DESENVOLVIMENTO DE BIOSSENSORES POTENCIOMÉTRICOS
PARA CONTROLE DA ESTABILIDADE DO BIODIESEL
João Pedro P. Guilherme
Faculdade de QuímicaCEATEC
joaopedrojao_02@hotmail.com
Renata K. Mendes Valente
Metrologia Química, Quimiometria e Química AnalíticaCEATEC
renatavalente@puc-campinas.edu.br
Resumo: O uso de uma fonte energética renovável,
proveniente da biomassa e que se tornou uma exce-lente opção aos combustíveis derivados do petróleo, que tem recebido bastante atenção atualmente se refere ao biodiesel. Este biocombustível apresenta algumas características importantes ao motor do veí-culo, mas, principalmente, possui a vantagem de di-minuir a geração de gases responsáveis pelo efeito estufa. No entanto, para garantir o controle da quali-dade deste biocombustível, a Agência Nacional do Petróleo e Biocombustiveis (ANP), estabelece limites considerados adequados para manter suas caracte-rísticas químicas e físico-químicas. Um dos proble-mas relacionados ao biodiesel está relacionado a sua estocagem, pois pode haver degradação do compos-to, gerando produtos ou subprodutos que são indese-jáveis, como a formação de peróxido de hidrogênio, que pode trazer danos a algumas peças do sistema automotivo. Atualmente, a técnica cromatográfica é a mais utilizada para a determinação dos níveis dos produtos e/ou contaminantes no biodiesel. Porém, é conhecido que métodos cromatográficos são bastan-te dispendiosos, de custo elevado para a compra e manutenção, além da necessidade de treinamento intenso de pessoal para realização das medidas. O uso de biossensores (sensores químicos que possu-em como elpossu-emento de reconhecimento um material biológico) é uma alternativa interessante para o con-trole da qualidade dos biocombustíveis, devido a sua relativa simplicidade de utilização, possuir alta seleti-vidade e grande sensibilidade nos resultados. Neste contexto, este trabalho tem como objetivo a quantifi-cação de peróxido de hidrogênio no biocombustível, usando um biossensor eletroquímico modificado com a enzima peroxidase extraída de extratos vegetais. Palavras-chave: biossensor eletroquímico,
biodie-sel, peroxidase
Área do Conhecimento: Ciências Exatas e da
Ter-ra– Química – CNPq.
1. INTRODUÇÃO
O biodiesel produzido por meio de biomassa não po-lui o meio ambiente e também traz vantagens eco-nômicas, pois sua produção e o cultivo de matérias-primas contribuirão para a criação de milhares de novos empregos na agricultura familiar. Nota-se que uma atenção recente tem sido focada para os efeitos da oxidação causados pelo contato do biocombustí-vel com o ar ambiente (autoxidação), reduzindo sua qualidade durante o armazenamento. Assim sendo, manter a qualidade do biodiesel e suas misturas com combustíveis destilados do petróleo durante o longo período de estocagem é um consenso entre produto-res, fornecedores e usuários do combustível [1]. A estabilidade à oxidação é, portanto, um parâmetro de grande importância para o controle da qualidade do biodiesel. O processo de degradação oxidativa do biodiesel formando peróxido de hidrogênio depende da natureza dos ácidos graxos utilizados na sua pro-dução associado, principalmente, ao grau de insatu-ração dos ésteres que o compõe, além da umidade, temperatura e absorção de luz [2].
A técnica mais utilizada para análise de contaminan-tes em amostras de biocombustível tem sido a cro-matografia. No entanto, é conhecido que a técnica requer profissional capacitado, demanda tempo para análise e tem custo elevado tanto para a medida quanto de manutenção do equipamento. Uma alter-nativa a técnicas de alto custo e que sejam destruti-vas se refere ao uso de biossensores.
sensores biológicos [4]. A tecnologia atualmente em-pregada na construção de transdutores eletroquími-cos, aliada aos diversos métodos analíticos descritos na literatura, vem colaborando com o fortalecimento desta área específica de biossensores [5].
Neste contexto, o objetivo geral deste trabalho é de-senvolver biossensores eletroquímicos baseados na interação enzima-substrato para a detecção de peró-xido de hidrogênio em amostras degradadas de bio-diesel.
2. METODOLOGIA 2.1. Materiais
Os equipamentos utilizados para a execução deste projeto foram: Balança de precisão Shimadzu AW 220, Centrífuga Excelsa II Modelo 206 MP Fanem, Espectrofotômetro UV/Vis HP Agilent 8453, pHmetro Digimed DM 20 e Potenciostato PGSTAT 30 da AUTOLAB (Metrohm, Eco Chemie).
Os reagentes utilizados foram: Solução Guaiacol 2% (Dinâmica), Peróxido de Hidrogênio P.A (Vetec), Ó-leo Mineral (Mantecorp), Fosfato de sódio bibásico heptahidratado P.A (Synth) e Fosfato de potássio monobásico P.A (Synth), pó de Grafite (Aldrich), Áci-do Acético P.A (Nuclear), Clorofórmio P.A (J.T.Baker), Acetato de Sódio Anidro P.A (Dinâmica), Iodeto de Potássio P.A (Nuclear), Iodato de Potássio P.A (Nuclear), Amido Solúvel P.A (Dinâmica), Ácido Sulfúrico P.A (Chemco) e Tiossulfato de Sódio P.A (Nuclear).
2.1. Obtenção do extrato enzimático
As abobrinhas utilizadas foram adquiridas em uma chácara da região de Campinas. Após a lavagem e secagem, 25 g de abobrinhas descascadas foram picadas e homogeneizadas em um liquidificador com 100 mL de tampão fosfato 0,1 mol.L-1 – pH 7,0. Em seguida, o extrato foi filtrado em quatro camadas de tecido – gaze - e centrifugado a 1800 rpm durante 20 min. A solução sobrenadante foi dividida em diversas alíquotas, armazenadas em freezer a -5°C e usadas como fonte de peroxidase.
2.2. Construção do biossensor de pasta de car-bono usando adsorção física.
A pasta de carbono foi obtida a partir da homogenei-zação de 0,375 g de pó de grafite com a quantidade desejada da enzima em µL, em um almofariz com pistilo durante 20 minutos. Em seguida, foram adicio-nados de 0,1848 g de óleo mineral aglutinante e ho-mogeneizados por mais 20 minutos. A pasta resul-tante foi inserida em uma seringa com o fundo corta-do e após isto, a ponta com a pasta foi polida em uma folha de sulfite e foi colocado na seringa um fio
de cobre para o contato elétrico. O pó de grafite foi escolhido devido ao seu baixo custo, baixa capacida-de capacida-de adsorção capacida-de oxigênio e baixas impurezas ele-troativas. Para avaliar o desempenho do biossensor em meio contendo o substrato da enzima peroxidase, ou seja, o peróxido de hidrogênio foram realizadas medidas voltamétricas do biossensor (i) apenas em solução tampão fosfato 0,1 mol L-1 e (ii) após adição do peróxido. O aumento da corrente de redução do peróxido de hidrogênio pelo biossensor foi monitora-do.
2.3. Estudo da influência da quantidade de pero-xidase na resposta do biossensor.
Para este estudo foram construídos quatro biossen-sores diferentes, cada um contendo uma quantidade distinta de peroxidase: 230, 460, 1160 e 1855 U mL-1. Este estudo foi realizado em um potenciostato, para medidas voltamétricas (variação de corrente) em função da quantidade enzimática. Embora o projeto envolva o desenvolvimento de um biossensor que possui como sistema de transdução a potenciometria (medidas de potencial), é conhecido que as análises voltamétricas (medidas de corrente) são mais sensí-veis. Assim, para se determinar as condições ótimas do sistema, optou-se por se utilizar uma técnica que seja capaz de distinguir mesmo variações mínimas de resposta. Essa alteração não afeta a resposta final do biossensor, uma vez que a voltametria tam-bém se caracteriza como uma medida eletroquímica.
2.4. Estudo da repetibilidade do biossensor
O estudo de repetibilidade do sensor foi realizado para se verificar se a mesma medida voltamétrica não decrescia ou aumentava com o tempo. Para is-so, construiu-se um biossensor com a quantidade de enzima que se obteve a melhor resposta -1160UmL-1 – e mediu-se 5 vezes a resposta voltamétrica em solução tampão fosfato pH 7,0 contendo solução de peróxido de hidrogênio 45 mmol L-1 e guaiacol 3,6 mmol L-1.
2.5. Estudo da reprodutibilidade do biossensor.
2.6. Extrações das amostras de biodiesel – plane-jamento experimental
Para a avaliação de peróxido de hidrogênio no biodi-esel, o mesmo foi extraído da matriz, pois se o ele-trodo for utilizado no óleo, a pasta de carbono irá se dispersar no mesmo. Assim, foi necessário otimizar alguns parâmetros de ensaio, a fim de selecionar aquele em que o H2O2 era mais eficientemente
extra-ído. Para tal foi feito um planejamento experimental, tendo como fatores concentração de ácido acético em mol.L-1 (1) e número de extrações (2). Foram fei-tos 4 ensaios, como exibido na Tabela 1. Foram pe-sados 2,5 g da amostra de biodiesel e preparada a solução extratora usando-se 9 mL de ácido acético da concentração desejada e 6 mL de clorofórmio. O biodiesel foi contaminado com 750µL da solução de peróxido de hidrogênio, homogeneizado e posto em um funil de separação e adicionou-se a solução ex-tratora. Agitou-se o sistema e separou-se a fase or-gânica da aquosa. Repetiu-se a extração pelo núme-ro de vezes desejado. A fase aquosa foi colocada num erlenmeyer de 250 mL e adicionou-se ao mes-mo 0,5 mL da solução saturada de KI e 0,5 mL da solução de H2SO4 e titulou-se até ficar amarelo
páli-do. Adicionou-se então 0,5 ml da solução de amido e prosseguiu-se com a titulação até o desaparecimento da coloração azul. Cada ensaio foi realizado em du-plicata, para se encontrar uma média dos volumes gastos na titulação. A quantidade de peróxido recu-perada pode ser determinada pelo volume de tiossul-fato de sódio gasto na titulação.
Tabela 1. Planejamento experimental das extrações de H2O2 do biodiesel. [HAc] indica a concentração de
áci-do acético.
Ensaio [HAc] mol L-1 Número de Extrações
1 0,001 2
2 0,01 2
3 0,001 4
4 0,01 4
2.7. Determinação de peróxido de hidrogênio em amostras de biodiesel via biossensor
Uma etapa anterior a aplicação do biossensor em amostras de biodiesel envolveu a construção de uma curva de calibração para o biossensor. Assim, con-centrações crescentes de H2O2 foram adicionados a
uma solução tampão formada por ácido acéti-co/acetato de sódio pH 6,5 e a resposta da corrente, a cada adição, foi monitorada. Foi construída uma curva de calibração, contendo no eixo y corrente em
µA – microampéres - e no eixo x, concentração de peróxido de hidrogênio em mmol.L-1.
Após a obtenção da curva analítica, o biossensor foi adicionado a fase aquosa obtida no processo de ex-tração do H2O2 do biodiesel. Antes, no entanto,
pre-cisou ajustar o pH que estava em torno de 3,0 para 6,5 com adições de acetato de sódio. A análise foi feita em triplicata. Com os resultados, foi retirada a média das correntes obtidas e substituído no valor de y na equação da reta obtida via curva de calibração. Foi possível, então, determinar-se a quantidade de H2O2 presente na amostra.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
3. 1. Estudo da resposta do biossensor em rela-ção ao seu substrato.
Para testar a resposta do biossensor em relação ao substrato da enzima peroxidase, foram realizadas medidas voltamétricas com o dispositivo apenas em tampão fosfato 0,1 mol.L-1 , pH 7,0 e, após a medi-ção do sinal, houve a adimedi-ção de uma solumedi-ção de pe-róxido de hidrogênio e uma nova resposta foi obtida. A Figura 1 exibe os resultados.
-300 -2 00 -1 00 0 1 00 200 -20 -15 -10 -5 0 I / µ A E / mV p rese nça do substrato solução ta mpã o fosfato pH 7,0
Figura 1. Comportamento do biossensor em solução con-tendo peróxido de hidrogênio.
3. 2. Estudo da influência da concentração de pe-roxidase na resposta do biossensor.
diferentes de peroxidase na pasta – 230 U.mL-1, 460 U.mL-1, 1160 U.mL-1 e 1855 U.mL-1 – e foi medido o sinal voltamétrico resultante. A Figura 2 exibe os re-sultados das medições.
-300 -200 -100 0 1 00 200 -20 -15 -10 -5 0 5 I / µ A E / mV 23 0 U mL- 1 46 0 U mL- 1 11 60 U mL-1 18 55 U mL-1
Figura 2. Voltamogramas obtidos no estudo da influência da concentração da enzima na resposta do biossensor em solução tampão fosfato pH 7,0 contendo solução de
peróxido de hidrogênio e guaiacol 3,6 mmol L-1.
3. 3. Estudo da repetibilidade e reprodutibilidade do biossensor
A repetibilidade de medida é uma característica im-portante para um instrumento de medição, tendo em vista que representa a capacidade que este possui de dar a mínima variação no valor de corrente, para mais de uma medida, nas mesmas condições expe-rimentais. A repetibilidade de medida do biossensor foi testada através da reprodução do experimento por cinco vezes nas mesmas condições. Observam-se os resultados na Tabela 2 com os valores de corren-te (µA) de cada medida.
Tabela 2. Valores das correntes da análise repetida cinco vezes pelo mesmo analista.
Medida I / µµµµA 1 20,0 2 19,8 3 19,3 4 19,2 5 19,5
Como o desvio padrão das medidas foi pequeno (1,7%), conclui-se que o biossensor produz medidas bastante precisas.
Para o estudo de reprodutibilidade, foram preparados 4 biossensores nas mesmas concentrações de en-zima/grafite/óleo mineral. A finalidade é verificar se os biossensores apresentavam a mesma resposta quando preparados em dias diferentes. Neste caso, o
desvio padrão relativo foi de 0,028%, mostrando que quando o tempo de homogeneização é respeitado e as quantidades de cada composto também, a res-posta dos biossensores é quase constante nas mesmas condições experimentais.
3. 4. Curva Analítica
Após otimização das condições experimentais, como pH ótimo, quantidade de enzima, proporção ó-leo/grafite, foi construída uma curva de calibração em solução contendo HAc/NaAc, com medidas de cor-rentes em concentrações crescentes de H2O2. A
Fi-gura 3 apresenta os resultados obtidos.
Figura 3. Curva de calibração do biossensor obtida em diferentes concentrações de peróxido de hidrogênio com
guaiacol constante a 3,6 mmol L-1.
Por meio da curva acima foi possível obter a equa-ção da reta: y (A) = 1,29 10-5 + 3,04 10-4x.
3. 5. Determinação de peróxido de hidrogênio em amostra de biodiesel
Não foi possível determinar diretamente a quantidade de H2O2 no biodiesel, pois poderia ocorrer a lixiviação
da pasta de carbono no óleo combustível. Então, foi proposto um método de extração do peróxido da fase oleosa para transferi-lo para uma fase aquosa. A me-lhor condição, após estudo, envolveu a extração com ácido acético 0,01 mol L-1 e clorofórmio (3:1). Após extração, foi ajustado o pH para 6,5 usando acetato de sódio, pois a solução inicial tinha pH muito ácido (3,0). Então, foi adicionado guaiacol 3,6 mmol L-1 e mediu-se a corrente relativa ao peróxido. A medida foi realizada em triplicata e, a média dos valores foi substituída na equação da reta, obtendo-se o valor de x (concentração de H2O2). Como não havia
peró-xido neste biodiesel, o mesmo foi contaminado com 21,8 mmol L-1 de H2O2. O valor encontrado pelo
bios-sensor foi de 23,3 mmol L-1.
4. CONCLUSÕES
hidrogê-nio em amostras de biodiesel. Esta análise é de ex-trema importância para avaliação da estabilidade do biocombustível durante a estocagem. O dispositivo apresentou boa precisão e reprodutibilidade, além de ser bastante simples de se utilizar e de baixo custo.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Lauro Kubota (IQ-UNICAMP) e à PUC-Campinas pela bolsa concedida.
REFERÊNCIAS
[1] Ferrari,R.A; Souza, W.L. (2009) Quim. Nova, Vol. 32, No. 1, p. 106-111
[2] Borsato,D.; Dall’Antonia,L.H; Guedes,C.L.B; Mai-a,E.C.R;De Freitas,H.R; Moreira,I.; Spacino, K.R. (2010) Quim. Nova, Vol. 33, No. 8, p. 1726-1731. [3] Marques, P.R.B.O.; Yamanaka, H. (2008)
Quim.Nova, Vol. 31, p.1791-1799.
[4] Lopes, F.M.; Batista, K.A.; Batista, G.L.A.; Ferna-des, K.F. (2012) Ciênc. Tecnol. Aliment. , Vol. 32, No. 1, p. 65-69.