores do mundo adulto e as ideologias das classes dominantes.

A atividade lúdica adquire todo seu significado quando se compreende a relação existente entre ela e o processo de desenvol-vimento global da criança. Como expressão de suas necessidades, a brincadeira desempenha um papel potencialmente vital nesse pro-cesso de desenvolvimento. Não é mera imitação, não é puramente repetição: a brincadeira e o jogo da criança reúnem elementos da sua experiência, para construir uma ação com novos significados.

Este processo de repetir, imitar, representar, inventar, recriar e reinterpretar é mais do que um ato de brincar: através dele a criança nos revela uma parte de si mesma, o que ela é, como

(2)

sa, como sente, como vê a si e aos outros. Por isso todas as crian-ças brincam ou, ao menos, desejam brincar. Exigem brinquedos como coisas indispensáveis. E quando não os conseguem, recla-mam; quando alguém lhes estraga algum deles, choram desespera-damente como fie sua perda fosse irreparável.

A brincadeira e o jogo desempenham funções psicossociais, afe-tivas e intelectuais básicas no processo de desenvolvimento infan-til. A brincadeira nasce de uma necessídade de movimento e o mo-vimento, para a criança, é uma exigência da natureza, conseqüência do seu crescimento. O exercício físico, expresso pelo jogo, permite satisfazer esta necessidade vital. Na definição de Claparêde, a cri-ança é um ser que brinca: "l'enfance sert à jouer",CBA(1) Impedir a criança de brincar seria provocar uma regressão em seu desenvolvi-mento físico, psicológico e social.

O objetivo deste trabalho é aprofundar a idéia de que a brin-cadeira e jogo infantis nascem da vida, das ocupações do adulto c das manifestações de sua cultura. Passatempos e distrações que causam prazer, eles se constituem, também, nos exercícios prepa-ratórios para a criança participar do 'jogo da vida' de que eles são, afinal, uma expressão e representação.

Quando se analisa o processo das origens da brincadeira in-fantil, constata-se que ela resulta da imitação, a qual, através dos estágios do desenvolvimento da criança, se torna diferenciada e cada vez mais seletiva. Esta imitação, por sua vez, conduz aos proces-sos de representação, caracterizada pelas simbolizações, presentes tanto na atividade lúdica individual quanto na social. Estas repre-sentações e simbolizações persistirão até o momento em que, ultra-passando a barreira do sonho e da fantasia, a criança, já crescida, entra na vida adulta.

Um pouco mais adiante se voltará à idéia das conseqüências da gênese da brincadeira e do jogo, que pretendemos tornar mais explícita sobretudo ao se analisar o problema da representação dos papéis ocupacionais e do desenvolvimento de atitudes sociais.

Na evolução da brincadeira, partindo das de exercício, também chamadas "funcionais", em que a criança sente alegria, emoção e surpresa diante dos movimentos de seu corpo, que ela repete inces-santemente em gestos que lhe causam prazer, a criança se orienta para as "brincadeiras de imitação" e as "brincadeiras simbólicas", que se caracrerizam por uma maior assimilação e acomodação ao meio que a cerca. A mímica e a ficção simbólicas são os elementos

1. CLAPARt::DE, E.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAP s y c h o l o g i e d e l ' e n j a n t e t p é d a g o g i e e x p é r i m e n t a l e .

Neuchâtel, Delachaux et Niestlé, 1947. p 73.

68 Educação em Debate, Fort. 17_18jan./dez. 1989

utilizados pela criança para imitar e representar todas as situações exteriores.

Em seguida, surgem as brincadeiras que se caracterizam pelo uso da regra.

B

a fase, por excelência, da socialização infantil. Com deito, essas formas de brincadeiras são correlativas à tomada de consciência do outro, como existência autônoma e complementar. Assim, a brincadeira, que permite fazer a descoberta do outro e com ele se identificar, favorece a integração da criança consigo mesma. Quando ela aprende a compreender e a apreciar o ambiente que a cerca, desenvolve a aptidão para compreender o próximo e

U ~ suas necessidades. Brincar contra o outro é brincar com o outro.

O adversário, na brincadeira, é sobretudo um companheiro. Será na integração com outras crianças, no grupo. como diz Piaget, (2) que a criança ultrapassa o estágio da moralidade objetiva e começa a compreender o significado social das regras do jogo.

Afirmou-se, acima, que a atividade lúdica é o reflexo do mun-do mun-dos adultos, de seus comportamentos, tradições e cultura. B tem-po de voltar a essa idéia básica. Na análise da evolução da brinca-deira infantil constata-se que essa evolução surge como um processo que se inicia com as brincadeiras funcionais e se enriquece com a atividade simbólica. Quando a criança brinca de representar papéis e funções já está fazendo, embora de forma inconsciente, o treina-mento para o trabalho. A imitação, que paulatinamente foi adqui-rindo um caráter seletivo, leva a criança a imitar os adultos consi-derados por ela como modelos.

O processo de identificação da criança é movido pelo crescente desejo de ser grande. Mas será na escola que o treinamento para o trabalho adquire um caráter sistemático, tornando a criança consci-ente da importância das tarefas em sua vida. A pedagogia de Mon-tessori, ao utilizar o brinquedo como instrumento de aprendizagem, soube identificar bem o lugar que ele ocupava primeiro na passa-gem para o trabalho escolar e, em seguida, para os outros tipos de trabalho.

A brincadeira da criança, à primeira vista, parece alienada da realidade e dos próprios objetivos escolares. Entretanto, quando se observa mais de perto o comportamento da criança quando brinca, percebe-se que o brinquedo é uma forma dela desenvolver a capa-cidade de fazer perguntas, de encontrar respostas, de descobrir no-vas soluções, repensar situações, de encontrar e reestruturar novas relações. B que um dos componentes básicos da brincadeira infantil

2. PIAGET. T. L a [ o r m a t l o n d u s y m b o l e c h e z l ' e n j a n t . Paris, Delachaux

Niestlé, 1978, p. 149.

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sa, como sente, como vê a si e aos outros. Por isso todas as crian-ças brincam ou, ao menos, desejam brincar. Exigem brinquedos como coisas indispensáveis. E quando não os conseguem, recla-mam; quando alguém lhes estraga algum deles, choram desespera-damente como se sua perda fosse irreparável.

A brincadeira e o jogo desempenham funções psicossociais, afe-tivas e intelectuais básicas no processo de desenvolvimento infan-til. A brincadeira nasce de uma necessidade de movimento e o mo-vimento, para a criança, é uma exigência da natureza, conseqüência do seu crescimento. O exercício físico, expresso pelo jogo, permite satisfazer esta necessidade vital. Na definição de Claparêde, a cri-ança é um ser que brinca: "l'enfance sert à jouer".CBA(1) Impedir a criança de brincar seria provocar uma regressão em seu desenvolvi-mento físico, psicológico e soéial.

O objetivo deste trabalho é aprofundar a idéia de que a brin-cadeira e jogo infantis nascem da vida, das ocupações do adulto c das manifestações de sua cultura. Passatempos e distrações que causam prazer, eles se constituem, também, nos exercícios prepa-ratórios para a criança participar do 'jogo da vida' de que eles são, afinal, uma expressão e representação.

Quando se analisa o processo das origens da brincadeira in-fantil, constata-se que ela resulta da imitação, a qual, através dos estágios do desenvolvimento da criança, se torna diferenciada e cada vez mais seletiva. Esta imitação, por sua vez, conduz aos proces-sos de representação, caracterizada pelas simbolizações, presentes tanto na atividade lúdica individual quanto na social. Estas repre-sentações e simbolizações persistirão até o momento em que, ultra-passando a barreira do sonho e da fantasia, a criança, já crescida, entra na vida adulta.

Um pouco mais adiante se voltará à idéia das conseqüências da gênese da brincadeira e do jogo, que pretendemos tornar mais explícita sobretudo ao se analisar o problema da representação dos papéis ocupacionais e do desenvolvimento de atitudes sociais.

Na evolução da brincadeira, partindo das de exercício, também chamadas "funcionais", em que a criança sente alegria, emoção e surpresa diante dos movimentos de seu corpo, que ela repete inces-santemente em gestos que lhe causam prazer, a criança se orienta para as "brincadeiras de imitação" e as "brincadeiras simbólicas", que se caracterizam por uma maior assimilação e acomodação ao meio que a cerca. A mímica e a ficção simbólicas são os elementos

1. CLAPARtlDE, E.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAP s y c h o l o g i e d e l ' e n fa n t e t p é d a g o g i e e x p é r i m e n t a l e .

Neuchâtel, Delachaux et Niestlé, 1947. p 73.

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utilizados pela criança para imitar e representar todas as situações ex tcriores,

Em seguida, surgem as brincadeiras que se caracterizam pelo uso da regra. É a fase, por excelência, da socialização infantil. Com deito, essas formas de brincadeiras são correlativas à tomada de consciência do outro, como existência autônoma e complementar. Assim, a brincadeira, que permite fazer a descoberta do outro e com ele se identificar, favorece a integração da criança consigo mesma. Quando ela aprende a compreender e a apreciar o ambiente que a cerca, desenvolve a aptidão para compreender o próximo e

U ~ suas necessidades. Brincar contra o outro é brincar com o outro.

O adversário, na brincadeira, é sobretudo um companheiro. Será na integração com outras crianças, no grupo. como diz Piaget, (2) que a criança ultrapassa o estágio da moralidade objetiva e começa a compreender o significado social das regras do jogo.

Afirmou-se, acima, que a atividade lúdica é o reflexo do mun-do mun-dos adultos, de seus comportamentos, tradições e cultura. É tem-po de voltar a essa idéia básica. Na análise da evolução da brinca-deira infantil constata-se que essa evolução surge como um processo que se inicia com as brincadeiras funcionais e se enriquece com a atividade simbólica. Quando a criança brinca de representar papéis e funções já está fazendo, embora de forma inconsciente, o treina-mento para o trabalho. A imitação, que paulatinamente foi adqui-rindo um caráter seletivo, leva a criança a imitar os adultos consi-derados por ela como modelos.

O processo de identificação da criança é movido pelo crescente desejo de ser grande. Mas será na escola que o treinamento para o trabalho adquire um caráter sistemático, tornando a criança consci-ente da importância das tarefas em sua vida. A pedagogia de Mon-tessori, ao utilizar o brinquedo como instrumento de aprendizagem, soube identificar bem o lugar que ele ocupava primeiro na passa-gem para o trabalho escolar e, em seguida, para os outros tipos de trabalho.

A brincadeira da criança, à primeira vista, parece alienada da realidade e dos próprios objetivos escolares. Entretanto, quando se observa mais de perto o comportamento da criança quando brinca, percebe-se que o brinquedo é uma forma dela desenvolver a capa-cidade de fazer perguntas, de encontrar respostas, de descobrir no-vas soluções, repensar situações, de encontrar e reestruturar novas relações. É que um dos componentes básicos da brincadeira infantil

2. PIAGET. T. L a [ o r m a t l o n d u s y m b o l e c h e z l ' e n j a n t . Paris, Delachaux

Niestlé, 1978, p. 149.

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é a relação entre a criança e o ambiente. A atividade lúdica cons-ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA t i t u i um processo constante de asssimilação e projeção. Por meio da

úbservaçao, a criança recolhe grande quantidaae de informação que ela integra no seu EU e que traduz ou reproduz nas suas formas de brincar.

Não é, pois, de estranhar que os meninos e meninas, no pe-queno jardim da escola maternal, após terem observado os pati-nhos em fila se dirigindo para nadar no tanque, comecem também a brincar de "patinho": põem-se em fila uns atrás dos outros, ba-lançam a cabeça e os bracinhos à imitação do andar desses animais, repetem, com suas vozes, o "quá-quá-quá", e deitam-se na areia como se fossem nadar e mergulhar. Em observá-Ias, vê-se bem que as crianças assimilaram o comportamento desses animais, realiza-ram uma interação de gestos e símbolos, fruto de uma ampla rela-ção entre a criança e o ambiente. Esta relarela-ção torna-se uma fonte de atividades lúdicas, com derivações para uma infinidade de ações criativas.

Além de uma forma de expressão, a brincadeira é, para a cri-ança, uma espécie de refúgio. Crianças que às vezes têm dificulda-des nas tarefas escolares, como ler, escrever, fazer contas, buscam na atividade lúdica uma forma de compensação. O menino que às vezes, na escola, se apresenta silencioso, tímido, retraído, é capaz de brincar sozinho, no jardim ou num canto da casa, por horas a fio, a representar papéis cheios de dinamismo e ação, coragem e heroísmo.

A identificação da criança com suas experiências, através da brincadeira é, às vezes, estimulada na escola, onde se lhe oferece oportunidade de fazer do jogo uma atividade expressiva de con-ceitos e de sentimentos, na relação entre Sua experiência e seu meio ambiente. Na pré-escola, as atividades que implicam em mani-pulação e movimento respondem, também, a esta finalidade.

A brincadeira da criança caracteriza-se, essencialmente, pela ação, movimento, e pela representação do que ela percebe através dos sentidos. Tocar, ver, ouvir, saborear, sentir, implicam numa participação ativa do indivíduo. A brincadeira explora intensamente o desenvolvime!!to de experiências sensoriais, daí a satisfação que traz à gurizada. Quando a criança, ao brincar, tem que perceber um certo ruído para realizar determinada ação, não somente de-senvolve a capacidade de ouvir, mas de escutar com atenção. Quan-do, brincando em grupo, tem que identificar gestos e sinais, não somente ela tem que ver, mas precisa captar as diferenças e deta-lhes.

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A identificnção da criança com aquilo que brinca é o princípio utilizado pelos pedagogos para conduzi-Ia a uma aprendizagem efi-caz e consciente. Dada a importância da brincadeira como forma de captar a atenção da criança, a pedagogia lançou mão dos "jogos edu-cativos", elaborados para distrair e instruir ao mesmo tempo. Tais jogos materializaram a idéia, como afirma Ferran, de que é possível "aprender brincando e brincar aprendendo." (3) Visto deste ângulo,

O brinquedo possui uma fecundidade pedagógica essencial,

permi-tindo a encarnação de uma pedagogia pelo jogo, ou de uma peda-gogia do jogo. Conservando as características essenciais da brin-cadeira infantil, eles ocasionaram uma mudança decisiva nas rela-ções entre a brincadeira, o jogo e o trabalho.

A atividade escolar, transformada numa nova "arte de brincar", permite à criança a passagem para o trabalho propriamente dito, sem choques nem conflitos. Com efeito, na mente da criança a es-cola já vai associada à idéia de estudar e de fazer tarefas. O grande valor do "jogo educativo", ao lado da facilitação da aprendizagem, éCBA

°

de transmitir à criança o gosto pelo trabalho escolar que, por sua vez, poderá ser transferido para o exercício de uma atividade ocupacional, quando a escola proporcionou à criança a aprendiza-gem do gosto pelo trabalho.

É oportuno que se examine, agora, em que sentido a brincadeira infantil é a representação e expressão do mundo dos adultos. Na brincadeira socializante, a criança faz a aprendizagem da luta e do socorro, do altruismo e da abnegação, das identificações e das dife-renças. As formas e a estrutura de sociedade nela estão presentes. A socialização da criança, para a qual a brincadeira contribui de forma decisiva, reproduz com bastante fidelidade a sociedade onde a atividade lúdica se inscreve.

Ao mesmo tempo que permitem o exercício de uma atividade individual ou social, a brincadeira e o jogo transmitem uma certa imagem da sociedade e uma certa idéia dos papéis ocupacionais desempenhados pelos indivíduos. Esta imagem, portanto, é uma re-presentação do social.

Na sociedade tradicional de épocas passadas, a criança desde cedo se misturava às atividades do adulto, com quem partilhava trabalhos e lazer. A aprendizagem das coisas, na maioria dos ca-sos, era feita ajudando os adultos a fazê-Ias. O médico Heroard, da corte dos reis de França, deixou-nos uma descrição minuciosa das atividades lúdicas de Luís XIII, que retratam bem a sociedade de seu tempo. Desde cedo que o futuro rei da França brinca de

3. FERRAN, P. et alii, A l ' é c o l e d u i e u . Paris, Bordas, 1978,p. 53.

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é a relação entre a criança e o ambiente. A atividade lúdica cons-titui um processo constante de asssimilação e projeção. Por meio da úbservaçao. a criança recolhe grande quantidaae de informação que

ela integra no seu EU e que traduz ou reproduz nas suas formas de brincar.

Não é, pois, de estranhar que os meninos e meninas, no pe-queno jardim da escola maternal, após terem observado os pati-nhos em fila se dirigindo para nadar no tanque, comecem também a brincar de "patinho": põem-se 'em fila uns atrás dos outros, ba-lançam a cabeça e os bracinhos à imitação do andar desses animais, repetem, com suas vozes, o "quá-quá-quá", e deitam-se na areia como se fossem nadar e mergulhar. Em observá-Ias, vê-se bem que as crianças assimilaram o comportamento desses animais, realiza-ram uma interação de gestos e símbolos, fruto de uma ampla rela-ção entre a criança e o ambiente. Esta relarela-ção torna-se uma fonte de atividades lúdicas, com derivações para uma infinidade de ações criativas.

Além de uma forma de expressão, a brincadeira é, para a cri-ança, uma espécie de refúgio. Crianças que às vezes têm dificulda-des nas tarefas escolares, como ler, escrever, fazer contas, buscam na atividade Iúdica uma forma de compensação. O menino que às vezes, na escola. se apresenta silencioso, tímido, retraído, é capaz de brincar sozinho, no jardim ou num canto da casa, por horas a fio, a representar papéis cheios de dinamismo e ação, coragem e heroísmo.

A identificação da criança com suas experiências, através da brincadeira é, às vezes, estimulada na escola, onde se lhe oferece oportunidade de fazer do jogo uma atividade expressiva de con-ceitos e de senrimentos, na relação entre sua experiência e seu meio ambiente. Na pré-escola, as atividades que implicam em mani-pulação e movimento respondem, também, a esta finalidade.

A brincadeira da criança caracteriza-se, essencialmente, pela ação, movímene-, e pela representação do que ela percebe através dos sentidos. Tocar, ver, ouvir, saborear, sentir, implicam numa participação ativa do indivíduo. A brincadeira explora intensamente o desenvolvime!!to de experiências sensoriais, daí a satisfação que traz à gurizada. Quando a criança, ao brincar, tem que perceber um certo ruído para realizar determinada ação, não somente de-senvolve a capacidade de ouvir, mas de escutar com atenção. Quan-do, brincando em grupo, tem que identificar gestos e sinais, não somente ela tem que ver, mas precisa captar as diferenças e deta-lhes.

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A identificação da criança com aquilo que brinca é o princípio utilizado pelos pedagogos para conduzi-Ia a uma aprendizagem efi-caz e consciente. Dada a importância da brincadeira como forma de captar a atenção da criança, a pedagogia lançou mão dos "jogos edu-cativos", elaborados para distrair e instruir ao mesmo tempo. Tais jogos materializaram a idéia. como afirma Ferran, de que é possível "aprender brincando e brincar aprendendo." (3) Visto deste ângulo, o brinquedo possui uma fecundidade pedagógica essencial, permi-tindo a encarnação de uma pedagogia pelo jogo, ou de uma peda-gogia do jogo. Conservando as características essenciais da brin-cadeira infantil, eles ocasionaram uma mudança decisiva nas rela-ções entre a brincadeira, o jogo e o trabalho.

A atividade escolar, transformada numa nova "arte de brincar", permite à criança a passagem para o trabalho propriamente dito, sem choques nem conflitos. Com efeito, na mente da criança a es-cola já vai associada à idéia de estudar e de fazer tarefas. O grande valor do "jogo educativo", ao lado da facilitação da aprendizagem, é o de transmitir à criança o gosto pelo trabalho escolar que, por sua vez, poderá ser transferido para o exercício de uma atividade ocupacional, quando a escola proporcionou à criança a aprendiza-gem do gosto pelo trabalho.CBA

É oportuno que se examine, agora, em que sentido a brincadeira infantil é a representação e expressão do mundo dos adultos. Na brincadeira socializante, a criança faz a aprendizagem da luta e do socorro, do altruismo e da abnegação, das identificações e das dife-renças. As formas e a estrutura de sociedade nela estão presentes. A socialização da criança, para a qual a brincadeira contribui de forma decisiva, reproduz com bastante fidelidade a sociedade onde a atividade lúdica se inscreve.

Ao mesmo tempo que permitem o exercício de uma atividade individual ou social, a brincadeira e o jogo transmitem uma certa imagem da sociedade e uma certa idéia dos papéis ocupacionais desempenhados pelos indivíduos. Esta imagem, portanto, é uma re-presentação do social.

Na sociedade tradicional de épocas passadas, a criança desde cedo se misturava às atividades do adulto, com quem partilhava trabalhos e lazer. A aprendizagem das coisas, na maioria dos ca-sos, era feita ajudando os adultos a fazê-las. O médico Heroard, da corte dos reis de França, deixou-nos uma descrição minuciosa das atividades lúdicas de Luís XIII, que retratam bem a sociedade de seu tempo. Desde cedo que o futuro rei da França brinca de

3. FERRAN, P. et alii.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAA l ' é c o l e d u j e u . Paris, Bordas, 1978,p. 53.

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"tocar violino e cantar", atividades comuns dos adultos na corte. Ames dos dois anos comprazia-se em "bater seu tambor", à ima-gem do que acontecia nas companhias militares, que tinham seus tambores e suas próprias marchas. Na idade de dois anos e sete meses os presentes que recebia eram "pequenas carruagens cheias de soldadinhos": nessa idade, ele se diverte "com um pequeno ca-nhão" e faz pequenas ações militares com seus "soldadinhos". Aos quatro anos já se inicia na representação de papéis do ballet e, aos seis anos, brinca de "atirar ao arco", jogar cartas e xadrez, partici-pando já, inclusive, dos jogos das pessoas grandes. Quando com-pletou sete anos, finalmente, obrigam-no a abandonar as brincadei-ras da infância: "você já não é mais criança; você é grande".CBAE

aprende a montar a cavalo, a usar as armas, e ir à caça. (4)

Durante alguns períodos, as brincadeiras infantis chegaram a ser um suporte da ideologia política, os brinquedos representando guerras, tanques, ambulâncias no "front". O momento histórico, sem

dúvida, determina o tipo das atividades lúdicas das crianças. No filme "Jogos Proibidos" (Jeux Interdits), de René Clérnerit, assisti-mos a duas crianças brincando de "enterrar os mortos". Ao enter-rar seus bichos no pequeno cemitério, as crianças imitavam os adul-tos, cuja atividade habitual consistia, num período de fim de guer-ra, em sepultar as vítimas dos bombardeamentos.

O suporte ideológico também está presente na descrição que Musgrave apresenta da brincadeira de um grupo de crianças alemãs, impregnadas dos modelos políticos da guerra; "- Vamos brincar de soldados!", diz Alberto. "- Sim, de soldados", gritaram os outros. Dividiram-se em duas armadas, cada uma de quatro meninos. Carlos conduziu seu batalhão para o alto de um monte de areia. Alberto devia surpreendê-los com seus soldados. Aos gritos de "Hurra! Hur-ra!", escalaram o monte, se apossaram do inimigo e os fizeram pri-sioneiros. E foi assim que Alberto ganhou a guerra com seus sol-dados". (5)

Sem que o suporte da ideologia política tenha sido completa-mente abandonado. a grande tendência atual, dOS brinquedos, é a

socialização política, com a divisão sexual dos papéis e das fun-ções. Quando se vai comprar um brinquedo numa loja, o vendedor procura logo inteirar-se da idade e do sexo do destinatário. :e. que os brinquedos, comercialmente, estão divididos em duas categorias: a dos meninos e a das meninas. Qualquer catálogo de brinquedos,

4. ARTES Ph.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAL ' e n j a n t e t I a v i e [ a m i l i a l e s o u s l ' a n c i e n r é g i m e . Paris, Ed.

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p. 147.

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aliás, estabelece o tipo e a relação dos que são próprios a um e a outro sexo. Esta divisão baseia-se numa certa representação dos pa-péis masculinos e femininos, em nossa sociedade, com tendência a favorecer a perenidade de tal divisão. Ser menino, segundo esta classificação, é, sobretudo, ser jogador de futebol, ou ser soldado, e saber conduzir carros, caminhões, trens, tratores, máquinas

pe-sadas, aviões, motos. Ser menina, é ser uma futura mamãe, uma futura dona de casa, toda entregue aos cuidados dos bebês, do

fo-gão e das pãnelinhas, da limpeza da casa, ou então à maquilagem. Tudo isso é o resultado de uma manipulação social do gosto e da escolhas da criança no seu lazer e no seu brinquedo. Belotti (6)

mostra todo o trabalho de aculturação que acompanha a escolha de um brinquedo de criança. À menina a quem se dá uma boneca de presente, se lhe ensina como ninar o bebê e segurá-lo em seus bra-ços; ensina-se-Ihe o papel da mulher na sociedade. Assim, não so-mente a menina brinca de dona de casa, como faz os gestos que são próprios, varre a casa, lava a louça, faz a comida, balança o nenén e usa uma linguagem coerente com esta situação da mulher.

Simultaneamente à representação de papéis sociais, os brinque-dos também defendem as ideo1cgias sociai.s. A maioria deles, apesar de serem distribuídos pelo bondoso Papai Noel, são ou a celebra-ção da violência, ou a celebracelebra-ção da economia capitalista, ou a ce-lebração do êxito social. Na primeira categoria figura, infelizmen-te, a idéia da guerra: os brinquedos são fuzis, carabinas, pistolas, metralhadoras, revólveres eletrônicos, soldados, armadas, pára-que-distas, bombardeiros. tanaues, robôs. Ligados à celebração capita-lista aparecem os brinquedos modernos, que falam de campos de

petróleo, business. riquezas do mundo. Em todos estes brinquedos c vencedor, na ideologia capitalista. é o que consegue monopolizar os meios de produção e enganar seus parceiros nos negócios e tran-sações. Finalmente, os que celebram o êxito social, a exemplo do jcgo "Estratagema", em que quatro candidatos (jogadores) se dispu-tam para alcançar a "Pre~idência", ou do "Jogo do Sucesso", onde os jogadores utilizam estratégias para ser bem-sucedido na vida, sabendo combinar adequadamente a riqueza, a felicidade e

reno-me (7).

6. BELOTTI, E. G. D u c ô t é d e s p e t i t e s fi l i l e s . Paris, Ed. des Femmes,

1974. pp. 107-160.

7 . Entre os documentários relativos aos tipos de jogos que celebtam a

eco-nomia capitalista e o êxito social podem ser citados: MATTELART. A.

e DORFMAN, A. D o n a l d l ' i m p o s t e u r o u l ' i m p é r i a l i s m e raconié a u > . :

e n fa n t s . Paris, Ed. A. Moreau. 1976; L e s j e u x d a n s l ' i n i t i a t i o n é c o n o -m i g u e . Cahiers Français. n," 179, jan./fev/1977, notice 2.

Educação em Debate, Fort. 17_18 jan.ldez. 1989

(7)

"tocar violino e cantar", atividades comuns dos adultos na corte. Antes dos dois anosZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAc o m p r a z i a - s e em "bater seu tambor", à ima-gem do que acontecia nas companhias militares, que tinham seus tambores e suas próprias marchas. Na idade de dois anos e sete meses os presentes que recebia eram "pequenas carruagens cheias de soldadinhos"; nessa idade, ele se diverte "com um pequeno ca-nhão" e faz pequenas ações militares com seus "soldadinhos". Aos quatro anos já se inicia na represe1iltação de papéis do ballet e, aos seis anos, brinca de "atirar ao arco", jogar cartas e xadrez, partici-pando já, inclusive, dos jogos das pessoas grandes. Quando com-pletou sete anos, finalmente, obrigam-no a abandonar as brincadei-ras da infância: "você já não é mais criança; você é grande".CBAE

aprende a montar a cavalo, a usar as armas, e ir à caça. (4)

Durante alguns períodos, as brincadeiras infantis chegaram a ser um suporte da ideologia política, os brinquedos representando guerras, tanques, ambulâncias no "front". O momento histórico, sem dúvida, determina o t i p o das atividades lúdicas das crianças. No

filme "Jogos Proibidos" (Ieux Interdits), de René Clément, assisti-mos a duas crianças brincando de "enterrar os mortos". Ao enter-rar seus bichos no pequeno cemitério, as crianças imitavam os adul-tos, cuja atividade habitual consistia, num período de fim de guer-ra, em sepultar as vítimas dos bombardeamentos.

O suporte ideológico também está presente na descrição que Musgrave apresenta da brincadeira de um grupo de crianças alemãs, impregnadas dos modelos políticos da guerra; "_ Vamos brincar de wldados!", diz Alberto. "- Sim, de soldados", gritaram os outros. Dividiram-se em duas armadas, cada uma de quatro meninos. Carlos conduziu seu batalhão para o alto de um monte de areia. Alberto devia surpreendê-Ios com seus s o l d a d o s . Aos gritos de "Rurra! Hur-ra!", escalaram o monte, se apossaram do inimigo e os fizeram pri-sioneiros. E foi assim que Alberto ganhou a guerra com seus sol-dados". (5)

Sem que o suporte da ideologia política tenha sido completa-mente abandonado. a grande tendência atual, dos brinquedos, é a ~ocialização política, com a divisão sexual dos papéis e das fun-ções. Quando se vai comprar um brinquedo numa loja, o vendedor procura logo inteirar-se da idade e do sexo do destinatário.

E

que os brinquedos, comercialmente, estão divididos em duas categorias: a dos meninos e a das meninas. Qualquer catálogo de brinquedos,

4. du seuíl,ARTES Ph.1973, pp , 90-140.L ' e n fa n t e t I a v i e fa m i l i a l e S O u ~ l ' a n c i e n r é g í m e . Paris, Ed.

5. p.MUSGRA VE,147. P. W. S o c i o l o gy o f e d u c a t í o n . London, Methuen, 1965,

72

Educação em Debate, Fort. 17_18jan./dez. 1989

iliús, estabelece o tipo e a relação dos que são próprios a um e a ou tro sexo. Esta divisão baseia-se numa certa representação dos pa-péis masculinos e femininos, em nossa sociedade, com tendência a Iavorecer a perenidade de tal divisão. Ser menino, segundo esta classificação, é, sobretudo, ser jogador de futebol, ou ser soldado, c saber conduzir carros, caminhões, trens, tratores, máquinas pe-sadas, aviões, motos. Ser menina, é ser uma futura mamãe, uma Iutura dona de casa, toda entregue aos cuidados dos bebês, do fo-gão e das pãnelinhas, da limpeza da casa, ou então à maquilagem.

Tudo isso é o resultado de uma manipulação social do gosto e da escolhas da criança no seu lazer e no seu brinquedo. Belotti (6) mostra todo o trabalho de aculturação que acompanha a escolha de um brinquedo de criança. À menina a quem se dá uma boneca de presente, se lhe ensina como ninar o bebê e segurá-lo em seus bra-ços; ensina-se-lhe o papel da mulher na sociedade. Assim, não so-mente a menina brinca de dona de casa, como faz os gestos que são próprios, varre a casa, lava a louça, faz a comida, balança o nenén e usa uma linguagem coerente com esta situação da mulher.

Simultaneamente à representação de papéis sociais, os brinque-dos também defendem as ideologias sociais. A maioria deles, apesar de serem distribuídos pelo bondoso Papai Noel, são ou a celebra-ção da violência, ou a celebracelebra-ção da economia capitalista, ou a ce-lebração do êxito social. Na primeira categoria figura, infelizmen-te, a idéia da guerra: os brinquedos são fuzis, carabinas, pistolas, metralhadoras, revólveres eletrônicos, soldados, armadas, pára-que-distas, bombardeiros, tanques, robôs. Ligados à celebração capita-lista aparecem os brinquedos modernos, que falam de campos de petróleo, business, riquezas do mundo. Em todos estes brinquedos c vencedor, na ideologia capitalista, é o que consegue monopolizar os meios de produção e enganar seus parceiros nos negócios e tran-sações. Finalmente, os que celebram o êxito social, a exemplo do jcgo "Estratagema", em que quatro candidatos (jogadores) se dispu-tam para alcançar a "Presidência", ou do "Jogo do Sucesso", onde os jogadores utilizam estratégias para ser bem-sucedido na vida, sabendo combinar adequadamente a riqueza, a felicidade e reno-me (7).

6. BELOTTI, E. G. D u c ô t é d e s p e t i t e s i i l ê e s . Paris, Ed. des Femmes,

1974, pp. 107-160.

7. Entre os documentários relativos aos tipos de jogos que celebram a

eco-nomia capitalista e o êxito social podem ser citados: MATTELART, A.

e DORFMAN, A. D o n a l d l ' i m p o s t e u r o u l ' i m p é r i a l i s m e r a c o n t é a u x

enjants. Paris, Ed. A. Moreau, 1976; L e s i e u x d a n s l ' i n i t i a t i o n écono-m i g u e . Cahiers Français. n," 179, janJfev/1977, notice 2.

(8)

R oland B arthes dizia que o jogo significava sem pre algum a coisa, e acrescentava: "que os brinquedos ( ... ) prefigurem literal-m en tc o universo das funções adultas não pode senão preparar a criança a aceitar essas funções ... " (8). A ssim , a sociedade trans-m ite, pelos brinquedos que põe nas m ãos das crianças, as idéias m ais absurdas com o naturais, com o vender e revender a produção dos países m ais pobres para construir um m onopólio, ou tom ar o poder através de um golpe de estado, para defender os próprios in-teresses econôm icos (9).

Já o brinquedo infantil livrem ente escolhido, é o reflexo do grau de desenvolvim ento social da criança. A s pessoas e o que elas fazem ocupam o m aior conteúdo subjetivo da brincadeira in-fantil, acentuando-se na m edida em que ela traduz um a m aior observação das ocupações do adulto. E stes estím ulos que a criança recebe de seu m eio social, são organizados por sua percepção em im agens que constituem a "realidade" da criança. O m eio profis-sional, em especial, é percebido através das ocupacões dos pais e das atividades das pessoas m ais próxim as. A s realidades do traba-lho entram no seu pensam ento e na sua im aginação por m eio de tudo o que ela vê, ouve e sente em casa e na escola. M uito m ais do que as palavras, as atitudes dos adultos relativas a suas ocuna-ções, são interiorizadas pela criança, contribuindo para a elabora-ção das im agens sobre a atividade ocupacional.

D esta form a, as atitudes da criança relativas ao trabalho tanto podem ser positivas com o negativas. A s prim eiras ocorrem quando os pais e os adultos que convivem com a cri anca lhe transm item , de form a vivencial, um a idéia gratificante do trabalho. N este caso, a criança form ará dele um a im agem positiva. A segunda atitude ocorre quando o conjunto de circunstâncias em que a criança vive, lhe oferecem do trabalho um a idéia negativa.

Sabe-se que estas duas atitudes são obieto da representação lú-dica das crianças. E m bora elas tenham conseqüências m ais durá-veis no desem penho ocupacional, a m aneira com o as crianças orga-nizam seus jogos e representam papéis relativos a ocupações, reve-lam claram ente quais as atividades que lhes são sim páticas ou antipá-ticas. O s psicólogos, ao interpretarem testes projetivos de crianças, assim com o os ludoterapeutas, têm chegado a conclusões que con-firm am estas idéias. (10)

8. B A R T H E S, R . Mythologies. Paris, E d. du Seui!, 1979, p. 47. 9. M A T T E L A R T , A . e D O R FM A N , A . O p. cit., pp , 78-120.

10. C f., a respeito, Z A Z Z O , R . "R ôle des m odeles paternels et m aternels dans Ia form ation des stéréotypes sociaux". In Bulletin de Psychologie,

m ai, 1956.

(9)

E xam inando-se atentam ente a natureza das brincadeiras

infan-tis, pode perceber-se que existe grande associação entre elas e a

atividade ocupacional dos adultos. E m lugares do interior

nordes-tino, onde a distribuição da água, nas pequenas cidades, é feita em

carroças, é com um ver grupos de crianças brincando com suas

car-rocinhas m iniaturas. com o se estivessem distribuindo a água pelas

casa. E m outros lugares, onde é grande o m ovim ento de cam

i-nhões, o brinquedo predileto de certos m eninos consiste em

cons-truir e puxar um cam inhão. E stas atividades são, para a criança,

m ais do que um passatem po: são um a com unicação significativa

consigo m esm a e com os outros, um a seleção das coisas do seu m eio

am biente com as quais m ais se identificam .

A brincadeira é, portanto, um a im itação dos com portam entos

ocupacionais do adulto. E . im itando o com portam ento dos m ais

ve-lhos que a criança se torna hom em e aprende a se dispensar da

ajuda dos outros. A criança com eça por im itar a form a exterior do

com portam ento adulto, adaptando-se, desta form a, a seu am biente.

E m seguida, os com portam entos prim eiram ente im itados, são

inte-riorizados sob a form a de norm as com portam entais: ela aprende ao

que deve e não deve brincar, com eça a distinguir o que pode e o

que não pode fazer. Por este processo de im itacão e de

interioriza-ção a criança se cultiva. desenvolve sua autonom ia e se socializa.

E sta aprendizagem social está presente em todas as form as de

brincadeira sim bólica. E m sua atividade infantil, a criança sente

um a m otivação m ais para as form as de im itacão e de identificação

com o m undo social adulto, de que para as atividades voltadas para

a organização m oral da personalidade.

Será, portanto, para este aspecto da aprendizagem dos m odelos

sociais através da brincadeira infantil, que serão orientadas as

últi-m as observações deste trabalho. E sses m odelos são transm itidos

ora por contato direto com a sociedade, ora sob a form a de norm as

teóricas de com portam ento. N o prim eiro caso, a criança anrende

os m odelos sociais através de um a influência difusa do am biente,

sem que a intervenção voluntária e sistem âtica do adulto se faça

ne-cessária. E la assim ila esses m odelos, im itando o adulto e

identifi-cando-se com ele. A s norm as teóricas do com portam ento traduzem

-se na m aneira com o a criança brinca ou "representa o trabalho",

onde as atitudes de liberdade, de honestidade, de justiça, de

solida-riedade, são assum idas pelas crianças.

E ntretanto, nem todas as crianças adquirem os m esm os m

o-delos, pois além de cada um a ter suas próprias m otivações, seus

in-teresses e sua seletividade de im itação, tam bém nem todas são

edu-cadas no m esm o m eio social.

(10)

o

ponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAcontato da criança com esses m odelos varia em função de

sua inserção fam iliar. E m suas brincadeiras, a criança "representa

de" diferentem ente, conform e seja filho de um agricultor, de um

operário de fábrica, de um m édico ou de um advogado, pois, em

todos esses casos, a criança concebe a atividade do adulto de um a

m aneira diferente.

Se a brincadeira e o jogo infantis representam um a necessidade

biológica, psicológica e social de m ovim ento, de participação e ação,

é sem pre bom lem brar que eles não dependem apenas de fatores

fisiológicos. T oda atividade infantil, seja ela brincadeira ou

tra-balho, deve ser vista e interpretada dentro de um ângulo cultural

e à luz de condições sociais determ inadas. E m algum as sociedades,

as m eninas brincam de bonecas até a entrada da adolescência; em

outras, desde os quatro anos de idade que esta atividade lúdica é

substituída pelo trabalho de carregar e cuidar dos irm ãozinhos,

en-quanto a m ãe passa o dia inteiro no trabalho (11). A atividade

lú-dica da criança é, portanto, socialm ente condicionada, conform e ela

seja filho único ou tenha um determ inado núm ero de irm ãos,

con-form e seja o m ais velho ou o m ais novo, conform e sua m ãe

traba-lhe em casa ou fora dela, conform e viva num a casa sem esnaço ou

m uito espacosa. conform e sejam seus contatos com pais, avós, tios,

prim os, vizinhos.

O tipo e a natureza da atividade lúdica, enfim , dependem

m uito do papel da fam ília em seu grupo social, de seus m eios

fi-nanceiros, de sua inserção cultural, de suas atividades

profissio-nais. É necessário, portanto, com preender a brincadeira da criança

em função de suas condições de vida, isto é, considerando sua

con-dição de criança e sua situação social real. A criança filha de um

proletário e a criança de um a fam ília burguesa não vivem sua

con-dição de criança de um a m esm a m aneira. A prim eira depende de

um adulto ele próprio dependente, oprim ido, despojado do poder

social, e que responde às expectativas da criança de um m odo que

reflete. sua situação de classe. A segunda deperide de adultos que

possuem um poder social real, vivendo em condições m ateriais que

lhe perm item satisfazer m elhor as suas necessidades.

N as com unidades rurais, a representação dos m odelos sociais é

m ais acessível e se constitui um a aprendizagem m ais direta. A

cri-ança está num a relação de presença m ais freqüente com os pais,

participa de alguns afazeres na com unidade fam iliar e se ajusta

des-de cedo a esses m odelos. A ssiste às sem enteiras e ao nascim ento

das plantas, à procriação dos anim ais, participa das expectativas do

11. R IM B A U D , C . 52 mil/íons d'enjants aú travail. Paris, Plon, 1980.

(11)

grupo social ao qual está íntim a e constantem ente ligada. E sta cri-ança desenvolve um a atividade e assum e um a responsabilidade no grupo. :P- verdade que dispõe de seus m om entos para brincar, m as suas brincadeiras são sim bólicas, pautadas na atividade dos adultos, com os quais, ao brincar, se identifica.

N aturalm ente tudo isso contrasta com a vida da fam ília m oder-na oder-nas grandes cidades. A s indústrias concentram os lugares de trabalho longe do âm bito residencial. O pai sai de m adrugada e passa o dia inteiro longe de casa; quando volta, a m aioria das ve-zes, os filhos já estão dorm indo, e, no outro dia, sai de novo antes que eles se levantem . E ste quadro se com plica m ais ainda quando a m ãe tem que assum ir, tam bém . responsabilidades de trabalho fora do lar. A urbanização e a industrialização, tais com o estão concebidas em nossa sociedade atual, desintegram o lar tradicional. C om freqüência, outros com portam entos se associam aos anteriores: sinais de frustração, de desânim o, de cansaço, cenas de briga, discus-sões e em briaguez, são vivenciadas pelos pais, transform ando o lar num am biente de apreensão e insegurança.

A criança, através da influência do clim a fam iliar e do seu m eio am biente, realiza a aprendizagem dos m odelos sociais ineren-tes à situação concreta em que é educada. Suas pautas de conduta, suas atitudes e preferências são fortem ente condicionadas pela si-tuação fam iliar e social. A criança brinca, e pela brincadeira opera a fuga do real e se evade para o m undo do sonho. M as este so-nho é povoado da realidade das coisas: o trabalho, os estereótipos ocupacionais, o universo fam iliar, são sim bolizados, representados, traduzidos em sua ação lúdica. Por m ais que se atribua à brin-cadeira infantil um sentido de "fuga das coisas sérias", com o o faz W allon, (12) ela está im pregnada de im agens ligadas à vida do trabalho, que testem unham , na criança, um a observação ativa do m eio, sua inserção no social e a aprendizagem dos códigos so-ciais. T reinam ento para as realidades do trabalho? E nsaio tím ido para ingressar na vida adulta? Q ualquer que seja a resposta, o que é certo é que a brincadeira e o jogo infantis são um a preparação sim bólica à existência social concreta.

12. W A L L O N , H . L'evolution psychologique de Peniant, Paris, A rm and C o-Iin, 1977, p . 58.

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