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REENVIO DO PROCESSO REFORMATIO IN PEJUS NULIDADE

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Tribunal da Relação de Lisboa Processo nº 1977/2005-3

Relator: CARLOS ALMEIDA Sessão: 04 Maio 2005

Número: RL

Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO

REENVIO DO PROCESSO REFORMATIO IN PEJUS NULIDADE

Sumário

I – O novo julgamento realizado na sequência de um acórdão do Tribunal da Relação que, nos termos do artigo 426° do Código de Processo Penal, ordenou o reenvio do processo apenas pode incidir sobre a matéria que integrou o objecto do recurso interposto e não sobre outros crimes julgados

conjuntamente no mesmo processo dos quais o arguido foi absolvido no primeiro julgamento.

II – Outra forma de entender as coisas conduziria ao desrespeito do princípio da proibição da “reformatio in pejus” consagrado no artigo 409º do Código de Processo Penal.

III – Se o tribunal superior não pode, directamente, modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida em prejuízo do

arguido, muito menos pode, de uma forma mediata, possibilitar que uma decisão de absolvição se venha a converter, em resultado do recurso interposto exclusivamente pelo arguido, na sua condenação.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO

1 – O arguido J., que havia sido pronunciado pela prática dos crimes de resistência a funcionário e de falsas declarações, condutas p. e p., respectivamente, pelos artigos 347º e 359º, nº 2, do Código Penal (fls.

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157 a 162), foi julgado na comarca de Setúbal tendo o Tribunal, por acórdão de 4 de Abril de 2002, decidido:

· absolvê-lo da prática do crime de falsas declarações;

· condená-lo pela prática de dois crimes de resistência a funcionário nas penas, por cada um deles, de 4 meses de prisão;

· em cúmulo, condená-lo na pena única de 6 meses de prisão

substituída por 180 dias de multa à razão diária de 25 € (fls. 318 a 325).

O arguido interpôs recurso desse acórdão para o Tribunal da Relação de Évora pedindo a sua absolvição dos crimes por que tinha sido condenado na 1ª instância (fls. 333 a 342).

Por acórdão de 22 de Janeiro de 2003, aquele Tribunal da Relação decidiu «declarar nulo o acórdão recorrido, por violação do disposto nos artigos 374º, nº 2, e 379º, nº 1, alínea a), ambos do Código de Processo Penal, e por se verificar também o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada», anulando o julgamento e

ordenando «o consequente reenvio do processo para novo julgamento, a efectuar nos termos do disposto nos referidos artigos 426º e 426º-A do Código de Processo Penal» para aí se averiguar «os factos supra mencionados, sem prejuízo de alargamento a outros se tal se vier a entender necessário».

O processo foi então remetido ao Tribunal Judicial da Comarca da Moita onde veio a ter lugar o novo julgamento.

Por acórdão proferido em 24 de Novembro de 2004, este tribunal decidiu condenar o arguido:

· pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, conduta p. e p. pelo artigo 347º do Código Penal, na pena de um ano de prisão;

· pela prática de um crime de falsidade de declarações, conduta p. e p.

pelo artigo 359º, nºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 150 dias de multa à razão diária de 5 €, fixando, desde logo, em 100 dias a duração da prisão subsidiária;

· em cúmulo, na pena única de um ano de prisão e 150 dias de multa à taxa diária de 5 €, suspendendo a execução da prisão pelo período de 2 anos.

Nessa peça processual o tribunal considerou provado que:

1- No dia 14.07.97, no lugar de Vale do Alecrim - Vales, freguesia de Pinhal Novo, concelho de Palmela, a oficial de justiça M. procedia à diligência judicial de entrega de um imóvel, ordenada nos autos de execução de sentença nº 18- A/95, do 1° Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, no qual era

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executado o arguido e era exequente JM.;

2- No local encontrava-se um efectivo da GNR, composto por elementos dos Postos de Palmela e de Pinhal Novo, todos devidamente uniformizados, que tinha sido requisitado pelo magistrado judicial que ordenou a diligência, para garantir a segurança e realização desta;

3- Durante a parte da manhã desse dia, o arguido apareceu no local e

mostrou-se indignado com a diligência ordenada pelo Tribunal, discutiu com as pessoas ali presentes e proferiu alguns impropérios;

4- O arguido voltou ao local da diligência, que ainda estava a decorrer, na parte da tarde;

5- Na altura em que estavam a ser arroladas as cabeças de gado bovino, com vista a serem deslocadas para fora do terreno, encontrando-se no local o exequente que colaborava com a funcionária judicial na realização desta tarefa, o arguido, muito agitado, agarrou num pau e, com ele na mão, iniciou uma corrida em direcção ao exequente;

6- Nessa altura, o comandante da força da GNR no local, o cabo L. convencido que o arguido iria bater no exequente, retirou-lhe tal pau e conduziu o arguido para a zona onde estavam estacionadas as viaturas da GNR e do arguido;

7- Quando se encontravam junto destas o arguido empurrou o cabo L., fazendo com que o mesmo fosse embater na porta do carro do arguido com o cotovelo direito;

8- Após, e de imediato, o arguido dirigiu-se ao soldado F., da GNR, que estava próximo e tinha a espingarda automática G3 (descrita no auto de exame de fls 55, que aqui se dá por integralmente reproduzido, pertença do Estado

Português e munida com cerca de 15 munições), que lhe estava distribuída, ao ombro, em bandeirola, e agarrou na descrita espingarda, pelo cano, com

ambas as mãos para dela se apoderar;

9- Seguidamente, com vista a impedir que o arguido se apoderasse da

espingarda e, enquanto o soldado F. puxava pela arma, o cabo L. e o soldado D. agarraram o arguido e, mediante o emprego da sua força física acabaram por o dominar, imobilizando-o;

10- O referido embate do cabo L. no veículo automóvel provocou-lhe, como consequência directa e necessária, contusão do cotovelo direito (partes moles) e dores, com cinco dias de doença, sem incapacidade para o trabalho;

11- Após a sua detenção, pela prática dos factos atrás descritos, o arguido foi apresentado ao juiz de instrução do Tribunal Judicial de Setúbal, para

primeiro interrogatório judicial de arguido detido;

12- No início deste interrogatório, realizado no dia 14.07.97, o arguido foi questionado sobre os seus antecedentes criminais, depois de advertido que a

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falsidade da resposta o poderia fazer incorrer em responsabilidade penal;

13- Afirmou então que tinha respondido em juízo uma vez, cerca de dois anos antes, pelo crime de desobediência e que fora absolvido;

14- Esta resposta foi tida como correspondendo à realidade e a ausência de condenação anterior foi tomada em conta pelo juiz de instrução na aplicação de medida de coacção ao arguido;

15- Contudo, constatou-se posteriormente já ter sido o arguido condenado, por acórdão proferido em 19.03.96, pelo Tribunal da Relação de Évora, nos autos de Processo Sumário nº 1652/94, do 3° Juízo Criminal de Setúbal;

16- O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as suas condutas não lhe eram permitidas;

17- Agiu da forma violenta descrita, com intenção de se dirigir ao exequente para o molestar fisicamente, sabendo que o mesmo estava a colaborar na concretização da diligência judicial e, ao proceder da forma atrás descrita, em relação aos elementos da GNR, quis opor-se à missão destes no local, ou seja, garantir a segurança da diligência judicial que estava a ser realizada;

18- Sabia que tinha sido anteriormente condenado pelo crime de

desobediência e, não obstante, disse que tinha sido absolvido por esse crime, bem sabendo que tal declaração não correspondia à verdade e após ter sido advertido das consequências penais da falsidade de resposta à pergunta sobre os seus antecedentes criminais,;

19- L. é beneficiário da ADMG, com o nº 1830488000;

20- O arguido negou os factos;

21- A data destes e até há cerca de dois anos atrás exercia a actividade de empresário, na construção civil, e era sócio de uma sociedade concessionária de um posto de abastecimento de combustíveis;

22- Actualmente encontra-se de baixa, por doença, auferindo um subsídio mensal de cerca de € 300,00;

23- Vive com a esposa em casa própria;

24- Tem como habilitações literárias a 4ª classe;

25- O arguido foi julgado e condenado no proc. 1652/94 do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, por decisão de 19.03.96, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. no artigo 348º nº 1, cometido em 21.06.94, na pena de 60 dias de multa, à razão de 500$00 por dia, com 40 dias de prisão subsidiária.

26- O arguido foi absolvido em 1ª instância no processo suma nº 1652/94, do 3° Juízo Criminal e tal decisão foi revogada pelo Tribunal da Relação de Évora,

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após o que foi a mesma objecto de reclamação por parte do Exm° advogado do arguido, o qual veio dizer a este Tribunal que, no caso de a mesma ser

desatendida, era sua intenção recorrer para o Tribunal Constitucional.

2 – O arguido interpôs recurso desse acórdão.

A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões:

«1° – O arguido foi pronunciado por ter agido com intenção de impedir a concretização da diligência judicial e isso não ficou provado.

2° – A prova produzida não foi esclarecedora dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de resistência a funcionário.

3° – Não foram expostos de forma concisa e completa os motivos de facto que fundamentam a decisão.

4° - Deste modo, a falta da exposição, tanto quanto possível completa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, conduz à nulidade do acórdão (artigo 379° - 1 a).

5° - Contudo, não se suscitam dúvidas que a realidade dos factos que foi possível alcançar aponta inequivocamente para a certeza de que, durante a diligência, o Exequente JM, que nela não devia intervir, deu causa, ao

intrometer-se com os animais, a exaltação por parte do arguido, com intervenção da GNR, seguindo-se movimentos de toque na arma e de

empurrão, constituindo, tudo isto, cena episódica direccionada ao exequente, que nada tem a ver com oposição a qualquer acto.

6° - De modo que não há factos sensíveis que permitam um entendimento puro do significado de toda aquela agitação momentânea.

7° - Assim, o comportamento do arguido não integra o tipo de ilícito que lhe é imputado.

8° – Foram violados os artigos 374° - 2 e 379°-1, a) do C. P. Penal e 347° do Código de Processo Penal.

9° - O tribunal não fez a interpretação da norma do artigo 347° do C. Penal, fixando o seu exacto sentido e dele deduzindo o conteúdo da sentença a aplicar ao caso dos autos.

10° - Esta norma deve ser interpretada no sentido de que uma agitação ou um estrebuchar do arguido conduzido por um guarda, ainda que desse estado do arguido resulte um empurrão no policial ou um toque na sua arma, nada tem a ver com oposição a acto não determinado relativo ao exercício das suas

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funções.

11° - Consideram-se incorrectamente julgados os pontos de facto 3, 5 a 10, 16 a 18, 20 e 25.

12° - As provas produzidas por todas as testemunhas e arguido não alcançam factos constituintes de pressupostos da norma incriminadora aplicada.

13° - Devem, portanto, estas provas. que foram gravadas, ser renovadas.

14° - O facto 5., que se dá como provado, contém uma alteração não

substancial dos factos da pronúncia – encontrando-se no local o exequente que colaborava com a funcionária judicial na execução desta tarefa – que não foi comunicado ao arguido, violando-se o nº 1 do artigo 358° do CPP.

15° - Estando o crime de falsidade de declarações fora do âmbito do recurso, e tendo-se repetido o julgamento em relação a ele, violou-se o artigo 403º, nº 1 do CPP e o princípio ne bis in idem.

17° - A ser extraída certidão para procedimento criminal contra a testemunha A, deve também sê-lo contra as testemunhas L., F. e D.l visto não haver razão para acreditar nelas e não na primeira.

18° - Se não bastar tudo o que se disse para absolver o arguido, deve o

processo ser suspenso até que no processo a instaurar, referido na conclusão anterior, seja apurada toda a verdade.

Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, julgando-se a pronúncia improcedente e não provada e absolvendo-se o arguido, ou, se assim não for entendido deve o acórdão ser declarado nulo, assim se fazendo inteira e sã justiça».

3 – Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 633.

4 – O Ministério Público respondeu à motivação apresentada (fls. 643 a 648).

5 – Neste tribunal, a srª. procuradora-geral-adjunta, quando o processo lhe foi apresentado, apôs nele o seu visto (fls. 654).

6 – Realizada audiência e produzidas as alegações orais, cumpre apreciar e decidir as seguintes questões:

· a existência de caso julgado quanto ao crime de falsidade de declaração;

· A nulidade do acórdão por falta de exame crítico da prova;

· A nulidade do acórdão por ter condenado o arguido por factos diversos dos descritos na pronúncia;

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· O recurso sobre a matéria de facto;

· O preenchimento do tipo da incriminação contida no nº 2 do artigo 359º do Código Penal.

II – FUNDAMENTAÇÃO

A existência de caso julgado quanto ao crime de falsidade de declaração 7 – O arguido, como se disse, foi julgado, uma primeira vez, no

Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal tendo sido absolvido do crime de falsidade de declaração que lhe era imputado.

O Ministério Público não interpôs recurso desse acórdão.

Apenas o arguido impugnou essa decisão limitando, porém, o seu recurso, como não podia deixar de ser[1], aos dois crimes de

resistência e coacção sobre funcionário por que tinha sido condenado.

Por isso, não se pode deixar de considerar que a decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal quanto ao crime de falsidade de declaração transitou em julgado.

Daí que se deva entender que a decisão que veio a ser proferida pelo Tribunal da Relação de Évora apenas se reportou aos crimes que integravam o objecto do recurso interposto, ou seja, aos crimes de resistência e coacção sobre funcionário.

Assim sendo, o novo julgamento que na sequência desse acórdão foi realizado apenas podia incidir sobre a matéria relativa aos crimes abrangidos pelo acórdão do Tribunal da Relação e não sobre aquela que dizia respeito ao crime de que o arguido tinha sido absolvido por decisão transitada em julgado.

Outra forma de entender as coisas conduziria ao desrespeito do

princípio da proibição da “reformatio in pejus” consagrado no artigo 409º do Código de Processo Penal. Na verdade, se o tribunal superior não pode, directamente, modificar, na sua espécie ou medida, as

sanções constantes da decisão recorrida em prejuízo do arguido, muito menos pode, de uma forma mediata, possibilitar que uma decisão de absolvição se venha a converter, em resultado do recurso interposto exclusivamente pelo arguido, na sua condenação.

Em face do exposto, não pode este tribunal deixar de revogar, nesta parte, a decisão recorrida.

A nulidade do acórdão por falta de exame crítico da prova

8 – O recorrente considera que o acórdão proferido na 1ª instância é nulo por não conter, como lhe era imposto pelo nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal, o exame crítico da prova.

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Vejamos se lhe assiste razão.

Ao fundamentar a decisão de facto, o tribunal disse o seguinte:

Serviram de base para formar a convicção do Tribunal:

1. Quanto aos factos da acusação: as declarações do arguido a fls. 3 aos seus antecedentes criminais; o documento de fls. 30/1; o exame pericial de fls. 55; o exame médico de fls. 33; a certidão de fls. 75 a 88; o conjunto dos

depoimentos das testemunhas L., F., D., aquele cabo e estes soldados da GNR, e M., oficial de justiça, os quais depuseram de forma isenta (manifestando-se essa isenção pela forma objectiva como depuseram e ainda pela circunstância de se remeterem à descrição apenas daquilo que tinham presenciado), segura (pese embora não se recordassem de alguns aspectos, o que reforça aquela segurança pois se limitaram à narração dos factos de que não tinham dúvidas terem presenciado ou vivenciado) credível (pois a motivação que se prende com os factos tem subjacente o estado de exaltação do arguido pela sua discordância em relação à execução da decisão judicial) e com razão de ciência (a qual lhes advém da circunstância de estarem no local e terem

vivenciado os factos, sendo certo que esta vivência da testemunha M. se limita à forma - insultuoso, incorrecto, indelicado - como o arguido se comportou na parte da manhã, bem como à razão da presença do exequente no local e sua função e, ainda, à necessidade de retirada do gado e à circunstância de este não ter sido maltratado); o tribunal socorreu-se ainda do depoimento das testemunhas: JM, na medida em que confirmou estar no local com o fim de ajudar a tirar o gado da propriedade cuja entrega lhe ia ser feita; P., o qual admitiu que houve um "alvoroço" do arguido, seu pai, com os "guardas", esclarecendo que tal alvoroço consistiu em "encontrões".

Acresce ser de referir que o tribunal não deixou de analisar criticamente os documentos e depoimentos das testemunhas atrás indicadas, nomeadamente em confronto com as declarações do arguido e o depoimento da testemunha A.

Não teve dúvidas, porém, que quer a versão do arguido quer da testemunha A não tem credibilidade naquele confronto.

A do arguido, ao negar desde logo ter sequer tocado na arma, é a confirmação da sua falta de credibilidade, pois é essa circunstância que explica a

intervenção dos soldados da GNR F. e D., já que se o problema fosse apenas o inicial, - o arguido procurar dirigir-se ao exequente -, ele tinha sido sanado pela intervenção do cabo L.. Também a versão do arguido, quanto à sua

suposição de que tinha sido sempre absolvido não é crível. Desde logo porque não conseguiu explicar como podia ter tal suposição atenta a notificação de fls. 88, de 16.05.96, do Tribunal da Relação de Évora, notificando-o do acórdão revogatório da decisão de 1ª instância e o facto de, nesse processo, ter vindo a pagar as custas no montante de 134 640$00 em 29.11.96 (v. fls. 75). Acresce

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que nunca o arguido referiu que tivesse conhecimento do doc. de fls 250 e que isso o tivesse levado a ficar em qualquer convicção de a decisão do Tribunal da Relação de Évora não ser definitiva. Finalmente note-se que quando foi questionado, pelo Tribunal, se não tinha sido julgado duas vezes pelo crime de desobediência, relacionado com um embargo de obra, o arguido foi evasivo e propositadamente, pois bem sabe que foi julgado uma vez, acusado de 15 crimes de desobediência e que terá sido absolvido, julgamento esse ao qual se refere a fotocópia do acórdão de fls. 237 a 249 e tem por base factos ocorridos entre 23.06.94 e 20.12.94 (v fls. 246) e foi julgado outra vez, no citado proc.

1652/94, por um único crime de desobediência, por factos ocorridos em 21.06.94, no qual foi condenado pelo Tribunal da Relação de Évora, por acórdão que lhe foi notificado antes da data em que proferiu as declarações nestes autos aos seus antecedentes criminais.

Também o depoimento da testemunha A não teve qualquer credibilidade, antes pelo contrário, afigura-se que o mesmo constitui um depoimento

contrário à verdade dos factos. Com efeito, pretendendo escamotear o facto de o arguido ter agarrado na espingarda G3, transmitiu a versão de que foi

apenas um "empurrão". Acrescenta depois que foi ele, testemunha, a primeira pessoa que agarrou o arguido quando este corria em direcção ao exequente, o que é plenamente contrariado pela versão do cabo L. e dos soldados F. e D..

Aliás, na acareação feita entre a testemunha A e estas testemunhas, F. e D., estas até não tiveram dúvidas em afirmar que a testemunha A não teve qualquer intervenção no local e nem estava presente, pelo menos junto do sitio onde ocorreram os factos e houve a conduta do arguido.

2. Relativamente às condições pessoais, sociais e económicas do arguido: as suas declarações e o depoimento das testemunhas F. e Am., os quais por

virtude das relações de amizade com o arguido tinham conhecimento daquelas condições e os seus depoimentos foram suficientemente credíveis;

3. No tocante aos antecedentes criminais: o CRC de fls. 180 e a certidão de fls.

75 a 88;

4. Quanto aos factos não provados: a circunstância de não se ter feito prova suficiente da sua ocorrência.

Saliente-se que não foi seguro, da prova produzida, que o arguido tenha gritado que não podiam fazer aquilo e que as suas acções tivessem como objectivo impedir a concretização da decisão judicial. Resulta do conjunto da prova que o seu principal objectivo passaria por um confronto com o

exequente e que tomou o rumo que tomou, de colocar em causa a missão dos agentes da GNR no local, precisamente pelo obstáculo que os mesmos

colocaram à concretização daquele objectivo.

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Ora, em face dessa fundamentação, e embora se possa compreender que o arguido com ela não concorde, não se pode dizer que o tribunal omitiu o exame crítico da prova.

De facto, como se viu, no acórdão encontram-se expressas as razões pelas quais o tribunal, com base na prova que podia valorar,

considerou provados e não provados os factos que como tal indicou.

Improcede, por isso, nesta parte, o recurso interposto pelo arguido.

A nulidade do acórdão por ter condenado o arguido por factos diversos dos descritos na pronúncia

9 – O arguido considera que o acórdão proferido é também nulo porque o condenou por factos diversos dos descritos na pronúncia fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º do Código de Processo Penal.

Analisemos então essa questão.

Nos termos do despacho de pronúncia constante de fls. 159 e segs., foi imputada ao arguido a prática de um crime de resistência e coacção a funcionário por ele, em síntese, ter praticado os seguintes factos:

· Na tarde do dia 14 de Julho de 1997, enquanto decorria a entrega judicial de um imóvel ordenada num processo executivo, o arguido, que nesse processo figurava como executado, a certa altura, agarrou num pau e com ele na mão correu atrás do exequente.

· Depois de ser desarmado e conduzido para um outro local pelo cabo L., comandante da força da Guarda Nacional Republicana que aí se encontrava para garantir a segurança da diligência, o arguido

empurrou o referido cabo quando este procurava impedi-lo de se apoderar de uma espingarda G3 que um outro elemento da força

policial tinha ao ombro, provocando-lhe contusão das partes moles do cotovelo direito e dores no corpo.

· Para impedir que o arguido se apoderasse dessa espingarda foram necessários os esforços conjugados do cabo L. e de dois soldados, que tiveram que usar a força física para o dominar.

· O arguido agiu desta forma com intenção de impedir a concretização da diligência judicial e para se opor a que os elementos da Guarda Nacional Republicana desempenhassem as suas funções.

Embora o despacho de pronúncia não seja perfeitamente coerente ou, pelo menos, explícito quanto à funcionalidade do acto do arguido[2], uma correcta interpretação dessa peça processual conduz a que se considere que o empurrão (acto de violência) dado ao cabo L. (membro das forças militarizadas e de segurança), de que resultaram as lesões

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da sua integridade física, era uma forma de o arguido se opor a que o referido cabo o impedisse de se apoderar de uma arma, sendo este o concreto acto que materializava a autonomia intencional do Estado.

Ora, se confrontarmos o teor desse despacho de pronúncia com a matéria de facto provada em julgamento, verificamos que:

· Enquanto que naquele despacho o empurrão surgia como forma de o arguido se opor a que o cabo o impedisse de se apoderar da

espingarda, agora ele é descrito como um acto anterior ao início dessa tentativa. Depois de o arguido ter agarrado a espingarda para dela se apoderar veio a ser dominado pelos elementos da Guarda Nacional Republicana sem que se lhe aponte a prática de qualquer acto violento.

· O exequente, cuja presença, no despacho de pronúncia, só era

referida por ser o objecto da actuação do arguido, passou, no acórdão, a encontrar-se no local a colaborar com a funcionária judicial na

realização da diligência que esta estava a executar.

· A actuação do arguido, que, na pronúncia, visava impedir a

concretização da diligência judicial e que os elementos da Guarda Nacional Republicana desempenhassem as suas funções, passou a ter por objecto o exequente enquanto colaborador do Estado na

concretização da diligência judicial, tendo também o acórdão

caracterizado a natureza das funções que a força policial se encontrava a desempenhar no local.

Ora, esta nova narração, não traduzindo uma alteração substancial dos factos, porque é o mesmo “o pedaço de vida” a que se reporta, é a

mesma a natureza do bem jurídico colocado em perigo e permanece inalterada a qualificação jurídica da conduta, não deixa, contudo, de assumir relevância jurídica e de exigir que se dê oportunidade ao arguido de, quanto aos novos factos, se defender. Daí que deva ser considerada como uma alteração não substancial que apenas podia ter sido atendida pelo tribunal se, previamente, tivesse sido dado

cumprimento ao disposto no artigo 358º, nº 1, do Código de Processo Penal.

Por o tribunal não ter actuado da forma indicada o acórdão que veio a ser proferido é, nesta parte, nulo (artigo 379º, nº 1, alínea b), do

mencionado diploma legal).

III – DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em:

a) revogar a decisão recorrida no que se refere ao crime de falsidade de declaração por existir sobre essa matéria caso julgado;

(12)

b) anular o acórdão proferido, no que se refere ao crime de resistência e coacção sobre funcionário, por violação do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, determinando a

reabertura da audiência para no seu decurso ser dado cumprimento ao disposto no nº 1 do artigo 358º do mesmo diploma.

Sem custas.

²

Lisboa, 4 de Maio de 2005 (Carlos Rodrigues de Almeida) (Horácio Telo Lucas)

(António Rodrigues Simão)

(João Cotrim Mendes – Presidente da secção)

__________________________________________________________

[1] Uma vez que, de acordo com a alínea b) do nº 1 do artigo 401º do Código de Processo Penal, o arguido apenas tem legitimidade para impugnar as decisões contra ele proferidas e, como resulta da alínea b) do nº 2 do artigo 403º do mesmo diploma, em caso de concurso de crimes, cada um deles tem autonomia.

[2] Uma vez que, num primeiro momento, se diz que o arguido pretendia contrariar a acção de um dos elementos da força policial que o impedia de se apoderar de uma arma que estava afecta a um outro elemento dessa força e, a final, se acrescenta que o arguido visava também impedir a concretização da diligência judicial.

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