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Jd/lO /41

REVISTA DE

DIREITO AMBI

Fundador

ANTONIO HERMAN V.BENJAMIN

Coardenodores emt!ritos

ANTONIO HERMAN V.BENJAMIN EDIS MILAR'

Coordeno~ao

ELAOIO LECEY SiLVIA CAPPELLI

Publica~ao oficial do

.;1,1,1111

INTERESSE PUBLICO (PRIMARIO ) E INTERESSES DIFUSOS

NO DIBEITO'AMBIENTAL 1

o aspecto "politico" de sua concretiza~ao

Doctorjuris pelaFreieUn/versitiit Berlin.Professor Associado da Gradua~ao e do Mestra- do em Direito Ambiental e em ConstitLicional da Faculdade de Direito de Alagoas (FDA- -UFAL). Diretor da mesma Institui~ao. Colaborador do PPGDda Faculdade de Direito do Recife (UFPE).Consultor da Capes. Pesquisador bolsista e representante da area do Direito junto ao CNPq.

Repert6rio de Regionais Federais

RESUMO:0 artigo a.nalisa a fun~ao do conceito

"interesse publico" na ordem juridica brasileira e as suas rela~6es com outros interesses (sociais, privados, difusos etc.). 0 carater "politico" de de- cisoesjudicia is que envolvem interesses difusos diz respeito ao largo espa~o de discricionarie- dade que normalmente impregna 05conceitos juridicos indeterminados utilizados nos textos legais. 0 chamado "interesse primario" nao paira acima dos casos concretos nem e apenas "desco- berto" pelo interprete, mas deve ser construido racionalmente pelo 6rgao publico competente, de acordo com as regras procedimentais admi- nistrativas ou processuais. Na concretiza~ao dos

, ABSTRACT:This paper analyses the role of the term "public interest" in the Brazilian legal system and its relationship with other interests (social, private, diffuse etc.). The "political"

character of judicial decisions which involve diffuse interests refers to the large space of discretion which normally impregnates the undetermined legal terms used by law texts. The so called "primary interest" neither hovers over the concrete cases nor is only "discovered" by the interpreter, but must be built up rationally by the competent public agency according to the rules of administrative or judicial procedure.

The concretization process of these interests

(2)

TEORIA GERAL E PROTE<:AO DO MEIO AMBIENTE

interesses deve haver participa~ao dos represen- tantes da sociedade civil; nao ha, contudo, ne- nhuma preferencia' destes em rela~ao aos agen- tes estatais,

PALAVRAS-CHAVE: Interesse publico - Bemcomum - Interesses difusos - Interesse primario - Inte- resse secundario,

1\;1\ 'iH,lIilntee the particip<JI",,: III civil

"J(J(r;;'r 'f'p1rOlfntatives, who havf, Illl'/"If'Vn, no

pll'!I",', I'IIII,'spect to public agellI',

2. 0

CONCEITO DO INTERESSE PLJBLlCO E SUA FUN~AO NA CONCRETlZA~AO DO BEM COMUM

o

interesse sempre tern sido urn objeto central do raciocinio juridico, 0 Direito protege interesses, os valora e ordena 0seu ajuste e equilibrio median- te regras de procedimento. Nas primeiras decadas do seculo XX, a "jurispru- dencia dos interesses" (HECK) apresentou importantissimas propostas teoricas para fundamentar toda a interpretac,;ao das normas do Direito na compreensao adequada dos respectivos interesses subjacentes.!

Ja 0 interesse publico tern sido na historia do Estado moderno 0 conceito- -chave para expressar 0bem comum; ele demonstra que ha uma permanente necessidade de justificac,;aode qualquer exercicio de poder estatal, visto que 0

objeto final da atuac,;aodos entes publicos e a comunidade integral dos cida- daos, nao a soma dos individuos.2 A existencia e a atuac,;aodo Estado liberal, cuja origem esta no reconhecimento de uma esfera de liberdade inata do indi- viduo perante 0poder estiltal, encontraram legitimac,;aona sua busca de fins universais, materializados nas "categorias totalizantes" do bem comum e do interesse publico.3A justificac,;aodo proprio Estado estava atrelada a uma atua- c,;aoque "favorece os interesses solidarios individuais, nacionais e humanos em direc,;aoa uma evoluc,;aoprogressiva e comum".4

Por isso, "nao se pode falar de interesse publico sem falar de bem comum".5 Os dois termos (singulares) podem ser vistos como expressao da "sintese dos interesses publicos relevantes".6 A categoria do interesse publico, muitas ve- zes, confunde-se "com aquilo que denominamos interesse geml ebem comum"

e se caracteriza pela heterogeneidade, havendo, na verdade, multiplos interes- ses publicos.7

KI'YWOiW',: Public interest - COrllrC",' IIlIod _ Dill"',I' "1'11,,15 -Primary intere,1 ','TOII,hly

inlt'II",1

SUMARIO: 1,lntrodu~ao - 2. 0 conceito do interesse I"d':""" sua fun~ao na connell/;I\'dO do bem comum - 3, A rela~ao entre interesse publim I' ''It''I''';ses particulares; a !I'll1'" d;)

"supremacia" do interesse publico - 4. A convergencia <10intclesse publico, do inter<",'," ',II.

cial e dos interesses difusos - 5. Diferentes niveis de "t'lllIilllliosidade" de interesse, ',II('iili, e difusos; as decisoes de carater politico na defesa dll',Ii1I"I('o"esdifusos - 6. Deternlllla";J() dots) interesse(s) publico(s) pelas normas juridicas pll'.11IV.}', 7. A "teoria juridica do1I1'Ie

resse publico" de Peter Haberle: a importancia da reld,""1 ('1I1,ebem comum e Direito il A [problematica) distin~ao entre interesse publico prim,ilill " ',,'eundario no ambito do Dileilll Ambiental brasileiro - 9. Defini~ao processual-formdl <10IlIlelesse publico - 10. A((lIl(I'"

tiza~ao dos interesses difusos pelo Judiciario como cOlIII)('n';a~aoda desigualdade en Ill' as for~as econ6mico-sociais - 11.Conciusao - 12, Bibliolj);Jli;]

A ordem juridica brasileira trabalha com lima grande diversidadc na for- mulac,;aodo interesse publico. Este interesse, eSSl'I1cialna formac,;aodo pn")prio Estado de Direito, encontra a sua expressao em c1iversossetores da vida juri- dica do pais. Alem da Constituic,;ao,sua area principal de utilizac,;aoe0Dircito Administrativo: como conceito jurfdico indetenninado por excelencia, 0 in- teresse publico integra inumeros textos legais, scja na forma expressa Oll nos termos bem comum, interesse geral, interesse sociul etc. No ambito espccifico da prote<;ao do meio ambiente 0interesse publico cncontra expressao especial nos chamados interesses difusos.

Na doutrina e na jurisprudencia nacional prevalece certa confusao em rela- c,;aoao significado e

a

func,;aodointeresse publico e dosinteresses difusos. Ape- sar da abertura intencional de espac,;osde decisao mediante emprego desses conceitos nos textos legais, a sua interpretac,;ao nos casos concretos ainda nao alcanc,;ouurn nivel razoavel de previsibilidade e seguranc,;ajuridica, A incerteza aumenta ainda mais com a utilizac;:aopouco coerente dos term osinteresse pu- blico primario esecunddrio por parte de alguns autores no ambito da protec,;ao urbanistico-ambiental. Eobjetivo deste trabalho desenvolver urn breve levan- tamento das opinioes mais importantes sobre0assunto,seguido por uma crfti- ca construtiva em relac,;aoao correto uso e entendimento dos referidos termos.

1. Vide: HECK,Philipp" 1nterpreta~ao daleiejurisprudencia dosinteresses. 1947.p. 9 e ss.

2. Cf. SCHMIDT-AssMANN,Eberhard. Das allgemeine Verwaltungsrecht als Ordnungsidee:

Grundlagen und Aufgaben der verwaltungsrechtlichen Systembildung. 2006. p. 146 e 153.

3. MARQUESNETo, Floriano de Azevedo. Regula~ao estatale interessespublicos.2002. p. 32.

4. JELLlNEK,Georg. Teorfageneral delEstado(1911). 2000. p. 262 e 313 e ss.

5. LOPES,Jose Reinaldo de Lima. A definil;ao do interesse publico. In: SALLES,Carlos Al- berto de (org.) Processocivil e interesse publico:0processo como instrumento dedefesa social.1993. p. 93.

6. UERPMANN,Robert. Das offentliche Interesse: seine Bedeutung als Tatbestandsmerkmal und als dogmatischer Begriff. 1999. p. 27 e ss.

7. BE~JAMIN,Antonio Herman V. A insurreic;:ao da aldeia global contra 0processo civil classico. In: MlLARl~,Edis, A~aocivilpublica (Lei7.347/85). 1995. p. 87 e ss.

(3)

Entretanto, na~ se trata de uma-expressao magica, capaz de justificar qual- quer comportamento da Administra<;:ao;tampouco ela e uma "palavra oca, des- tituida de conteudo, comportando seja Ia 0que for que se the queira inserir".

o

pr6prio agente publico sempre deve perseguir na sua atua<;:aoa realiza<;:ao de algo que foi previamente qualificado pela ~rdem juridica como de interesse publico; a verifica<;:aoconcreta da satisfa<;:aodeste se da por meio do processo administrativo ou da a<;:aojudicial. Surgem, assim, variosinteresses publicos es- pecificos em situa<;:oesconcretas, cuja concretiza<;:aoesta sujeita a contesta<;:ao e discussao.8

A cit'~nciado Direito, a principio, ignora perguntas abstratas sobre 0bem comum: aquilo que 0 interesse publico exige fazer concretamente deve ser resultado de uma pondera<;:aoque envolva todos os interesses publicos e pri- vados relevantes para 0 caso a ser decidido. Em face da pluralidade e da con- traditoriedade entre os interesses dos diferentes integrantes da sociedade, 0

interesse publico na~ pode ser visto como 0produto cumulativo das respec- tivas vontades individuais ou urn valor neutro. Ao mesmo tempo, ressalte-se que na~

e

possivel satisfazer efetivamente interesses publicos sem que sejam contemplados tambem, ipso facto, interesses individuais e coletivos.9

Vma conceitua<;:aomeramente processual no sentido de0interesse publico ser aquilo que foi "contemplado por uma decisao validamente produzida", in- dependentemente de seu conteudo, na~ satisfaz em tempos da prevalencia de uma teoria material do Direito que enfatiza os aspectos substantivos de qual- quer ato pliblico, delineados, sobretudo, pelos direitos fundamentais consagra- dos na Constitui<;:ao.Mais convincente parece a linha te6rica que ve 0 interesse publico surgir "ao longo de urn processo gradual de confronto de preferencias grupais ou sociais submetidas a princfpios previamente definidos".J°

Na verdade, trata-se de uma categoria intermedidria que exprime uma rela-

<;:aotipica entre Estado, coletividade e individuo, formando uma "sintese nor- matizada" de interesses da sociedade. Ainda que0poder estatal na~ detenha 0

monop6lio de definir 0interesse publico de maneira unilateral, e 0 seu dever garantir a participa<;:aodas popula<;:oesinteressadas nos respectivos procedi- mentos administrativos. Somente 0Estado possui a "capacidade concentrada de deliberar, politicamente, sobre a aloca<;:aode bens, direitos, oportunidades

e recursos amealhados junto it·cbletividade".ll Ele continua sendo 0 principal ator na concretiza<;:aodo interesse publico, que tern de ser efetivada a partir e na base dos valores positivados pelo ordenamento juridico do respectivo pais.12

o

interesse publico possui tambem uma importante fun<;:aopragmdtica, servindo ao Direito para filtrar os diferentes valores que se confrontam na sociedade, dos quais somente alguns sa~ convertidos em normas, enquanto outros sa~ vencidos e subordinados. Para aumentar a sua legitimidade, dimi- nuir tensoes, obter adesao e para "catalisar apoio", 0 sistema juridico emprega conceit05 comobem comum, interesse social einteresse publico, que "funcionam pragmaticamente como principios totalizadores", com 0 fim de fomecer ao pr6prio Direito "urn acabamento 16gico e de despertar na sociedade a certeza de que os valores por ela reclamados acabam, de alguma maneira, sendo con- sagrados" por ele.13

Justen Filho privilegia 0interesse publico para a democratiza<;:ao do poder politico e propoe uma melhor defini<;:aodo nueleo desse conceito juridico para evitar aplica<;:oesequivocadas. Para ele, tarnbem existern interesses public os na~ estatais cujo pr6prio conceito eanterior ao Estado, que seria mero instru- mento para sua realiza<;:ao.Assirn, ao lado de "interesses essencialrnente indi- viduais, nunca passiveis de transformar-se em publicos", haveria "interesses privados transcendentes it individualidade" capazes de fazer surgir urn inte- resse publico quando adquirirern "homogeneidade coletiva"; para tanto, eles na~ precisariam se tomar majoritarios na popula<;:ao,bastando "que parcelas significativas da sociedade apresentassern interesses comuns dessa ordem".14

3. A

RELAt;:AO ENTRE INTERESSE PUBLICO E INTERESSES PARTICULARE~;

A TEORIA OA "SUPREMACIA" DO INTERESSE PUBLICO

Considerando-se que a afirma<;:aode urn interesse objetivo da sociedade desvinculado dos interesses subjetivos individuais tern levado na hist6ria a diversas constru<;:6espolitic as autoritarias, Justen Filho afirrna que qualquer

8. Cf. FERRAZ,Sergio; DALURI,Adilson Abreu. Processo administrativo. 2003. p. 76 e s.

9. Cf. JUSTENFILHO,Marc;:a!. Conceito de interesse publico e a "personaliza,ao" do direi- to administrativo. Revista Trimestral de Direito Publico26/121 e55.

10. SALLES,Carlos Alberto de.Execu,ao judicial em materia ambiental. 1998. p. 65 e55.,c 75

11. MARQUESNEro, Floriano de Azevedo. Op. cit., p. 26.

12. Cf. MORAEs,]ose Luis Bolzan de. Dodireito social aos interesses transindividuais. 1996.

p.119 e55.

13. FARIA,Jose Eduardo. A definic;:ao do interesse publico. In: SALLES,Carlos Alberto de (org.). Processo civil e interesse publico. 2003. p. 79 e55.0autor observa 0crescente . esvaziamento da noc;:ao do interesse publico em virtude da5 aguda5 di5paridade5 50-

ciai5 na 50ciedade brasileira.

14. JUSTENFILHO,Mar,a!. Op. cit., p. 116 e 55. e 120.

(4)

interesse publico teria de representar "necessariamente tambem urn interes- se individual concretamente compartilhado par segmentos significativos da sociedade". Para 0autor, a constru<;ao do conceito de interesse publico, nos tempos modernos, esta baseada antes de tudo na necessidade etica de atende- -los, que resulta diretamente dos principios fundamentais da ordem juridica, especialmente da dignidade humana. Este principio constitucional proibiria que as decisoes administrativas fossem tomadas "segundo criterios exclusiva- mente tecnicos, desvinculados da realizac;:ao dos valores relacionados com a dignidade", exigindo da Administrac;:ao Publica a compensac;:ao de desigualda- des mediante limitac;ao do poder econ6mico de certos grupos ou particulares.1s

o

interesse publico, segundo Bandeira de Mello, no Brasil, e habitualmen- te visto como 0interesse do pr6prio conjunta social, 0que "nao se confunde com a somat6ria dos interesses individuais". Essa noc;:ao, porem, gerou a ideia de "uma categoria contraposta

a

de interesse privado, individual", resultando num "falso antagonismo entre 0interesse das partes e 0interesse do todo".

Este, na verdade, seria uma "'funt;iio' qualificada das interesses das partes, urn aspecto, uma forma especifica, de sua manifestac;:ao", isto e, "sua dimensiio pu- blica ou interesses dos individuas enquanto participes da Sociedade" .16

Sem duvida, 0con junto de uma sociedade transcende a soma dos individu- os que a integram; estes nao formam os seus interesses de maneira auWnoma, mas recebem a forte in£luencia dos valores que regem 0ambiente sociocultural que os circunda. Entretanto, as modernas democracias se caracterizam pelo pluralismo e pela forte fragmentac;:ao e contraposic;:ao dos diferentes interesses individuais e grupais, 0que requer a maxima cautela na utilizac;:ao do conceito interesse publico (especialmente no singular)Y

Na Alemanha, doutrina e jurisprudencia enfatizam as multiplas conex6es entre interesses public os e privados, especialmente por meio da instituic;:ao dos direitos fundamentais; e posic;:ao pacifica que 0"bem estatal" (Staatswohl) e a considerac;:ao dos interesses publicos exigem tambem a protec;:ao dos direitos individuais. 0que a interesse publico exige no caso concreto deve ser deter- minado mediante uma ponderac;:ao que inclua todos os interesses relevantes,

publicos ou privados; entre estes, nao ha diferenc;:a fundamental, ja que os dois podem in£luenciar a concretizac;:ao do bem comum. A distinc;:ao entre interes- ses publicos e privados pode ate ser util em alguns setores; os seus multiplos entrelac;:amentos, contudo, invalidam a tese da separac;:ao geral ou dicotomia entre eles.18

Avila demonstrou de maneira convincente que a teoria do principia da su- premacia do interesse publico em relac;:ao ao individual- adotada, ate hoje, por varios doutrinadores brasileiros -, na verdade, nao representa urn axioma, urn principio juridico ou urn postulado normativo, mas urn mero "principio fun- damental da etica comunitaria ou da politica juridica". Trata-se, portanto, de urn postulado etico-politico. Ao mesmo tempo, 0autor enfatiza que 0interesse publico deve ser concretizado sempre a partir de prescric;:oes positivadas na Constituic;:ao ou nas leis ordinarias, sendo da maior importiincia "a descric;:ao e determinac;:ao intersubjetivamente controlavel dos criterios para a definic;:ao do interesse publico", que e possivel por meio de "instrumentos racionais de interpretac;:ao" .19

Na area especifica da protec;:ao ambiental, "a imbricac;:ao conceitual entre interesse publico, interesses coletivos e interesses individuais nao permite fa- lar em uma regra de prevalencia absoluta do publico sobre 0privado ou do coletivo sobre 0individual".20 A positivac;:ao do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado de titularidade transindividual no art. 225 da CF gera a identidade conceitual entre interesseedireitoda coletividade e exprime uma ni- tida tendencia do constituinte de permitir que interesses e direitos individuais sejam delimitados e restritos, e em favor da tutela de determinados '~anseios difusos". Todavia, 0texto constitucional nao estabelece uma premissa geral no

18. Cf. UERPMANN,Robert. Op. cit., p. 37 e ss., com referencia it respectiva decisao do Tribunal Constitucional Federal alemao, de 26.05.1981 (BVerfGE, n. 57, p. 284, 94, 133, 13n.

19. AVIlJ\, Humberto Bergmann. Repensando 0 "principio da supremacia do interesse publico sobre 0particular". In: SARLET,Ingo W (mg.). 0 direito publico emtempos de crise.1999. p. 116 e 121 (destaques no original).

20. SARMENTO,Daniel. Interesses publicos vs. interesses privados na perspectiva da teo- ria e da filosofia constitucional. In: (org). Interesses publicos versus interesses privados: desconstruindo 0principio de supremacia do interesse publico. 2005. p. 84;

B1NENBOJM,Gustavo. Da supremacia do interesse publico ao dever de proporcionali- dade: urn novo paradigma para 0direita administrativo. In: SARMENTO,Daniel (org).

Interesses publicos versus interesses privados: desconstruindo 0principio de supremacia do interesse publico. 2005. p. 147 e ss., 159 e 166.

15. Idem, p. 122, 124, 127 e ss., e 132. Nesse aspecto, seria uma das maiores virtudes do sistema democnitico 0impedimenta de que os interesses uniformes de ceTtos setores sociais prevale~am permanentemente na vida politica de urn pais (p. 135).

16. BANDEIRADEMELLO,Celso AntOnio. Curso dedireito administrativo. 2009. p. 59 e S5., 65e 55. (destaque5 do original).

17. Idem, p. 120 e s.

(5)

4. A

CONVERGENCIADOINTERESSEPUBLICO,DOINTERESSESOCIAL E DOSINTERESSESDIFUSOS

ceitual, porquanto seu nucleo comum se refere a interesses metaindividuais.

Os referidos termos apresentam, em muitos casos, urn conteudo Hio pr6ximo que nao cabe uma distinc,;aomais rigorosa entre des, a qual tambem em nada contribuiria para a soluc,;aodos problemas pnHicos; alem disso, trata-Ios como sinonimos evita "os inconvenientes de urn excesso terminol6gico" .24

Mancuso considera0interessesocial"aquele que consulta

a

maioria da socie- dade civil" sobre0conteudo dobem comum, enquanto a indicac,;aodo conteudo do interessepublico caberia ao Estado,0qual, atraves do Poder Legislativo, esta- beleceria os fins concretos de interesse publico e as regras para sua consecuc,;ao, determinandoos 6rgaos competentes e os meios de que estes se podem valer.25

Entretanto, a individualizac,;ao do interesse social nao difere da concretiza- c,;aodo interesse publico. Onde a legislac,;aoemprega 0 termo interesse social, nao ha uma ordem normativa no sentido de urn levantamento empirico da opiniao publica; sao igualmente os 6rgaos da Administrac,;ao Publica que apli- cam os respectivos dispositivos, sejam des conectados ao interesse publico ou social. Se fosse diferente, as regras procedimentais do Estado Democratico de Direito acabariam sendo desvalorizadas, uma vez que nao ha uma instancia alem da ordem constitucional de 6rgaos e competencias

a

qual cabe a verifica- c,;aodos "verdadeiros" interesses public os ou sociais.26

Vma leitura das hip6teses legais de desapropriac,;ao por utilidade publica (Dec.-lei 3.365/1941) e por interesse social (Lei 4.132/1962) demonstra a per- mutabilidade dessas expressoesY Da mesma forma, as recentes definic,;oes legais inseridas no C6digo Florestal para os referidos dois termos (utilidade publica einteresse social) demons tram a aleatoriedade do seu emprego pelo legislador, visto que boa parte das obras, atividades e pIanos ali discriminados poderiam ser enquadrados tanto no primeiro quanto no segundo.28

sentido de uma superioridade "automatica" dos interesses coletivos e difusos, promovidos pdo Estado, sobre os interesses dos particulares.

Nao cabe, portanto, injetar rigidez na distinc,;aoentre interessespublicos e pri- vados, uma vez que0Estado democratico modemo somente pode ser constituido com a colaborac,;aoda pr6pria sociedade; nao ha dicotomia, mas apenas "diferen- ciac,;aofuncional" entre des. Ao contrario dos tempos do Estado liberal classico, hoje, os 6rgaos estatais devem, inclusive, cuidar da c()nsiderac,;aoadequada dos interesses insuficientemente organizados ou sub-representados na sociedade.21

Como consequencia, 0sistema politico teve de abandonar 0antigo binomio (limitado) do interesse individual do cidadao e da vontade geral do povo, ex- pressa nas leis e na atuac,;aoadministrativa em defesa de urn pretenso interesse publico "unanime", e reconhecer a legitimidade dos interesses grupais inter- medios, que nao mais podiam ser qualificados como "egoisticos" e, por isso, indignos de tutela juridica.22

o

reconhecimento de interesses difusos pelo legislador representou uma tentativa de criar novos meios de protec,;aopara determinadas areas do inte- resse publico geral, nas quais eram not6rias as falhas e0desempenho insatis- fat6rio dos 6rgaos da Administrac,;ao Publica. 0 simples fato de que 0sistema brasileiro distingue entre interessespublicos comuns (v.g., alto nivel de empre- go, garantia de receitas publicas) e interesses difusos especificos (v.g., defesa do meio ambiente, da ordem urbanistica, dos consumidores, das crianc,;ase adolescentes), que muitas vezes entram em colisao entre si, mostra que existe aqui certa desconfianc,;a do pr6prio sistema contra a retidao e eficiencia dos 6rgaos administrativos na prestac,;aodos servic,;ospublicos, cuja qualidade pode ser questionada em juizoY

Apesar de certas "nuances ou conotac,;oespeculiares" , as express6es interes- sepublico, social, ougeral nao possuem entre si uma efetiva autonomia con-

21. Cf. ZIPPELIUS,Reinhold. Teoria geral do Estado. 1997. p. 328 ess. 27); HESSE,Kon- rad. Elementos de direito constitucional da Republica Federal da Alemanha. 1998. p. 33 e s. (n. ll).

22. PRADE,Pericles. Conceito deinteresses difusos. 1987. p. 50 e ss.

23. Cf. STRECK,Lenio. Hermeneutica juridica e(m) crise: uma exploraC;<1ohermeneutica da constrUC;<1Odo Direito. 2011. p.47.

24. MANCUSO,Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimaC;<1opara agir.

2004. p. 25 e ss., 35 e ss. Ate hoje, 0autor e0mais citado por parte da doutrina na- cional sobre 0assunto dos interesses difusos.

25. Idem, p. 29 e ss.

26. UERPMANN,Robert. Op. cit., p. ile ss.

27. Nao ha diferenc;a material entre, num lado, os interesses ligados it "salubridade publi- ca" ou ao "funcionamento dos meios de transporte coletivo" (art. 5.°, dej,do Dec.-lei 3.365/1941) e, no outro, it "construc;ao de casas populares" ou "protec;ao do solo e a preservac;ao de cursos e mananciais de agua e de reservas florestais" (art. 2.°, V eVIl, . da Lei 4.132/1962).

28. Lei 4.771/1965 (na versao dada pela MedProv 2.166/2001 eo Dec. 5.975/2006): "Art.

1.0 C .. )§2.° Para os deitas deste Codigo, entende-se par: C .. )IV - utilidade publica:

(6)

A afirma<;;aode Camargo Ferraz no sentido de que 0texto constitucional, em alguns pontos, teria se equivocado a~ empregar 0termo interesse publico no lugar de interesse social (arts. 19, I, 93, IX, 114,§3.°, da CF),29na verdade, serve para mostrar que nao ha uma diferen<;;amaterial palpavel entre os dois conceitos na ordem juridica brasileira. 0 interesse social parece ser uma ver- sao do interesse publico, 0qual, par sua vez, e inerente aos interesses difusos e coletivos.30

De acordo com a teoria (de origem italiana) que presume uma "escala cres- cente de coletiviza<;;ao"dos interesses, osdifusos ocupam0ultimo lugar nessa ordem escalonada, suplantando 0interesse publico ou geral- baseado em "va- lores pacificamente aceitos" - em virtude de seu conteudo fluido, sua confli- tualidade, seu alto indice de desagrega<;;aoe dissemina<;;ao,pois des se referem

"a urn contingente indefinido de individuos e a cada qual deles, ao mesmo tempo".3I

A importiJ.ncia juridica dos interesses difusos nao teria mais por base a sua titularidade, mas a sua releviincia social, isto e,0fata de que des concemem a toda a coletividade ou a "segmentos sociais mais ou menos extensos", cujos integrantes nao podem ser definidos apriori, 0que faz com que des care<;;am ainda mais de tutela. Ganhando concretude conccitual e aXiol6gica, os inte- resses difusos poder-se-iam tomar dircitos subjetivos publicos ou interesses coletivos, quando "aglutinados junto a urn grupo social definido" .32

Mazzilli, apesar de enfatizar que os interesses difusos, em geral, nao repre- sentariam "mera subespecie de interesse publico", afirma que ha casos em que eles podem ser "tao abrangentes que chegam a coincidir com0interesse do Es- tado ou0interesse da sociedade como urn tado", 0que seria justamente 0caso do interesse ao mcio ambiente sadio. 0autor entende, portanto, que na area da prote<;;aoambiental, 0interesse difuso integra 0pr6prio interesse publico.33

Ja Camargo Ferraz considera 0 interesse difuso "uma especie do genero interesse social, tendo em vista os aspectos comuns existentes".34Justen Filho, por sua vez, entende que a natureza dos interesses difusos seja sempre priva- da,ainda que eles perten<;;ama varios sujcitoS.35De qualquer forma, a questao da "qualifica<;;ao"mais adequada dos interesses difusos perde importancia no momenta da analise dos fatores que realmente norteiam 0seu cumprimento e a sua defesa.

5.

DIFERENTES NIVEIS DE "CONFLITUOSIDADE" DE INTERESSES SOCIAlS E DIFUSOS; AS DECISOES DE CARMER POliTICO NA DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS

a)as atividades de seguran~a nacional e prote~ao sanitaria; b)as obras essendais de infraestrutura destinadas aos servic;:os publicos de transporte, saneamento e energia e aos servic;:os de telecomunicaC;:6es e de radiodifusao C ..);V - interesse social: a)as atividades imprescindiveis a protec;:ao da integridade da vegeta~ao nativa, tais como:

prevenc;:ao, combate e controle do fogo, controle da erosao, erradicac;:ao de invasoras e protec;:ao de plantios com espedes nativas, conforme resoluc;:ao do Conama; C .. )".

29. FERRAZ,Antonio Augusto Mello de Camargo. Considerac;:6es sobre 0interessesocial e interesse difuso. In: MILARE,Edis. Aa(aOcivilpublica apos20anos: efetividade e desa- fios. 2005, p. 61 e ss.0autor se refere as normas segundo quais a remoc;:ao, disponi- bilidade e aposentadoria de integrantes da magistratura e do Ministerio Publico "por interesse publico" (arts. 93, VIII; 95, II; 128, I, b, da CF) "devem acarrer sempre por criterios sUjeitos a avaliac;:ao propria dessas instituiC;:6es".

30. BEDAQUE,Jose Roberto dos Santos. Legitimidade processual e legitimidade palitica.

In: SALLES,Carlos Alberto de (arg.). Processo civil e interesse publico:0processo como instrumento de defesa social.2003. p.105 e ss.

31. MANCUSO,Rodolfo de Camargo. Op. dt., p. 86 e ss.

32. Idem, p. 93 e ss., 99,101,147,167 e ss., 170 e ss., 221.

o

conceito de interesse publico esta aberto "ao dialogo com a pluralidade de interesses que0direito passa a disciplinar". 36A relativamente nova catego- ria do interesse difuso somou-se

a

tradicional do interesse publico, sendo capaz de se confundir com este e a ele se sobrepor.370interesse difuso deve ser visto como "especie do genera interesse publico"38 ou uma "forma concreta, plural e heter6gena" deste.39

Para Benjamin, 0 conceito do interesse publico, em tempos de conflitos supraindividuais onipresentes, somente faz sentido em setores de conflituosi- dade minima, envolvendo interesse e valores dotados de unanimidade social e consenso coletivo a respeito de seu reconhecimento e de sua tutela, como no

33. MAZZILLl,Hugo Nigro. Adefesa dos interesses difusos emjuizo. 2007. p. 51.

34. FERRAZ,Antonio Augusto Mello de Camargo.Op. dt., p. 68- 35. JUSTENFILHO,Marc;:al. Op. dt., p. 122.

36. BUCCI,Maria Paula Dallari. 0 canceito de politica publica em direito. In: _ (arg.). Politicas publicas: rejlexoes sobre0conceitojuridico. 2006. p. 45.

37. BENJAMIN,Antonio Herman V. Op. dt., p. 87 e ss.

38. ApPIO,Eduardo. Discricionariedade politica do Poder Judicidrio. 2006. p. 121 e s.

39. ANTUNES,Luis Felipe Colac;:o. Atutela dos interesses difusos em direito administrativo:

para uma legitima(ao procedimental. 1989. p. 35 e s.

(7)

casodos direitos fundamentais individuaise sociais: seguranc;;apublica, mora- ' lidade administrativa, qualidade de vida, harmonia da familia, pleno emprego, educac;;aoe paz. Assim, 0interesse publico rejeitaria a "ideia decontraprinci- piosoucontrainteresses", tfpica no campo dos interesses difusos e coletivos.40

Mancuso adere (pelo menos parcialmente) a essa linha quando alega que os conflitos que envolvem a saude ou seguranc;;apublica "nao terao a dimensao e a intensidade dos interesses difusos, porque, no maximo, podera ser ques- tionada aqualidade ou 0 modo pelo qual aqueles valores vem tutelados pelo Estado, mas nao se pode conceber a existencia de interesses diametralmente opostos aqueles valores".41

Ainda que seja acertada a alegac;;aode que as "raizes mais profundas" do interesse publico "lhe conferem uma natureza juridica diversa na familia da metaindividualidade", e questionavel a ideia de que essa posic;;aoespecial se da porque 0 interesse publico "paira", de modo "solitario, inconteste e sem costuras ou rachaduras no meio ambiente social"Y Na verdade, e muito dificil falar de unanimidade nessas areas de interesses e direitos, visto que a pr6pria sociedade nao forma "urn bloco coeso e monolftico, com reivindicac;;oesneces- sariamente identicas ou, mesmo, homogeneas". Ao contrario, mostrou-se que surgem varios conflitos tambem nesse ambito, seja em relac;;aoas questoes que envolvem a saude (v.g., usa de celulas-tronco), a educaC;;ao(v.g., cotas raciais), a seguranc;;apublica (v.g., reduc;;aoda idade penal) etc.43

o

trac;;omais marcante dos interesses difusos nao parece, portanto, ser a

"ausencia de unanimidade social, dado fundamental para aparta-los do inte- resse publico", mas a sua organizac;;aoe defesa "sempre subotimal" devido a dispersao dos seus sujeitos-titulares, vinculados meramente de Jato (e nao de direito), que leva a uma disparidade entre a sua importancia "e os recursos (materiais e humanos) mobilizaveis em seu favor, no sentido de, pela pressao, Ihes assegurar protec;;aoe ampliac;;ao",uma vez que 0 grupo (indefinido) de interessados "nao consegue carrear recursos ou in fluen cia proporcionais" ao numero de seus integrantes potencialmente beneficiados.44

A acentuada conflituosidade que caracteriza os interesses difusos torna ne- cessaria uma atuac;;aojudicial diferenciada: muitas vezes, 0 magistrado deve

realiza'r uma 0Pi;iio politica, escolhendo entre dois (ouinais) valores sociais aquele que mais merece protec;;ao,especialmente se0legislador nao tiver mani- festado uma opc;;aopolltica concreta. A admissao do carater politico da func;;ao dos tribunais gera "legitimidade para realizar opc;;oespolfticas onde estas forem cabiveis, e nao para conferir-Ihes a faculdade de nao aplicar a lei ou substitui- -la por suas convicc;;oespoliticas". Entretanto, a insofismavel politicidade da func;;aojurisdicional nao significa ou justifica uma "politizac;;ao" das decisoes judiciais, uma vez que as escolhas politicas legftimas do ]udiciario devem ter, necessariamente, amparo em preceitos constitucionaisY

Segundo Mancuso, os interesses difusos eco16gicos e ligados a qualidade de vida costumam envolver escolhas de carMer politico por nao haver "urn parametro juridico que permita urn julgamento axio16gico preliminar sobre a posic;;ao'certa' ou 'errada'" .46No entanto, a teoria (de origem francesa) para que os interesses difusos sejam tutelaveisper se,somente com base na sua re- levancia social, enquanto as "liberdades publicas" dependeriam de urn direito positivado para se tornarem eficazes, perde importancia perante a pletora de dispositivos da ordem juridica brasileira que sao "direitos no sentido tecnico- -dogmMico da palavra" e concedem urn "poder de exigir, isto e,

C ..)

uma san- c;;aopara 0caso de ocorrer ameac;;aou violac;;ao".47

Por isso, parece superfluo recorrer no campo pr6prio dos interesses difusos

"amassa etica subjacente ao Direito" ja estabelecido; pelo menos no Brasil, tais interesses nao se encontram (mais) "num plano pre-juridico, isto e, des- vinculados dos limites demarcados numa norma". Na verdade, eles possuem, hoje, muito mais concrec;;aodo que meros ideais ou sentimentos coleti,vos re- lacionados a valoresparajuridicos (0justo, 0equitativo, 0 natural...) que sao

"insuscetfveis de se apresentarem em forma coesa".48 Nao

e

possivel afirmar que os interesses difusos ligados a protec;;aoambiental e urbanistica49 ainda nao teriam "atingido 0grau de agregac;;aoe organizac;;aonecessario a sua afetac;;ao institucional junto a certas entidades ou 6rgaos representativos dos interesses

45. DAWAUBI,Marcelo. A~ao civil publica, escolhas politicas e litigiosidade. In: MlLARE, Edis. A a~ilo civil publica apo525anos. 2010. p. 593 e55.(destaques no original).

46. MANCUSO,Rodolfo de Camargo. Op. dt., p. 103, IIO e55.

47. Idem, p. 121 e55.

48. Idem, p. II8, 123, 146, 148 e55.

49. Para os fins deste trabalho, 0emprego do termo prote~ilo urbani5tica inclui a defesa dos bens de valor artistico, estetico, hist6rico, tUrlstico e paisagistico (art. 1.0; III, da Lei 7.347/1985).

40. BENJAMIN,Antonio Herman V. Op. dt., p. 88 e55.

41. MANCUSO,Rodolfo de Camargo. Op. dt., p. 104.

42. BENJAMIN,Antonio Herman V. Op. dt., p. 92.

43. FERRAZ,Antonio Augusto Mello de Camargo. Op. dt., p. 66 e55.

44. BENJAMIN,Antonio Herman V. Op. dt., p. 93 e55.

(8)

ja soc:ialmente definidos" e, por"isso,naCfcontariam "com uma base norlllativa pr6pria", situando-se no "limbo jurfdico" .50

Na ordem jurfdica brasileira, 0processo interpretativo na area dos interesses difusos meio ambiente eordem urbanfstica (art. 1.0, I e VI, da Lei 7.347/1985) nao diverge substancialmente da produ\;ao da decisao juridica nas areas tradi- c:ionais do Direito Administrativo. Eequivocada a ideia de que 0juiz ao julgar uma a\;ao civil publica esteja

a

frente de uma situa\;ao dec:is6ria completamente diferente daquela do julgamento de uma lide individual. E6bvio que, em mui- tos casos, a a~ao coletiva - ao contrario da individual- exigira que 0magistra- do efetue "op\;oes politicas cabiveis".

Ainda que no ambito da defesa dos interesses difusos certamente nao se permita exigir uma "estrita legalidade" no sentido de uma "prote~ao legal expressa",51 0 operador do Direito sempre prec:isara invocar urn dispositivo normative para fundamentar a ordena~ao de medidas protetivas. A questao de- c:isiva e sempre a configura~ao concreta dos textos legais a serem aplicados ao caso: se houver uso de conceitos vagos ou se a norma tiver carater princ:ipio- l6gico, normalmente res tara ao interprete urn espa~o maior de valora~ao dos fatos para enquadramento na hip6tese legal; quando a norma-regra empregar conceitos relativamente "determinados" (ou melhor: determindveis perante 0

caso), a margem de liberdade para decidir sera menor.

o

carater politico de muitas dec:isoes sobre a defesa de interesses difusos em sede de a~ao c:ivil publica nao deve ser colocado em uma falsa oposi~ao ao carater juridico das dec:isoes judic:iais em geral. 0mero fato do embasamento de uma senten~a em normas constitucionais nao a torna, automaticamente,

"politica", ja que na grande maioria dos casos serao aplicaveis, tambem, leis- -regras ordimirias em cuja hip6tese normativa os fatos concretos terao de ser enquadrados. Acontece que muitas dessas normas contt~m conceitos juridicos indeterminados ou concedem espa~os discric:ionarios para escolha da melhor solu~ao de determinados conflitos de interesses. 0numero ainda reduzido de precedentes no ambito dos litigios sobre interesses difusos tambem causa certa inseguran~a e imprevisibilidade dos resultados.

Por isso, a palavra politico, nesse contexto, nao possui conota~ao politico- -partidaria ou decisionista, antes exprime 0simples fata de que a predetermina-

\;aO da dec:isao judic:ial pel os termos utilizados nas leis inc:identes costuma ser relativamente reduzida, abrindo espa\;os discric:ionarios. Epossivel tambem

chamar de politicos os julgados que expressamente levem em considera\;ao os efeitos da decisao junto

a

popula~ao. Essa situa~ao, contudo, nao significa que o juiz ao julgar uma lide que envolva interesses difusos sempre poderia "pon- derar livremente" interesses, valores, bens e efeitos sociais ao seu bel-prazer.

Aponderar;iio, hoje, e considerada urn instrumento legitimo de interpreta~ao juridica, que deve seguir determinadas regras (ou maximas), como a razoabi- lidade e a proporc:ionalidade.

Impende frisar que na area da prote~ao ambiental e urbanistica, as dec:i- saes judiciais que possuem 0 carater mais acentuadamente politico estao con- centradas na institui~ao processual da suspensao de liminares (concedidas em primeira instanc:ia) pelo Presidente do Tribunal "para evitar grave lesao

a

economia publica", conforme previsto no art. 12, § 1.0, da Lei 7.347/1985.

Os conceitos empregados nessa norma sac tao vagos que deixam ao julgador amplo espa~o para introduzir argumentos "politicos", isto e, nao previstos ou nao diretamente relac:ionados ao texto legal.

6. DETERMINA~AO DO(S) INTERESSE(S) PUBLlCO(S) PELAS NORMAS JURiDICAS POSITIVAS

A determina\;ao de bem comum e interesse publico e atribuida, sobretudo, ao Direito positive de cada Estado, que estabelece, para tal fim, prescri~oes de conteudo material e procedimental; a questao de qual tipo prevalecera para a concretiza~ao does) respectivo(s) interesse(s) dependeni da area tematica regulamentada. Ha uma tendenc:ia do legislador moderno de atribuir a arti- cula\;ao e a formula~ao de interesses publicos a diferentes unidades organiza- c:ionais, as quais, muitas vezes, sac integradas tambem por representantes da soc:iedade c:ivil.52

No momenta do preenchim~nto do termo ("em branco") interesse publico ou de suas "subespec:ies" (ordem publica, moral publica, saude publica, bem- -estar da coletividade etc.),53 0juiz deve orientar-se por valora~oes normativas efetuadas por essas outras instanc:ias, 0que nao significa que ele deva, neces- sariamente, confirma-Ias. Para impedir urn indevido decisionismo subjetivo-

52. Cf. SCHMIDT-AsSMANN,Eberhard. Op. cit., p. 149, 152.

53. ARAGAO,Alexandre. A "supremacia do interesse publico" no advento do Estado de Direito e na hermeneutica do direito publico contemporaneo. In: SARMENTO,Daniel.

Interesses publicos versus interesses privados: dseconstruindo 0principio desupremacia do interesse publico.2005. p. 4.

50. MANCUSO,Rodolfo de Camargo. Op. cit., p. 150 e 164.

51. DAWALIBI,Marcelo. Op. cit:, p. 600.

(9)

-politico por parte do julgador, exige-se deste urn alto grau de fundamentao;:ao racional, norteada pelos metodos de interpretao;:aojurfdica.54

Para poder alcano;:ar0 significado da expressao interesse publico, Valle Fi- gueired055julga preciso alijar as acepo;:oespre ou metajurfdicas do conceito, in- teressando apenas 0 seu conteudo jurfdico-positivo que deve ser concretizado mediante uma interpretao;:ao que parta da principiologia e seja "feita

a

luz de instituto determinado, de seu regime jurfdico e do proprio sistema". Destarte, ha diferentes degraus de indeterminao;:ao do conceito, de acordo com 0 res- pectivo ramo do Direito e os valores a serem protegidos pela lei. Na verdade, o conteudo do interesse publico depende decisivamente do trato dispensado

a

materia em normas legais (constitucionais ou ardinarias) que podem "definir que determinadas questoes sejam resolvidas em nome do interesse publico par esta ou aquela entidade estatal" .56

A esse respeito, 0 ST] entendeu que a concretizao;:aodos conceitos jurfdi- cos indeterminados interesse publico (e social) seja sempre "0 resultado das escolhas de cada agente publico no exercfcio da funo;:aoque the foi atribufda", representando a respectiva "individualizac;ao dos interesses publicos

C .. )

uma atividade de interpretao;:aode atos e fatos e normas jurfdicas (recepo;:aodos in- teresses public os fixados no curso da experiencia juridica anterior)" que "em parte e uma valorac;ao direta da realidade pelo operador jurfdico, atendidos os pressupostos ideo16gicos e sociais que 0 informam e

a

sociedade em que vive, submetidos

a

ao;:aodos fatos novos, capazes de modificar juizos anteriormente irreversfveis".57

o

termo interesse publico inserido num fato-tipo legal nao se refere·a todos e quaisquer aspectos do bem comum, mas apenas aos relevantes no contexte especial da regulamentao;:aoconcreta (v.g., recursos hfdricos, desenvolvimento urbano, ordenamento do territorio etc.).58 A crescente especializao;:ao das re- partio;:oespublicas dificulta que apenas urn orgao possa efetuar uma concreti- zao;:aogeneralizada de todos os aspectos que dizem respeito ao significado dos interesses regulamentados em diferentes leis. Assim, a avaliao;:aodas condic;oes para 0 enquadramento do caso concreto no conceito normative do interesse publico (ou conceito afim) inserido num dispositivo legal de proteo;:aohfdrica exigira a considerac;ao de outros criterios dos decisivos para a correta interpre- tao;:aodo IiIesmo empregado por uma lei de desenvolvimento urbano.

7. A

"TEORIA JURiDICA DO INTERESSE PLJBLlCO" DE PETER HABERLE:

A IMPORTANCIA DA RELA~AO ENTRE BEM COMUM E DIREITO

Parece que doutrina ejurisprudencia brasileiras ainda nao chegaram a tratar, com a devida profundidade, os termos interesse publieo, geml, eomum, social e afins na sua qualidade de conceitos juridicos indeterminados que integram fatos-tipos legais concretos e como conceitos dogmatieos, prevalecendo abor- dagens de natureza filosofica, sociologica, polftica ete. Estas, contudo, seriam melhor empregadas num contexto de hermeneutica juridica, como fatores que influenciam a interpretao;:aodos referidos conceitos.

Na Alemanha, os orgaos administrativos tern a funo;:aode defender 0 inte- resse publico atraves da prestao;:aode servio;:ose implementao;:ao de polfticas public as, 0 que la e chama do de "cumprimento de tarefas publicas" (offentliche Aufgabenerfullung), incluindo tambem as areas da proteo;:aoambiental, urba- nistica, dos valores culturais, dos servio;:osde saude etc.0sistema alemao nao trabalha com a categoria dos interesses difusos, que seriam capazes de entrar em conflito com 0 interesse publico comum.

:E sabido que nao se deve transportar institutos jurfdicos de uma socie- dade para outra sem levar-se em conta os condicionamentos socioculturais e economico-politicos a que estao sujeitos todos os modelos jurfdicos.59 ,Mesmo assim, pode ser elucidativa a apresentac;ao das diferentes formas de utiliza- o;:aodo termo interesse publico na ordem juridica alema. 0conhecimento dos principais problemas identificados pela doutrina e jurisprudencia germanicas nesse ambito pode ajudar a desenvolver uma nova compreensao dos meios de concretizao;:aodo interesse publico no Brasil.

Ha mais de quatro decadas, Peter Haberle apresentou urn notavel estudo sobre 0 "interesse publico como problema jurfdico" na Alemanha,60 que nao

54. Cf. UERPMANN,Robert. Op. dt., p. 318 e 32l.

55. FIGUEIREDO,Lucia Valle. A.;ao civil publica - Gizamento constitudonal e legal. In: Ml- LARE,Edis (arg.). A w;iiocivilpublica apos20anos.2005. p. 348; .0principio da supremacia do interesse publico. Interesse Publico 56/49.

56. AGUIAR,Fernando Herren. Controle social de servi{os publicos. 1999. p. 73.

57. SIJ, REsp 786.328/RS, l.a T., j. 18.10.2007, reI. Min. Luiz Fux, p. 2 e55., 10, com referenda a: CALMONDEPASSOS,Jose Joaquim. lnterven.;ao do Ministerio Publico nas causas a que se refere 0art. 82, Ill, do CPe. RF 268/56.

58. UERPMANN,Robert. Op. dt., p. 2i8 e55.,295.

59. DANTAS,Ivo. Direito constitucional comparado: introdu{iio, teoria emetodologia. 2000.

p.66.

60. HABERLE,Peter. Offentliches Interesse als juristisches Problem: eine Analyse von Gesetzge- bung und Rechtsprechung. 2006. Irata-se da "tese de habilita.;ao" (Habilitationsschrift)

(10)

TEORIA GtRAL E PROTEc;AO DO MEIO AMBIENTE

para professor catednltico na Universidade de Freiburg, Alemanha, publicada em 1970.

Em 2006, foi lanc;:ada uma segunda edic;:aoque mantem 0texto original, acrescentando apenas urn posfacio. A profundidade do trabalho, a concisao da abordagem e a sua linguagem elegante e informativa fazem dessa obra (ainda nao traduzida) uma das mais notaveis das letras juridicas alemas da segunda metade do seculo xx.

61. Na medida do possivel, 0autor da preferencia ao termo "interesse publico" (offen- tliches Interesse) por considera-lo menos "palido" do que a tradicional e "monarqui- camente colorida" expressao do "bem comum" (Gemeinwohl). 0publico e conceito- -chave na teoria de Haberle que entende toda Constituic;:ao de urn pais Como "proces- so publico"; cf.: HABERLE,Peter. Op. cit., p. 716 e 55.

62. Idem, p. 17,33,57 e 5.,244,349 e 5., 385, 530, 676.

63. Idem, p. 79, 101 e 5.,207,216,368,418,785.

.do proprio bem comum, e a Administrac;;ao exerce tambem func;;oesde-prote- c;;aode interesses privados, que devem ser sopesados com interesses publicos.

Qualquer restric;;aoestatal de urn interesse particular constitucionalmente pro- tegido deve ser normativamente fundamentada, nao bastando a referencia a formulas tradicionais.64

Contra a dicotomia tradicional do antigo Estado de Direito, Haberle afirma que ares publica do Estado Constitucionallevou ao ingresso da liberdade do cidadao no ambito do proprio bem comum; igualmente, ha interesses grupais que foram integrados no interesse publico. Ele deixa claro que, na verda de , nao existe "0", mas "os" interesses publicos, no sentido de uma "pluralidade de interesses public os parciais com conflitos entre si". Alem do mais, muitas leis atribuem tarefas em prol do bem comum tambem a agentes nao estatais, como a imprensa, os grupos e gremios profissionais etc.65

Para0autor, 0termo "interesse publico" se tornou mediador entre 0social e0juridico, uma vez que seu emprego numa lei seria 0meio mais adequado para cap tar as correntes da realidade social numa categoria do Direito. A "den- sidade juridica vari<ivel"do interesse publico faz com que0legislador republi- cano se valha dele em situac;;oestipicas de conflito, fixando suas ideias sobre 0

bem comum, sem, contudo, poder decidir unilateralmente sobre 0seu conte- udo. Assim, aparecem diversas "chiusulas de bem comum" nas hip6teses das normas do Direito Administrativo, como "interesses gerais", "bem da Uniao",

"bem do Estado", "bem comum", "bem geral" etc.

o

emprego desses termos pouco dens os se justifica em virtude de uma maiar justic;;ano casu concreto, da abertura da lei para contemplar mudanc;;as ou da necessidade de decisoes mais flexiveis na respectiva area tematka. Em muitos casos, a lei delega a concretizac;;ao do interesse publico "para baixo"

(decretos, resoluc;;oes,portarias). Na verdade, urn ordenamento juridico so- mente pode dispensar (ou reduzir significativamente) 0emprego deste tipo de

"conceitos valorativos e diretivos" quando possui institutos juridicos nitida- mente definidos e uma longa tradic;;aoque levou a urn perfilhamento firme de seus fatos-tipo legais.66

Ha "referencia parcial" ao interesse publico em que a lei nomeia e descreve uma parte dos interesseS publicos a serem observados pelo agente administrati- perdeu a sua atualidade e aborda criticamente 0problema cia discricionarie-

dade administrativa e seu controle. Com a proposta de contribuir para uma

"teoriajuridica do interesse publico", ele realizou uma meticulosa analise da legislac;;aoe da jurisprudencia alema para esclarecer a func;;aodo conceito do interesse publico na concretizac;;aodobem comum61 pelos tres poderes estatais.

Desde que0proprio Estado deixou de ser "fonte suprema de revelac;;ao"do interesse publico, foi0texto da Constituic;;ao que passou a fazer prescric;;oes sobre "0publico" em geral. Hoje, sac os elementos constitucionais valorativos que formam a base operacional da concretizac;;aodo bem comum (salus publi- ca ex constitutione). Nem 0legislador esta completamente "livre" para definir sozinho estes conteudos; menos ainda, 0Executivo e0judiciario na hora de sua atualizac;;ao.62

o

interesse publico nao e algo "pre-dado" ou fixo que poderia ser deduzido, havendo uma tarefa permanerite de atualiza-Io. Como conceito-guia, ele exorta as diferentes func;;oesestatais para a cooperac;;ao,incluindo tambem agentes privados e servindo de "meio integrador de comunicac;;ao" e concordancia.

Igual

a

propria res publica, interesses publicos "sempre estao a caminho" e acompanham as ideias cambiantes sobre 0bem comum na sociedade. Muitas vezes, eles sac0"resultado de urn conjunto complicado, constitucionalmente adequado de diferentes competencias, procedimentos, processos racionais de pondera<;ao e de interpretac;;ao que devem ser mantidos abertos", dos quais participam tanto os 6rgaos administrativos competentes quanta os parlamen- tos, os tribunais e os cidadaos, em virtude de sua liberdade publica.63

o

interesse publico nao ocupa mais uma posic;;aoautoevidente de supe- rioridade em relac;;aoaos interesses particulares. 0 legislador passou a exigir uma ponderac;;aoacurada entre interesses publicos e privados na concretizac;;ao

64. Idem, p. 53,61,65 e 55., 167,457,519 e 5., 525 e 55.,535 e 5., 557, 627, 637 e 55.

65. Idem, p. 20, 26,46,49 e ss., 69 e 5., 86,137,143,157 e 5.,167,213,272,296,348 (r. 10),421,44 1,458,704,711.

66. Idem, p. 30 e 55., 37 e 55., 47,71 e 55., 85, 220 e 55.,277.

(11)

'loepelo juiz. Estes interesses podem ser bastante diferenciados e conflitantes- sendo a tarefa dos interpretes alcan<;ar0maximo de integra<;ao, compensa<;a~

e unifica<;ao entre eles. Assim, "a concretiza<;ao de interesses publicos, mui- tas vezes, acontece numa coopera<;ao diferenciada, passo a passo coordenada, sincronizada e divisara do trabalho, bem como numa sequencia das diferentes fun<;oes estatais e instancias extraestatais - no espa<;odo publico"Y

A necessaria concretiza<;ao de interesses public os no Estado Constitucional exige uma modifica<;ao do tradicional sistema da separa<;aodos poderes: todas as tres fun<;6es basic as do Estado passu em a mesma rela<;aopara com a bem comum, devendo haver uma "divisao de trabalho" e coopera<;ao na defini<;ao conjunta e integrada do interesse publico no caso concreto.68 Nesse sentido, Haberle ve como tendencia contemporanea a crescente inclusao do judiciario na "fun<;ao normatizadora do bem comum" e0forte engajamento dos tribu- nais na identifica<;ao do interesse publico.

Para ele, a "fossa" entre a atua<;ao do juiz e a do administrador na concre- tiza<;ao do bem comum e muito men or do que geralmente se presume. Em muitas areas, os tribunais ate assumiram a papel deprecursor na concretiza<;ao dos parametros publicos do bem comum estabelecidos pela Constitui<;ao. Par- ticipando plenamente dos "process as publicos de normatiza<;ao", a concreti- za<;aode interesses publicos tornou-se uma tarefa legitima do judiciario, que deve completar e atualizar permanentemente a vontade do pr6prio legislador (law inpublic action).69 A tarefa constitucional do judiciario inclui tambem a controle de conceitos juridicos indeterminados que exprimem valorat;:oes.Isso significa que os tribunais, na pondera<;ao de interesses e na interpreta<;ao das leis ordinarias, "devem tamar par base a concep<;ao valorativa expressada na norma constitucional", a que inclui tambem a concretiza<;ao de aspectos do interesse publico. 70

.A chave principal para a adequ.ada concr~tizar,;aodo bem comum no.Estado Constitucional esta, segundo Haberle, na institui<;ao normativa de variadas formas deprocedimentos, sempre de acordo com as conceitos legais a serem concretizados. Esses procedimentos administrativos e judiciais, dos quais po- dem participar tanto 6rgaos estatais como agentes privados (individuos e gru- pos interessados, peritos, ONGs),71 garantem uma "pluralizar,;ao" do interesse publico e fazem com que as conteudos do bem comum sempre fiquem abertos sem escapar para uma esfera nao alcanr,;adapelo Direito. Os resultados dos pro- cedimentos ganham "forr,;anormatizadora" na medida em que sao alcan<;ados mediante comunicar,;ao e consenso que produzem legitimidade (salus publica exprocessu). No ambito deste "tipo processual do bem comum"72 aumenta a dever de autorrestrir,;ao do judiciario, em relar,;aoao controle do resultado, de- vendo este ficar concentrado no cumprimento das regras procedimentais sabre audiencias, consultas, participar,;ao, publicidade etc.73

Alem disso, as interesses publicos se tornaram importantes topoi argumen- tativos e maximas de interpreta<;ao (extensiva ou restritiva) das leis adminis- trativas e da pr6pria Constitui<;ao, fazendo surgir varias "tecnicas normatiza- doras do bem comum", tanto legislativas quanta jurisprudenciais. Os tribunais costumam fazer referencia a regras que concretizam a interesse publico em areas tem:iticas vizinhas da Administrar,;ao Publica, assimilando-as ou criando ate analogias. Eles tentam construir "pontes dogmaticas de apoio", incorpo- rando nas suas decisoes a "material" ja existente de concretiza<;ao do conceito interesse publico, que po de incluir norm as constitucionais, legais, principios gerais, tratados internacionais, decretos, pIanos, convenios administrativos, diretivas e portarias ministeriais, Direito costumeiro, decisoes judiciais ante- riares sobre a assunto e a praxis dos 6rgaos administrativos competente~. A in- clusao destes "aspectos pre-formulados" do bem comum e sinal de prudencia

67. Idem, p. 229. Entretanto, surgiram hip6teses legais que juntam, simultaneamen- te, varios aspectos do bem comum, causando certa "sobrecarga normativa" que faz aumentar 0 espa~o de avalia~iio dos 6rgiios administrativos competentes para sua concretiza~iio e, posteriormente, dos tribunais, quando interpretam tais dispositivos (idem, p. 54).

68. Idem, p. 59 e 55.,70, 79, 168, 171 e 55.,236,244,478 e 55., 702.

69. Idem, p. 58, 100, 144, 184, 191,209,218,221 e 55.,314,355 e 55.,407,456,682, 701,728.

70. Idem, p. 280 e 55., r. 13. Em rela~iio ao art. 6.°, 5.°, da Lei Fundamental alema, que incumbe 0legislador a garantir a equipara~iio dos filhos naturais (extraconjugais), o Tribunal Constitucional Federal decidiu que 0dispositivo "e expressiio de uma

decisiio valorativa jurfdico-constitucional que vincula tribunais e Administra~iio no exercicio da discricionariedade, nos limites das leis vigentes" (BVerfGE, n. 8, p. 210 e 55.,217; Decisiio de 23.10.19.58).

71. Em algumas areas da Administra~iio Publica alemii, existem tambem conselhos de composi~iio plural, com participa~iio direta da sociedade; porem, seu mimero e bem inferior aos conselhos brasileiros, que foram institufdos em quase todos os setores administrativos.

72. Prozessualer Gemeinwohltypus: a linguagem juridica alemii niio faz uma distin~iio mais rfgida entre os termos "processo" (Prozess) e "procedimento" (Verfahren).

73. HABERLE, Peter. Op. cit., p. 87,95 e 55.,192,218 e 55., 227, 252 e 55.,305,390 e 55., 499 e 55., 505, 617 e 55., 656, 659 e 55.

Referências

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