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O ato fotográfico – testemunhos e imagens de Auschwitz

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Academic year: 2018

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I/o

GFEDCBA

f' o t o g r 4 ft c o -

T e s t e m u n h o s

e I m a g e n s d e A u s c h w i t z

qponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

D ID I-H U B E R M A N , G eorges. I m a g e s m a l g r é t o m .

P aris: L es É ditions de M inuit, 2003.

M eize L ucas

U niversidade federal do C eará

A palavra i n fe r n o , no im aginário ocidental, rem ete de pronto a obra

di'

I ante A lighieri. P ara além do significado da obra para entender a cultura

1IIl.IS cntista, ela representa um a form a de com preensão do que seria o

1111 .rno. A palavra será retom ada no século X X , não m ais com o elem ento

num a bra artística, m as para dar form a e sentido ao que foi vivenciado nos

I.unpos de exterm inio nazistas: testem unhas e pensadores, que se dedicaram

.11) estudo do fenôm eno concentracionário, em pregam -na recorrentem ente.

A palavra é inexata: em vez de m ortos que sofrem penas após julgados,

h.rvia seres inocentes m ortos e m assacrados; ao invés de um lugar im aginário,

s.iíd da m ente de um literato, existiam grandes cam pos escondidos em m eio

,IO S bosques, planejados e construidos por hom ens. A uschw itz era real, ao passo

1]1I ' a obra de D ante era peça de ficção. N o entanto, só e tão som ente lá, no

dom ínio da cultura e da im agem (pois o pensam ento é tam bém construido por

Im agens), foi possível encontrar algo que pudesse traduzir ( o u , pelo m enos,

tentar traduzir) a realidade dos cam pos, com o observa G eorges D idi-H uberm an,

' 1 1 1 I m a g e s 1 I 1 a l g r é t o m . E ntre os indícios que se acum ulam sobre essa associação

lntre os cam pos e a obra renascentista, a inscrição da fam osa frase da porta

dantesca - l . a s a a t e o g n i s p e r a n o a o o i c h ' e n t r a t e - feita na cela por um prisioneiro

p lonês, com as próprias m ãos, em sua língua, enquanto aguardava o m om ento

do fuzilam ento. E m esm o nas palavras dos carrascos, a m esm a im agem se

im põe: "o inferno de D ante aqui tornava-se realidade'" .

M uitos estudiosos (entre os quais m uitos judeus e alguns

S breviventes) discorreram , em m ilhares de páginas, de H annah A rendt a

P rim o L evi, sobre a questão da experiência vivida nos cam pos e a dificuldade

de a conceber e, portanto, representá-Ia para si e para os outros. O absurdo

T r a j e t o s . R evista de H istória U fC . F ortaleza, voL 3, n" 6, 2005.

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do fenôm eno concentracionário era visto com o um a garantia pelos oficiais

alem ães. A final, quem acreditaria que cientistas gastavam horas pensando em

com o otim izar os m ecanism os de exterm ínio? P ara os prisioneiros essa m esm a

realidade era um pesadelo. C aso sobrevivessem , quem acreditaria em relatos

tão "fantasiosos"?

P ela prim eira vez na história da hum anidade, construiu-se um sistem a

de m atança no qual as vítim as eram carrascos de seus pares. o dia 4 de

julho de 1942, foi criado o

GFEDCBA

J o n d e r k o t l 1 1 J 1 a n d o ,equipe com posta por judeus que

tinham por função conduzir outros judeus às cârneras de gaz, retirar possíveis

dentes de ouro dos m ortos, queim ar os cadáveres, enterrar as cinzas e m anter

o segredo em torno do desaparecim ento dos presos. O s que quebravam a

conduta eram jogados vivos na fogueira dos crem atórios, enquanto os

cam aradas eram obrigados a tudo assistir. E os que não suportavam a rotina

das tarefas, atiravam -se contra as cercas elétricas. A s câm eras da gaz foram

construídas pelas próprias vítim as com o se fossem grandes chuveiros. G raças

a esse artifício, tornou-se dispensável a ação presentificadora do assassino.

E ste evento - o exterm ínio dos judeus nas câm eras de gás e o próprio

fenôm eno dos cam pos de concentração, com sua lógica de destruição e

aniquilam ento do hum ano - desestrutura todo o cam po de conhecim ento.

T orna-se a partir de então obrigatório repensar as categorias de análise até

então utilizadas para pensar o hom em pois elas não respondiam a algo que

era inim aginável.

É

aqui que se coloca a questão: o que significa lidar com as

categorias de i m a g i n á v e l e i n i m a g i n á v e l ? A S b o a b , a solução final, foi pensada,

arquitetada e levada adiante por alguém , ou m elhor, por um grupo em

determ inado m om ento. P ortanto trata-se sim de reconhecer a m iséria hum ana.

M as, ao m esm o tem po, o im pacto do evento, à época, e a dificuldade de

acreditar que algo assim estivesse acontecendo na E uropa - considerada

com o centro da razão e da m odernidade - pelos contem porâneos revelam a

dificuldade de pensar a existência dos cam pos de concentração.

E ssa dificuldade é revelada, por exem plo, pela fala dos próprios

prisioneiros. A s escavações feitas, em torno do cam po de A uschw itz, m uito

tem po após a L iberação, revelaram um a série de escritos produzidos e

enterrados pelos prisioneiros judeus. F ace ao inevitável desaparecim ento físico

da testem unha, buscava-se deixar, pelo m enos, o testem unho. S abe-se que

m uitos desses escritos se perderam pois, após o fim da S egunda G uerra

M undial, os cam pos foram invadidos pelos habitantes da região que

acreditavam que os judeus teriam enterrado bens preciosos. E ntre os textos

encontrados, em m uitos, as vítim as falam a futuros e prováveis leitores da

im possibilidade de im aginar o que se passava nos cam pos pois im possível

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1\11 .1 11\,I 10 I ' ra outrem . O relato pela escrita não podia dar a dim ensão do

'1111 I Il,lssava no cam pos.

S e rundo D idi-H uberm an, o que falta à palavra pode (e talvez deva)

I I 1111 (,Ido na im agem .

P ó ll Cqu'en chaque production testim oniale, en chaque acre de m é~ oire les

11 .ux langage e im age - som absolum ent solidaires, ne cessam pas d'echanger Icur~ lacunes réciproques : une im age vient souvent lã ou sem ble faillir le

11101, un rnot vient souvent lã ou sem ble faillir l'im agination.

(~ precisam ente, nesse sentido, que ele tom a as quatro :~ tografias

'.111.111 'ad, s" (lerm o por ele em pregado) de A uschw itz no crernatono

V

E m

li' 11. os chefes da R esistência polonesa dem andaram fotos que saíssem de

ti 11110 dos cam pos, com o intuito de am pliar a m obilização c~ ntra _o regtm e

I\,I.'I~ I,I 'tornar crível o que acontecia nos cam pos. A s fotos ate entao tiradas

1\111I(() r 'velavam da vida e do funcionam ento de A uschw itz ou T reblin_ka

(111111 cx eção das fotos aéreas conhecidas posteriorm ente) pO lS a vegetaçao,

I111 tom dos cam pos, funcionava com o barreira. A ssim , fez-se um aparelho

1IIIIlgr:ífico, com um resto de película virgem , ser introduzido no cam po,

III r.nnente, entre os m em bros do J o n d e r k o m t l 1 a n d o . P ara que as im agens fossem

Ilhlldas, foi necessária um a m obilização que envolveu várias pessoas a fim de

.Illhlar controle e a vigilância. O fotógrafo, para revelar a câm era de gás, teve

,11 S I' .sconder na própria, a fim de obter a prim eira seqüência de im agen~ de

1111pm sendo queim ados. O fotógrado deixa o crem atório, c~ ntorna-o e, regtstra

I'~ '11q o de m ulheres despidas, prontas para entrarem na cam era de gas. .

O bjeto central do livro I m a g e s m a l g r é t o u t , essas quatro fotos perm item

,10 autor discutir a questão da visualidade, do ato de produção de im a~ em ~

da Im portância da im agem para a form ulação do pens.am ento. O h~ ro e

(Ilm p S lO de duas partes. N a prim eita tem -se o texto que integrou o catalogo

d,l 'xposição M é m o i r e d e s c a m p s . P h o t o g r a p h i e s d e s c a m p s d e a m c e n t r a t t o n e t

tlrrlllillatiofl nazis (1933-1999), publicado em janeiro de 2001. A segunda

pan' resulta do sem inário por ele m inistr~ do na U ni~ ~ rsidade d: B erlim e

~ .jra em torno da questão do duplo regim e - histórico e, estetlc,o - do

"llllm aginável" e dos atos de produção da im agem . O texto e tam bem um a

Il'S P sta aos seus críticos. A exposição e o catálogo provocaram am plo debate

lia F rança e inúm eras críticas. . _

S egundo os detratores da obra de D idi-H uberm an e das exp~ slç~ ~ s

( 0111 im agens sobre o nazism o, a com preensão do fenôm eno concentracronano

deve, única e exclusivam ente, passar pelo contato com as testem unhas que

~ ()br 'viveram . A m em ória dos cam pos, a partir dos próprios sobreV iventes,

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seria a única form a de estudar e pensar tal fenôm eno. A lém disso, a im agem

nada teria a acrescentar ao que se conhece através dos livros e testem unhos.

A exposição de im agens perm itiria, única e exclusivam ente, a banalização e

espetacularização da

GFEDCBA

S h o a h . E as quatro im agens, em especial, a que o autor

dedica longo estudo, revelaria um a "fetichização da im agem ", de sua parte.

O u seja, culto a relíquias funestas de um tem po m órbido. A lém disso, com o

é possível fazer um a discussão estética sobre um a im agem de tal natureza? E ,

para finalizar, não há im agem nem testem unho possível sobre a S h o a h , pois

quem viveu a experiência concentracionária até o fim não sobreviveu.

A resposta aos críticos é um a longa discussão sobre a fenom enologia

da im agem e as relações entre ética e estética. O ra, não se trata de usar a

im agem com o ilustração dos cam pos ou com o chave de interpretação para

algo ainda não com preendido. A im portância de im agem - principalm ente no

caso dessas quatro - reside justam ente no gesto, no desejo, na necessidade da

produção; no ato fotográfico que perm ite sua existência.

E m nenhum a passagem do livro, a im agem fotográfica é tom ada

com o m ero objeto de atração, curiosidade ou ilustração. E la nunca é pensada

fora do evento, do acontecim ento, das condições de possibilidade de existência.

P ara tal, rem ete a um a tradição filosófica que rem onta a H annah A rendt,

W alter B enjam in e Jean-P aul S artre, segundo a qual, as im agens com põem o

pensam ento e perm item form ular form as de com preensão.

N ão se pode pretender ver tudo em um a im agem . E la não é portadora

de nenhum a verdade. E la é lacunar, toca a realidade em alguns pontos e é,

antes de tudo, um ato, que sem pre se dirige a alguém . A s fotos "arrancadas"

de A uschw itz são im agens da S h o a h em ato e feitos de resistência histórica.

A s s i m , segundo D idi-H uberrnan, que direito tem os nós de não olhar as

fotografias a nós endereçadas, buscando com preender visualm ente o terror

do que se passava nos cam pos?

N O T A

1C om andante Irm fried E berl falando sobre T reblinka.

Referências

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