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Quadril doloroso em crianças e adolescentes: análise de 52 casos

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Academic year: 2021

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1Médica Responsável pela Reumatologia Pediátrica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul 2Doutor em Medicina pela FMUSP. Chefe da Unidade de Reumatologia Pediátrica do Instituto da Criança do HC-FMUSP 3Doutora em Medicina pela FMUSP. Médica Radiologista Pediátrica - The Hospital for Sick Children, Toronto, Canada 4Médica Pós-Graduanda do Departamento de Pediatria da FMUSP

5Mestre em Medicina pela FMUSP. Médica Assistente da Unidade de Reumatologia Pediátrica do Instituto da Criança do HC-FMUSP 6Professora Livre-Docente da FMUSP

Quadril doloroso em crianças e adolescentes: análise de

52 casos

Painful hip in children and adolescents: analysis of 52 cases

Cuadril doloroso en niños y adolescentes: análisis de 52 casos

Érica Naomi Naka1, Clóvis Artur Almeida da Silva2, Andréa Shwarz Doria3, Adriana Maluf Elias Sallum4, Bernadete de Lourdes Liphaus5, Lúcia Maria Mattei de Arruda Campos5, Maria Helena Bittencourt Kiss6

Unidade de Reumatologia Pediátrica do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universida-de Universida-de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Resumo

Objetivo: descrever as causas de quadril doloroso em um grupo de crianças e adolescentes, assim como os elementos clínicos,

laboratoriais e exames de imagem que possibilitaram o diagnóstico. Casuística e Métodos: estudo retrospectivo de 52 pacientes atendidos em Unidade de Reumatologia no período de 1983 a 1997. Resultados: a idade de início dos sintomas teve mediana de 8 anos (9 meses a 14 anos). A localização da dor era bilateral em 20 casos e a intensidade maior ocorreu nos pacientes com neoplasia e pioartrite/osteomielite. A etiologia dos casos foi: infecciosa (16), inflamatória (19), neoplásica (3), degenerativa (14). As doenças mais freqüentes foram: sinovite transitória do quadril (35%), doença de Legg-Perthes (19%), sacroileíte (11%) e discite (8%). A velocidade de hemossedimentação foi elevada particularmente nas doenças infecciosas e inflamatórias. A radiografia simples do quadril foi alterada em 26/52 pacientes. A tomografia computadorizada confirmou o diagnóstico em sete, a ressonância magnética em dois e a cintilografia óssea mostrou alteração da captação em 22 dos pacientes. Conclusões: o envolvimento do quadril pode estar associado a diversas patologias graves, como infecções e neoplasias. Os exames de imagem foram decisivos para determinação da etiologia.

Descritores: Articulação de quadril. Dor. Sinovite. Doença de Legg-Perthes. Artrite infecciosa.

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Introdução

As dores agudas ou crônicas que são referidas nas articulações dos quadris de crianças e adolescentes constituem queixa de grande importância em Pedia-tria. Este quadro doloroso pode ser a forma de apre-sentação de diversas doenças graves: infecciosas, in-flamatórias, neoplásicas e degenerativas (fre-qüentemente denominadas ortopédicas)1. Além da in-capacidade funcional transitória, lesões ósteo-articulares definitivas, e mesmo progressivas, podem advir destas diferentes doenças. Isto pode ser obser-vado na doença de Legg-Perthes, na epifisiólise, as-sim como na artrite séptica e osteomielite2.

Frente a estes dados fica evidenciada a necessi-dade de investigar a etiologia da dor no quadril em todas as crianças. Além disto a identificação causal deve ser rápida, tanto para evitar dano irreverssível à cartilagem articular como para melhorar o prognós-tico das neoplasias3.

O estudo do quadril doloroso poucas vezes é feito por pediatras3.

O objetivo do presente estudo é relatar as causas principais da dor no quadril doloroso da criança e do adolescente, assim como descrever os elementos clí-nicos, laboratoriais e exames de imagem que possibi-litam o diagnóstico.

Casuística e Métodos

O estudo baseou-se na análise retrospectiva dos prontuários de 52 crianças e adolescentes com quei-xa principal de dor no quadril (quadril doloroso). Os pacientes foram diagnosticados e acompanhados na Unidade de Reumatologia Pediátrica do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo,

Abstract

Objective: to describe the causes of children and adolescents’ painful hip, and also the clinical, laboratorial, and radiological examinations which allowed the diagnosis. Casuistic and Methods: it was conducted a retrospective study including 52 children and adolescents with painful hip referred to a pediatric rheumatology unit since 1983 to 1997. Results: the median age at presentation was 8 years (range 9 months - 14 years). The initial children’s complaint were bilateral hip pain (20 cases) and the most important symptoms ocurred in patients with cancer, septic arthritis and osteomielytis. The diseases’ etiology were: infectious – 16 cases, inflammatory – 19 cases, neoplasic conditions – 3 cases and degenerative bone disease – 14 cases. The main diagnosis were: hip transient synovitis (35%), Legg-Perthes’ disease (19%), sacroiliitis (11%) and discitis (8%). High values of erythrocyte sedimentation rate suggested the presence of infectious or inflammatory diseases. X-ray scan of the pelvis showed abnormalities in 26/52 patients (50%). The TC scan confirmed the diagnosis in seven patients, magnetic resonance in two and bone scintilographic scan showed disturbed pattern in 22 patients. Conclusions: the painful hip may be caused by serious conditions like septic arthritis or neoplasic disease. The image examinations were important to establish the diagnosis of painful hip.

Keywords: Hip joint. Pain. Synovitis. Legg-Perthes disease. Arthritis, infecctious.

Resumen

Objetivo: describir las causas de cuadril doloroso en niños y adolescentes, y los elementos clínicos, laboratoriales y examenes de imagen qui possibilitaron los diagnósticos.Casuística y Métodos: fueron estudiadas retrospectivamente 52 casos atendidos en una unidad de reumatología en el periodo de 1983 a 1997. Resultados: la edad de inicio de los síntomas tuvo una mediana de 8 años (9 meses a 14 años). La dolor era bilateral en 20 casos fue más intenso en los pacientes con neoplasia, artritis séptica y osteomielitis. La etiología de los casos fue: infecciosa (16), inflamatoria (19), tumoral (3) y degenerativa (14). Los diagnósticos finales más frecuentes fueron: sinovitis transitoria de cuadril (35%), enfermedad de Legg-Perthes (19%), sacroileitis (11%) y discitis (8%). La velocidad de sedimentación globular estaba aumentada en las enfermedades infecciosas y inflamatórias. La radiografía simple del cuadril estuvo alterada en 26/52 pacientes. La tomografia computadorizada confirmó el diagnóstico en siete pacientes, la resonancia magnética en dos y la cintilografía osea mostró alteración en la captación en 22 pacientes. Conclusiones: el acometimiento de la articulación del cuadril puede estar asociado a varias patologías graves como infecciones y neoplasias. Los exámenes de imagen fueron importantes en la determinación de la etiología.

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SP, no período de 1983 a 1997. O intervalo de tempo decorrido entre o início da sintomatologia até a pri-meira consulta na Unidade de Reumatologia Pediátrica variou de seis dias a dois anos e seis meses (média de 17,5 meses e mediana de três meses).

Os pacientes foram divididos em quatro grupos dis-tintos, segundo a etiologia do quadro: grupo I (etiologia infecciosa), grupo II (doença inflamatória), grupo III (neoplasia) e grupo IV (doença óssea degenerativa). Este último grupo foi também denominado de “causa ortopé-dica”, pela especificidade na abordagem terapêutica.

Foi registrada a sintomatologia dos pacientes no momento da admissão no grupo. A presença de altera-ções sistêmicas, com ênfase na febre, e a caracteriza-ção da dor - localizacaracteriza-ção, duracaracteriza-ção, intensidade, periodici-dade e horário preferencial, foram estudadas. Todos os pacientes tinham registro de exame físico detalhado, en-volvendo avaliação da postura e da marcha, assim como a semiologia cuidadosa das articulações coxo-femorais, sacroilíacas, coluna lombar e dos grupos musculares

regionais (em especial, psoas e quadríceps).

Os exames laboratoriais avaliados em todos os ca-sos foram: hemograma completo, velocidade de hemossedimentação (VHS) e radiografia simples de quadril e/ou coluna lombar (incidências póstero-anterior e perfil) e/ou sacroilíacas (posição de Ferguson: flexão, abdução e rotação externa dos quadris). A punção arti-cular do quadril ou óssea havia sido realizada em quatro pacientes, tomografia computadorizada da articulação coxo-femoral em 11, cintilografia óssea em 27 e resso-nância nuclear magnética em dois. A distribuição de pro-porções foi feita pelo teste de Qui-quadrado e Exato de Fisher. Foi considerado significante um p < 0,05.

Resultados

Os 52 pacientes com quadro de quadril doloroso são apresentados na Tabela 1, segundo a etiologia. Em relação ao sexo, 31 eram do sexo masculino e 21 do feminino, com uma relação M:F de 1,5:1.

Tabela 1 – Principais grupos etiológicos e doenças determinantes de quadril

doloroso em 52 crianças e adolescentes. Unidade de Reumatologia Pediátrica do Instituto da Criança do HC-FMUSP. São Paulo, SP, 1983-1997.

Grupo de doença (N) (%) etiologia I – Infecciosa 16 30 Sacroileíte 6 11 Discite 4 8 Osteomielite 3 5 Psoíte 2 4 Pioartite 1 2 II – Inflamatória 19 37 Sinovite transitória 18 35

Artrite reumatóide juvenil 1 2

III – Neoplásica 3 6 Leucemia 1 2 Linfoma 1 2 Neuroblastoma 1 2 IV – Degenerativa (Ortopédica) 14 27 Doença de Legg-Perthes 10 19 Displasia epifisária 3 6 Epifisiólise 1 2 TOTAL 52 100 N = número % = percentual da coluna

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O grupo I foi composto por 16 casos (30%) com doenças infecciosas: sacroileíte, discite, osteomielite, psoíte e pioatrite (Tabela 1). O grupo II, das doenças inflamatórias, incluiu 19 casos (37%) em que predomi-nou a sinovite transitória do quadril. O grupo III, das neoplasias, foi o menor – 3 casos (6%), constituído por doenças sistêmicas e/ou disseminadas. O grupo IV com

14 pacientes (27%), teve três causas ortopédicas: doen-ça de Legg-Perthes (necrose isquêmica da cabedoen-ça femoral), displasia epifisária e epifisiólise. As caracte-rísticas clínicas e os resultados de exames auxiliares dos pacientes do grupo I estão contidos na Tabela 2. Os mesmos aspectos dos grupos II e III estão na Tabe-la 3; e os do grupo IV estão contidos na TabeTabe-la 4.

Tabela 2 – Grupo I. Quadril doloroso em crianças e adolescentes: características clínicas e laboratoriais das doenças

infecciosas. Unidade de Reumatologia Pediátrica do Instituto da Criança do HC-FMUSP. São Paulo, SP, 1983-1997.

Características Sacroileíte Discite Osteomielite Psoíte Pioartrite

clínicas e laboratoriais (n = 6) (n = 4) (n = 3) (n = 2) (n = 1)

Idade MD de início (anos) 10,3 2,5 2,5 2,0 0,8

Sexo (M/F) 3/3 3/1 2/1 1/1 1/0 Febre 5 3 3 2 1 Trauma/infecção prévia 1 2 2 0 0 Leucocitose (> 15000/mm3) 6 0 0 0 1 VHS elevada 6 4 3 0 1 Radiografia alterada 3 4 2 0 1 CE (alterada/realizada) 6/6 3/3 3/3 0/2 NR Tomografia alterada 4 2 NR NR NR Ressonância alterada 1 1 NR NR NR

MD= média, VHS = velocidade de hemossedimentação, CE = cintilografia do esqueleto, NR = não realizado

Tabela 3 – Grupo II e III. Quadril doloroso em crianças e adolescentes: características clínicas e laboratoriais das doenças

inflama-tórias e neoplásicas. Unidade de Reumatologia Pediátrica do Instituto da Criança do HC-FMUSP. São Paulo, SP, 1983-1997.

Características Sinovite transitória Artrite reumatóide juvenil Neoplasias

clínicas e laboratoriais (n = 18) (n = 1) (n = 3)

Idade MD de início (anos) 6,0 5,0 8,5

Sexo (M/F) 11/7 1/0 1/2 Febre 9 0 3 Trauma/infecção prévia 8 0 0 Leucocitose (> 15000/mm3) 1 0 0 VHS elevada 1 1 2 Radiografia alterada 0 0 2 CE (alterada/feita) 0/3 NR 1 Tomografia alterada NR NR NR

MD = média, VHS = velocidade de hemossedimentação, CE = cintilografia do esqueleto, NR = não realizado

Tabela 4 – Grupo III. Quadril doloroso em crianças e adolescentes: características clínicas e laboratoriais das doenças degenerativas

(ortopédicas). Unidade de Reumatologia Pediátrica do Instituto da Criança do HC-FMUSP. São Paulo, SP, 1983-1997.

Características Doença de Legg-Perthes Displasia epifisária Epifisiólise

clínicas e laboratoriais (n = 10) (n = 3) (n=1)

Idade MD de início (anos) 10,5 8,5 12

Sexo (M/F) 6/4 1/2 1/0 Febre 1 0 0 Trauma/infecção prévia 1 0 0 Leucocitose (> 15000/mm3) 0 0 0 VHS aumentada 1 1 0 Radiografia alterada 10 3 1 CE (alterada/feita) 6/6 2/2 1/1 Tomografia alterada NR 1 NR

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Dos 52 casos de quadril doloroso, 15 apresentaram envolvimento do lado direito, 17 do lado esquerdo e 20 bilateral. As idades de início dos sintomas das 52 crian-ças variaram de 9 meses a 14 anos (mediana de 8 anos). Houve nítido predomínio de escolares entre os casos de etiologia degenerativa, neoplásica e inflamatória. Predo-minaram os lactentes e pré-escolares no grupo I, exceto para a sacroileíte, com predomínio em escolares. A sinovite transitória, discite e a doença de Perthes ocorreram mais freqüentemente no sexo masculino (Tabelas 2, 3, 4).

As queixas clínicas mais freqüentes foram: dor e limi-tação do quadril, com dificuldade ou impossibilidade de apoiar o membro acometido e/ou andar. A dor foi referida com maior intensidade nos pacientes com neoplasia, pioartrite e osteomielite. A febre esteve presente em 96% dos casos infecciosos (exceto em um caso de sacroileíte e noutro de discite), nos três com neoplasias e em meta-de dos pacientes com sinovite transitória. A febre esteve ausente nas doenças degenerativas. Antecedentes de infecção de vias aéreas superiores ou trauma foi relatado em 14 casos (26,9%): oito com sinovite transitória, dois com discite, dois com osteomielite, em um caso com sacroileíte e noutro com doença de Legg-Perthes. O exa-me físico evidenciou principalexa-mente limitação e/ou dor à movimentação passiva ou ativa da articulação coxo-femoral, impossibilidade à deambulação e, em 3 casos, dor à palpação dos discos vertebrais (discites).

O hemograma evidenciou leucocitose com neutrofilia e desvio à esquerda em 10 dos 16 casos com doenças infecciosas do grupo I (Tabela 2). Entre os 36 restantes, somente um caso de sinovite transitória apresentou leucocitose (p < 0,05). Os pacientes com neoplasia apre-sentaram alteração inespecífica do hemograma, inicial-mente ou durante a evolução da doença, caracterizada por anemia e/ou leucopenia e/ou plaquetopenia. Destes, o mielograma fez o diagnóstico em 2 casos.

A velocidade de hemossedimentação (VHS), realiza-da em todos os pacientes com quadril doloroso, mostrou elevação em 87,5% dos pacientes com quadril doloroso de etiologia infecciosa, exceto em dois casos (12,5%) de psoíte (Tabela 2). O exame pôde discriminar os quadros infecciosos da sinovite transitória (p < 0,05), como apre-senta a Tabela 3.

Quanto aos exames de imagem, todos os pacientes foram submetidos à radiografia simples de quadril ou de coluna vertebral; sendo que a radiografia simples elucidou a etiologia do quadro em 50% dos casos (Tabelas 2, 3, 4). A radiografia foi normal nos pacientes com psoíte, artrite reumatóide juvenil (ARJ) e sinovite transitória. Todos os casos de doença de Legg-Perthes (Figura 1), displasia

epifisária, epifisiólise, osteomielite e pioartrite apresenta-ram alterações radiológicas características. A radiografia da coluna vertebral evidenciou diminuição do espaço discal, irregularidade das bordas e achatamento do disco vertebral nos casos de discite, sem alterações na articula-ção coxo-femoral. Dois dos três casos de neoplasia apre-sentaram lesões líticas. O diagnóstico de sacroileíte foi realizado em três dos seis casos com exame radiológico simples em posição de Ferguson.

Figura 1 – Doença de Legg-Perthes: a radiografia simples

exi-be perda de volume da caexi-beça do fêmur à esquerda, com es-clerose e impactação da superfície articular.

Figura 2 – Discite: a ressonância magnética evidencia

acome-timento do disco intervertebral ente L2 e L3, esclerose da mar-gem inferior de L2 e diminuição do espaço intervertebral.

Onze pacientes foram submetidos à tomografia computadorizada (TC), firmando o diagnóstico etiológico de quadril doloroso em sete (quatro com sacroileíte, dois com discite e um com displasia epifisária). O diag-nóstico etiológico de quadril doloroso foi estabelecido por ressonância magnética em um paciente com discite (Figura 2) e noutro com sacroileíte.

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Em vinte e sete pacientes realizou-se cin-tilografia óssea com gálio ou tecnécio. Alterações da captação (hipo ou hipercaptação) do ra-diofármaco foram evidenciadas em 22 casos. O exame não possibilitou discriminar a etiologia (Ta-belas 2, 3, 4). Em três dos 18 pacientes com diag-nóstico de sinovite transitória realizou-se o exame, sendo normal em todos eles, assim como nos dois pacientes com psoíte. A ultra-sonografia fez o diagnóstico dos dois casos de psoíte.

Em 41,6% dos pacientes não houve concordância entre o diagnóstico do encaminhamento e o diagnós-tico etiológico final do quadril doloroso. O tratamento instituído dependeu da etiologia do quadro e o tempo de seguimento, após o diagnóstico, variou de um mês a cinco anos, em curso para alguns casos.

Discussão

A presença de dor aguda no quadril é uma quei-xa bastante freqüente nos serviços de urgência pediátricos, mas poucas vezes é estudada por pe-diatras. A casuística descrita corresponde à experi-ência de um serviço de Reumatologia Pediátrica, contrastando com a literatura que apresenta ape-nas relatos de serviços de Ortopedia Pediátrica4,5. Porém, o perfil da casuística de quadril doloroso do estudo foi similar ao da literatura, com maior fre-qüência das causas inflamatórias, particularmente da sinovite transitória do quadril3,6,7. A dificuldade no diagnóstico etiológico do quadril doloroso pode ser evidenciada, de forma indireta, pela elevada taxa de erros no diagnóstico provisório dos casos – 41,2%. Isto destaca a importância do tema para os pediatras, nos dias correntes.

A dificuldade na elucidação causal deriva, em boa parte, da inespecificidade das manifestações clíni-cas assim como das múltiplas doenças implicadas, como se observa na Tabela 1.

A avaliação deve principiar pela cuidadosa histó-ria e exame físico8,9. Muitas vezes a localização da dor é imprecisa com relação ao sítio anatômico aco-metido. Esta, pode originar-se nas articulações (coxo-femoral, sacroíliaca e disco intervertebral); ossos (fêmur, ilíaco, sacro e coluna); músculos (quadríceps, íleo-psoas, glúteos) e/ou abdome. Como a articula-ção coxo-femoral é profunda, raramente será eviden-ciado edema, calor ou rubor local.

A intensidade da dor é uma das principais caracte-rísticas que pode auxiliar na identificação da causa do quadril doloroso. As dores de maior intensidade na fai-xa etária pediátrica são causadas por pioartrite/ osteomielite e neoplasias, como encontrado no pre-sente estudo. Os pacientes com pioartrite/osteomielite, devido ao intenso processo inflamatório localizado, podem ter maior limitação à movimentação do qua-dril. Nos casos oncológicos (particularmente leu-cemias), a dor é intermitente, preferencialmente no-turna, podendo apresentar um exame físico normal. As patologias ortopédicas são usualmente pouco do-lorosas, com limitação em alguns movimentos espe-cíficos do quadril8,9.

A febre é bastante freqüente no quadril doloroso da criança. Esteve presente em 52% dos quadros infecciosos, inflamatórios e neoplásicos, não sendo en-contrada nas doenças degenerativas. A associação de febre e dor indica ativa investigação de quadros infec-ciosos2,3. Adicionalmente, a história inicial deve ava-liar acometimento sistêmico. Na presente casuística o estado geral, diarréia, disúria, irritação ocular, entre outros, não foram registrados; possivelmente por ser um estudo retrospectivo1.

Quanto à etiologia do quadril doloroso, em termos gerais, deve ser observado que as diversas doenças incidem em diferentes faixas etárias (Tabelas 2, 3, 4). As doenças de Legg-Perthes e sinovite transitória são mais comuns entre cinco e oito anos de idade10,11. As causas infecciosas, principalmente a psoíte, osteomielite e artrite séptica são mais freqüentes nas crianças menores de quatro anos,e a epifisiólise é mais comum nos adolescentes2.

A partir das considerações acima, entende-se que na maior parte dos casos de quadril doloroso o diagnóstico causal só pode ser firmado com exames complementares1-3,6,7,10,12-15. O hemograma é um exa-me indicado na elucidação de infecções, como se ob-serva na Tabela 2. Possibilita diferenciar infecções lo-cais da sinovite transitória (Tabela 3). Os pacientes com pioartrite/osteomielite apresentam leucocitose com desvio à esquerda. As crianças com leucemia linfoblástica aguda costumam apresentar leucocitoses intensas (acima de 50.000/mm3), blastos, e mesmo pancitopenia9. Porém, por vezes o hemograma pode ser inespecífico. Nestes casos, o mielograma, como feito em 2 pacientes, esclarecem o diagnóstico. Isto é especialmente possível quando tiver havido prévia utilização de corticosteróide.

(7)

As provas de fase aguda costumam estar normais nos quadros ortopédicos e na sinovite transitória do quadril, como se observa nas Tabelas 3 e 4. Elevação da VHS acima de 40 mm na 1a hora foi evidenciada, particular-mente, nas patologias infecciosas (90% dos casos) e neoplásicas (67% dos casos) (Tabelas 2 e 3).

A radiografia simples mostrou alterações em apro-ximadamente 50% dos casos, auxiliando no diagnósti-co. Freqüentemente discrimina os tumores e permite o diagnóstico das causas ortopédicas. Na sinovite transi-tória do quadril a radiografia foi normal em todos os casos; ocasionalmente pode ser observado um aumen-to do espaço entre o acetábulo medial e a cabeça femoral16. A radiografia nos pacientes com pioartrite/ osteomielite, mostrou alargamento do espaço articular pela presença de efusão. Isto pode passar desaperce-bido. Achados maiores, como as lesões erosivas, são evidenciadas a partir da segunda semana de doença12. Na presente casuística, um paciente de nove meses com artrite séptica do quadril evoluiu com deformidade da cabeça femoral e osteonecrose, por ter sido diagnos-ticado tardiamente5. As alterações radiográficas da vér-tebras lombares e do disco intervertebral foram eviden-ciadas nos casos de discite do estudo. Também na doença de Legg-Perthes evidenciou irregularidade e achatamento da cabeça femoral em todos os pacien-tes; e na epifisiólise mostrou o escorregamento da epífise femoral1. Estes achados radiológicos são con-siderados tardios, indicando que os pacientes foram diagnosticados em fase avançada das doenças.

A ultra-sonografia é um bom método para avaliar a presença de inflamação e abscesso do músculo psoas14, a efusão articular e o espessamento sinovial da articula-ção coxo-femoral; freqüentemente pode auxiliar na distin-ção entre sinovite e artrite do quadril3,11,17,18. Ainda assim, a punção do líquido sinovial é o procedimento diagnóstico de escolha, nesta situação, devendo-se realizá-lo imedia-tamente. O material obtido deve ser encaminhado para exame bacterioscópico e culivado para identificação do agente etiológico4. A reduzida freqüência da punção arti-cular na presente casuística decorre, em grande parte, da fase evolutiva (tardia) em que os casos foram recebidos.

A cintilografia ou mapeamento ósseo permite localizar áreas inflamadas e isquêmicas. Pode ser útil na doença de Legg-Perthes, em que há isquemia temporária do ter-ço proximal do fêmur, determinando necrose da epífise femoral. Há hipocaptação do radiofármaco na fase preco-ce e hipercaptação na fase tardia10, como evidenciado em seis dos 10 pacientes que foram submetidos ao exa-me. Como se observa nas Tabelas 2, 3, 4, o exame foi pouco específico.

Atualmente, a ressonância nuclear magnética (RNM) é o método de imagem com maior eficácia para detectar precocemente alterações na síndrome do quadril doloro-so16,19. Permite avaliar o disco vertebral15,20, a coluna lom-bar, as sacroilíacas9, a musculatura periarticular13,14 e arti-culações coxo-femorais9,21. A RNM detecta anormalida-des de tecidos moles e formação de áreas neovasculares. O exame evidencia com maior nitidez as superfícies arti-culares e periartiarti-culares em relação à tomografia, permi-tindo avaliação de alterações condrais precoces. Porém, é a tomografia que permite melhor avaliação da calcificação, ossificação e reação periostal; é o exame de escolha nos casos suspeitos de neoplasias ósseas16,19. Na presente série o escasso número de casos que reali-zaram RNM impede maiores conclusões quanto a este recurso diagnóstico.

Conclusões

Quadros transitórios e outros graves podem causar o quadril doloroso. A causa deve ser identificada e rapida-mente tratada, pois o diagnóstico correto e precoce é fa-tor determinante de melhor prognóstico. Os quadros in-fecciosos e as neoplasias, pelos riscos inerentes, devem ser investigados em toda criança com dor no quadril4,5,8,9,22. A investigação deve incluir história clínica minuciosa e exame físico detalhados, radiografias simples, hemograma e VHS. Os exames de imagem - ultra-sonografia, tomografia computadorizada, cintilografia óssea e resso-nância magnética, são decisivos para determinação da etiologia em muitos casos. A punção articular, não anali-sada nesta casuística, é hoje considerada imprescindível na investigação da artrite séptica2.

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Endereço para correspondência:

Dr. Clóvis Artur Almeida da Silva

Unidade de Reumatologia Pediátrica do ICr HC-FMUSP Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 647

CEP 05403-900 - São Paulo - SP - Brasil

Referências

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