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uso exclusivo e particular do aluno da Saber e Fé, sendo proibida a reprodução total ou parcial deste

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COPYRIGHT © 2015 - TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - SABER E FÉ

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ESCOLASTICISMO

MARCOS HERALDO DE PAIVA

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Sumário

03 u Introdução

05 u Capítulo

1

q A essência da escolástica

05  Etimologia do termo

06  Os princípios da escolástica

08 u Capítulo

2

q Os primeiros passos da escolástica 11 u Capítulo

3

q Da ascensão ao declínio da escolástica

11  A alta escolástica

12  O crescimento da escolástica 15  Decadência da escolástica

17 u Capítulo

4

q Principais expositores da escolástica 18 u Capítulo

5

q Anselmo de Cantuária

19  Fides quaerens intellectum

19  Provas da existência de Deus em Anselmo

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22 u Capítulo

6

q Mestre Eckhart

23  Misticismo alemão 24  Vida e obra

25  Conceitos e objetivos

26  Morte e memórias de Eckhart

27 u Capítulo

7

q Pedro Abelardo

27  A personalidade

28  A tese medieval dos universais 30  Abelardo em seu contexto filosófico 32  Influências

33 u Capítulo

8

q Tomás de Aquino

35  Distinguindo escolástica, Tomás de Aquino e o tomismo 37  Tomás e o método das cinco vias

41 u Conclusão

42 u Referências bibliográficas

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q Introdução

E

scolástica ou escolasticismo vem de scholasticus, termo de origem latina cujo significado é “que pertence à escola; que é instruído”. Em verdade, foi um método empregado nas universidades medievais entre os séculos 10 e 16 e consiste no pensamento crítico.

Não pode ser classificada meramente como uma filosofia ou teologia, ou, tal- vez, como uma corrente dessas duas. Nascido em meio às escolas monásticas de confissão cristã, o escolasticismo foi fundado com o objetivo de conciliar a fé cristã com um sistema de pensamento racional, com afinidades junto à filosofia grega.

Baseava-se, em grande parte, num sistema de diálogo que priorizava a contra- posição e a contradição de ideias que conduzem a outras ideias como meio para ampliação de conceitos. Esse método, mais conhecido como “dialética” (caminho das ideias) tornou-se assunto expressivo na filosofia ocidental e oriental.

Por quase oito séculos, a teologia escolástica marcou presença na igreja e instituições que doutrinavam os cristãos mais preocupados com o ensino, atraves- sando a idade média e chegando ao conhecimento e prática de muitos ainda na idade moderna.

Como método de ensino da ortodoxia cristã, a teologia escolástica teve sua evolução e aprimoramento demarcados por três fases:

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Transição e gestação da dialética A grande escolástica

A escolástica tardia

Por conta dessas mudanças, mais novidades eram incorporadas aos ensinos que, metodicamente, preenchiam o currículo das disciplinas teológicas da época e, dessa forma, o neoplatonismo (certa mistura da filosofia platônica com algumas formas místicas de pensamento) de Santo Agostinho dá lugar às doutrinas de Aris- tóteles.

Adiante e a partir do século VI, se desenvolve aquilo que passou a se chamar de “as três entradas de Aristóteles”, descrevendo um período de acontecimentos que determinaria o rumo da teologia escolástica.

Esse período, obviamente dividido em três momentos, é composto dos seguin- tes episódios: no século VI, Aristóteles se faz presente como mestre em gramática e, dessa forma, propõe mudanças nos métodos de discurso, mas isso se deve também às traduções de suas obras chamadas Lógicas.

Essas traduções foram realizadas por Anício Mânlio Torquato Severino Boécio (Roma/480-524), mais conhecido por Boécio, outro grande filósofo, estadista e teó- logo romano que ganhou reconhecimento após traduzir algumas obras de Porfírio.

Já nos séculos 11 e 12, associa o raciocínio e a dialética, meios pelos quais co- nheceu a obra de Pedro Abelardo, chamada sic et non [Sim e não], e, finalmente, ingressa na teologia do século 13 discutindo conceitos metafísicos e suas raízes glo- balizantes, de onde sugere um meio para compreender o ser humano e o mundo.

Neste módulo, entenderemos um pouco mais sobre esta linha do pensamento teológico e filosófico e seus principais expositores.

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Capítulo 1

q A essência da escolástica

A etimologia do termo

S

ua origem etimológica é clara e se refere a “escolas”. A partir do latim scholasticus, vemos a designação daqueles que, à época, eram conheci- dos como professores das artes liberais e, posteriormente, definindo o mestre de fi- losofia ou teologia, mas sempre trazendo, em primeiro plano, aquele que ministra- va nas escolas dos conventos, mosteiros, catedrais e, mais tarde, universidades.

A escolástica foi definida dessa forma, como linguagem filosófica da teologia, cujo compromisso era a afirmação da fé pela razão, utilizando-se, para esse fim, de uma filosofia ou um sistema filosófico já estabelecido e famoso.

Veremos, no decorrer dessa disciplina, que a escolástica encontrará seu lugar no início da instrução teológica que, aliada à filosofia praticada no contexto espe- cífico da Idade Média, propunha uma forma mais razoável e menos sobrenatural de falar de Deus e sua criação, mais especificamente na Alta Idade Média, que com- preende os séculos IX até o 14, em distinção da Patrística, da Baixa Idade Média.

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 Os princípios da escolástica

A

escolástica foi aceita e inserida no universo cristão exatamente por possuir, em sua essência, os interesses perseguidos por aqueles que criam na ne- cessidade de atender certas exigências comuns à fé exposta por esse grupo.

Sua fundação se deve, em especial, à Igreja da época, considerada, então, a guardiã dos valores espirituais e morais da cristandade. E mais que isso. A escolásti- ca, em comunhão com a Igreja, deveria estar preocupada, ainda, com a unidade europeia dos cristãos, já que, entre os cristãos, se professava a mesma fé.

Do século IX até o fim do século 16, quando também se encerra a Idade Média, a escolástica foi-se desenvolvendo nutrida pelos líderes cristãos, que aprimoraram seus fundamentos e lhe deram toda expressividade que lhe era peculiar.

O título conferido a esta corrente teve sua origem nas artes ensinadas, à épo- ca, pelos acadêmicos em suas escolas medievais e, por isso, chamados de “esco- lásticos”. Quando lecionavam, empregavam o método trivium, que incorporava a gramática, a retórica e a dialética. Também usavam o método quadrivium, que reunia as disciplinas de aritmética, geometria, astronomia e música.

Em linhas gerais, e considerando a abrangência de todas as matérias utilizadas no aprendizado dos cristãos daquele período, constatamos que a escolástica é o resultado de um aprofundamento na filosofia. Todavia, mesmo para aquela época, mudanças já eram notadas.

O pensamento escolástico reuniu muitas ideias que formaram um conteúdo pró- prio, o qual acabou estabelecendo mudanças na filosofia que, até então, se man- tinha fiel às doutrinas mais clássicas e de origem notadamente grega. Mas, daí por diante, ela sofreria influências das culturas judaica e cristã, e isso a partir do século V.

Esse teria sido o momento crucial em que os mestres procuraram fazer da filoso- fia, especialmente em sua porção escolástica, uma nova forma de associar a fé à filosofia, para poderem oferecer aos estudantes (e demais estudiosos) uma linha de pensamento que demonstrasse uma crença mais racional e dotada de crítica.

Com esta associação, ficou mais fácil incorporar à filosofia temas que jamais haviam sido postos em discussão, em razão de os mesmos estarem ligados, com certa exclusividade, à teologia e, por conta disso, assuntos como providência, re- velação divina e criação passaram a fazer parte de temáticas filosóficas.

Já era comum a disciplina escolástica reunir num mesmo assunto elementos da filosofia de Platão com valores de ordem espiritual, ao que comumente se chama- va de “neoplatonismo”, formato que acabou sendo reinterpretado pelo Ocidente cristão. No entanto, mesmo quando Tomás de Aquino introduz elementos da filoso- fia de Aristóteles no pensamento escolástico, essa constante “neoplatônica” ainda é presente.

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Mediante essas mudanças, tornou-se claro, tanto aos clérigos quanto aos estu- dantes da teologia, que a essência do escolasticismo era, de fato, reunir e harmoni- zar as duas esferas: a fé e a razão. É claro que alguns grandes mestres e expositores do cristianismo exigiriam, de certa forma, que a fé não fosse subjugada pela razão.

Ao contrário, conservadores, como, por exemplo, Agostinho de Hipona, defendiam uma subordinação maior da razão em relação à fé, por crer que a fé restaura a condição decaída da razão humana.

Já Tomás de Aquino — como veremos mais adiante — seguia a linha oposta e, por isso mesmo, afirmava que certa autonomia da razão, na obtenção de respos- tas, por força da inovação do aristotelismo, era extremamente necessária, apesar de, em nenhum momento, negar tal subordinação da razão à fé.

A escolástica, então, tinha algumas bases fundamentais para impulsionar sua reflexão, sem as quais ficaria incompleta. Mas, para que isso não se tornasse um obstáculo, contava com o exemplo dos filósofos antigos, das Sagradas Escrituras e dos padres da Igreja, autores dos primeiros séculos cristãos que tinham sobre si a autoridade de fé e de santidade.

A história sempre observou a Idade Média pelas lentes do terror, por causa das atrocidades perpetradas pela Igreja romana que, na época, caçava e extermina- va todos aqueles que, de alguma forma, eram considerados inimigos de Deus e de sua Igreja, e, bem por isso, foi um período conhecido como idade das trevas ou qualquer outro termo pejorativo que lhe coubesse.

Isso acontece tanto no campo científico quanto nas especulações encoraja- das pelos grupos que, ainda hoje, rejeitam e desafiam tudo aquilo que se chama Deus. Mas, mesmo esta ferrenha oposição à fé cristã e seus procedimentos não podem ignorar as muitas contribuições que nos advém desse período.

Veremos, no decorrer deste tema, que a proposta aqui também é mostrar, a partir de uma visão geral desse período, que uma nova corrente do pensamento trouxe maior clareza à história da filosofia. Seu nome? Escolástica.

Entre muitos mestres dos quais destacaremos atos relevantes dentro deste am- biente teológico-filosófico, em especial Tomás de Aquino e Agostinho, também nos deteremos mais no conhecimento de outra personalidade ativa nessa época e movimento: mestre Eckhart, a respeito de quem ainda observaremos questões como: seu contexto, sua vida e sua produção. E, nas considerações finais, faremos uma ligação entre o mestre Eckhart e suas ideias, ainda tão atuais e requisitadas na teologia.

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Capítulo 2

q Os primeiros passos da escolástica

Q

uando as aulas sobre a tese escolasticista tiveram início, havia uma meto- dologia clara de ensino. E havia certa semelhança com o que vemos hoje em nossas aulas expositivas e seminários. A saber:

O lectio, que nada mais era do que o comentário preparado pelo professor e/ou expositor, para informação dos alunos. Ou seja, a transmissão oral do texto.

Após a exposição da tese fornecida pelo método lectio, faltava ao professor compreender e avaliar qual tinha sido a evolução dos ouvintes durante a explana- ção. E mais que isso. O tema deveria ser discutido com os ouvintes.

Dessa forma, era possível identificar o aproveitamento de cada aluno ou se en- tre eles teria sido suscitada uma interpretação mais ampla daquilo que havia sido ministrado. Esse método, empregado pelos mestres da escolástica após a explica- ção do pensamento, era chamado de disputatio.

Vale lembrar que não era raro haver demanda entre os ouvintes sobre o assun- to, uma vez que, pelo exame dos argumentos favoráveis e contrários, se propunha um consenso de ideias com o objetivo de formar uma nova e reconhecida norma escolástica durante a realização dos cursos.

É por esse motivo que a produção literária era vasta, especialmente entre os acadêmicos, por meio de conferências iniciadas nas salas de aula que davam margem a um sem número de interpretações, ideias e conclusões valiosas para o aprimoramento da doutrina escolástica.

A tarefa intelectual fundamental dos pensadores escolásticos era defender a fé com argumentos racionais, tendo em vista que, sendo razão e fé dons prove- nientes do mesmo Deus, era inaceitável que ambas fossem inimigas ou contrárias, senão que devessem colaborar para a satisfação espiritual do próprio homem.

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Por esse motivo, podemos reconhecer a escolástica como uma disciplina que não pode ser classificada num conjunto de doutrinas ou teses filosóficas à parte da Igreja ou de seus pensadores, como poderíamos notar na filosofia grega; antes, a escolástica foi formulada com o objetivo primeiro de explicar a fé com argumentos racionais.

Em resumo, o que se realizava nesse tempo era o emprego de uma corrente da filosofia para tornar mais clara a questão dos dogmas da religião, baseando esta crença, especialmente, nas explicações bem elaboradas de Platão e Aristóteles.

Mas, é claro que apenas um discurso solene que enumerasse as convicções de um mestre necessitaria de um apoio mais consistente, para que ganhasse adesão dos ouvintes, passando, assim, a vigorar o argumento da autoridade, para que um argumento escolástico, quando exposto, fosse aceito como válido.

Os expositores mais capazes que lecionavam nessas escolas eram chamados de auctoritas. O mesmo acontecia quando uma sententia era proferida por um concílio, cujo poder, em matéria teológica, detinha o título de máxima bíblica. En- tretanto, quando a veia filosófica envolvia a fé, até mesmo o filósofo pagão que a houvesse proferido tinha autoridade ante seus ouvintes, desde que sua tese tivesse sido aceita pela maioria dos críticos da Igreja.

Árabes e judeus, quando dedicados à mesma causa, não sofriam com uma comenda menor, antes, desfrutavam desse mesmo privilégio ao discursarem sobre a fé sob um tom mais razoável e sem exploração dos pontos sobrenaturais incom- preensíveis fora das paredes dos templos.

Adotar o recurso da autoridade em matéria de fé era uma manifestação típica do caráter comum e do caráter individual, no caso da investigação escolástica, quando cada um dos pensadores procurava sentir-se apoiado pela responsabilida- de coletiva da tradição eclesiástica.

Precisamos, ainda, de outra ferramenta histórica de conhecimento para nos auxiliar na compreensão da doutrina escolástica. E, neste caso, é importante en- tender também o que eram as escolas e de que forma funcionavam.

Sabemos que Flávio Pedro Sabácio Justiniano, imperador bizantino (483- 14/11/565), determinou o fechamento de todas as escolas consideradas pagãs no século VI, oportunidade em que, por motivos óbvios, observou-se o declínio e a extinção dessa cultura.

Com esse desfecho da cultura pagã, outra cultura nova, cheia de entusiastas ligados à Igreja, era fundada e expandia-se lentamente, à medida que novas es- colas eram estabelecidas, absorvendo-se a velha cultura, tanto do ponto de vista material quanto cultural, para que, a partir daí, nascessem novas instituições edu- cativas fundadas pela Igreja.

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Nesse ponto do desenvolvimento da escolástica, surge uma curiosidade, ou seja, o estabelecimento, organização e aprimoramento de um novo sistema de escolas medievais pelas mãos de um homem sem cultura, iletrado e quase analfa- beto: Carlos Magno.

Enquanto não se estabeleceram na história, a implantação de instituições como as que hoje chamamos de “universidades”, toda e qualquer instituição de ensino tinha um vínculo indissolúvel: ou com a Igreja ou com o Estado. Antes do século 13, o que se tinha, então, eram os colégios monacais, chamados assim por estarem anexos a mosteiros, os colégios episcopais, cuja construção era contígua a uma catedral, ou, ainda, as chamadas escolas palatinas, com prédios que davam acesso às cortes, também chamadas de palatium.

Havia disciplinas específicas para cada uma dessas escolas. E o que se minis- trava tinha a ver tanto com a formação espiritual quanto com a preparação dos ouvintes para uma vida social segura, uma vez que se achavam em uma época conturbada, especialmente pelo início da invasões bárbaras.

As escolas monacais também eram usadas como refúgio, não para os homens, mas, sim, para a cultura que se colecionava em livros. E suas bibliotecas guardavam clássicos de incalculável valor para a história e para a doutrina da Igreja. Normal- mente, nos colégios episcopais se ministrava uma disciplina elementar, a qual pode- ria habilitar o aluno para ingressar no clero e prepará-lo para uma vida pública.

Mas foi pelas mãos do iletrado e ilustre personagem medieval, Carlos Magno, que se levantou a escola que mais contribuiu para a escolástica, a Palatina, que, no ano de 781, foi confiada a Alcuíno de York (730-804), que criou um sistema didá- tico extremamente proveitoso, organizado da seguinte forma:

No âmbito da fé, as disciplinas eram: leitura, escrita, noções elementares de latim vulgar e compreensão sumária da Bíblia e dos textos litúrgicos. Posteriormente, foram adotados os métodos citados anteriormente, ou seja: trivium – gramática retórica e dialética (lógica) e quadrivium – aritmética, geometria, astronomia e música.

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Capítulo 3

q Da ascensão ao declínio da escolástica

A

escolástica passou por momentos em que mudanças importantes foram produzidas em seu cerne e, por esse motivo, costuma ser dividida em três grandes períodos.

É importante informar, antes de tudo, que o objetivo de se esquematizar a es- colástica em períodos é uma didática mais proveitosa para os alunos e para todos que tiverem acesso a essa parte da matéria. Mas, alguns poderiam questionar este método, alegando que, de alguma forma, ele pode limitar os fatos ocorridos entre cada uma dessas épocas.

Deixando para trás o período pré-escolástico, vejamos, agora, três períodos posteriores nos quais uma linha bem estabelecida separou épocas importantes des- sa doutrina filosófico-cristã.

A alta escolástica

N

o primeiro momento, destacamos a chamada “alta escolástica”, implan- tada no século IX e que se desenvolveu até o fim do século 12. Nesse perí- odo, a escolástica ganhava força por meio dos discursos e inovações doutrinárias cada vez mais numerosas e capazes de auxiliar na sustentação da doutrina.

Durante esse período, o objetivo dos mestres consistia em despertar uma har- monia que fosse intimamente ligada aos textos criados e a tudo que se ensinava nas escolas medievais sobre a associação entre a fé e a razão, sempre estabele- cendo uma condição positiva que trouxesse crédito ao que era ensinado.

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Entretanto, isso não impedia o surgimento de obstáculos no grupo, podendo- se, inclusive, perceber certo mal que, naturalmente, nascia entre seus membros.

Entre esses obstáculos, achava-se o entusiasmo pelos poetas e pensadores pagãos e a ideia, frequentemente repetida, mas não argumentada, de que se devia con- ceder aos estudos bíblicos proeminência absoluta na formação do cristão.

Todavia, foi necessário certo tempo para que, a partir da segunda geração carolíngia, essa diferença fosse superada pelo empenho de João Escoto Erígena (810-877), importante filósofo e teólogo irlandês que idealizou a inclusão das artes liberais no contexto teológico.

Nessa primeira fase, podemos ver a conclusão dos ensaios pioneiros em que as artes, incorporadas à teologia, acresceram erudição aos estudiosos e mestres e, por consequência, ampliaram os instrumentos de pesquisa, a compreensão e, até mesmo, a possibilidade de elaboração de conceitos nos ambientes teológicos.

Essa é a face da primeira vida da escolástica, um período em que a doutrina foi atentamente assistida e apoiada por Escoto Eriúgena, indo até Anselmo, das escolas de Chartres e São Vítor a Abelardo.

De posse desse resultado, os mestres viram, como consequência, o nascimento do “florescimento da escolástica” se estendendo até o século 14. Apesar do otimis- mo e dos bons resultados alcançados no período anterior, chegou-se ao consenso de que a harmonia entre fé e razão era apenas parcial, apesar de não se conside- rar possível oposição entre ambas.

O crescimento da escolástica

N

o final do século 13, a escolástica encontrou seu apogeu e, por conta disso, suas propostas ganharam toda popularidade possível no ambiente eclesi- ástico e estudantil. Esse ambiente era nutrido pelas teses dos mestres que propaga- vam a escolástica tanto na dogmática teológica quanto nas aulas dedicadas ao pensamento filosófico.

Obviamente, alguns fatores contribuíram para esse sucesso, entre eles, o apoio que a escolástica recebeu durante o desenvolvimento, cada vez maior, de sua temática e, também, neste caso, de instituições como a Ordem dos Mendicantes, composta por clérigos franciscanos e dominicanos, entre o quais surgiram professo- res dedicados para compor o quadro de mestres das universidades.

Essas instituições também se converteram em importantes centros acadêmicos onde a escolástica ganhou proeminência, passando a servir como academias de ensino e pesquisa. Todavia, o progresso da escolástica não parou aí.

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Outro recurso importante, e que já tinha precedente nas artes incorporadas à escolástica por João Escoto Erígena, refere-se ao aproveitamento cultural de obras até então desconhecidas em ambiente ocidental. Esas obras procediam, principal- mente, dos pensadores árabes, que também traduziram, comentaram e divulga- ram, em especial, as obras de física e metafísica de Aristóteles.

Interessante destacarmos aqui que, até aquele momento da história, o pensa- dor Aristóteles era conhecido e estudado exclusivamente por seus escritos de lógi- ca. Mas não houve como evitar a importância que a revelação de seus escritos de cunho teológico ganhou entre os estudantes universitários.

Agora, renomado como uma das grandes autoridades filosóficas da Idade Mé- dia, Aristóteles passa a ganhar apreço nos meios estudantis com os comentários tecidos acerca de seus textos, os quais traziam em seu bojo a influência de outro grande mestre escolástico: Tomás de Aquino.

Adiante, falaremos mais desse incontestável mestre que se aproveitou da base aristotélica empregando também a literatura árabe, como, por exemplo, os textos filosóficos de Averróis (1126 - 1198). Para esse filósofo, em Aristóteles podemos en- contrar a mais alta verdade e a filosofia grega classificada como um presente de Deus que, ainda hoje, auxilia pessoas a conhecer tudo o que se refere à sociedade e à fé, em especial o conhecimento da verdade para demonstrar fundamentos do cristianismo

Também foi neste século que a escolástica viu nascer (e a história marcou) o início do papado na Europa num momento em que a força do clero determinava os costumes sociais e a implantação dos dogmas no Estado.

O império já não existia com a força que lhe era peculiar para fazer valer suas imposições sobre a fé e a comunidade. Por fim, a ideia de uma unidade que co- brisse o continente já não respondia a nenhuma outra lei que não a da Igreja, que, sozinha, cumpria esse papel diante dos fiéis.

As ordens chamadas mendicantes, pela sua independência, agora, em relação ao império, deixava os costumes dos mosteiros, onde se vivia um modelo de vida e de economia feudal. Todavia, as ordens mendicantes tinham carisma e suas próprias origens, as quais lhe davam um caráter estritamente urbano, mais ligado ao povo.

O propósito era atender às comunidades mais carentes que voltaram a povo- ar as cidades, e este regresso tinha como causa a ascensão das classes mais ricas que, por sua vez, impulsionava o comércio. Mas, por outro lado, à Igreja interes- sava ganhar adeptos e, com base nisso, as universidades, onde a escolástica se mantinha como meio para formar fiéis capazes de assimilar a própria fé, tiveram sua importância reconhecida, tanto para a sua própria formação quanto para o desempenho de maior qualidade da própria missão na Igreja e no mundo.

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As universidades, como se pode ver, também viveram seu período áureo com a divulgação da escolástica e a manutenção de uma fé adequada aos homens e à sociedade como um todo, e, nelas, se encontrou posteriormente importantes cen- tros de irradiação do saber, os quais tiveram grande influência sobre a posteridade.

Com uma participação mais ativa do povo nos interesses e ensinos da Igreja, ocorreu um crescimento gradual do ensino em sua forma mais laica. Nesse perío- do, os professores universitários não tinham apenas uma ligação com a Igreja e a finalidade das escolas que pregavam os ensinamentos escolásticos passou a ir mais além do que apenas formar sacerdotes.

Ainda mais importante foi o movimento eclesiástico que, imbuído do saber e de uma filosofia que ia muito além da vontade de qualquer autoridade estatal, aboliu as castas sociais e, nas escolas, haviam apenas os intelectuais, assim chamados.

Em resumo, para ter acesso à universidade, não importava se o candidato era filho de nobre ou artesão, pois a distinção entre um e outro eram o título do profes- sor e o grau de instrução adquirido.

Assim, estabeleceu-se o seguinte princípio:

“A cultura medieval floresceu juntamente com essas instituições. Primeiro, as scholae e, depois, as universitas. Pois, por escolástica entendemos precisamente aquele corpo doutrinário que, inicialmente de forma bastante inorgânica e de- pois de modo sempre mais sistemático, foi elaborado nesses centros de estudo, nos quais encontramos dedicados escrevendo e ensinando, homens criativos, frequen- temente dotados de grande capacidade de crítica e agudeza lógica (“História da filosofia”: patrística e escolástica; REALE e ANTISERI, 1990, p. 481).

Então, esse século foi definitivamente classificado como o século de Tomás de Aquino, considerado o maior pensador da Idade Média, que, com a promoção de seus escritos e doutrinas propostas, formou o tempo da relação entre razão e fé, pe- dindo, também, por necessidade, uma sistematização de ideias que, na sua maior parte, ainda são estudadas e debatidas até hoje.

Mas esse pensamento custou a manter-se e prosseguiu, no terceiro e último tempo da escolástica, que durou apenas as primeiras décadas do século 14, até o que chamaram de Renascimento, quando, então, surge uma oposição entre fé e razão como tema básico.

Em conclusão, ainda que o desfecho dos períodos citados pareça concorrer para o prejuízo da escolástica, por todo o conteúdo desta disciplina nos deparare- mos com a ideia sempre central que mostra o estudo da filosofia na Idade Média tentando sustentar uma relação entre razão e fé.

(19)

 Decadência da escolástica

E

ssa não foi uma época adequada para a Igreja em nenhum de seus seguimen- tos. Pelo contrário. Tensões e rupturas marcaram esse período, com destaque para a hegemonia da Igreja, frente à Europa, que começava a ruir e, por isso, o ca- tolicismo oriental não via mais razão para sustentar qualquer convênio com Roma.

Um crescente aumento populacional, em especial das classes privilegiadas, re- dundava no surgimento dos chamados Estados Nacionais. Empresários e industriais, com toda a elite, passaram a financiar os reis que desejavam alcançar mais poder do que tinha o papado, até então.

Mas, o perigo veio de outro campo, o das ideias, e, neste caso, os ideais bur- gueses iam de encontro aos interesses da religião oficial que, a partir daí, começa a ser vista como obstáculo e até mesmo suas fileiras intelectuais perdem o valor diante de todos os interesses dos poderosos cada vez mais próximos da coroa.

Não havia mais uma ligação amigável entre Igreja e Estado e, bem por isso, tudo o que a escolástica havia conseguido produzir em favor da Igreja noutras épo- cas estava relegado a um plano mais privado e individual.

Como a Bíblia tem razão em cada uma de suas máximas divinamente inspira- das, aqui vale aquela que diz que um abismo chama outro abismo, anotada nas palavras de Davi no Salmo 42.7, pois a crise eclesial instalada afetou drasticamente a própria teologia.

Uma campanha ferrenha contra as ideias escolásticas foi iniciada e mentes tidas como referência entre os mais cultos, como, por exemplo, Guilherme de Ockham, impunham, como expressão da verdade filosófica, que havia uma clara independência da razão em relação à fé e, consequentemente, da filosofia em relação à teologia.

A ala intelectual da Igreja estava condenada ao descrédito e poucos eram os que ousavam discordar e tentavam elaborar uma argumentação que pudesse fazer frente aos “mestres do Estado”, que também, por capricho e zelo para com a coroa, dificultava o progresso e a sobrevivência da teologia entre os laicos.

Em resumo, o objetivo da ideia imposta e sustentada pelo poder secular era tornar inquestionável, a todos os que não fossem membros do clero, que fé e razão eram aspectos morais diferentes e independentes, sendo que a razão não poderia, jamais, oferecer apoio ou suporte algum à fé, por serem mesmo contrárias.

Aristóteles perdeu força e sucumbiu em suas teses diante dos ensinamentos seculares que condenavam veementemente qualquer um de seus escritos perti- nentes ao apoio dado à doutrina que associava fé e razão num patamar em que ambas caminhavam juntas para explicar o divino.

(20)

As condenações de que falamos consistiam na proibição de se lecionar qual- quer uma de suas doutrinas nas escolas seculares e nas universidades de Paris e, em especial, na já produtiva Oxford. Aristóteles foi vetado como matéria curricular.

Não bastasse a oposição secular que, impiedosamente, fazia ruir a crença cris- tã na mentalidade social, ainda havia uma demanda interna que comprometia o bom andamento dos já abalados cursos teológicos, posto que constantes e inten- sas tensões se instalavam entre os mestres.

Não poderia haver outro resultado diante desses acontecimentos senão que essa supremacia instituída na Igreja que promovia a teologia como sendo superior à filosofia ocasionou um dualismo mais patente entre a razão e a fé, proporcionan- do, de certa forma, a volta ao misticismo ascético.

Com isso, muitos dos defensores das doutrinas teológicas cristãs foram natu- ralmente voltando às práticas de uma vida contemplativa, em que a fé tinha um caráter subjetivo, íntimo, em cada fiel e, como não podia ser diferente, bastou um pouco de tempo para que se instalasse definitivamente uma total ruptura entre Igreja e Estado, sagrado e profano, filosofia e teologia, fé e razão.

Termina assim a Idade Média, trazendo após si a preparação para o que se- ria o berço do Renascimento, ou seja, a época das transformações na cultura, na sociedade, na economia, na política e na religião, caracterizando a transição do feudalismo para o capitalismo e significando uma ruptura com as estruturas medie- vais, dando início, assim, à idade moderna.

(21)

Capítulo 4

q Principais expositores da escolástica

O

s principais representantes da escolástica do período medieval são dois, e merecem destaque biográfico no tocante ao que representaram e, ainda, representam no círculo da disciplina escolástica. Estamos falando de Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino.

Essas duas autoridades do ensino eclesiástico cumpriram os papéis mais rele- vantes no seio da comunidade teológica. Mas, cada um exerceu seu trabalho num tempo específico e distinto, consideradas a origem e a época de cada qual.

Agostinho de Hipona nasceu na região Norte da África, no fim do século IV. To- más de Aquino procede da Itália, tendo nascido no século 13. Não é possível dizer com certeza que eles sejam as únicas referências relevantes do período medieval, porém, é um fato que ambos conseguiram sintetizar questões discutidas através de todo o período.

Tinham características bem peculiares e doutrinas também, podendo-se identi- ficar, em cada um deles, os meios em que se destacavam. Assim, vemos em Agos- tinho um mestre de opinião relevante e autoridade moral, enquanto em Tomás de Aquino, a capacidade de criar caminhos mais eficazes na obtenção de respostas.

Para cada um desses dois grandes mestres da escolástica, reservaremos um capítulo em especial. Todavia, vale a pena nos lembrarmos de outros nomes impor- tantes desse período e pensamento, os quais contribuíram substancialmente para o aprimoramento da doutrina e sua divulgação.

Falaremos desses dois de forma resumida, pontuando apenas alguns feitos mais importantes relacionados ao nosso tema e ao período em que os mesmos aplica- ram seus conhecimentos sobre teologia medieval escolástica. Estamos falando de Anselmo de Cantuária, Alberto Magno, Roger Bacon, Pedro Abelardo, Bernardo de Claraval.

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Capítulo 5

q Anselmo de Cantuária

C

onsiderado por alguns o “pai da escolástica”, Anselmo nasceu em Aosta e viveu de 1038 a 1109. Entre outras atividades eclesiásticas, foi abade da abadia do Bec, estabelecida na Normandia. Mais tarde, tornou-se bispo de Cantuária.

Foi durante o seu envolvimento com a teologia mais profunda, aquela que se apega a elementos filosóficos, que se deu início ao pensamento e à doutrina esco- lástica em sua forma mais primitiva, formando, assim, sua primeira consciência.

O período que o antecedeu foi chamado “pré-escolástico”, por motivos ób- vios. E, também, por causa de sua base tão singela. Essa classificação foi feita por Martin Grabmann, respeitado teólogo católico alemão, mestre em história da teo- logia medieval.

Anselmo de Cantuária escreveu dois livros célebres que lhe renderam fama no meio acadêmico e teológico. A saber: Monologium, que trata da sabedoria divi- na, e Proslogium, cujo conteúdo explora a questão da existência de Deus. Novas edições de suas obras foram produzidas por P. S. Schmitt, entre elas, Anselmi opera omnia (1938 ss.).

Em 1936, uma biografia de Anselmo foi produzida pelo alemão B. Allers, onde se discorre sobre duas obras de Anselmo, cujo título é: Anselmo de Cantuária: vida, doutrinas e obras traduzidas e explicadas. E outra em 1937: Anselmo de Cantuá- ria: vida, significação e obras principais. Desta feita, escrita por Tulião Alameda — Obras completas (2° vol. B. A. O. — 1952-3).

No aniversário de segundo centenário da morte de Anselmo de Cantuária, Carlos Seutvoul editou um livro cujo conteúdo trazia o teor de uma conferência realizada em homenagem ao bispo. A obra, intitulada O lugar de santo Anselmo na história da filosofia, foi editada nas dependências da faculdade de filosofia de S. Bento e foi publicada no Anuário da Faculdade Livre de Filosofia e Letras de S.

Paulo (1909, p. 26-49).

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 Fides quaerens intellectum

A

nselmo de Cantuária foi um grande pensador e sua ideias eram parecidas com o pensamento de Santo Agostinho. E foi com base nisso que, a partir de seu contato com a escolástica, ele colocou em curso o que chamou de mé- todo fides quaeren intelectura (fé em busca de compreensão), porém, em Santo Agostinho isso não passava de, apenas, uma tese.

Estudada dessa forma, a escolástica tornava mais racionais os dados relacio- nados à fé. E, quanto ao ponto de vista mais lógico discutido pela doutrina, que, por vezes, promovia maiores complicações ao entendimento, foi preciso sistemati- zar o ensino, separando os pontos antes difusos, o que proporcionou melhor com- preensão aos que se dedicaram ao conhecimento mais profundo do tema.

Nem em Anselmo de Cantuária ou em qualquer outro mestre da escolástica se presumiu esclarecer todas as questões relacionadas à fé, até porque, isso seria tentar racionalizar aquilo que sabemos ser uma obra exclusivamente divina e, por- tanto, sobrenatural.

Haveria, talvez, um questionamento sobre se o alicerce doutrinário de Anselmo se baseava mais na filosofia ou teologia, ao que ele mesmo respondeu: “Não quero saber para crer, mas crer para saber”.

Com essa declaração, Anselmo inaugura um período da escolástica que pro- cura, com maior zelo, dar esclarecimentos sobre uma fé que poderia, sem sombra de dúvida, ter bases racionais que promoveriam compreensão e sustentariam me- lhor a esperança cristã, que já era comum às maiorias.

Por outro lado, e considerando o bispo Anselmo um potencial intelectual no- tável, seus aprendizes sabiam que ele tinha grande apreço pela especulação e chegava mesmo a mesclar teologia com problemas filosóficos.

Provas da existência de Deus em Anselmo

A

teologia e a filosofia de Anselmo tiveram seu primeiro embate de discur- sos em seu segundo livro: Proslogium. Nele, o autor inicia uma análise com base na doutrina escolástica que pretende dar aval à existência de Deus, sendo que o sucesso alcançado lhe rende um lugar de relevo na história da filosofia.

A crítica de alguns filósofos, como Emmanuel Kant, Renê Descartes e Leibniz classificaram esta primeira impressão de Anselmo como “ontológica” (relativo à investigação teórica do ser) e, mesmo ele, já concordava com esse pensamento e, em seus discursos, já demonstrava isso por meio das seguintes exposições:

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a) Sobre o argumento. Segundo dispõe Anselmo, a magnitude de Deus pressu- põe que ele tenha de ser grande a tal ponto que não possamos imaginar alguém ou outro ser maior que Ele, princípio ao qual Anselmo chamou de id quo maius co- gitari non potest (algo maior o pensamento não alcança). Portanto, se ele existisse apenas em nosso pensamento, poderíamos pensar em outro ser maior, logo, Deus não seria o máximo. Dessa forma, se conclui que um ser máximo exige uma existên- cia não só lógica, mas, também, ontológica.

b) Crítica do ser. Anselmo também lembra em sua argumentação os compa- rativos do monge Gaunilão, que, para tentar provar Deus, usava a analogia do pensar em certas coisas como se elas já existissem, mas deixando claro que apenas pensá-las não as torna reais.

Anselmo achava essa comparação pobre, pois, no caso das Ilhas Afortunadas (exemplo figurativo do monge), não se tinha uma dimensão adequada do ser, já que, quando pensamos em Deus, temos Deus na conta de quem necessariamente encerra a criação, toda a eternidade e todas as perfeições, ao contrário de uma ilha, que resume algo limitado. Aí se encontraria um dos alicerces da prova.

c) A genética e a história da prova. A partir de uma expressão latina, Anselmo fala sobre o tema da existência de Deus como o único “Ser que encerra toda a perfeição”.

Como em toda questão que envolve filosofia, um grau superior de complexida- de nos força a observar com cautela os vários pensamentos predominantes. Toda- via, devemos estar cientes de que nos aprofundarmos na questão nos expõe a um erro quase inevitável. Para este caso, vemos que Anselmo adota, além das ideias de Agostinho, uma porção do pensamento platônico que fala do bem em si mesmo.

No livro Monologium, Anselmo mostra este pensamento com clareza. E mais que isso. Desenvolve mais duas provas de Deus tipicamente platônicas. Ou seja, a dos graus de perfeição e da ideia do ser supremo.

O bispo de Cantuária não adotou o princípio platônico da “passagem para outro gênero”. Entretanto, considerava mais adequada a conclusão de que todo imperfeito pressupõe o perfeito em algum tempo de sua existência ou criação. Em resumo, se o imperfeito é uma realidade que se constata, tão real deve ser o per- feito, do qual procede toda imperfeição.

d) Ideia de verdade. Quando nos aprofundamos na ideia de “verdade” no conceito de Anselmo, parece tornar-se mais clara, em sua ótica, a prova da exis- tência de Deus. Para ele, a ideia de “verdade”, neste contexto, está intimamente ligada à retidão; isto é, ao quanto se acham perfeitas as essências da criação a partir do que se supõe ser tudo oriundo da mente de Deus.

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Segundo a máxima latina ventas est rectitudo solamente perceptibis (está no espírito e somente aí é perceptível), a percepção das essências como forma de compreender o perfeito em Deus acontece no momento em que o nosso espírito compreende, de certa forma, que é possível e necessário esta relação com Deus.

Este contato nos esclarece e nos faz perceber, segundo Anselmo, que, de fato, há uma conexão que nos liga a Deus, o Perfeito, e se, observadas as diferenças de cada qual, mas preservadas as essências, então, saberemos que, a partir das cópias (modelo de todos os homens), teremos uma verdade primeira, anterior ao homem na forma como o conhecemos.

Concluindo, podemos ver que o seu desejo de mostrar uma forma mais prática de entender como a fé pode ser observada pelos olhos da razão sem maiores de- sencontros, o impele a facilitar o caminho que, até esse ponto, estava escurecido por uma filosofia que mais questionava do que explicava, enquanto que, na esco- lástica, a filosofia deveria ser simplificada e, ainda, associada à própria teologia. E isso proporcionaria, então, que esta facilidade se estendesse nos meios teológicos e, obviamente, religiosos, permitindo a todos uma compreensão que, de fato, enal- tecesse a fé, tornando-a mais compreensiva e, bem por isso, prazerosa.

e) As influências de Anselmo. O bispo de Cantuária conseguiu fazer que suas conclusões ganhassem a simpatia de grandes mestres envolvidos com a alta es- colástica. Esta aceitação teve acolhida mesmo em tempos mais modernos, muito embora ninguém menos que Tomás de Aquino tenha rejeitado muitas de suas ex- posições doutrinárias, conforme se observa nos volumes S. Thomás, Tomo I e 2. Entre outros.

Todavia, nomes importantes da escolástica, como Guilherme Altissiodorense, Alexandre Halense, Boaventura, Alberto, o Grande, e Egídio Romano adotaram suas teses com boa compreensão de suas ideias.

Anselmo de Cantuária ficou reconhecido, dessa forma, como um dos grandes teólogos que se envolveram com a escolástica e desenvolveu linhas de pensamen- to que atenderam à expectativa de muitos que esperavam encontrar em seus en- saios respostas mais convincentes para questões que, há séculos, põem em xeque a fé de muitos cristãos.

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Capítulo 6

q Mestre Eckhart

E

ckhart de Hochheim, nasceu em Tambach, na Turíngia (1260 – 1328), e ficou conhecido como Mestre Eckhart, em reconhecimento aos títulos acadêmi- cos obtidos durante sua estadia na Universidade de Paris, servindo, posteriormente, como frade dominicano, reconhecido por sua obra como teólogo e filósofo e por suas visões místicas.

Foi um dos representantes mais produtivos da filosofia alemã medieval e, em seus escritos, é possível identificá-lo envolvido na mística dos ensinamentos de Pla- tão, nos quais sobrepujavam as ideias originadas nas obras de Agostinho e do pseu- do Dionísio, o Areopagita.

A mesma tradição que o descreve como um mestre que ainda hoje tem seu es- paço garantido nas referências e estudos da teologia cristã e suas tradições, tam- bém o mostra aniquilado pelas armas da inquisição, porém, todo esse crédito que, sem dúvida, lhe é devido segundo os relatos históricos, lhe é negado por Roma, já que, desde suas manifestações teológicas, viveu sob o signo da heresia.

Isso acontecia porque, em Eckhart, havia uma forma de se expressar que com- prometia o entendimento de todos e, dessa forma, também das lideranças da igre- ja e, nesse contexto, ele fazia crer que sua teologia trazia uma estranha noção de panteísmo.

Não havia uma linha teológica originária dos cursos romanos que pudesse en- dossar seus pensamentos, exatamente porque, em sua argumentação, a mística ganhava um tom bem semelhante àquele que se refere à ideia de um Deus que so- mente é alcançado pelo ser humano na medida em que o homem, assemelhando- se ao próprio Deus, esvazia-se no desprendimento.

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Entramos, agora, em terreno filosófico e buscaremos, em poucas palavras, des- crever, de forma compreensível, de que “desprendimento” Eckhart falava quando discorria sobre o homem em relação a Deus.

Numa abordagem mais prática, “desprender-se” seria como “movimentar-se para o nada”, e isso, segundo o autor e alguns outros pensadores e filósofos, provo- caria interesses divinos na alma. Isto é, fora de seu espaço natural, onde as percep- ções favorecem um entendimento natural, momento em que a alma se faz vazia.

Quando o homem se posiciona dessa forma, ensina Eckhart, o vazio proporcio- nado fatalmente levará o cristão envolvido por esta ideia a experiências relaciona- das à morte e ao sofrimento, mas, em cada uma delas, se vê um resultado natural do “estar vivo”, mas não necessariamente no mundo e ligado a todas as suas vicissi- tudes, antes, direcionando o fiel a um estado de serenidade diante da existência.

Apesar de essa retórica demonstrar certa complexidade de entendimento, tem ainda um elemento que foi de bem mais difícil aceitação por parte dos líderes ecle- siásticos que acompanharam o desenvolvimento de Eckhart em suas ministrações e escritos.

É o ponto de sua filosofia teológica que declara que Deus é “nada”, e este princípio parece nunca ter sido esclarecido de forma satisfatória para o clérigo ze- loso que, então, predominava, e, assim, em concomitância com a proposta de nos tornarmos “nada” na própria alma, seria o mesmo que atrair Deus a si mesmo.

Assim, a compreensão mais clara faz distinção entre existência e essência, sen- do certo que Eckhart falava de um esvaziamento de nossa própria existência, isto é, de nos tornarmos, de fato, “nada” em relação ao mundo, para que, dessa forma, a nossa essência se assemelhasse à essência de Deus, o que criaria uma condição mais adequada para que, com Ele, pudéssemos sempre obter comunhão.

Misticismo alemão

V

imos, no capítulo anterior, que, no século 14, a teologia racional, que havia sido idealizada pela escolástica, passava por uma forte crise e, como era es- perado, além de lógico, se a razoabilidade havia sido ferida mortalmente pelas teses predominantes de uma igreja ditadora, foi sintomático que o misticismo ganhasse a simpatia dos que ainda sustentavam uma fé que se nutria do sobrenatural.

A história mostra, a propósito deste assunto, que o misticismo esteve presente na fé dos cristãos ainda que de forma tímida durante a Idade Média, e isso se deve à superioridade da presença marcante de filósofos como Aristóteles e Platão no seio da filosofia que, na época, acolheu o pensamento filosófico para dar força e popularidade à escolástica.

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Ora, é claro que cristãos mais experimentados e ligados à teologia das pági- nas bíblicas tão cheias de milagres e demonstrações de maravilhas procedidas por Deus, não admitiriam que simplesmente se descartasse o misticismo para dar lugar à razão nos lugares mais nobres da teologia.

O pensamento predominante deveria ser, obviamente, o que colocava a ra- zão, no máximo, como elemento coadjuvante para a sustentação do misticismo por ser a norma descritiva da ação divina e miraculosa entre os homens e, por isso, acreditava-se que a razão era o elemento secundário e de apoio à ideia escolás- tica e não o inverso.

Albrecht von Bollstädt, mais conhecido como Alberto Magno, teria sido um dos vilões contrários aos ensinos da escolástica e valeu-se da influência que tinha entre seus seguidores para afastar o tomismo e o aristotelismo (conjunto de ideias e dou- trinas de S. Tomás de Aquino e Aristóteles, respectivamente) das escolas alemãs, negando à escolástica a força que ela havia adquirido no resto da Europa.

Mas as oposições não se encerravam nos ataques verbais e escritos do frade dominicano alemão. Ele contava, ainda, com o apoio de Duns Scoto e Guilherme de Ockham, os quais minaram as pretensões e os alicerces da escolástica, recha- çando qualquer ideia de que a razão pudesse dar algum apoio à fé: assim se abriu caminho para que o misticismo ganhasse vigor novamente.

A curiosidade histórica desse movimento está no fato de que justamente um dominicano surgiu como grande entusiasta das ideias escolasticistas de Tomás de Aquino; ou seja, ninguém menos que Eckhart de Hochheim.

 Vida e obra

E

ckhart nasceu em 1260 e viveu 67 anos, aproximadamente. Ainda moço, ingressou na vida eclesial e se instalou num convento dominicano em Erfurt, onde permaneceu dando continuidade aos seus estudos, saindo, depois, para Es- trasburgo e Colônia. Após uma vida acadêmica dedicada, tornou-se mestre em teologia, em 1302, e ensinou em Paris até 1304. Exerceu cargos na sua ordem na Saxônia e na Boêmia.

Estabeleceu residência em Paris por três anos (1311-4), retornando depois disso a Estrasburgo para dedicar-se à pregação, fixando-se como mestre no mosteiro dos dominicanos, na Colônia, a partir de 1320.

Alguns volumes produzidos pelo Mestre Eckhart e que merecem destaque, sen- do que, são: Opus tripartitum, Quaetiones e Pregações e tratados.

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 Conceitos e objetivos

É

importante não nos perdermos nas linhas da história para termos em conta que o período que compreende as atividades do mestre Eckhart na filosofia, teologia e na própria escolástica é o mesmo em que teve início a crise instalada na teologia por força de oposições advindas das mudanças sociais que deram força à coroa.

Partindo disso, sabemos que Eckhart enfrentou a crise do século 14 para ten- tar minimizar os prejuízos deixados à disciplina escolástica que, agora, não possuía mais qualquer suporte da razão e, assim, ele se coloca numa posição estratégica exatamente para justificar essa mesma fé.

Com base numa mística que não se separa daquilo que ele mesmo conside- rava razoável, em sua teoria Eckhart defendeu a existência de uma unidade entre Deus e o homem. Afinal, acredita ser perfeitamente possível uma aliança entre o natural e o sobrenatural.

Em outra explanação clara e bem colocada por Eckhart, se define que toda criação, incluindo o homem e o mundo com tudo o que nele há, sem Deus, perde- riam completamente seu sentido e, até mesmo, a chance de existência, posto que Deus é a causa primeira de tudo que o sucede. Todavia, o mais importante é que, na mente de Deus, no mais profundo de sua essência, a criação sempre esteve presente, desde toda a eternidade.

Não seria necessário, segundo Eckhart, que um misticismo desmedido susten- tasse a necessidade da comunhão do homem com Deus e a forma com a qual isso se dá de fato, pois o que o homem necessita, na verdade, é voltar-se para Deus, com todo o seu ser, para se encontrar e se realizar.

Esta experiência também não está reservada a um grupo iluminado de pessoas que goze de privilégios diante de Deus, pois ela se dá no cotidiano, por meio das situações corriqueiras da vida, como também nas agruras e sofrimentos que fazem parte da própria condição do ser humano no mundo.

Reclama-se o aspecto místico da questão da “volta do homem a Deus” por causa do meio pelo qual este milagre ocorre, isto é, sem que qualquer olho possa ver para testemunhar e, assim, cada um tem condições de usufruir dessa ligação de acordo com a forma que procede em relação à sua fé.

Se o homem não se identifica com Deus, não pode se realizar, senão no campo terreno, onde tudo é passageiro e as esperanças são medíocres, enquanto que, para Eckhart, o destino do homem é uma tal união com o seu Deus que ambos sejam ontologicamente um e o homem só será e se sentirá realizado com o cumpri- mento de tal destino.

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 Morte e memórias de Eckhart

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estre Eckhart morreu em 1327, mas seus escritos ainda tinham tanta pro- eminência e seguidores dois anos após seu passamento que, em 1329, o papa João XXII, com a bula In agro dominico, condenou 28 proposições dele, sendo 17 consideradas heréticas e outras 11 temerárias e suspeitas de heresia. Entre tantas ideias condenadas, três delas merecem destaque: “A eternidade do mun- do”, “O homem é puro nada” e “O homem se transforma totalmente em Deus”.

A sociedade local da época tinha um apreço tão distinto pelas ideias de Eckhart que, mesmo seus pensamentos, não fazendo parte do corpo doutrinário da Igreja, foram recebidos muito bem entre as camadas populares e a burguesia, provavelmente porque a Igreja dava sinais de acolhimento ao povo, manifestando seus ideais e respeitando a todos, enquanto que o Estado colocava toda a socie- dade à parte de processos políticos que sempre eram decididos à larga do conhe- cimento das pessoas comuns.

Poderíamos classificar Mestre Eckhart como um visionário espiritual em seu tem- po, pois suas palavras, sem dúvida nenhuma, exprimiam grande ousadia de ideias que, obviamente, não caberia na mentalidade eclesial doutrinada por líderes que se opunham a uma empatia entre a fé e a razão.

Mas, se publicadas de forma a dar entendimento e contribuir cada vez mais com a participação do povo em todos os atos religiosos e estatais sem prejuízo da fé, tais ideias serviriam, sem dificuldades, para sustentar o reencantamento do mun- do que se verifica como parte do fenômeno da pós-modernidade.

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Capítulo 7

q Pedro Abelardo

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ambém conhecido na língua natal por Petrus Abælardus, ele nasceu em Le Pallet, próximo de Nantes, Bretanha, em 1079, e morreu em Chalons-sur- Saône, em 21 de abril de 1142. Durante seu exercício como filósofo, foi um grande representante do escolasticismo em território francês e, ainda, teólogo e grande lógico, considerado um dos maiores e mais ousados pensadores do século 13.

Mas, curiosamente, os dois episódios que mais lhe deram notoriedade foram:

sua vida social e a relação que teve com uma mulher chamada Heloísa, acerca da qual escreve na obra intitulada História das minhas calamidades.

A personalidade

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proposta de Anselmo de Cantuária era penetrar racionalmente as verda- des da fé, para que, por elas, se encontrasse na razão a sustentação da crença cristã que não se baseia apenas em um misticismo complexo e nada crível para os leigos que buscavam ter contato com a religião.

Ocorre que este posicionamento acabou reconhecendo mais tarde as ideias bem parecidas divulgadas na obra de Pedro Abelardo, um homem que já em seu tempo fugia do estereótipo do comum, ou seja, sua personalidade e vida agitada bem correspondiam às suas realizações e à originalidade do seu pensamento.

Possuía uma sanha pelo conhecimento que fazia que ele buscasse sempre e cada vez mais soluções para aquilo que lhe chamava a atenção. Sendo assim, para dar mais ânimo às discussões e maior profundidade aos estudos, adotou os métodos empregados pelo canonista Bernaldo de Constança.

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O método consistia em enfrentar, com base na dialética, as chamadas auto- ridades em determinada questão, mas que se posicionavam de forma contrária àquela de que ele fazia parte, como um recurso da argumentação.

Esta forma de agir e pensar diante das oposições ficou registrada, em sua tota- lidade, na obra a que denominou Sic et Non [Sim e não], e foi por meio dela que ele exerceu grande influência sobre a formação da escolástica, especialmente sobre a técnica das discussões, fundamentada na reunião de todas as Sumas.

Existe outro volume produzido por ele denominado Ethica, que se soma aos demais escritos lógicos que, recentemente, foram descobertos por Geyer e Gra- bmann, mas de uma genialidade que o coloca nas primeiras fileiras dos teólogos sempre requisitados nos seminários pelo mundo a fora.

 A tese medieval dos universais

N

a Idade Média, os universais se tornaram um tema bastante discutido, so- bretudo por filósofos como Abelardo, que deu uma tônica bem peculiar ao tema quando o discutiu e declarou sua importância.

O universal é um conceito metafísico que caracteriza uma propriedade ou uma relação que pode ser exemplificada por um número de coisas particulares diferentes. É uma ideia ou essência comum a todas as coisas que agrupamos sob um mesmo contexto. Por exemplo, cada coisa branca é um exemplar ou espécime da propriedade da brancura; e cada coisa quadrada é um exemplar da proprie- dade da quadratura. As coisas abrigadas por um universal são assim semelhantes em algum aspecto.

A partir de um parecer de Boécio, com base na obra Isagoge, três questões são propostas à ideia dos universais de Abelardo. Vejamos o excerto correspondente:

“Como é necessário, Crisaoro, para compreender a doutrina das categorias de Aristóteles, saber o que é o gênero, a diferença, a espécie, o próprio e o acidente, e como este conhecimento é útil para a definição e, em geral, para tudo o que se refere à divisão e à demonstração cuja doutrina é muito proveitosa, tentarei, em um compêndio e a título de instrução, resumir o que os nossos antecessores disseram a respeito, abstendo-me de questões demasiado profundas e, mesmo, detendo-me pouco nas mais simples. Não tentarei enunciar se os gêneros e as espécies existem por si mesmos ou na inteligência nua, nem, no caso de subsistir, se são corporais ou incorporais, nem se existem separados dos objetos sensíveis ou nestes objetos, for- mando parte dos mesmos. Este problema é excessivo e requereria indagações mais amplas. Limitar-me-ei a indicar o mais plausível que os antigos e, sobretudo, os peri- patéticos disseram razoavelmente sobre este ponto e os anteriores” (Isagoge, I, 16).

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As questões:

Primeira. Se os universais existem na realidade ou apenas no pensamento.

Segunda. Se, de fato, existissem, se são corpóreos ou incorpóreos.

Terceira. Se são separados das coisas sensíveis ou se as entregam.

E adicionou a estas três questões mais uma, cujo objetivo era torná-la tão impor- tante quanto as demais. A saber: os gêneros e as espécies ainda teriam uma signifi- cação para o pensamento se os indivíduos correspondentes cessassem de existir?

Duas posições clássicas sobre este tema foram geradas no seio medieval do conhecimento teológico, já que ele pedia, de certa forma, que todos os envolvidos nas questões teológicas se manifestassem. Foram elas: a dos realistas — chamados de antiqui doctores – e a dos nominalistas.

O bispo, teólogo e filósofo francês Guilherme Champeaux, fundador da Ecole de Saint-Victor, em Paris, ficou conhecido como o mais importante defensor da te- oria realista dos universais. Ele tentou dirimir a questão que, sem dúvida, remetia à escolástica por discutir o ser e sua essência, ao afirmar que existe uma natureza real e comum em cada ser das espécies e que a diferença entre os quais se reconhece pelos seus acidentes, não pela substância.

No discurso da fé que leva em consideração a natureza dos homens e a de Deus, para que, de uma forma compreensível e razoável, se conclua onde reside o milagre da criação, Abelardo sugeriu que duas pessoas, então, podem ser uma só e possuir a mesma substância.

Champeaux, entretanto, contesta essa possibilidade por fazer distinção das es- sências e, dessa forma, dois homens podem ser o mesmo apenas por serem homens e por pertencerem à espécie “homem” (ser mortal e animal racional), mas a huma- nidade em cada um não é a mesma, antes, é similar, porque são dois homens.

Mas Abelardo cita a física para explicar que, nela, é possível desencorajar esta ideia, pois ele concorda que as coisas e a criação são como um todo.

A própria física dos corpos, para Abelardo, destitui essa doutrina de sua veraci- dade, já que a experiência atesta as coisas como realmente distintas umas das ou- tras e cita o seguinte exemplo: não há como um universal animal existir na espécie homem e na espécie cachorro e, ao mesmo tempo, ser racional em uma de suas naturezas e não racional em outra, uma vez que isso, além de contraditório, é impos- sível. Foi por isso que as objeções do aluno Abelardo, que, de certa forma, desafiava seu mestre Champeaux, fez com que este desistisse de sua posição filosófica.

Já os nominalistas, que sustentavam um sistema filosófico segundo o qual as espécies, os gêneros e as entidades só existem de nome, acreditavam que os uni- versais não são reais e que apenas se encontram depois das coisas, o que se define pela máxima latina universalia post rem.

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Ora, mesmo que, na qualidade de leigos ou apenas curiosos dos sistemas filo- sóficos, nos parece claro que toda essa especulação se resume em abstrações da inteligência, reduzidos à materialidade das palavras. Mas, para Abelardo e seus opositores, era necessário explicar que os nomes são apenas universais, as coisas nomeadas são sempre singulares.

A partir dessa ideia, Abelardo passou a assimilar a questão ensinada dessa forma, ainda que não pertença à classe dos nominalistas e tenha lançado críticas ao extremismo de Roscelino, filósofo e teólogo francês considerado o fundador do nominalismo, que nada mais é do que uma corrente da escolástica e, também, outro mestre de Abelardo.

Roscelino afirmava: “É controversa a classificação da teoria de Abelardo. Embo- ra ele seja chamado, às vezes, de nominalista, é mais acertado chamá-lo de concei- tualista ou realista moderado, sendo, no entanto, ambas as opções simplificações”.

 Abelardo em seu contexto filosófico

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edro Abelardo tinha veias filosóficas arraigadas no sistema escolástico. Essa era uma de suas bases e, a partir dela, ele manteve a tese que ensina que os universais existem como pensamentos baseados no particular das coisas.

Contrariamente ao que tentava supor Champeaux, o universal não é um som, o que, no latim, era inscrito na forma vox, flatus voeis, como considerava Roscelino, mas poderia ser representado pelo termo sermo (palavra), ou seja, um som que pos- sui significado e, neste caso, ele ainda acrescenta a conclusão nominum significatio, ou seja, o sentido dos nomes, que adquirem significação pelo uso referencial.

Para Abelardo, o conhecimento está intimamente ligado a esse processo de abstração, por acreditar que a separação entre forma e matéria, as quais se acham juntas na natureza, só pode se dar pelo intelecto.

Mais uma vez aqui as conclusões filosóficas nos pedem uma atenção mais acentuada e concentração na exposição dos pensamentos, pois tanto quanto nos demais filósofos, em Abelardo não encontraremos um texto mais acessível. Vejamos como ele conclui a questão, lembrando que ele se refere a Roscelino.

“Não se engana, pensado à parte, seja a forma, seja a matéria; ele se engana- ria se pensasse que a matéria ou a forma existem à parte, mas tratar-se-ia de uma falsa concepção dos abstratos, não da sua abstração” (GILSON, p. 350).

A propósito das citações feitas, é importante sabermos quem era Gilson, ou melhor, Étienne Gilson (1884-1978). Filósofo e educador francês. Ele ensinou histó- ria da filosofia medieval na Sorbonne, tomou a cadeira de filosofia medieval no

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Collége de France e, em 1929, ajudou a fundar o Instituto Pontifício de Estudos Medievais em Toronto, no Canadá.

Vejamos, agora, uma ideia ainda mais ousada de Abelardo, na qual ele busca dar mais estrutura àquilo tudo em que acredita sobre os universais. Nesta outra linha de raciocínio, ele comenta que a existência dos universais está relacionada a um evento psicológico, a uma intencionalidade do pensamento. Essa teoria pode ser chamada de psicológica e serviu para responder algumas questões intrínsecas a este pensamento.

Respondendo ao primeiro deles, Abelardo busca dar materialidade à existên- cia dos universais tão-somente pelo fato de eles poderem ser imaginados ou, nou- tro sentido, que o fato de coisas e pessoas possuírem um nome já as coloca na condição de expressões da realidade e esta realidade só pode ser experimentada pelo intelecto, quando o universal de que se fala puder ser assimilado como real, ainda que abstrato. (p. 74)

Respondendo à segunda questão, Pedro Abelardo ensina que os universais es- tão nas coisas sensíveis. Por outro lado, porém, afirma que nós mesmos concebe- mos que todos os gêneros ou espécies encontram-se nas coisas sensíveis. Entretan- to, se a ação do intelecto está sempre isolada da sensação das coisas, esta tese acabava sem um alicerce mais consistente.

A partir daí, outra questão, além das que foram propostas, vem à tona, e quer saber se poderiam, alguma vez, estar nos sensíveis, ao que Abelardo esclarece dizendo que alguns deles estão, mas sem especificar qual nem como. Todavia, como já explicou, mesmo os que estão permanecem naturalmente à parte da sensibilidade.

Na página posterior do livro, surge outra questão e Pedro Abelardo parece querer dar um fim à dúvida filosófica do tema, ensinando que não é possível apli- carmos nomes universais às coisas, posto que, quando estas mesmas coisas são destruídas, acabamos admitindo que ainda haja nomes universais.

Na verdade, segundo ele, tendo sido destruídas as suas coisas, elas já não são predicáveis e não há como classificá-las mais, porquanto, não serão mais comuns ou próximas a quaisquer coisas, e poderíamos ter, como exemplo, uma maçã, e quando todas elas forem destruídas, mesmo o nome “maçã” não vai mais corres- ponder a tal fruta.

O nome teria, então, apenas um significado guardado e a ideia próxima que estará disposta no intelecto por motivos naturais, e este nome restará como refe- rência do universal, sem o qual sequer poderia ser dito: não existem mais maçãs.

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 Influências

P

edro Abelardo teve êxito no manifesto de suas ideias e por isso conseguiu formar um grupo de discípulos dedicados que contribuíram muito com sua exposição e aprimoramento da escolástica.

A Igreja acabou lhe rendendo as devidas honras por causa do seu empenho junto à teologia e aos papas que sucederam a autoridade dos líderes eclesiásticos que, antes deles, rechaçaram as teses de Abelardo, como, por exemplo, Alexandre III e Celestino II.

Da mesma forma, João Sarresberiense, Pedro Lombardo e Graciano todos eram homens ligados à teologia e à filosofia, com o objetivo de dar forma às ideias de Abelardo.

De todas as memórias, textos e escritos de Pedro Abelardo, sua obra, Sic et non, foi, sem dúvida, a que teve maior representatividade nos meios acadêmicos e nos grupos de discussão filosóficos.

Ainda de relevante em sua história de vida e de trabalho, encontramos sua influência sobre a literatura teológica das Sentenças (frases que versavam sobre Deus, criação, encarnação, sacramentos e afins), atuando, também, com gran- de dedicação nos comentários inéditos da lógica que haviam sido expostos por Boécio no século 12, construindo, assim, por toda a sua vida e permanecendo na história, a imagem do grande teólogo que cumpriu um papel de grande vulto no desenvolvimento da escolástica.

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Capítulo 8

q Tomás de Aquino

C

onsiderando o que buscamos quando falamos da escolástica, não há ou- tra conclusão a que podemos chegar ao explorarmos as maiores mentes no assunto, senão que Tomás de Aquino detém os maiores créditos no desenvolvi- mento das teses que levaram a teologia a um patamar, de certa forma, científico.

São dele as ideias mais importantes sobre o assunto e de onde se originam as doutrinas correspondentes que fizeram da escolástica uma disciplina escolar me- dieval que manteve o cristianismo estabelecido na sociedade por meio da crença de que argumentos razoáveis poderiam sim dar sustentação à existência de Deus.

Partindo de uma breve biografia, neste último capítulo estudaremos a vida, a obra e o envolvimento desse grande teólogo e filósofo na seara da teologia univer- sal e, sobretudo, nos meios universitários em que figurou como grande mestre da doutrina cristã.

Tomás nasceu em Aquino por volta de 1225 e, segundo contam alguns historia- dores, no castelo do próprio pai, o conde Landulf de Aquino, que está localizado em Roccasecca, cidade situada no mesmo condado, no Reino da Sicília, atual Lácio.

Havia uma ligação muito forte de Tomás de Aquino com a nobreza desde seu nascimento. Devido às suas raízes familiares por parte de mãe, a condessa Teodora de Theate, Tomás era ligado à dinastia Hohenstaufen do sacro império romano- germânico. E o irmão de sua mãe, Landulf Sinibald, era abade da original abadia beneditina em Monte Cassino.

Seus demais irmãos mais velhos preferiram seguir carreiras militares, mas os pla- nos traçados pelos pais para Tomás idealizavam uma educação monástica, acom- panhando o desenvolvimento de seu tio na abadia, o que, na verdade, obedecia a critérios culturais nos quais se estabelecia que esse deveria ser o caminho normal para a carreira do filho mais novo de uma família da nobreza sulista italiana.

Referências

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