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Open A influência da religiosidade na subjetividade de jovens homossexuais: uma proposta de compreensão fenomenológica

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES

LAIONEL VIEIRA DA SILVA

A INFLUÊNCIA DA ESPIRITUALIDADE/RELIGIOSIDADE NA SUBJETIVIDADE DE JOVENS HOMOSSEXUAIS: UMA PROPOSTA DE COMPREENSÃO

FENOMENOLÓGICA

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LAIONEL VIEIRA DA SILVA

A INFLUÊNCIA DA ESPIRITUALIDADE/RELIGIOSIDADE NA SUBJETIVIDADE DE JOVENS HOMOSSEXUAIS: UMA PROPOSTA DE COMPREENSÃO

FENOMENOLÓGICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões, do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba – PPGCR/CE/UFPB, como requisito parcial à obtenção do título de mestre em Ciências das Religiões.

Orientadora: Profa. Dra. Fernanda Lemos.

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AGRADECIMENTOS

Aos deuses e deusas que me ajudaram nos momentos mais difíceis do meu percurso profissional.

À minha família, aos meus amigos, e aos participantes desta pesquisa, pela oportunidade de crescimento que somente o contato mais genuinamente humano é capaz de oferecer.

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"Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana seja apenas outra alma humana”

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RESUMO

Historicamente em nosso contexto ocidental, a sexualidade tem sido regulada por diferentes perspectivas científicas e religiosas, na qual a homossexualidade tem sido identificada por valores próximos ao cristianismo como algo “diferente” do comum. Essa estranheza é geradora de uma tensão subjetiva em homens e mulheres homossexuais, inclusive na forma de se relacionarem com a espiritualidade/religiosidade. Enquanto a religiosidade tende a relaciona-se com as normas institucionais de uma tradição religiosa, a espiritualidade provê uma busca por sentidos e autoconhecimento à vida humana. O nosso objetivo principal é investigar a influência da espiritualidade/religiosidade na subjetividade de jovens homossexuais. Desse modo, a pesquisa segue dividida em três momentos: um panorama sobre a homossexualidade no contexto histórico ocidental, sobretudo na atualidade brasileira; análise das relações entre homossexualidade e espiritualidade; e as contribuições da espiritualidade na subjetividade de jovens universitários homossexuais. O presente estudo foi desenvolvido através de uma pesquisa de campo de cunho fenomenológico. Participaram do estudo três homens e três mulheres homossexuais, respondendo a seguinte questão desencadeadora “como você percebe a presença de sua sexualidade na sua espiritualidade?”. Além disso, responderam ainda, um questionário sociodemográfico. Através do presente estudo foi possível compreender alguns dos sentidos de espiritualidade na subjetividade gay, tais como a liberdade, o bem-estar e a autoaceitação de sua sexualidade. Para melhor compreensão das relações entre religiosidade/espiritualidade e homossexualidade torna-se pertinente o desenvolvimento de novas pesquisas que busquem entender a interação desses temas sob outras perspectivas.

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ABSTRACT

Historically in our Western context, human sexuality has been governed by different scientific and religious perspectives, in which homosexuality has been identified by values close to Christianity as something "different" from the ordinary. This strangeness is generating a subjective tension in homosexual men and women, including as they relate to spirituality/religiosity. While religiosity tends to relates to the institutional rules of a religious tradition, spirituality provides a search for sense and self-knowledge to human life. Our main objective is to investigate the spirituality/religiosity of influence in the subjectivity of young homosexuals. Thus, the research follows divided into three parts: an overview of homosexuality in the Western historical context, especially in Brazil today; analysis of the relationship between homosexuality and spirituality; and spirituality of contributions in the subjectivity of gay university students. This study was developed through a phenomenological field research. Study participants were three men and three women homosexuals, answering the question triggering "how you perceive the presence of sexuality in your spirituality?". In addition, respondents also a sociodemographic questionnaire. Through this study it was possible to understand some of the spirituality of the senses gay subjectivity, such as freedom, well-being and self-acceptance of their sexuality. For a better understanding of the relationship between religiosity / spirituality and homosexuality, it is pertinent to develop new research that seeks to understand the interaction of these themes from other perspectives.

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Sumário

INTRODUÇÃO... 10

CAPÍTULO 1 - PANORAMA DA HOMOSSEXUALIDADE E DA RELIGIÃO NO CONTEXTO HISTÓRICO OCIDENTAL ... 19

1.1 - Homossexualidade e religião ...21

1.2 - O protagonismo do jovem na construção da identidade homossexual ...33

1.3 - A identidade homossexual no Brasil ...43

CAPÍTULO 2–HOMOSSEXUALIDADE E ESPIRITUALIDADE ... 50

2.1 – Espiritualidade ou religiosidade: diferenças ...52

2.2 – Espiritualidade e a liberdade ...62

2.3 – A homossexualidade como libertação ...71

2.4 – Espiritualidade e subjetividade...75

CAPÍTULO 3-RESULTADOS ... 79

3.1 - A fenomenologia como método de pesquisa ...79

3.2 – Narrativa do meu encontro com Gabriel ...84

3.2.1 - Síntese compreensiva do depoimento de Gabriel ...86

3.3 - Narrativa do meu encontro com Karol ...87

3.3.1 - Síntese compreensiva do depoimento de Karol ...88

3.4 - Narrativa do meu encontro com Luana ...89

3.4.1 - Síntese compreensiva do depoimento de Luana...90

3.5 – Narrativa do meu encontro com Marcos ...91

3.5.1 – Síntese compreensiva do meu encontro com Marcos ...93

3.6 – Narrativa do meu encontro com Miguel ...94

3.6.1 – Síntese compreensiva do meu encontro com Miguel...96

3.7 – Narrativa do meu encontro com Bárbara ...97

3.7.1 – Síntese compreensiva do meu encontro com Bárbara...98

3.8 – Discussão ...99

3.9 - Considerações Finais ... 110

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 113

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Introdução

Durante a minha graduação no curso de psicologia na UFPB, deparei-me com a complexidade dos estudos das Ciências Humanas no que diz respeito à formação da psique, em seus aspectos bio-psico-sócio-espirituais. A dimensão espiritual demonstra-se como uma área ainda recente, em relação a outros campos de estudos científicos, e de profunda importância devido à presença cada vez mais diversa na vida das pessoas através de uma espiritualidade com ou sem religião.

As relações entre religiosidade e espiritualidade revelam uma complexa rede de influência mútua sobre esses temas, apesar de serem termos distintos. A religiosidade aqui entendida, diz respeito à adesão a um conjunto de símbolos, comportamentos e valores pré-escritos por certa cultura religiosa, enquanto a espiritualidade abrange um conjunto de valores éticos concebidos através de uma busca relativamente autônoma do sujeito. A espiritualidade trata-se de algo que fornece sentido a vida do sujeito, porém não são temas excludentes. Tais conceituações são desenvolvidas no decorrer deste estudo.

Por isso, o conhecimento desenvolvido pelas Ciências das Religiões, nas suas mais distintas abordagens, torna-se necessário para compreender a própria dinâmica dessa dimensão espiritual e suas interfaces com o desenvolvimento da subjetividade humana.

São através das contribuições dos estudos em Ciências das Religiões, que os temas da espiritualidade e subjetividade podem ser significativamente desenvolvidos juntos as demais Ciências da grande área das Ciências Humanas, através de um olhar multidisciplinar com a psicologia por exemplo.

Gomes & Rodrigues (2012) desenvolveram uma pesquisa que teve como objetivo analisar o objeto das Ciências da Religião e suas relações com as Ciências Humanas, através de um estudo de caso sobre a produção científica dos egressos do programa de pós-graduação em Ciências da religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Realizada entre 2002 e 2011, foi possível constatar algumas das possibilidades de estudo desse campo:

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finalmente e) o objeto considerado como a experiência religiosa (GOMES & RODRIGUES, 2012, p. 395).

A própria complexidade do campo e o entendimento sobre o que é religião sugerem a necessidade da formação das Ciências das Religiões e suas interdisciplinaridades com demais conhecimentos das Ciências Humanas, tanto do ponto de vista de seu desenvolvimento teórico quanto metodológico na sua forma de fazer ciência.

Em Weber (1999), os estudos acerca das religiões são realizados com base na racionalização dos acontecimentos “desse mundo”, pelas expectativas, representações, vida cotidiana, relações sociais, e principalmente, os acontecimento de caráter econômico, e não buscando a essência de uma religião propriamente dita, Reforça a necessidade da interdisciplinaridade para a compreensão dos impactos dos fenômenos religiosos na sociedade.

No decorrer de minha formação acadêmica, inquietações surgiram a respeito do papel complexo das religiões na sociedade, como o caso dos fenômenos “mediúnicos”, por vezes entendidos por algumas vertentes profissionais como algo pertencente ao domínio da “loucura”. Percebe-se que em alguns casos tal posicionamento se torna questionável, tratando-se de um fenômeno que precisa ser estudado em sua complexidade.

Diante do exposto, optei então por investigar em meu Trabalho de Conclusão de Curso, em 2014 (“Uma abordagem fenomenológica na compreensão da mediunidade”), que posteriormente foi publicado em formato de artigo, uma pesquisa de campo sobre a experiência da atividade mediúnica de quatro médiuns de denominação religiosa espírita. Foi possível observar como estas experiências construíram sentidos para os seus protagonistas, nos quais se verificou uma relação positiva entre saúde e espiritualidade, favorecendo o sentimento de pertença em uma comunidade que os acolhe positivamente. À guisa de conclusão, os fenômenos mediúnicos se demonstraram benéficos à saúde desses médiuns, obviamente ressalvando sempre para a necessidade de uma leitura bastante atenta e interdisciplinar quando se trata de fenômenos de transição para outros estados de consciência.

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leituras acerca das vivências dos mesmos. A espiritualidade dos médiuns favoreceu a possibilidade de ressignificar determinadas experiências dos sujeitos (SILVA & SILVA, 2014).

Desse modo, busquei produzir pesquisas que dessem visibilidade e voz para diferentes grupos sociais, através de uma série de estudos sobre um movimento social de meu interesse: o movimento LGBT1, despertado através das recentes lutas realizadas por este grupo em nosso país, tanto pela igualdade de direitos e pelas conquistas alcançadas desde o surgimento desse grupo, enquanto movimento social.

Assim foram publicados (em anais de congresso e revistas) os seguintes trabalhos de minha autoria: “Relação corpo e gênero: As várias facetas de um sistema de exclusão”; “Jornada na busca de direitos: construção dos direitos das/dos transexuais”; “Suicídio ou assassinato? um outro crime por trás da prática homofóbica”; “Entre Cristianismo, Laicidade e Estado: As Construções do Conceito de Homossexualidade no Brasil”; “ Morte e Exclusão: Crimes Contra a Mulher Transexual”. Dentre outros que estão atualmente no prelo.

Observei desse modo, uma série de vulnerabilidades vivenciadas socialmente por esse grupo, sobretudo no contexto de uma imposição heterossexista, que insere o público LGBT como um dos principais grupos vulneráveis as doenças emocionais, como depressão e risco de suicídio.

Importante notar que tais sofrimentos são oriundos principalmente do preconceito social homofóbico dilacerante, o que faz levar a questionar o papel ocupado pela religiosidade na vida dessas pessoas, ou como gerador de saúde ou como agente de desencadeamento de sofrimento emocional.

Sobre homofobia, Borrillo (2010, p. 13) afirma ser “a rejeição da homossexualidade, a hostilidade sistemática contra os homossexuais”, na qual a cultura da homofobia, se configura como um dos principais elementos produtores dos adoecimentos a homens e mulheres homossexuais.

Como ilustração, em relação ao sofrimento emocional vivenciado por tais pessoas em uma sociedade extremamente heteronormativa, Silva e Barbosa (2014) nos

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apresentam em seu estudo a presença de “assassinatos indiretos” aos homossexuais postulados pela sociedade heteronormativa, em que tal fenômeno ocorre a partir do manto do suicídio.

Esses suicídios estão estritamente ligados aos indivíduos sob uma interferência/relação entre o "o ato de atentar contra a própria vida" praticado por estes indivíduos e a prática social da homofobia. Está escondido por trás da prática do suicídio um outro crime, associado a prática da homofobia, um tipo de suicídio velado, que pode ser configurado como um "Suicídio Heterocorretivo", em que temos uma prática de assassinato corretivo pautada em princípios de uma sociedade heteronormativa na qual a partir da prática da homofobia, provoca-se a morte da vítima, encoberta sobre o manto do suicídio, podendo então ser concebido, não como suicídio, mas como um "assassinato indireto" (SILVA & BARBOSA, 2014, p. 76).

Tais fenômenos são bastante preocupantes e presentes em toda a construção subjetiva desses sujeitos, inclusive no tocante a própria saúde desses. De tal modo, a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2014) nos mostra, através de seu relatório de estudos sobre casos de suicídio no mundo, que o Brasil tem ocupado o oitavo lugar no número de países com registros de números de suicídios, com um total de 11.821 casos no ano de 2012. Nesse relatório, em nível mundial, foi identificada ainda a existência de grupos mais vulneráveis, dentre eles, os homossexuais e transexuais.

Além disso, é bastante expressivo o número de discursos homofóbicos relacionados com o teor de fundamentalismos religiosos, conforme observa Natividade (2006); Mussokopf (2015); Mussokopf (2012).

A partir dessas experiências, considerando o grau acentuado de processos de violência construídos socialmente na subjetividade desses sujeitos, e pensando nas heranças patologizantes que o público LGBT uma vez recebeu no decorrer de nossa história (principalmente através dos discursos de caráter homofóbico emitido pelas religiões tradicionais dominantes), percebe-se a necessidade de se buscar conhecer tais dificuldades através do conhecimento das Ciências das Religiões.

A subjetividade aqui trabalhada é entendida conforme conceituada por Rey (2006), tratando-se de um processo que se constrói a partir de diferentes direções, que influencia e é influenciado ao mesmo tempo pelo social e individual, no qual essas experiências de preconceito são construídas e expressas mutuamente através de uma subjetividade social e individual.

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trabalho como a relação entre a subjetividade social e individual, onde uma nunca é externa a outra, emergindo de múltiplas maneiras, uma constituinte da outra, processo que acontece de forma singular tanto nos espaços sociais afetados por essas dinâmicas como nas pessoas que compartilham suas práticas no interior desses espaços (REY, 2012 p. 182).

Tal subjetividade social é construída pelo próprio curso da história e pelas pessoas que dela fazem parte, através de uma unidade dialética entre indivíduo e sociedade, pautada em uma compreensão sócio-histórica do ser humano.

As consequências dessas violências são vivenciadas por esse grupo na formação de sua subjetividade na dimensão espiritual e religiosa, assim torna-se necessário conhecer as estratégias adotadas que facilitam/interrompem o desenvolvimento saudável dessas dimensões, através da fala dos seus reais protagonistas.

Dar visibilidade aos grupos sociais minoritários em trabalhos de caráter acadêmico se torna um fenômeno cada vez mais necessário, que garante o desenvolvimento de conhecimentos científicos comprometidos com a realidade desses sujeitos, promovendo saberes nas Ciências das Religiões, frente a diferentes olhares sobre a espiritualidade e/ou religiosidade.

É possível notar que, com base no processo de discriminação a algumas culturas e comportamentos humanos nomeados erroneamente como “anormais” ou pertencentes ao campo da “loucura”, cientistas e estudiosos no decorrer da história apresentaram a homossexualidade com proximidade à doença mental por muitos anos, na história da construção das Ciências “psi”: psicologia, psicanálise, psiquiatria (MESQUITA, 2008; LACERDA et al., 2002; MOTT, 2002).

Eram construídos discursos sobre os sujeitos, mas não com suas vozes. A padronização de um “certo” e de um “errado” foi acompanhada pela ideia de neutralidade científica, através de um conjunto de saberes capazes de construir realidades e expandir verdades para toda a sociedade. Os discursos profetizados se cumpriam através de suas interdições, estabelecendo assim uma complexa rede de saberes (FOUCAULT, 1988).

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Jesus (2006), em seu artigo “Notas sobre religião e (homo) sexualidade: "Igrejas Gays" no Brasil”, traz enquanto proposta o estudo de “homossexualidades e cristianismos”, “correlações entre morais religiosas e culturas sexuais”, observando os impactos da presença de certa ética normativa para condutas sexuais nos espaços cristãos.

Autores como Mott (2009), Natividade (2006), Lionço (2008), em suas pesquisas revelam a presença e a influência de ideologias religiosas na manutenção do padrão heteronormativo, vigente através do patriarcalismo e das chamadas “curas pastorais”, inclusive no modo de se pensar a definição de conceitos como “família”, e regras de comportamentos ditos corretos para homens e mulheres, criando-se um padrão do que é ser normal e pertencente ao campo do sagrado, em detrimento de um grupo eleito como anormal e “pecaminoso”, de modo a deslegitimar as experiências de espiritualidade dos homossexuais.

Nota-se a escassez de uma investigação na literatura científica sobre a espiritualidade em homossexuais, não vinculadas necessariamente a alguma teologia específica. A partir dessa constatação, percebe-se a necessidade de desenvolver este tipo de pesquisa, que tem como interesse uma aproximação entre esses dois temas, estudados através das experiências de jovens homossexuais, dando-lhes voz na produção de conhecimento científico e criando um espaço para que esses sujeitos verbalizem suas vivências.

Portanto, o objeto dessa pesquisa é compreender a influência da espiritualidade/religiosidade na constituição subjetiva de jovens2 homossexuais universitários. O problema central desse projeto gira em torno de como homossexuais representam a relação da vivência espiritual em suas vidas, bem como as principais dificuldades para desenvolverem experiências espirituais em uma sociedade demarcadamente homofóbica.

Pesquisar as relações entre espiritualidade e subjetividade entre jovens gays, torna-se importante também pela presença, na literatura científica, de registros sobre os altos níveis de violência sofridos pelos homossexuais com esse recorte geracional:

Não é menos desprezível, a participação cada vez mais assídua de grupos organizados que planejam e incitam a violência contra homossexuais, sobretudo mais jovens nesses espaços. O aumento do

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número de jovens presentes nesses episódios reflete uma certa tendência das estatísticas de violência no Estado, em que esse segmento social aparece como principal vítima e agente da violência urbana.

Considerando a especificidade da violência que atinge os homossexuais, podemos perceber que as estatísticas extra-oficiais obtidas em pesquisas sobre violência anti-gay pelo país corroboram as estatísticas oficias no que tange a faixa etária dos envolvidos nas situações de violência. Sendo assim, podemos afirmar que a violência anti-gay é fenômeno que envolve em sua existência a presença de jovens. Seja na condição de atores ou de vítimas da violência, esses jovens protagonizam esse tipo de violência (GÓIS & SOLIVA, 2008, p. 13).

Desse modo, investigar as relações entre espiritualidade/religiosidade e subjetividade em jovens homossexuais torna-se pertinente, inclusive para uma melhor problematização a nível científico sobre as vulnerabilidades vivenciadas por esses sujeitos. Assim, como objetivo geral, buscamos analisar a influência da espiritualidade/religiosidade na subjetividade de jovens universitários homossexuais.

Para tanto, temos como objetivos específicos, a serem desenvolvidos respectivamente, nos capítulos 1, 2 e 3: desenvolver um panorama geral sobre a homossexualidade no decorrer da história ocidental; analisar as relações entre homossexualidade e espiritualidade; e por fim, buscar as contribuições da espiritualidade/religiosidade na subjetividade de jovens homossexuais, através de uma pesquisa de campo de cunho fenomenológico.

A pesquisa de campo foi desenvolvida a partir de referenciais teóricos do campo da psicoliga fenomenológica como Amatuzzi (2001; 2009); Fonseca (2015) e Forghieri (1993).

Importante destacar que a pesquisa em questão foi enviada previamente ao Comitê de Ética para pesquisa com seres humanos, em consonância com as condições da resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. O referente estudo foi aprovado e seguiu todos os aspectos éticos de uma pesquisa envolvendo seres humanos, incluindo, por exemplo, a elaboração prévia do Termo de Consentimento Livre Esclarecido, a ser dirigido a cada participante.

Além disso, foram alterados todos os nomes dos participantes desta pesquisa. Foram atribuídos pseudônimos com o intuito de preservar a identidade de cada sujeito entrevistado.

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os significados vivenciados para aqueles que o experimentam, a partir dos seus protagonistas reais (FARIA, 2005). Na mesma direção, para Amatuzzi (2001), a pesquisa fenomenológica se dá pela aproximação da experiência e a expressão do que nela está contida como significado, frente ao tema que se pretende conhecer.

Assim, os conceitos de espiritualidade e religiosidade serão fornecidos e trabalhados a partir do entendimento dos próprios sujeitos da pesquisa, visto que se trata de uma pesquisa de psicologia fenomenológica, e pela complexa amplitude que é a definição desses conceitos. As narrativas com produção de cunho fenomenológico serão abordadas apenas através do terceiro capítulo deste estudo.

A pesquisa foi realizada através do contato com jovens universitários que se identificam enquanto homossexuais residentes em João Pessoa, de 20 a 24 anos de idade, e que se voluntariam a participar dessa pesquisa. Foi realizada na própria casa do participante, em horários combinados previamente e enquanto a família esteve ausente, devido ao ambiente permitir uma interação mais livre entre pesquisador e participante, garantindo ao mesmo tempo o sigilo da pesquisa e conforto do participante, consequentemente produzindo narrativas mais livres nas falas dos sujeitos da pesquisa.

Participaram do estudo seis homossexuais, três homens e três mulheres, tendo como critérios de inclusão: identificar-se como homossexual, residir na grande João Pessoa e possuir idade entre a faixa etária citada. Como critério de exclusão, jovens que não fossem universitários.

Como instrumento de pesquisa foi utilizado uma entrevista para cada participante, com finalidade de se obter narrativas de suas experiências, pois segundo Benjamin (1994) é por meio da fala que é possível encontrar a experiência. A narrativa revela dimensões envolvidas nos fatos e afetos que percorrem a trajetória experiencial do participante da pesquisa.

Segundo Dutra (2002, p. 373), narrar alguma coisa consiste na “faculdade de intercambiar experiências”. A narrativa, portanto, ao considerar essa dimensão do mundo vivido, sinaliza a possibilidade de nos aproximarmos do outro. Dutra (2002) aponta a narrativa como uma forma de comunicação que reflete uma experiência humana, e que por meio dela, podemos nos aproximar dessa experiência.

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Importante destacar que utilizamos um gravador para o registro das falas, a partir do consentimento prévio do participante, além do uso de pseudônimos para cada um deles. Além da entrevista, apliquei ainda um questionário sóciodemográfico para classificação da amostra, conforme segue na seção “anexo”.

Sobre os participantes da pesquisa, temos os seguintes dados:

Tabela 1 - Caracterização da amostra

Partici-pantes

Sexo Idade Cor Religião Atual

Há quantos anos frequenta

Religião anterior

Rendimento Pessoal Gabriel Masculino 20 Preto Não Possui 06 Católico 950 reais

Karol Feminino 21 Parda Católica 21 Não Possui 1100 reais Luana Feminino 20 Parda Evangélica 20 Não Possui 1000 reais

Marcos Masculino 20 Negro Ateu 5 Católico 1000 reais

Miguel Masculino 24 Branco Umbanda 3 Espírita 1000 reais Bárbara Feminino 23 Negra Não Possui 8 Católica 800 reais

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Capítulo 1 – Panorama da homossexualidade e da religião no contexto histórico ocidental

Neste capítulo analisaremos algumas visões sobre a homossexualidade no decorrer da história em contexto ocidental. Trata-se de um panorama geral e crítico, buscando apresentar suas interfaces principalmente com a religião cristã, devido a sua forte influência na própria história do ocidente.

Sendo assim, a definição de religião aqui apresentada refere-se ao conjunto de tradições e práticas desenvolvidas pelo cristianismo, nos seus aspectos institucionais e enquanto identidade partilhada de “cristão”, pelos que se consideram seguidores de certos fundamentos do cristianismo.

Para Greschat (2005), a palavra “religião”, é algo de difícil definição, trata-se de uma palavra que traz ambiguidades, apesar de novos conceitos e definições que tem a sua descrição, até hoje não foi alcançado o resultado esperado.

A palavra “religião” pode ser aplicada a outros contextos e com outros significados, sendo importante neste trabalho esclarecer o seu uso restrito às tradições cristãs. Essa escolha deve-se ao forte impacto cultural e social do cristianismo no desenvolvimento histórico de nosso contexto ocidental, assim como a sua relevância para o objeto de estudo aqui proposto.

Importante notar que a homossexualidade, enquanto uma categoria de estudo, é encontrada como uma possibilidade apenas na modernidade, assim, antes não existia essa palavra enquanto definição. Havia apenas a presença no meio político e social do “amor entre iguais”. Pois, é durante tal período que as "posições-de-sujeito" ao redor dessa sexualidade são construídas como identidade (LOURO, 2000, p. 36).

No que diz respeito ao primeiro tópico homossexualidade e religião, apresentaremos a homossexualidade enquanto relacionamento afetivo, romântico e/ou sexual entre pessoas do mesmo sexo, preocupando-nos com a história dos olhares dirigidos a tais práticas. Serão analisadas ainda, para melhor compreender a proposta deste capítulo, as relações entre o protagonismo do jovem na construção da identidade homossexual, e a identidade homossexual no Brasil.

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Um dos objetivos centrais desse capítulo é compreender como a sexualidade e a religião se mantém em diálogo, influenciando/sendo influenciada pela modernidade. Assumiremos a compreensão de religião enquanto um campo religioso, como conceito discutido por Bourdieu (1987), no qual leigos, sacerdotes, profetas ou feiticeiros compõem esse campo, gerando uma hierarquia e um palco de disputas políticas e ideológicas.

O campo religioso tem por função específica satisfazer um tipo particular de interesse, isto é, o interesse religioso que leva os leigos a

esperar de certas categorias de agentes que realizem “ações mágicas ou religiosas”, ações fundamentalmente “mundanas” e práticas,

realizadas “a fim de que tudo corra bem para ti e para que vivas muito tempo na terra”, como diz Weber (BOURDIEU, 1987, p. 82).

Nesse sentido, é relevante destacar e problematizar a ideologia e o interesse sempre presentes em quaisquer produções de conhecimento de caráter científico, no qual está sempre mergulhado numa perspectiva política, mesmo que disfarçados de um discurso de neutralidade científica (ALMEIDA, 2004; SARDENBERG, 2007; SAID, 2012).

Dessa maneira, o desenvolvimento das Ciências ocorre através do discurso de uma “neutralidade” não neutra, que serve para manutenção do status quo de determinados grupos da sociedade, seja idealizado por algum viés de gênero (SARDENBERG, 2007), através da legitimação de alguma religiosidade dominante (ALMEIDA, 2004), ou mesmo pela exploração cultural (SANTOS, 2014).

Não existe imparcialidade do conhecimento. Todo o saber é orientado por bases ideológicas, a questão primordial é saber quais grupos são incluídos e quais grupos são excluídos com determinado saber (FREIRE, 1987).

Outro grande exemplo dessas discussões é o movimento de luta antimanicomial que vem se desenvolvendo no Brasil nos últimos anos, que ocorre com a desconstrução do saber médico ideológico, e através das novas apropriações sobre a loucura pelas Ciências Humanas, servindo como ferramenta contrária ao higienismo classificatório, que é retificado pelo conhecimento científico tradicional (LÜCHMANN & RODRIGUES, 2007).

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forma de violência e humilhação com cumplicidade jurídica, científica, cultural e institucional”.

Torna-se relevante conhecer criticamente a produção científica como construção social, histórica e cultural, formadora de subjetividades interessadas em certa manutenção do saber.

Neste primeiro capítulo, Foucault (1988) será um dos teóricos apresentados, devido aos seus estudos sobre a história da sexualidade, a partir das suas observações sobre as “interdições” que foram construídas frente aos temas da sexualidade e da lógica do poder desde a antiguidade até os dias atuais.

As compreensões teóricas de Bauman sobre modernidade também servirão de base para a discussão dos temas propostos. Além desses, serão apresentados outros teóricos capazes de contribuir com a proposta desse capítulo.

1.1– Homossexualidade e religião

Podemos encontrar diversas formas/olhares no entendimento da sexualidade humana através da história. Todas dentro de perspectivas influenciadas pelo contexto social vigente. (FOUCAULT, 1988). Para uma melhor compreensão sobre o termo “sexualidade”, adotamos a seguinte definição:

A sexualidade, no nosso entender, é um conjunto de fatos, sentimentos e percepções vinculados ao sexo ou à vida sexual. É um conceito amplo, que envolve a manifestação do impulso sexual e o que dela é decorrente: o desejo, a busca de um objeto sexual, a representação do desejo, a elaboração mental para realizar o desejo, a influência da cultura, da sociedade e da família, a moral, os valores, a religião, a sublimação, a repressão (RIBEIRO, 2005. p.1).

A sexualidade durante todo o nosso percurso histórico foi regulada pela sociedade, diante de alguns contextos específicos foi incentivada e em outros momentos interditada (FOUCAULT, 1988; FOUCAULT, 1985).

Deste modo, a homossexualidade não pode ser considera um acontecimento ou fenômeno recente/atual e nem mesmo podemos afirmar que este surgiu em um momento especifico da história da humanidade.

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Dessa forma, pesquisas como “Entre cristianismo, laicidade e estado: as construções do conceito de homossexualidade no Brasil” de Silva e Barbosa (2015) revelam a presença de discursos religiosos modificadores de conceitos como sexualidade, homossexualidade, família e gênero.

Dessa maneira, leituras religiosas atravessam culturas e processos sociais complexos, não se restringindo a uma religião enquanto instituição isolada do mundo laico, conforme pensa a modernidade, mas de uma tradição que esteve (e ainda está) sempre atuante em diferentes espaços. (HERVIEU-LÉGER, 2004).

Sobre o tema da modernidade, Bauman (2001) traz a noção de que há uma constante transformação da cultura e de toda nossa sociedade, trata-se de um movimento que torna possível diferentes reformulações de conceitos sociais. Para uma melhor compreensão desses múltiplos olhares é necessário percorrer alguns períodos importantes na história do ocidente.

Pensar a história no contexto ocidental é lembrar também de constantes diálogos e conflitos estabelecidos com um “outro”, principalmente de um comparativo inventado sobre um “oriente” quando pensado a divisão entre oriente e ocidente que não é meramente geográfica (SAID, 2012).

Assim, dentro de um mesmo “ocidente” é possível pensar muitas alteridades propositalmente construídas com um sentido de subjugá-las, através de um pressuposto no qual “[...] o mal vem sempre de fora, na França, a homossexualidade foi qualificada como "vício italiano" ou "vício grego", ou ainda "costume árabe" ou "colonial". À semelhança do negro, do judeu ou de qualquer estrangeiro, o homossexual é sempre o outro, o diferente, aquele com quem é impensável qualquer identificação” (BORRILLO, 2010, p. 14).

No Egito antigo, por exemplo, a mulher tinha a possibilidade de ocupar certas profissões, como médica, escriba, proprietárias de terras. Ainda que não houvesse a presença de um matriarcado, gozava de um papel importante na sociedade e de condições contextuais para exercê-la (MOCELLIN, 2000).

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De fato, há diferenças enormes entre a mulher grega e a mulher Egípcia, no tocante a seu status. Em Atenas as mulheres são submissas aos seus maridos, não podem sair sozinhas e tem um espaço na casa destinado a elas, o gineceu. Tem papel social definido – ser filha e mãe – e tem na casa e na família o seu mundo e a 'razão de sua existência (RIBEIRO, 2005, p. 3).

Analisando a Grécia Antiga, é possível perceber relatos de filósofos e outros pensadores que viviam a sexualidade homossexual de maneira aberta em sociedade, a exemplo, Ésquines (389-322 a.C.) e Demóstenes (384-322 a.C), que inclusive falavam em assembleias realizadas em Atenas de maneira livre sobre seus amores por outros homens. (TORRÃO FILHO, 2000).

Os conceitos de “homossexualidade” na Grécia Antiga, como em todos os outros períodos da história sofrem influência direta do próprio momento no qual os valores sociais estão implicados. Sendo subjetivados dialeticamente na construção da história (REY, 2012).

De modo que, ao citar a homossexualidade na Grécia Antiga, recorre-se ao pensamento político vigente nessa época. Lá as relações sexuais entre homens ou entre mulheres eram comuns, porém compatíveis com determinados valores morais e de justiça (FOUCAULT, 1985; LEMOS, 2015).

Sennett (2003, p. 44) ilustra:

O andar calmo e firme também indicava nobreza […]. Supostamente, as mulheres deviam caminhar lentamente, hesitantes, e o homem que fizesse o mesmo pareceria efeminado. Ereto, hábil, ciente de onde quer chegar; a palavra orthos – “irrepreensível” – carregava todas as implicações da retitude do macho e contrastava com a passividade desonrosa, marca dos homens que se submetiam à penetração anal.

A “passividade” masculina estava referenciada como algo desonroso ou inferior, no mesmo sentido havia uma moral que também regia a sexualidade das mulheres gregas.

(24)

A história da sexualidade revela, desde a Grécia Antiga, tentativas de se compreender os corpos dos homens e das mulheres distintamente, através inclusive de conceitos fisiológicos:

Para Aristóteles, o esperma era superior por gerar vida, em

contraposição à menstruação, inerte. Ele distingue “o macho, dotado

do princípio do movimento e da geração, e a fêmea, possuidora do

princípio da matéria”, estabelecendo um contraste entre forças ativas e passivas no corpo (SENNETT, 2003, p. 38).

Nesse contexto, temos a figura de Safo, poetisa grega que viveu na cidade lésbia de Mitilene, nascida por volta de 630 a 610 a.C., autora de grandes produções artísticas valorizadas na Grécia Antiga, que devido ao conteúdo erótico de suas obras, sofreu censuras da Igreja séculos depois, já durante a Idade Média (MATA, 2009).

A poetisa tornou-se famosa pela construção de um ambiente estimulante para as mulheres gregas:

(...) tornando-se responsável pelo encorajamento da carreira de uma grande quantidade de mulheres; infelizmente a maioria para nós hoje desconhecidas. Outra de suas marcas foi o aparecimento em moedas, no período em que Mitilene pôs orgulhosamente em circulação as

“moedas Safo”, ou seja, moedas que traziam seu rosto impresso, que

foram encontradas por volta do século III d.C, cerca de novecentos anos após a sua morte (MATA, 2009, p. 7).

Sendo assim, as vivências homossexuais podem ser encontradas com amplos exemplos na antiguidade grega, sobretudo direcionadas às práticas entre homens, as quais mantinham certa regulação do seu uso moral.

No contexto social da Grécia Antiga, tal modelo feminino observado em Lesbos diferenciava-se em alguns aspectos do modelo falocêntrico da época. Embora observe- se que o falocentrismo, pensamento no qual o homem (e somente este) está no centro da sociedade através de seu poder, sempre foi (e ainda é) um modelo dominante em todas as sociedades, alterando-se apenas alguns aspectos existentes nas diferentes culturas (ALVES, 2004), mas sempre com uma regulação moral (FOUCAULT, 1985).

(25)

O homem másculo é sempre viril, ativo, e vê o sexo como penetração. Os valores masculinos são identificados da mesma forma. No mundo falocêntrico, isto é verdade, como mostram todos os palavrões que desqualificam aqueles que são penetrados: tomar no cú, tomar no rabo, se foder, bota pra foder, foda-se, levar porra e chupa aqui (boquete). Da mesma forma, chamar um homem de mulherzinha, boneca, boiola, frouxo ou veado tem o mesmo significado, assim como dar uma banana ou mostrar o dedo médio em riste (ALVES, p. 28, 2004).

As regulações da sexualidade ocorreram também em Esparta, onde o amor entre homens era incentivado como parte do treinamento e disciplina militar, contribuindo para uma maior integração dos membros das tropas (TORRÃO FILHO, 2000).

Em uma das colônias de Esparta, Tebas, havia o Pelotão Sagrado de Tebas, uma tropa de elite composta por mais de 100 casais homossexuais de soldados, mantidos com recursos públicos, sendo ao mesmo tempo um simbólico de valentia e poder militar (TORRÃO FILHO, 2000).

Já em Roma, temos uma presença da sexualidade ligada a noções políticas hierárquicas, no qual os papéis de homem e de mulher, bem como de uma sexualidade controlada (e controladora), se instauram nas condutas dos sujeitos.

Tem-se por definição a presença do falocentrismo como elemento principal dessa hierarquia, garantindo uma divisão bem definida não só entre homens e mulheres, mas como entre os livres e os escravos.

Já em Roma, a mulher ocupa importante papel social, vai ao teatro, às festas, faz compras, participa de reuniões políticas, embora se submeta à autoridade masculina. A mulher romana se casava jovem, a partir dos doze anos, em geral com um homem bem mais velho. Era dela a prerrogativa do divórcio e podia manter os bens de solteira que trazia para o casamento. Quando falamos em sexo para os romanos, é preciso entender como funcionava essa sociedade: era escravocrata, hierarquizada e de predomínio masculino (RIBEIRO, 2005, p. 3).

Assim, as características designadas aos homens e às mulheres conferem papéis de gênero distintos que se misturam ao discurso do uso da sexualidade, desenvolvendo-se uma cultura de submissão e dominação, na qual a norma social confere status

significativos para os participantes. Ribeiro (2005) continua:

(26)

Este modelo social também era aplicado nas relações sexuais: o homem deveria ser sempre ativo, enquanto escravos e mulheres deveriam ser passivos. Devemos entender que ser ativo sexual significava penetrar e ser passivo significava ser penetrado. Por isso, em Roma, aceitava-se naturalmente que um cidadão tivesse relações sexuais com um escravo (RIBEIRO, 2005, p. 3).

Em tais contextos existia uma aceitação da homoafetividade no campo da política, ainda que limitada, porém durante a transição para a Idade Média, houve uma ascensão do cristianismo e um maior envolvimento deste com as questões políticas, fazendo com que as expressões da sexualidade humana fossem completamente modificadas a partir dos interesses ideológicos desta instituição.

Desde o seu surgimento, o cristianismo trouxe em sua construção fortes elementos do judaísmo e do helenismo. Dentro deste último, o estoicismo3 merece uma grande importância para a época romana; o logos, a razão, rege o mundo por uma lei universal. Assim, o homem deve obedecer a essa lei que rege o universo, deve continuar o “cuidar de si” (FOUCAULT, 1988).

O “cuidado de si”, como sugere Foucault (1985), reflete uma intensificação das relações sociais, nas quais existe um cuidado revestido de controle, baseado em dispositivos sociais mais complexos do que apenas o simples desejo do sujeito.

Assim, a Idade Média marca um período importante nas modificações de visões a respeito da sexualidade humana, dada a influência política e econômica em que se apresentava a religião cristã.

E foi então, neste período, que a igreja expôs o seu posicionamento contrário à homossexualidade, justificada através do capítulo XIX do livro de Gênesis, que trata de uma narrativa bíblica nas cidades de Sodoma e Gomorra. Estas cidades foram hipoteticamente destruídas por Deus pelo fato de haver a prática sodomita e a homossexualidade, tidas como erradas (CARVALHO, 2003, apud MESQUITA, 2008).

Tal passagem foi aproveitada no âmbito político para legitimar hierarquias sociais através de sistemáticas repressões contra homossexuais, presente inclusive na formação das leis do Império Romano.

A crença na qualidade natural e a moralidade das relações heterossexuais monogâmicas - e, correlatamente, a percepção da homossexualidade como prática nociva para o indivíduo e para a sociedade - levam o imperador Teodósio 1°, em 390, a ordenar a condenação à fogueira de todos os homossexuais passivos. De acordo

3

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com o Código Teodosiano (Teodósio lI, 438), a atitude passiva, associada necessariamente à feminilidade, implicava uma ameaça para o vigor e a sobrevivência de Roma. A fim de justificar tal severidade, foi necessário apoiar-se nos fundamentos bíblicos da condenação. (BORRILLO, 2010, p. 48).

As práticas que se desenvolviam na igreja católica, assim como no puritanismo, através do rigor com determinados costumes de ordem sexual, buscavam uma leitura nova sobre o corpo do sujeito, considerando-o como pertencente ao campo externo do sagrado. Desse modo o puritanismo:

Porém, buscava modificar o homem de comportamento desregrado e de temperamento oscilante, tão comum na Idade Média. Tentou-se integrar sensualidade e espiritualidade, mas o que acabou predominando foi o caráter ascético, que desvalorizou o corpo e a sensibilidade para alcançar a plenitude moral. Consequentemente, o sexo, para os puritanos, também seria desprovido de prazer (RIBEIRO, 2005, p. 6)

Somado a isso, acentuavam-se as desigualdades entre homens e mulheres, pois ninguém poderia ser padre ou comandar uma organização sacerdotal se não fosse “homem a imagem do Cristo”, o clérigo deve ser composto exclusivamente por alguém desse sexo, para as diversas atividades que sugerissem algum tipo de poder, como realizar os sacramentos, Eucaristia ou diferentes pregações.

Posteriormente, o III Concílio de Latrão, de 1179, acompanhou os princípios discriminatórios e intolerantes sobre os homossexuais, tipificando assim o “homossexualismo” como crime. Também deu origem a diversas legislações que penalizavam a prática da homossexualidade com a morte, nos séculos XII e XIII (RIBEIRO, 2003).

Durante os séculos XIII a XV, é que a perseguição dos homossexuais vai acentuar-se; até o final do século XVIII, todas as disposições penais, sem exceção, fazem referência ao mito de Sodoma para justificar a punição de gays e lésbicas. A morte pelo fogo aparece como uma forma específica e necessária de purificação, não só do indivíduo - queimando-lhe a carne para salvar a alma -, mas igualmente da comunidade, extirpando assim o mal que a corrói em seu âmago. A tradição teológica organiza, ideologicamente, essa forma radical de perseguição contra os homossexuais (BORRILLO, 2010, p. 54).

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Crime abominável, amor vergonhoso, gosto depravado, costume infame, paixão ignominiosa, pecado contra a natureza, vício de Sodoma - outras tantas designações que, durante vários séculos, serviram para qualificar o desejo e as relações sexuais ou afetivas entre pessoas do mesmo sexo.

Então, as relações tidas como corretas e que detinham a aprovação da Igreja eram as relações heterossexuais; então esta instituição passou a discursar contra a prática da homossexualidade e a supervalorizar as relações entre heterossexuais no espaço do matrimônio, condenam-se as práticas do amor livre (amor/sexo entre pessoas heterossexuais solteiras) e da homossexualidade, taxando-as de condutas que seriam moralmente inaceitáveis (MOTT, 2002).

Como exemplo, citamos Natividade e Oliveira (2009, p.129):

As passagens de Romanos, capítulo 1, e a Primeira Epistola aos Coríntios comparecem também para legitimar este ponto de vista. A primeira compreende uma exortação do apóstolo Paulo – Romanos, capítulo 1, versículos 26 e 27 – contra as “paixões infames”. Atos sexuais divergentes da heterossexualidade constituiriam uso

“antinatural” do corpo. Homens e mulheres que se deitam com pessoas do mesmo sexo cometeriam “torpeza”, estando sujeitos ao

“castigo” de Deus. Já a passagem da Primeira Epístola aos Coríntios, conforme esta visão conservadora, afirma que “efeminados” e “sodomitas”, do mesmo modo que “ladrões”, “avarentos” e “prostitutas”, não teriam acesso ao “Reino de Deus”. Este trecho, em particular, é usado como prova de que gays e lésbicas estariam

destinados à “danação eterna”. Tais passagens bíblicas constituem

justificações religiosas para o interdito da homossexualidade, nesse contexto religioso, imbricadas a códigos de santidade e a definições rituais de estados de pureza e impureza.

No entendimento da igreja, ser homossexual era transgredir as leis de Deus, da própria igreja e de todo um conjunto de dispositivos sociais meticulosamente construídos com a pretensão de livrar-se do “pecado” e da “perversão”, através do controle sobre a sexualidade humana.

Qualquer tipo de relação sexual prazerosa é vista como uma transgressão a ordem natural. O contato sexual é restrito ao casamento e exclusivamente para fins procriativos. Daí a condenação ao homossexualismo, principalmente ao masculino, por haver perda de sêmen, enquanto o relacionamento entre mulheres era considerado mera lascívia, como se a sexualidade desta natureza fosse menos

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Além disso, Foucault (1988) nos aponta direções que revelam uma sociedade altamente produtora (e interessada nessa produção) de discursos referentes às sexualidades. Assim, tais sexualidades foram reservadas e alocadas em determinados espaços sociais, efetivando um arranjo complexo de poderes, afirmando que as sociedades industriais através de suas interdições promoveram diversos discursos, inclusive acerca da homossexualidade.

[...] É preciso, portanto, abandonar à hipótese de que as sociedades industriais modernas inauguraram um período de repressão mais intensa do sexo. Não somente assistimos a uma explosão visível das sexualidades heréticas mas, sobretudo – e é esse o ponto importante – a um dispositivo bem diferente da lei: mesmo que se apoie localmente em procedimentos de interdição, ele assegura, através de uma rede de mecanismos entrecruzados, a proliferação de prazeres específicos e a multiplicação de sexualidades disparatadas. Diz-se que nenhuma sociedade teria sido tão recatada, que as instâncias de poder nunca teriam tido tanto cuidado em fingir ignorar o que interditavam, como se não quisessem ter nenhum ponto em comum com isso. É o inverso que aparece, pelo menos numa visão geral: nunca tantos centros de poder, jamais tanta atenção manifesta e prolixa; nem tantos contatos e vínculos circulares, nunca tantos focos onde estimular a intensidade dos prazeres e a obstinação dos poderes para se disseminarem mais além (FOUCAULT, 1988, p. 48-49).

A sociedade que se desenvolve um pouco mais a frente, no século XVIII, conhecida como burguesa, industrial ou capitalista, confere um status de interesse sobre essa mesma sexualidade que já havia sido “cristianizada” pela religião, de modo a disseminar diversos discursos sobre ela, empenhando-se partilhá-los por diferentes saberes, como a medicina, a pedagogia e outras Ciências, discursos esses estudados com bastante ênfase por Foucault em sua obra, a história da sexualidade.

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forma como que fragmentos errantes de uma arte erótica, veiculados em surdina pela confissão e a ciência do sexo (FOUCAULT, 1988, p. 68).

Mesmo com essas concepções da Igreja sobre a homossexualidade, estudiosos como Freud (1969), anos mais tarde, nos trouxeram reflexões que desconstruíam as ideias da Igreja sobre a perfeição do sistema binarista existente. Desde o Século XIX, este estudioso nos demonstrou, através da psicanálise, que era possível identificar como normais outras formas de vivência da sexualidade humana, e que as várias formas não existiam apenas para fins reprodutivos, conforme a igreja insistia em afirmar.

Anos depois, em meados do século XX, Kinsey (1948), mais conhecido como o pai da sexologia, através de seus estudos, identificou que aproximadamente 37% dos homens ocidentais tinham experimentado na idade adulta, ao menos dois orgasmos com alguém do mesmo sexo.

Uma sociedade tão marcada pela homofobia possui um número significativo de indivíduos que já experimentaram secretamente algum tipo de experiência homoerótica; tal contradição acaba por proferir um ódio dirigido ao próprio desejo homoerótico, e principalmente contra aqueles que ousam transgredir a ditadura heterossexista (MOTT, 2002).

No final do século XX havia um movimento no Brasil que lutava por conquistas e reconhecimentos de direitos para a população LGBT, tendo como finalidade, dentre outras questões, a defesa do direito à sexualidade humana. Participavam deste movimento diversas entidades científicas que buscavam combater a discriminação contra homossexuais (FACCHINI, 2003).

O Conselho Federal de Medicina, então, ao receber esses posicionamentos, passou, a partir do ano de 1985, a não considerar mais a homossexualidade como doença. A psicologia, no entanto, se manteve fora desses espaços sem se posicionar sobre as garantias a respeito da sexualidade humana até então (ALMEIDA & CRILLANOVICK, 1999).

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Com as constantes utilizações desses “métodos para curar homossexuais” a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis fez diversas denúncias ao Conselho Federal de Psicologia – CFP - sobre a prática. A partir dessas denúncias, o CFP promulgou uma resolução (001) no ano de 1999, que estabelecia normas que os psicólogos deveriam seguir ao tratar sobre o tema da sexualidade.

Nesta resolução, o Conselho estabelece que a homossexualidade não se trata de uma doença, distúrbio ou perversão e que por isso psicólogos não devem corroborar com nenhuma proposta que busque tratar ou curar a homossexualidade; tal fato ocorreu 9 anos após a Organização Mundial de Saúde retirar “homossexualidade” da sua lista de doenças mentais.

Com os avanços e lutas pela consolidação de uma democracia, diversos movimentos sociais surgem com a finalidade de apoiar as causas do público LGBT. No Brasil, são vários os nomes conhecidos que se pautam pelos discursos dos direitos humanos de maneira geral.

Só para citar alguns desses grupos sociais atuantes no Brasil: Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT); a Associação Brasileira de Lésbicas (ABL); a Associação Nacional de Travestis (Antra); o Coletivo Nacional de Transexuais (CNT); o Coletivo Brasileiro de Bissexuais (CBB); e a Rede Afro LGBT (SIMÕES & FACCHINI, 2009).

Outro aspecto importante a ser considerado na história da homossexualidade e suas relações com a religião, é que os diversos fenômenos que abarcam a sexualidade e a identidade de gênero, até algumas décadas atrás, tinham um entendimento errôneo sobre a sexualidade humana como algo vinculado a transexualidade, sendo dois temas completamente distintos (SIMÕES & FACCHINI, 2009).

A transexualidade refere-se a uma "experiência identitária”, caracterizada pelos conflitos frente às normas de gênero imposta pela sociedade heteronormativa. (BENTO, 2012). Para Ventura (2007, p. 25):

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sexo nos documentos de identificação pessoal, ou restrições para o acesso às transformações corporais desejadas, no sistema oficial de saúde, dificultando às intervenções médicas adequadas e seguras para a transexualização.

A discriminação que tais pessoas sofrem em nossa sociedade ocorre a partir do binarismo em que estão postas as relações homens vs. mulheres. O primeiro pensado como forte, líder e corajoso, enquanto ao segundo é designado o papel de fragilidade, passividade e emotividade; acompanhados através de pedagogias de gênero complexas, no qual nenhum dos dois pode confundir-se com o outro (LOURO, 2004). Trata-se de um pensamento que remete a “heteronormatividade”: esta se refere a um conjunto de discursos, valores e práticas, por meio dos quais a heterossexualidade é instituída e vivenciada como única possibilidade legítima de expressão sexual e comportamental (NASCIMENTO, 2010), sendo assim homens precisariam exercer a virilidade e as mulheres condenadas à passividade.

O sistema binário, que separa rigidamente homens e mulheres, produz e reproduz a ideia de que o gênero é construído pela natureza. Reitera-se a ideia de uma biologização da cultura humana, em que os distintos comportamentos humanos obedecem a regras tidas como universais a partir de certas ideologias (BENTO, 2012).

É possível localizar tal pensamento na própria invenção do amor romântico, que seria uma tentativa dos homens influenciarem as mulheres em certo tipo de divisão rígida entre comportamentos esperados para cada gênero, que confere a mulher o papel de submissão ao homem (GIDDENS, 1993).

Ir contra ao prescrito pelas normas de gênero implica em desafiar simultaneamente a razão do binarismo, que tão bem segrega homens de mulheres, como os demais valores sociais vigentes. Ousar uma sexualidade distinta da norma heterossexista, é enfrentar o conjunto de normas vigentes, inclusive religiosas, que considera “inferior” ou “pecador” aqueles que divergem de sua regra (MOTT, 2002).

Dentro das próprias definições religiosas cristãs, a ideia de comportamento prescritivo homofóbico continua forte, embora se torne importante destacar a presença de grupos religiosos dentro dessas mesmas denominações que lutam pela garantia de uma visão religiosa inclusiva, que respeite os direitos conquistados pelo público LGBT e, sobretudo que os acolham em igualdade.

(33)

surgimento de grupos religiosos organizados sob a bandeira GLBTT, tornam-se cada vez mais visíveis e causam impacto, não apenas no campo religioso mas no enfrentamento das questões ligadas aos direitos GLBTT (JESUS, 2008, p. 5).

É necessário lembrar que o Brasil se constrói dentro do jogo do patriarcado em que posiciona a centralidade de certo cristianismo majoritário, enquanto religião modelo da sociedade e norma religiosa.

Existem as igrejas inclusivas, porém ainda vigoram os preconceitos de séculos arraigados numa tradição que não normaliza os “amores entre dois homens” e “amores entre duas mulheres” (NATIVIDADE, 2006).

Tem-se um grande desenvolvimento no campo religioso, para além das instituições religiosas em si e permeando a sociedade como um todo, de diversas ideologias religiosas “LGBTfóbicas”. Silva e Barbosa (2005, p. 69) consideram que:

Mesmo com o fim do sistema em que tinha a religião como guia do Estado, e ainda no começo de um estado laico, encontramos presentes novas leituras cristãs tradicionais, afastando, oprimindo e demonizando culturas diferentes, consequentemente impondo novos valores e destacando o certo e o errado. Interferindo e buscando legitimar seus conceitos a toda uma população, através não da religião aos seus fiéis, mas por intermédio do Estado.

Tais fragilidades nas relações entre a ideologia religiosa dominante e política em nosso país intensificam as influências múltiplas desses campos e confere uma organização e pensamento social condizente com as tradições herdadas de um modelo religioso dominante.

Esse modelo luta para manter os conceitos já estabelecidos, ao mesmo tempo em que luta contra as modificações de novos conceitos que sejam divergentes do próprio interesse ideológico (JESUS, 2008). Busca-se reforçar o pensamento religioso tradicional sobre a sexualidade humana, de maneira contrária às outras expressões de sexualidade na modernidade.

1.2– O protagonismo do jovem na construção da identidade homossexual

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diversificação de novas possibilidades de escolhas para o sujeito é construída, dentro do turbilhão de novas identidades. Seguindo este mesmo raciocínio, Hervieu-Léger (1999, p. 51) afirma que:

em matéria religiosa, como em tudo o mais na vida social, o desenvolvimento do processo de pulverização individualista produz paradoxalmente a multiplicação de pequenas comunidades fundadas nas afinidades sociais, culturais e espirituais de seus membros.

Nesse sentido, a modernidade garante novas expressões a partir das transformações das identidades anteriores, com maior fluidez e elementos inéditos que se constroem novas subjetividades para o sujeito, das quais podem inclusive modificar a própria tradição, e o sujeito por sua vez, torna-se capaz de desenvolver variadas maneiras de exercer a espiritualidade, dentro e fora das instituições religiosas. Para Castoriadis (1995, p. 29):

[...] através da fabricação social do individual, a instituição subjuga a imaginação singular do sujeito e, como regra geral, lhe conduz a se manifestar a si mesma só através dos sonhos, as fantasias, as transgressões e a doença. Em particular tudo ocorre como se a instituição tivesse tido sucesso em cortar a comunicação entre a

imaginação radical do sujeito e o seu “pensamento”.

A modernidade confere um momento importante de possibilidades para a transgressão da subjetividade, a oportunidade do sujeito posicionar-se frente a novas leituras diferentes das instituídas, e consequentemente também produzir novos saberes.

Na mesma direção Rey (2012), compreende a subjetividade como processual e histórica, ao representar um conjunto complexo de significados e sentidos subjetivos produzidos na vida do homem. A subjetividade se estrutura através da dialética sujeito-mundo, como um processo socialmente construído, cercada de contradições e rupturas que envolvem diferentes dimensões como o afeto, a cognição, o simbólico, a estética e a ética.

E é nesse espaço de movimentação subjetiva e de transformações da realidade social, que a figura do jovem na sociedade moderna também deve ser destacada, pois este é o um dos principais protagonistas dessas mudanças sociais (GONZALES & GUARESCHI, 2009). É a vitalidade dos jovens canalizada nos movimentos sociais que promovem as grandes mudanças da sociedade (DAYREL, 2003).

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ou que os demanda com vistas à transformação social, a partir da própria experiência de vida (GONZALES & GUARESCHI, 2009, p. 50.).

Sendo fonte de grande vitalidade para a própria mudança da realidade social, “a juventude pertence aos recursos latentes de que toda sociedade dispõe e de cuja mobilização depende de sua vitalidade” (MANNHEIM, 1967, p. 49).

A categoria conhecida como “juventude”, leva em conta os critérios históricos e culturais que a constituem, trata-se ao mesmo tempo de uma condição social e uma espécie de representação, o qual se revela como um potencial combustível de transformações de realidades sociais (MANNHEIM, 1967).

Se há um caráter universal dado pelas transformações do indivíduo numa determinada faixa etária, nas quais completa o seu desenvolvimento físico e enfrenta mudanças psicológicas, é muito variada a forma como cada sociedade, em um tempo histórico determinado, e, no seu interior, cada grupo social vão lidar com esse momento e representá-lo. Essa diversidade se concretiza com base nas condições sociais (classes sociais), culturais (etnias, identidades religiosas, valores) e de gênero, e também das regiões geográficas, dentre outros aspectos (DAYREL, 2003, p. 42).

Com a finalidade de estabelecer esta categoria, em 2013 foi criado no Brasil o Estatuto da Juventude, no qual, através do seu primeiro capítulo, no primeiro artigo e inciso primeiro, é possível encontrar a definição de jovem como sendo a pessoa que tenha uma faixa etária entre quinze e vinte e nove anos de vida. (BRASIL, 2013). Sobre essa categoria constituinte do desenvolvimento humano, Dayrel (2003, p. 42) estabelece alguns marcos possíveis que podem ser considerados na identificação desta, elencando algumas de suas características:

é possível marcar um início da juventude, quando fisicamente se adquire a capacidade de procriar, quando a pessoa dá sinais de ter necessidade de menos proteção por parte da família, quando começa a assumir responsabilidades, a buscar a independência e a dar provas de auto-suficiência, dentre outros sinais corporais e psicológicos.

(36)

Todas estas formas de ação envolvem pessoas jovens como atores centrais; mesmo se apresentam diferenças históricas e geográficas com o passar das décadas, elas dividem características comuns que indicam um padrão emergente de movimentos sociais em sociedades complexas, pós-modernas. Nesses sistemas cada vez mais baseados em informação, a ação coletiva particularmente aquela que envolve os jovens oferece outros códigos simbólicos ao resto da sociedade — códigos que subvertem a lógica dos códigos dominantes (MELUCCI, 1996, p. 12).

A juventude tem-se construído sócio-historicamente como um agente potencializador latente de mudanças. De modo que esta potencialidade é manifestada apenas quando o contexto social destes é “influenciado” por algo que assegure o desenvolvimento desses potenciais (MANNHEIM, 1967; MELUCCI, 1996).

Importante considerar neste ponto, a presença do que Bourdieu (2001) nomeia de “capital cultural” durante o desenvolvimento humano, o qual surge a partir da necessidade de se compreender as diferentes realidades vividas pelos sujeitos supostamente no mesmo contexto social.

Conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter-reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis (BOURDIEU, 2011, p. 67).

Tal conceito precisa ser levado em consideração, pois a falta ou a presença de certo “capital cultural” amplia ou restringe o aprendizado do cardápio de escolhas identitárias dos jovens, inclusive no contexto religioso. As possibilidades de vínculos subjetivos às ideias religiosas tradicionais ou modernas irão desenvolver-se a partir deste processo. Aqueles que possuem menor capital cultural possuem menos acervos culturais disponíveis para o trânsito religioso.

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No estado objetivado, o capital cultural se desenvolve a partir de bens culturais (livros, pintura, revista, e artes em geral), ou seja, a própria possibilidade de ter em posse instrumentos capazes de provocar modificações de cultura no sujeito. Logo, o acesso (ou não acesso) a conhecimentos como diversidade religiosa, temas da modernidade ou tradicionais, expresso por um material físico ou mesmo digital específicos contribuirá para a dimensão de “escolha” de identidade religiosa (BOURDIEU, 2011).

Por último, no estado institucionalizado, o capital cultural está sob a forma de títulos escolares. O capital cultural convertido em diplomas pode ser trocado no mercado de trabalho, neste sentido há uma comparação e reconhecimento de determinado certificado escolar (BOURDIEU, 2011).

Caso seja feita uma analogia do capital cultural para a construção do aprendizado de uma identidade religiosa no jovem, é possível pensar a presença da atuação de uma instituição religiosa legitimada pelo título da tradição, habitando fortemente o imaginário das pessoas e contrário aos movimentos religiosos minoritários. Em outras palavras, quando uma maioria cristã tenta advogar por uma causa que a considere superior, recorre-se ao mérito da tradição e tal movimento repercute na subjetividade destes sujeitos. Assim, as novas expressões religiosas modernas dependem também do capital cultural para alcançar essas pessoas. Não se trata apenas do aprendizado de novas expressões religiosas, mas da presença de uma “bagagem de cultura” mais ou menos restrita que antecede o próprio aprendizado.

Na fala de Hervieu-Léger (2004, p. 51): “Não há nação no ocidente que esteja isenta dos efeitos da contradição crescente entre afirmação do direito individual à subjetividade e os sistemas tradicionais de regulamentação da crença religiosa”.

Tal afirmação implica em uma diversificação constante de novas expressões religiosas e espirituais, em que o jovem exerce um protagonismo frente à objetividade das tradições já postas na sociedade, sem para isso desconsiderá-las. A diferença que marca o fato de estar vinculado a uma religiosidade tradicional ou não irá expressar na subjetividade do jovem uma diferença do outro, de uma alteridade que passa a construir novos sentidos sobre aquele que pertence ou não a mesma religiosidade, ou a uma religiosidade específica (SCOTT & CANTARELLI, 2004).

Quando um jovem faz parte de uma Igreja, opta por pertencer a “uma comunidade moral”, compartilhando valores que servem para

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Tabela 1  -  Caracterização da amostra

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