PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE NA GESTÃO DE ESCOLAS PÚBLICAS MUNICIPAIS DE SALVADOR: QUAL A SUA DIMENSÃO?
José Santos de Jesus
1Jair Nascimento Santos
2Resumo: Pesquisa realizada em 2006, com a temática participação, mostra a dimensão da participação da comunidade escolar por meio do Conselho Escolar (CE) (pais, alunos, professores, funcionários e gestores) na gestão das escolas públicas municipais em Salvador. O Plano de Desenvolvimento da Escola, instrumento gerencial construído coletivamente, foi o principal indicador da participação da comunidade na gestão. O resultado apresentou dificuldades da participação do CE na gestão numa perspectiva emancipável e a dimensão em que se encontra a participação da comunidade escolar na gestão das escolas.
Palavras-chave: Participação; Conselho escolar; Gestão Escolar
1. INTRODUÇÃO
A participação da comunidade escolar na gestão escolar é o resultado de uma luta não só dos profissionais da educação, mas, também, de toda a sociedade. Respaldada na Constituição Federal e em outras leis, a exemplo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a participação da comunidade na gestão escolar pode tornar a escola mais democrática em suas decisões, apesar de não ser uma tarefa fácil. Sabe-se que em uma gestão organizacional existem diversas dimensões e variadas formas de participação, e é sabido também que a participação pode ser implantada tanto para atender objetivos libertários e de igualdade, quanto para aprisionar e manter uma situação de controle. Mas a gestão, ao abrir-se para a participação da comunidade nos assuntos da escola, por exemplo, estará educando para formar cidadãos, pois a participação constitui-se na “viga-mestra na construção da cidadania” (PINTO, 1995, p.175).
O objeto de estudo é analisar o atual nível de participação da comunidade escolar, representada Conselho Escolar (CE), na gestão das escolas públicas municipais em Salvador, capital do Estado da Bahia, verificando o nível de participação na elaboração, acompanhamento e avaliação do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE). Este plano se constitui num instrumento de planejamento estratégico utilizado para melhor sistematizar e operacionalizar as rotinas implementadas no ambiente escolar, norteando a gestão da escola. Sua elaboração deve contar com a participação da comunidade escolar (AMARAL SOBRINHO; XAVIER, 1999, p.
32).
Respaldada na legislação (Constituição Federal e Estadual, Lei Orgânica do Município, Lei de Diretrizes e Bases Nacional da Educação – LDB, decretos, portarias e resoluções) concernente à participação da comunidade escolar, a Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SMEC) da cidade de Salvador vem tentando tornar as escolas municipais mais democráticas, incentivando a comunidade escolar a participar das decisões na administração das escolas através, fundamentalmente, dos Conselhos. O artigo 34 da Lei Complementar 036/2004, publicada no Diário Oficial do Município (DOM), que dispõe sobre o estatuto dos servidores do
1
Mestre em Administração, professor da Universidade Salvador - UNIFACS. jsj@ufba.br.
2
Doutor em Administração, professor da Universidade Salvador - UNIFACS e da Universidade Estadual de Feira
de Santana - UEFS. santosjair@hotmail.com.
magistério público do município do Salvador, define a comunidade escolar como um conjunto de indivíduos pertencentes às seguintes categorias: professores e coordenadores pedagógicos;
funcionários; pais e alunos.
Nesse ambiente, a comunidade escolar, através dos seus representantes no Conselho Escolar (CE), deveria elaborar, implementar e avaliar o PDE, pois, sendo ele um planejamento estratégico norteador da gestão escolar e a orientação constitucional da gestão escolar ser democrática, é natural, teoricamente, que haja uma participação democrática da comunidade.
Entretanto, convém lembrar que o PDE tem a sua origem conceptual no Banco Mundial (BM), que, ao emprestar recursos financeiros destinados à área educacional no Brasil, impõe o cumprimento de determinadas normas inflexíveis e padronizadas quando da elaboração do PDE, produzindo, com isso, uma determinada dimensão no caráter participativo da comunidade (MEC, 2004).
Examinado, embora brevemente, o Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE), sua criação e o seu financiamento, ele é apontando por Amaral Sobrinho e Xavier (1999, p. 23), como principal meio de participação da comunidade escolar na gestão da escola e como um instrumento que deve ser construído de forma coletiva e autônoma, se constituindo numa das formas de incentivo à participação da comunidade escolar na gestão da escola.
O que se quer neste artigo é propor uma reflexão na busca do entendimento da participação da comunidade nas organizações escolares, cujo problema é saber: Qual a participação do Conselho Escolar na gestão das escolas públicas municipais de Salvador?
Diante desse problema colocamos as seguintes questões de pesquisa:
a) Existem mecanismos de acesso e participação da comunidade escolar na elaboração, acompanhamento e avaliação do PDE nas escolas municipais de Salvador?
b) Os PDE’s estão diretamente ligados aos interesses da comunidade escolar?
c) Qual a intensidade da participação da comunidade escolar no PDE?
Face ao exposto, buscou-se uma reflexão acerca da participação, conceituando-a e destacando a necessidade e que o ser humano tem de exercer o direito de participar das decisões diretamente relacionadas à sua própria existência e à vida em grupo. Dessa forma, objetivamos aprofundar os conhecimentos acerca da participação da comunidade no contexto organizacional.
Fez-se uma análise dos dados coletados nas escolas públicas municipais na cidade de Salvador/Bahia com questões relativas à existência de mecanismos de acesso e participação da comunidade escolar na elaboração, acompanhamento e avaliação do PDE nas escolas municipais de Salvador, no intuito de identificar o exercício da participação ativa e democrática da comunidade no processo de elaboração, acompanhamento e avaliação do PDE nas escolas municipais de Salvador.
2. PARTICIPAÇÃO
O interesse da sociedade em fazer parte de um grupo, tomar parte das decisões e ter parte
do resultado, tem se expandido nos últimos anos no Brasil e no mundo todo. Vê-se, nos dias
atuais, a criação de um número cada vez maior de associações, movimentos organizados, grupos,
comunidades, entre outros, buscando formas de participar das tomadas de decisões no seu
ambiente. Segundo Motta (1997, p. 54), a base cultural da política brasileira é assentada nos
fundamentos da doutrina do “comando e do controle”, o que dificulta sobremaneira a
compreensão clara dos conceitos de participação que são definidos nas leis e explicitados nas suas regulamentações.
Um exemplo disso pode ser expresso nas diferentes compreensões que o termo
“participação” adquire no dia-a-dia da gestão. Enquanto para alguns a participação significa apropriação do poder, para outros basta, para sua efetivação, a consulta aos envolvidos. Alguns empregam somente o termo participação, outros fazem referência à participação cidadã, societária, ou participação no desenvolvimento. Vejamos algumas dessas compreensões sobre o tema participação:
Para Modesto (1999), participar significa intervir num processo decisório qualquer e, no âmbito da administração pública, corresponde a todas as formas de interferência de terceiros na realização da função administrativa do Estado. De acordo com Bordenave (2002), a participação é um processo de desenvolvimento da consciência crítica e de aquisição de poder.
O Banco Interamericano para o Desenvolvimento - BID (2003, p. 75) define participação no desenvolvimento como o processo pelo qual as pessoas e entidades exercem influência no controle das iniciativas de desenvolvimento e nas decisões sobre recursos que os afetam.
Teixeira (2002, p. 54) define a participação cidadã como um processo complexo e contraditório entre sociedade civil, Estado e mercado, em que os papéis se redefinem pelo fortalecimento dessa sociedade civil mediante a atuação organizada de indivíduos, grupos e associações.
Para Motta (1994, p. 9), a participação é uma forma de institucionalização do conflito capital-trabalho e de criação de mecanismos institucionais para a sua regulação, já que "o fator crucial para regular os conflitos efetivamente é o reconhecimento e, até mesmo, a ênfase na divergência sistemática e na oposição". Afirma ainda que a questão que se coloca para as sociedades modernas não é tanto a supressão do conflito, mas a possibilidade de sua antecipação e controle.
Segundo Demo (2001, p.18), a participação é um processo dinâmico. Ele acredita também que a participação seja uma conquista social, um processo infindável de construção, que está sempre se fazendo. Ressalta que a “participação é em essência uma autopromoção e existe enquanto conquista processual. Não existe participação suficiente, nem acabada”. Sendo assim, a participação que se imagina completa corre o risco de interromper o seu processo de construção.
Participação e comunidade se conjugam no caminho da interação social. De acordo com a ONU (2001, p. 65), participação é associar-se pelo pensamento, pelo sentimento e pela própria ação. Resulta daí não se entender participação simplesmente como forma de participação no mercado ou nos lucros. Participar é fazer saber, é comunicar, é comungar, é ter pontos em comum que nos levam à interação social, ou seja, aos processos sociais que nos dão condições para criar, manter e estimular as reações mútuas entre pessoas e grupos.
De acordo com Ortsman (1994, p. 53), o mais importante da participação não é o quanto se toma parte, mas como se toma parte. Possivelmente, a insatisfação com a democracia representativa, que se nota nos últimos tempos em alguns países, inclusive no Brasil, deva-se ao fato de os cidadãos desejarem, cada vez mais, “tomar parte” no constante processo de tomada nacional de decisões e não somente nas eleições periódicas. A democracia participativa seria, então, aquela em que os cidadãos sentem que, por “fazerem parte” da nação, “têm parte” real na sua condução, e por isso, “tomam parte” - cada qual em seu ambiente - na construção de uma nova sociedade da qual se “sentem parte”.
A interação social baseia-se na intercomunicação entre a comunidade e a organização.
Tal interação metodiza-se em forma de diálogo. Participar é dialogar, é comungar interesses,
sentimentos e idéias; é compartilhar experiências, é viver em comunidade e isso exige
desprendimento do poder. Para Sievers (1942, p.89), a existência de uma verdadeira participação
na administração só será possível se os segmentos reconhecerem a necessidade de abdicação, principalmente da parte dos administradores. A participação exige desprendimento do poder.
Há que se registrar, ainda, que a participação não é somente espontânea. Muitas vezes ela é e pode ser programada em qualquer tipo de organização ou instituição. Não obstante o fato de que participar é uma das grandes aspirações humanas, é lamentável que nem sempre essa vontade inata seja correspondida por aqueles que detêm o poder (MOTTA, 1997, p. 23).
Segundo as reflexões de Arnstein (1969, p. 34), é possível analisar até que ponto os esforços de uma abordagem participativa estão caminhando com qualidade e dando seus frutos conforme o esperado. A tipologia mostrada a seguir apresenta-nos a metáfora de uma escada, em que “cada degrau corresponde à amplitude do poder da comunidade escolar em decidir as ações e/ou programas que lhe afetam” (ARNSTEIN, 1969, p.35). Ver Figura 1.
FIGURA 1 - Escada da Participação Cidadã . FONTE: Adaptação própria a partir de Arnstein (1969, p. 37).
Arnstein (1969, p. 37) afirmou que quando se trabalha com a participação, espera-se que um determinado nível seja alcançado e que as relações e instituições já estabelecidas “não voltem para trás”, mas, ao contrário, que apenas subam sem parar para os níveis superiores. No entanto, nem sempre isso acontece em relação às etapas vencidas, pois, para que não haja retrocesso, depende-se muito do grau de determinação das lideranças. Se não estiver em alerta sobre o poder que se tem, pode-se subir e descer essa “escada da participação” muito rapidamente, com riscos de ascensão ou queda vertiginosa.
Diante do exposto, as categorias da participação não podem ser apreendidas como uma
lista de estágios estanques, sem interconexão. Elas foram agrupadas, didaticamente, de maneira a
favorecer o entendimento do problema e de sua solução possível com maior profundidade, e criar
uma referência de análise e classificação sobre a dimensão participativa da comunidade, no
momento atual, na gestão das escolas públicas municipais em Salvador.
3. PLANO DE DESENVOLVIMENTO DA ESCOLA (PDE)
O PDE é um projeto resultante de um acordo de financiamento entre o Banco Mundial (BM) e o Ministério da Educação (MEC), desenvolvido em parceria com as secretarias estaduais e municipais de educação. A missão do programa é promover um conjunto de ações para a melhoria da qualidade das escolas do ensino fundamental, ampliando a permanência das crianças nas escolas públicas, nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Por força da vinculação a um financiamento do BM, conta com acompanhamento e avaliação do BM. Seu objetivo maior é reduzir as desigualdades escolares nos respectivos sistemas, aumentando a eficácia das escolas e levando as crianças dessas regiões a concluir com êxito o último ano do ciclo obrigatório do ensino fundamental.
Cada acordo de financiamento tem a duração de seis anos, em média. O “Acordo de Participação” inicial do PDE teve início em 1997. Para cumprir o objetivo previsto, o Programa propõe-se a desenvolver ações de fortalecimento da escola por meio de convênios com os municípios, mediante adesão dos mesmos (AMARAL SOBRINHO; XAVIER, 1999, p. 46).
Estados, municípios e escolas devem adotar a metodologia de planejamento estratégico, consubstanciada no modelo do PDE, que leve à racionalização, eficácia e eficiência da gestão e do trabalho escolar.
Fala-se hoje com mais freqüência de PDE. Isso é muito bom. Porém, esquece-se, muitas vezes, de mostrar a sua dimensão política. Fala-se em PDE como se fosse uma coisa neutra, como se um Plano de Desenvolvimento da Escola não estivesse situado num determinado contexto histórico-social e político. O PDE é um processo e um plano que implica diagnosticar uma situação e tomar decisões em função de um determinado fim. O PDE é um processo permanente que implica a avaliação constante de seu desenvolvimento com a participação de todos os segmentos da comunidade escolar em todo o seu processo (AMARAL SOBRINHO;
XAVIER, 1999, p. 51).
O PDE aproxima a escola da racionalidade taylorista, na medida em que recupera princípios e métodos da gerência técnico-científica: facilita a divisão pormenorizada do trabalho escolar, com nítida separação entre quem decide e quem executa as ações e fragmenta as ações escolares em inúmeros projetos desarticulados e com "gerências" próprias. De par com a fragmentação do trabalho, ocorre a diluição de poderes entre os membros da mesma coletividade, onde cada um é responsável apenas por uma parte do poder decisório. A concepção teórica já vem definida por "instâncias superiores" (AMARAL SOBRINHO; XAVIER, 1999, p.
55).
Segundo Mello (1992, p. 67), embora em sua concepção inicial o PDE enfatize a possibilidade de aumento do poder de decisão nas escolas, na prática, a própria sistemática de co-financiamento internacional impõe instrumentos de controle sobre os projetos, como manuais para acompanhamento e planejamento de ações, além de normas para utilização de recursos e prestação de contas do dinheiro repassado à escola, para aquisição de materiais e melhoria do espaço escolar. Se, de um lado, esses instrumentos ajudam a organizar o trabalho rotineiro da escola, de outro, dificultam ou até mesmo impedem as decisões autônomas sobre outras questões mais gerenciais.
4. METODOLOGIA
O método utilizado na pesquisa foi o estudo de caso, com a aplicação de um questionário
composto por 34 questões (abertas e fechadas), das quais avaliaremos algumas poucas nesse
artigo. Através de um sorteio, foram selecionadas 11 escolas de porte especial - escolas a partir de 501 alunos – para a composição da amostra. As escolas que compuseram a amostra foram convidadas, uma a uma, através de telefonemas, para que participassem dessa pesquisa A escolha dos membros do Conselho Escolar ficou a cargo do próprio Conselho e de acordo com a disponibilidade de cada um dos conselheiros para responder o questionário.
A escolha dos entrevistados teve como elemento balizador a participação do sujeito no Conselho Escolar: como membro representante dos segmentos da comunidade escolar (pais, alunos, professores, funcionários e gestores) e com ocupação ou não de cargos (coordenador, vice-coordenador, secretário e tesoureiro) dentro do conselho. Após contato telefônico foram totalizados 55 conselheiros (5 para cada segmento nas 11 escolas públicas municipais em Salvador) responsáveis em representar a comunidade escolar em cada um dos cincos segmentos que compõem o Conselho Escolar, conforme pode ser verificado na Tabela 1.
TABELA 1 - Quantidade de representantes do Conselho Escolar que responderam ao questionário
Números e representantes dos segmentos Coordenadoria Regional
de Educação (CRE) Alunos Funcionários
Gestores Pais Professore sTOTAL
Cabula 1 1 1 1 1 5
Cajazeira 1 1 1 1 1 5
Centro 1 1 1 1 1 5
Cidade baixa 1 1 1 1 1 5
Itapuã 1 1 1 1 1 5
Liberdade 1 1 1 1 1 5
Orla 1 1 1 1 1 5
Pirajá 1 1 1 1 1 5
São Caetano 1 1 1 1 1 5
Subúrbio I 1 1 1 1 1 5
Subúrbio II 1 1 1 1 1 5
Total de entrevistados