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REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE O MÉTODO DE OBSERVAÇÃO DE BEBÊS

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REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE O MÉTODO DE OBSERVAÇÃO DE BEBÊS

Rose Daise Melo do Nascimento1

Miriam Dantas de Almeida2

Dr. Janari da Silva Pedroso3

Desde o início dos anos 70 tem havido um acelerado desenvolvimento das pesquisas relativas às capacidades do recém-nascido, ao tipo de mundo perceptual que ele habita e à interação mãe-bebê. O desafio é responder à questão “o que realmente acontece entre pais e crianças que tem tamanho impacto no desenvolvimento infantil?”. O recurso metodológico de observação de bebês se propõe a responder tal questão. Este estudo discute o método de Esther Bick de Observação da Relação Mãe-Bebê, que proporciona uma experiência na qual o observador aprende a perceber as peculiaridades e modificações de uma relação em estado nascente. Embasado na postura psicanalítica, o observador busca compreender os aspectos inconscientes da relação observada e entender os sentimentos despertados durante estas observações nele próprio. A observação psicanalítica de bebês tem desenvolvido uma função importante no trabalho clínico com crianças e apresenta potencial para contribuir substancialmente para a investigação em desenvolvimento infantil.

INTRODUÇÃO

Ao introduzir as reflexões teóricas sobre o método de observação de bebês é de extrema relevância delinear o recorte histórico que propiciou o surgimento e aperfeiçoamento dessa prática na psicanálise de crianças.

Em Hinshelwood (1992), didaticamente encontramos uma investigação histórica sobre tal tema, em que afirma que o imperativo na análise de crianças após a Primeira Guerra Mundial era substanciar as idéias de Freud a respeito da infância, as quais ele havia formulado por extrapolação retrocedendo desde o estado adulto.

O mesmo imperativo começou a ser sentido a respeito das descobertas das experiências do bebê no primeiro ano de vida que haviam provindo da análise, feita por Klein, de crianças mais velhas (de aproximadamente dois anos e meio em diante). No começo da década de 1950, fizeram-se tentativas para observar essa idade evolutiva. O problema é o de ser um observador externo, sem método direto de tornar-se um ouvinte ao mundo interno do bebê.

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comunicação verbal mútua; com crianças, é o brincar delas que se observa e do qual, às vezes, se participa. Com bebês, torna-se necessário um método novo.

O bebê conceptualiza tudo em termos de objetos em relação a seu corpo, as partes deste e as sensações e satisfações diretas delas. Sem alguma forma de comunicação simbólica, é possível qualquer ingresso no mundo do bebê?

Essa questão foi fortemente discutida nos debates sobre as Controvérsias Freud-Klein, em 1943. Quando o artigo intitulado “A natureza e a função da fantasia” de Susan Isaacs foi publicado em 1948, ela inclui nele uma exaustiva introdução que tentava validar o processo de inferência psicanalítica: se Freud havia extrapolado, retrocedendo à infância a partir de adultos, então era válido para Klein extrapolar para a primeira infância seu trabalho com crianças.

Klein (1952) também efetuou observações diretas de bebês, interpretando, com base em suas próprias descobertas, os tipos de experiências nas mentes deles. De modo interessante, quando seu artigo “Sobre a observação do comportamento de bebês (1952)”, ele demonstrava apenas quanta atenção ela havia concedido ao meio ambiente da mãe e ao estado mental desta como meio ambiente primário da criança. Nesse artigo reitera a relevância da observação:

Procurei mostrar que, através da observação cuidadosa de bebês muito novos, podemos obter algum insight sobre sua vida emocional assim como indicações de seu desenvolvimento emocional futuro. Tais observações, dentro dos limites mencionados acima, dão suporte em alguma medida a minhas descobertas sobre os estágios mais iniciais do desenvolvimento (KLEIN, 1952, p. 143).

A partir dessas observações felizes efetuadas por acaso, o interesse em bebês fez um progresso, ainda que lento. Quando finalmente se compreendeu que existem variedades diferentes de identificação projetiva (BION, 1957), uma via no sentido de um método de observação de bebês tornou-se possível.

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o daqueles que se dão entre o bebê e a mãe. Assim, a mãe tornou-se o veículo para tornar manifestas as interações do bebê com os objetos, equivalente às coisas com que a criança brinca na análise (HINSHELWOOD, 1992).

ESTHER BICK

Nascida em 1901 na Polônia, Esther Bick estudou psicologia em Viena com Charlotte Bühler, mas veio como refugiada para a Inglaterra, onde acabou por ingressar na carreira psicanalítica após a Segunda Guerra Mundial. Trabalhou então na clínica Tavistock e desenvolveu o método de observação de bebês como treinamento para psicoterapeutas de crianças. Seu interesse, contudo, residia em testar as conclusões de Klein a respeito do primeiro ano de vida através da observação direta, e, no curso disso, efetuou as suas próprias descobertas originais. Apesar de sua lealdade a Klein, as opiniões de Bick, desde sua morte em 1983, foram deixadas para trás pela principal corrente kleiniana de desenvolvimento (HINSHELWOOD, 1992).

Bick contribuiu com um método do qual provieram quatro resultados principais, referentes aos estágios muito iniciais de desenvolvimento nos primeiros dias e semanas de vida (HARRIS, 1984).

Esther Bick, psicanalista, discípula de Melanie Klein, incluiu tal prática em 1948, como parte do curso de aprendizagem para Psicoterapeutas de Crianças na Clínica na Clínica Tavistock de Londres. Mais tarde, a observação de lactentes, como é também denominada, foi incorporada ao plano de estudos do Instituto de Psicanálise de Londres, em 1960, como parte do curso para estudantes do primeiro ano (PEREZ-SANCHEZ, 1983).

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tempo, uma excelente oportunidade de observar o desenvolvimento de um bebê, mais ou menos desde o nascimento, no ambiente do lar e em sua relação com a família, além de descobrir por si mesmo como se originam e se desenvolvem estas relações. Além do mais, o estudante poderia comparar e estabelecer diferenças entre suas próprias observações e as de seus colegas, nos seminários semanais.

MÉTODO DE OBSERVAÇÃO DA RELAÇÃO MÃE-BEBÊ

Esther Bick deu início a um método rigoroso de observações semanais de mães com bebês em suas próprias casas (BICK, 1964). Originalmente tratava-se de um método de ensinar psicoterapeutas de crianças e psicanalistas em formação a observar, ao invés de intervir. As observações, contudo, produziram resultados imediatos.

Dessa forma, ao começar o tratamento de uma criança de dois anos e meio, por exemplo, o analista pode intuir como era quando bebê. A experiência de observação é também útil para entender melhor a conduta não-verbal da criança e seus jogos, assim como a conduta da criança que não fala nem joga. Além disso, o método pode auxiliar o estudante que entrevista a mãe, para que compreenda as informações que esta lhe dá sobre a história da criança (OLIVEIRA-MENEGOTTO et al, 2006).

A técnica desenvolvida originalmente por Bick consiste em o observador fazer uma visita à casa da família com duração de uma hora e freqüência semanal no primeiro ano e quinzenal no segundo ano. É recomendável escrever imediatamente depois de terminada a observação, com o objetivo de captá-la o mais imediatamente possível, registrar com maior número de detalhes o que observar, para em seguida relatar no grupo de supervisão, cujo objetivo é descrever o desenvolvimento da relação entre o bebê e o meio em que vive (KOMPINSKY, 2000).

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ocasião em que o observador pode compreender, organizar e dar sentido a essas vivências (OLIVEIRA-MENEGOTTO et al, 2006).

Na primeira etapa do método o observador é orientado a participar da experiência, sem nenhuma idéia pré-concebida, não se deixando influenciar por seus hábitos terapêuticos e teorias que embasam sua prática clínica, só assim estará livre para somente observar. A palavra de ordem presente na descrição do método e seus achados por Bick consiste na idéia de que partimos do não-saber: eu não sei e não procuro nenhuma conclusão (PEREZ-SANCHEZ, 1983; OLIVEIRA-MENEGOTTO et al, 2006).

Nesse sentido, observar um bebê significa deixar-se impregnar por uma realidade delicada – sons, cores, atmosferas emocionais – que entram em ressonância com esses mesmos aspectos do observador. Nesse contexto é importante uma postura de espera, tolerância e paciência frente ao desconhecido e ao “não saber”, tarefa essa que não é simples e exige treino, pois a neutralidade é comprometida diante de um contexto extremamente dinâmico e que mobiliza muitos sentimentos no observador.

Perez-Sanchez (1983) sugere que o observador deve se colocar no fundo, não mostrar grande entusiasmo e não chamar atenção sobre si mesmo. O melhor é não perguntar, apenas esperar; não tomar nenhuma iniciativa porque, fazendo-o está assumindo um papel. E caso dirijam alguma pergunta no decorrer da observação, devemos tentar responder com naturalidade, o mais brevemente possível, a fim de que nossa resposta não interfira de alguma forma ou estimule a conversação em prejuízo da observação. Nossa resposta, porém, deve mostrar que consideramos os sentimentos do outro.

Kompinsky (2000) destaca que os aspectos principais considerados durante a observação são: a relação mãe-bebê (antes e depois do parto); banho, higiene e troca de fraldas; alimentação, amamentação; a maneira como o bebê é tranqüilizado (em situações de dor, angústia, desconforto, fome); sono; o choro; o brincar, a “conversa”, o sorriso, as solicitações, seus símbolos, as descobertas do mundo; a participação de cada membro da família.

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A segunda etapa de anotações e apresentação do relato no grupo de supervisão. Nesse momento o relato do observador atinge o grupo de supervisão, permeando e contaminando seus participantes, que se distribuem em papéis e funções, num trabalho de codificação das comunicações primitivas do texto.

Para Mélega (1995) uma das principais funções do seminário é reconduzir o observador à sua posição, quando isso se torna difícil, uma vez que é comum o observador inconscientemente se envolver com se objeto de estudo, o que pode vir a comprometer as observações.

O terceiro momento, a supervisão da observação da relação mãe-bebê foca dois pólos que interagem. O pólo do que é observado – a díade mãe-bebê – e o instrumento de observação – o observador. Esses pólos na realidade são inseparáveis, pois dependendo do instrumento de observação-observador o que será observado sofrerá alterações (SOUSA, 1995).

O supervisor tem como tarefa a contenção das angústias do grupo diante da tarefa de investigar o objeto de estudo: a relação mãe-bebê. O supervisor, trabalhando no sentido de acompanhar o fluxo associativo dos participantes do seminário, tende a criar um clima de investigação e colaboração com a tarefa e ajuda a discriminar as diferentes funções: do observador que apresenta o material que conta sua experiência diante da visita de observação, da experiência que está acontecendo durante o seminário com cada participante, incluindo o próprio supervisor, e da experiência possivelmente ocorrida entre a mãe e o bebê (MÉLEGA, 1995).

Para Sousa (1995), o observador revela sua forma de ver a realidade. Alguns relatos são minados por críticas, revelando elevado grau de exigência do observador. Alguns deixam escapar os aspectos mais angustiantes da situação observada. Um observador sensível em determinadas supervisões traz relatos frios e distantes revelando através disso o impacto que sofreu na situação de observação. Por vezes observa-se certa frustração no observador por não estar ocorrendo na situação de observação algo que ele deseja ou acredita que seria melhor.

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resgatados, mas também que os dados registrados sejam compreendidos (SOUSA, 1995).

Ao final do método de observação de bebês proposto por Bick, obtemos uma riqueza de dados sobre o a vida do bebê, da relação mãe-bebê e suas implicações no desenvolvimento. Cada bebê observado pode ser considerado como um estudo de caso. O estudo de caso proveniente da observação de bebês seria uma excelente ferramenta de pesquisa, e a própria observação de bebês pode ser reconhecida como equivalente a estudos de casos psicanalíticos em seu potencial de gerar novas idéias e influenciar a técnica clínica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A observação psicanalítica de bebês tem desenvolvido uma função importante no trabalho clínico com crianças e apresenta potencial para contribuir substancialmente para a investigação em desenvolvimento infantil (SHUTTLEWORTH, 1995).

Embora Esther Bick não tenha publicado muitos estudos, o método de observação por ela desenvolvido tem conquistado, no decorrer do tempo, reconhecimento. O ponto forte de tal método consiste na possibilidade de o observador acompanhar o desenvolvimento de um bebê, através de observações regulares. O enquadre estabelecido a partir do método permite a observação de minúcias no desenvolvimento do bebê e no estabelecimento de laços entre o bebê e seu entorno.

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REFERÊNCIAS

BICK, Esther.(1964). Notes on infant observation in psycho-analytic training.

International Journal of Psycho-analysis, 45:558-66.

BION, Wilfred.(1957).Differentiation of the psychotic from the non-psychotic personalities. International Journal of Psycho-Analysis, 38:286-75, 1967.

HARRIS, Martha.(1984). Esther Bick. Journal of Child Psychotherapy, 10:2-14. HINSHELWOOD, R. D. Dicionário do Pensamento Kleiniano. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.

HOUZEL, D. Observação de bebês e psicanálise, ponto de vista epistemológico.In: LACROIX, M. B. MONMAYRANT,M. (Orgs.). Os laços do encantamento: a observação de bebês, segundo Esther Bick, e suas aplicações. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. p. 87-94.

KLEIN, Melanie. (1952). Sobre a observação do comportamento de bebês. In: KLEIN, Melanie. (1991) Inveja e gratidão e outros trabalhos (1946-1963). 4 ed. Rio de Janeiro: Imago, 1991. p. 119-148.

KOMPINSKY, Eneida. Observação de bebês: método e sentimentos do observador. In: CARON, Amália (Org.). A relação pais-bebê: da observação à clínica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.p. 9-43.

MÉLEGA, Marisa. A supervisão da observação da relação mãe-bebê: ensino e investigação. Revista Brasileira de Psicanálise. Vol. XXIX, n. 2, 1995, p. 263-282. OLIVEIRA-MENEGOTTO, Lisiane. MENEZES, Clarissa. CARON, Nara. LOPES, Rita. O método Bick de observação de bebês como método de pesquisa. Psicologia

Clínica, Rio de Janeiro, vol. 18, n. 2, p.77-96, 2006.

PEREZ-SANCHEZ, Manuel. Observação de bebês: relações emocionais no primeiro ano de vida. Tradução de Tânia Pellegrini. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

SHUTTLEWORTH, Judy. A relação entre os métodos e modelos da psicanálise e os da psicologia do desenvolvimento. 1 Revista Brasileira de Psicanálise. Vol. XXIX, n. 2, 1995, p. 219-234.

SOUSA, Mariza. Supervisão da observação da relação mãe-bebê. Revista Brasileira de

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