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Desafios estético-formais na peça Blasted, de Sarah Kane

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS EM INGLÊS. CAMILA APARECIDA VIANA AMARAL. Desafios estético-formais na peça Blasted, de Sarah Kane. Versão corrigida São Paulo 2016.

(2) UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS EM INGLÊS. Desafios estético-formais na peça Blasted, de Sarah Kane. Camila Aparecida Viana Amaral. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês, do Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Letras. Orientadora: Profa. Dra. Mayumi Denise Senoi Ilari de acordo. Versão corrigida São Paulo 2016.

(3) Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.. Catalogação na Publicação Serviço de Biblioteca e Documentação. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. A485 d. Amaral, Camila Aparecida Viana Desafios estético-formais na peça Blasted, de Sarah Kane / Camila Aparecida Viana Amaral ; orientadora Mayumi Denise Senoi Ilari. - São Paulo, 2016. 133 f. Dissertação (Mestrado)- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Departamento de Letras Modernas. Área de concentração: Estudos Linguísticos e Literários em Inglês. 1. Sarah Kane. 2. teatro In-yer-face. 3. teatro britânico. 4. final do século XX. I. Ilari, Mayumi Denise Senoi, orient. II. Título..

(4) Aos meus pais, Ivan e Nanci, com amor, admiração e gratidão..

(5) Agradecimentos. Agradeço a todos que contribuíram direta ou indiretamente para a realização deste estudo, em especial:. À Profa. Dra. Mayumi Denise Senoi Ilari, pela orientação, paciência, confiança, amizade e, sobretudo pelos incentivos dados nos vários momentos dessa trajetória. Agradeço por ter acreditado na importância de meu projeto e por ter me ajudado a transformá-lo nesta dissertação.. À minha banca de qualificação e defesa, formada pelos professores Marcos César de Paula Soares e Fábio Lacerda Soares Pietraroia, agradeço pela leitura cuidadosa e indicações precisas durante o processo de qualificação que enriqueceram este trabalho e foram indispensáveis para o prosseguimento da pesquisa e elaboração final desse texto.. Aos professores da Universidade de São Paulo, com os quais cursei disciplinas na graduação e pós-graduação, em especial à professora Maria Silvia Betti pelas fundamentais aulas sobre dramaturgia, desde os tempos de graduação, que ampliaram vastamente meus conhecimentos sobre teatro.. A todos os colegas do grupo de pesquisa pela troca significativa e enriquecedora.. À minha família pela carinhosa torcida. Especialmente a minha mãe Nanci e ao meu pai Ivan, pelo amor incondicional, apoio irrestrito e dedicação eterna. Devo a vocês a minha formação como um todo, pois sempre souberam valorizar a importância da educação formal. Essa dissertação nunca teria existido se não fosse pelo amparo e afeto, nos passos e caminhos que fui trilhando..

(6) À minha querida tia Norma e minha avó Maria, in memorian, por todo carinho e amor com que sempre cuidaram de mim, pelos singelos ensinamentos e por terem feito parte da minha infância, uma etapa inesquecível da minha vida. Minha caminhada para chegar até aqui certamente foi marcada pela contribuição de vocês, motivo pelo qual me sinto uma pessoa profundamente abençoada.. À minha irmã Márcia, pela amizade e incentivo que me deu ao longo desse processo, principalmente nos momentos difíceis em que eu não acreditava que era capaz.. Ao André, meu companheiro de todas as horas, pelo amor, cumplicidade e dedicação, por ter compartilhado comigo o dia-a-dia na construção deste trabalho e por me tranquilizar em tantos momentos, incentivando-me a continuar firme nos meus propósitos. Agradeço também pela paciência e disposição em ter revisado meu texto e auxiliado nas traduções, fato que contribuiu muito para a melhoria deste trabalho..

(7) RESUMO. AMARAL, Camila Aparecida Viana. Desafios estético-formais na peça Blasted, de Sarah Kane. 2016. 132 p. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2016.. O presente trabalho tem por objetivo estudar pontuais questões estéticas e formais na peça da dramaturga inglesa Sarah Kane: Blasted (1995), de modo a entender a forma e sua respectiva correspondência com o contexto sócio-histórico. Em linhas gerais, o estudo objetiva investigar os procedimentos formais utilizados por Kane e as relações entre tema e forma, partindo do pressuposto de Peter Szondi que compreende “a forma como conteúdo precipitado”. Nesse sentido, analisaremos de que maneira elementos temáticos, tais como a violência (psicológica, verbal, física), a guerra, o abuso sexual e tabus, tais como, cenas de intercurso hetero e homossexual, canibalismo, entre outros, são amplamente utilizados pela dramaturga e como se engendram estruturalmente no enredo da peça. Para tanto, procuramos fazer uma breve introdução histórico teatral ao contexto político, econômico e social da Inglaterra nos anos noventa, à peça, à dramaturga e à estética teatral do In-yer-face theatre. Em seguida, focamos na apresentação cena-a-cena da peça, dedicada à análise pormenorizada de Blasted e ao levantamento das temáticas relevantes expressas na peça. Finalmente, nos dedicamos às relações formais e escolhas estéticas presentes em Blasted, relacionadas aos eventos histórico-sociais a que a peça remete.. Palavras-chave: Sarah Kane, Teatro in-yer-face, teatro britânico, final do século XX..

(8) ABSTRACT. AMARAL, Camila Aparecida Viana. Formal-aesthetic challenges in Blasted by Sarah Kane. 2016. 132 p. Dissertation (Master´s Degree) – Faculty of Philosophy, Languages and Human Sciences, University of São Paulo, São Paulo. 2016.. The present work aims to study specific formal-aesthetic issues in the 1995 play Blasted by British playwright Sarah Kane in order to understand the play´s form as related to its sociohistorical context. In general terms, this study aims to investigate the formal procedures used by Kane and the play’s relations between theme and form, according to Peter Szondi´s assumptions which comprehend that “form could be conceived of as precipitated content”. In this sense, we will analyze how themes such as psychological, verbal and physical violence, war, sexual abuse and taboo scenes of heterosexual and homosexual intercourse, for example, or cannibalism, among others, are widely used by the playwright and how they are structurally embedded in the plot of the play.. The study starts with a brief historical. introduction to the political, economic and social context of England in the nineties, followed by an introduction to the play and its theatrical context, to the playwright and to the aesthetic principles of In-yer-face theatre. Then, we focus on the detailed analysis of each scene of the play, stressing its relevant issues. Lastly, we proceed to analyze the formal relations and the aesthetic choices present in Blasted, as related to the social-historical events that the play refers to.. Keywords: Sarah Kane; In-yer-face theatre; British theatre, late 20th century..

(9) SUMÁRIO. 1. Introdução....................................................................................................................10. 2. Breve apresentação histórico-teatral.........................................................................13 2.1 Vivendo nos anos noventa............................................................................................13 2.2 In-yer-face Theatre: o surgimento de uma nova estética teatral...................................18 2.3 Sarah Kane....................................................................................................................25 2.4 Ruído da crítica: repugnância, histeria e ultraje............................................................29. 3. Análise de Blasted, cena a cena .................................................................................35 3.1 Cena Um.......................................................................................................................38 3.2 Cena Dois......................................................................................................................54 3.3 Cena Três......................................................................................................................67 3.4 Cena Quatro..................................................................................................................84 3.5 Cena Cinco....................................................................................................................89. 4. Forma e história: guerra e devastação como metáfora...........................................95 4.1 O estupro, real e figurado..............................................................................................99 4.2 Reflexos da Europa pós-comunista durante a década de 1990 em Blasted................107 4.3 Os desafios formais em Blasted..................................................................................115. 5. Considerações Finais.................................................................................................124 Referências.......................……………………………............………………................129 Anexos..............................................................................................................................132.

(10) 10 1. Introdução. A presente dissertação é uma análise da polêmica peça Blasted, escrita pela dramaturga britânica Sarah Kane, em 1995. Buscou-se estudar pontuais questões estéticas e formais em Blasted, tomando como ponto de partida, o próprio texto dramatúrgico da peça – e não sua encenação – assim como questões históricas ligadas ao contexto da Grã-Bretanha nos anos noventa. Em linhas gerais, o presente estudo objetivou investigar os procedimentos formais utilizados pela escritora inglesa sugerindo uma possível assimilação do tema à forma. Para tanto, analisamos de que maneira elementos temáticos tais como a guerra, a violência (psicológica, verbal, física), o estupro e tabus, tais como cenas de intercurso heterossexual e homossexual, nudez,. canibalismo,. abuso. sexual,. sodomia,. felação,. entre. outros,. são. indiscriminadamente utilizados pela dramaturga e que efeito os mesmos causam na estrutura da peça. De modo a realizar uma pesquisa histórica atrelada a uma pesquisa formal tendo em vista que os elementos conceituais e temáticos são inseparáveis da composição da peça - a obra de Sarah Kane foi analisada à luz da principal obra crítica referente ao In-yer-face theatre, escrita pelo crítico Aleks Sierz, juntamente com as transformações na estrutura dramática a partir da crise no drama no final do século XIX, extensamente discutidas pelo crítico Peter Szondi na Teoria do Drama Moderno. Buscou-se provar, por meio de análise crítica, a relevância da obra de Sarah Kane para a dramaturgia dos anos noventa e dos anos subsequentes, não devendo esta ser entendida como um espetáculo de alienação ou de barbáries com um fim em si mesmo, conforme concebido por uma parte conservadora da crítica naquele momento,.

(11) 11 mas sim, como legítima constituição de uma visão crítica de seu tempo. Por fim, a pesquisa pretende colaborar com a análise crítica e o mapeamento das produções do teatro britânico contemporâneo, ainda pouco estudadas no Brasil. De modo a garantir o encadeamento lógico das questões que serão abordadas na pesquisa, a divisão deste trabalho foi realizada da seguinte forma: O primeiro capítulo subsequente a esta introdução (capítulo 2) parte da contextualização da autora Sarah Kane e de sua obra Blasted, bem como tecerá asserções a respeito do contexto histórico, político e social no qual Kane escreveu sua peça. Este capítulo compõe-se pela: [1] breve apresentação do contexto social, político e econômico da Grã-Bretanha nos anos noventa; [2] discussão sobre o que é o In-yer-face theatre, quais as suas fontes, características e principais autores; [3] breve apresentação da carreira de Sarah Kane registrando suas influencias literárias e filiações estéticas; [4] panorama da recepção da peça pelos críticos literários. Sendo o teatro britânico do póssegunda guerra ao período contemporâneo ainda muitíssimo pouco estudado na academia brasileira, avaliamos que este capítulo introdutório ao teatro da era imediatamente pós-Thatcher poderá ser de serventia aos pesquisadores e realizadores teatrais que venham a pesquisar sobre a obra de Kane e seus contemporâneos. O capítulo seguinte (capítulo 3) dedica-se à análise pormenorizada da peça, explorando no decorrer das cinco cenas os elementos temáticos e formais presentes em Blasted. Os elementos temáticos compõem-se por: [1] análise do enredo; [2] descrição dos principais aspectos que motivaram sua criação; [3] investigação dos principais temas abordados. Quanto aos elementos formais, neste capítulo iniciaremos a análise dos procedimentos formais centrais adotados pela autora, no que concerne aos principais elementos do texto teatral: diálogo, ação, linguagem, personagens, tempo e.

(12) 12 espaço, de modo a analisar quais procedimentos formais são mobilizados para que a autora expresse os conteúdos da peça. O capítulo 4 parte da articulação entre as teorias e críticas expostas nos capítulos anteriores para realizar uma análise histórica atrelada à pesquisa formal condensando uma discussão que perpassa a compreensão histórica e dialética da forma e conteúdos dramáticos engendrados na peça Blasted. Examinamos a forma da peça e os conteúdos que esta trata de assimilar para entender de que maneira o uso da violência, da guerra, do estupro, do choque, do espanto, das sensações bárbaras são colocados em cena para abordar temáticas extremamente urgentes para com as quais a plateia contemporânea está totalmente insensibilizada, anestesiada. Além disso, tecemos asserções a respeito da relação da peça com o contexto social, político e econômico específico da Europa nos anos noventa, sendo este um dos períodos mais conturbados e significativos da história europeia. As Considerações Finais retomarão as interpretações dos capítulos anteriores, amarrando seus principais pontos e apresentando as conclusões tecidas ao longo do estudo.1. 1. Tradução nossa de todas as citações bibliográficas, inclusive as citações originais da peça Blasted. A tradução de Laerte Mello (2004), usada na montagem da peça dirigida por Marco Antônio Rodrigues que estreou em 13 de agosto de 2004, em São Paulo, foi utilizada como fonte de referência e comparação. É importante ressaltar que as traduções foram realizadas apenas com o objetivo de compartilhar esta pesquisa com um maior número de leitores, não sendo, portanto o objeto de estudo desta dissertação..

(13) 13 2. Breve apresentação histórico-teatral. Este capítulo introdutório partirá de uma breve contextualização referente à autora Sarah Kane e à sua obra Blasted, bem como tecerá asserções a respeito do contexto histórico, político e social no qual Kane escreveu sua peça. Este capítulo será composto pela: [1] breve apresentação do contexto social, político e econômico da GrãBretanha nos anos noventa; [2] apresentação do In-yer-face theatre, suas fontes, características e principais autores; [3] apresentação da trajetória de Sarah Kane registrando suas influências literárias e filiações estéticas. Sendo o teatro britânico, de modo geral, e o teatro que compreende o período do pós-segunda guerra ao período contemporâneo ainda muitíssimo pouco estudado na academia brasileira, avaliamos que este capítulo introdutório ao teatro escrito e encenado na era imediatamente pós-Thatcher poderá ser de serventia aos pesquisadores e realizadores teatrais que venham a pesquisar sobre a obra de Kane e seus contemporâneos.. 2.1 Vivendo nos anos noventa. A geração de dramaturgos britânicos que emergiu nos anos noventa produzindo as peças mais polêmicas, provocantes e controversas da década foi uma geração que cresceu durante o governo conservador de Margaret Thatcher, a primeira-ministra britânica conhecida como “a dama de ferro”. Kane nasceu em 1971, portanto não é exagero afirmar que os efeitos da administração do governo de Thatcher exerceu poder durante boa parte de sua vida. Thatcher, líder do Partido Conservador, tornou-se.

(14) 14 ministra em 1979, quando Kane tinha apenas oito anos, e manteve-se no poder até 1990, quando Kane completava 19 anos. Os anos de governo Thatcher afetaram o teatro com cortes sistemáticos de subsídios nas artes. Logo no primeiro ano do Partido Conservador, cortes foram impostos ao Arts Council demonstrando que a política econômica de Thatcher traria um efeito prejudicial ao teatro subsidiado. A partir de 1981, diante da inflação e da proposta do governo de redução de gastos, o Arts Council foi forçado a realizar cortes nos subsídios e em sua lista de clientes, eliminando dezoito companhias de teatro. Em seu segundo mandato, Thatcher tentou eliminar sistematicamente as estruturas socialistas subjacentes em muitas áreas da sociedade britânica; tal fato causou uma mudança cultural que afetou o discurso teatral e forçou os dramaturgos a reavaliarem o papel do teatro na Grã-Bretanha. (PEACOCK, 1999, p. XII). Ao final dos anos 80, devido aos progressivos cortes de subsídios, o teatro britânico encontrava-se em crise com uma queda de audiência e severos cortes financeiros. Entretanto, nos anos noventa, novas possibilidades seriam oferecidas ao teatro, proporcionando uma maior liberdade de criação. De acordo com Sierz (2000, p. 36), a saída de Margaret Thatcher do poder, assim como a queda do muro de Berlim, demonstraram que, apesar da ossificação política, a mudança era possível. Dessa forma, o teatro mudou em estilo e começou a explorar esta nova liberdade que foi encontrada no teatro In-yer-face. Sierz argumentou em favor da explosão criativa de meados dos anos noventa ao levantar uma boa quantidade de evidências de que havia uma crise na nova escrita naquela época. Segundo o autor, após dez anos de governo conservador, existia um sentimento nas artes de que o teatro estava cercado, pois os subsídios estavam sofrendo cortes ocasionando até mesmo a possibilidade de alguns teatros fecharem. Devido a isso.

(15) 15 os escritores tornaram-se mais tímidos, especialmente com a nova escrita, e menos interessados em ultrapassar os limites, optando por escrever peças curtas que eram mais fáceis de serem encenadas pelo seu baixo custo. O clima político e social da década de 1980, com a Grã-Bretanha sob o governo de Margaret Thatcher, inspirou um novo teatro na década de 1990. Ao final dos anos oitenta, uma nova onda de jovens escritores, incentivados por alguns diretores artísticos – Ian Brown, Dominic Dromgoole, Mike Bradweel, Stephen Daldry, Abigail Morris e Jenny Topper – receberam o aval para produzir livremente, despertando uma nova sensibilidade teatral. Dentro de poucos anos, os nomes de Sarah Kane, Mark Ravenhill, Martin McDonagh, Phyllis Nagy, entre outros, tornaram-se familiares para o público britânico. (D´MONTÉ, 2008, p. 25). Estes escritores foram denominados por Alekz Sierz como os “Filhos de Thatcher” [Thatcher´s Children], pois passaram praticamente duas décadas de suas vidas em meio a seu regime extremamente conservador:. One way of understanding the point of view of a young writer is to do a thought experiment. Imagine being born in 1970. You´re nine years old when Margaret Thatcher comes to power; for the next eighteen years – just as you´re growing up intellectually and emotionally – the only people you see in power in Britain are Tories. Nothing changes; politics stagnate. Then, some time in the late eighties, you discover Ecstasy and dance culture. Sexually you´re less hung up about differences between gays and straight than your older brothers and sisters. You also realize that if you want to protest, or make music, shoot a film or put on an exhibition, you have to do it yourself. In 1989, the Berlin Wall falls and the old ideological certainties disappear into the dustbin of history. And you´re still not even twenty. In the nineties, media images of Iraq, Bosnia and Rwanda haunt your mind. Political idealism – you remember Tiananmen Square and know people who are roads protesters – is mixed with cynicism – your friends don´t vote and you think.

(16) 16 all politicians are corrupt. This is the world you write about. (SIERZ, 2000, p. 237).2. Os “filhos de Thatcher” tiveram sua visão de mundo construída na década de oitenta, entretanto a sua consciência política colocou-os em uma linha direta com a poderosa tradição de esquerda no teatro britânico. Estes artistas pintaram em suas peças um retrato vívido da vida contemporânea britânica ao abordar temas violentos e controversos, expressando assim o sentimento de uma geração de dramaturgos que cresceu sob um regime conservador e pela primeira vez ganhou voz. Seus personagens não mais poderiam habitar os palcos das tradicionais formas dramáticas, pois os temas das novas peças que escreviam, além de serem extremamente perturbadores e desconcertantes, afrontavam as ideias vigentes sobre o que deveria ser mostrado nos palcos, extrapolando, assim, os limites do que parecia aceitável. Este grupo de jovens escritores dissidentes revigorou o teatro britânico por meio de um trabalho agressivo, visceral e politicamente engajado. Graças a Kane e a uma vanguarda de jovens escritores – que expressaram os desejos, receios, angústias deste momento histórico particular - e à ousadia dos diretores artísticos, o teatro britânico despertou nas jovens plateias um novo interesse por uma arte transgressora, evitando que o mesmo entrasse em estado moribundo. Para Ken Urban (2008, p. 39):. 2. [“Uma maneira de entender o ponto de vista de um jovem escritor é fazer a seguinte reflexão. Imagine ter nascido em 1970. Você tem nove anos de idade quando Margaret Thatcher conquistou o poder; pelos próximos dezoito anos – exatamente quando você está crescendo intelectualmente e emocionalmente – as únicas pessoas que você vê no poder na Grã-Bretanha são os Tories. Nada muda, a política permanece estagnada. Em seguida, em algum momento no final dos anos oitenta, você conhece o Ecstasy e a cultura da dança. Sexualmente, você está menos preocupado com as diferenças entre gays e heterossexuais do que seus irmãos e irmãs mais velhos. Você também percebe que, se você quiser protestar, fazer música, fazer um filme ou montar uma exposição, você tem que fazê-lo sozinho. Em 1989, o Muro de Berlim cai e as velhas certezas ideológicas desaparecem na lata de lixo da história. E você ainda nem sequer completou vinte anos. Nos anos noventa, as imagens da mídia do Iraque, Bósnia e Ruanda assombram a sua mente. Idealismo político – você se lembra da Praça da Paz Celestial e conhece pessoas que são protestantes – é uma mistura de cinismo – seus amigos não votam e você acha que todos os políticos são corruptos. Este é o mundo sobre o qual você escreve.”]. (tradução nossa).

(17) 17 These new writers emerged during a particular moment in British cultural history: the reign of ‘Cool Britannia’3, when Tony Blair´s New Labour Party rebranded London as the global capital of coolness, and when the British advertising industry heralded the return of Swinging London 4. Playwright David Edgar noted that theatre had become the ‘fifth leg of the Swinging London’, and in-yer-face theatre took its place alongside pop music, fine art, fashion and food as the products of a revitalized Britain.5. Em suma, a década de noventa foi o palco de uma grande liberação à imaginação dos jovens dramaturgos britânicos. Este período histórico criou condições para que os jovens escritores nascidos por volta de 1970 expressassem seus desejos, anseios e raiva, inaugurando um momento histórico particular para a dramaturgia britânica. Caso estes jovens escritores não tivessem se lançado com tanto entusiasmo a esta oportunidade o teatro britânico teria estagnado à mercê de maçantes reescritas de clássicos e adaptações de romances para os palcos. Os novos escritores salvaram o teatro no momento em que ele corria o risco de tornar-se totalmente irrelevante:. The early 1990s had seen new writing fade from its prominent place, with directors and collaborative work taking centre stage, but in a few short years, things went from crisis to renaissance, thanks to writers such as Kane, Ravenhill, Butterworth, Joe Penhall and Martin McDonagh, to name but five. 3. O termo “Cool Britannia” relaciona-se ao momento histórico dos anos noventa no qual a mídia começou a noticiar uma súbita revitalização da cultura e da arte na Grã-Bretanha. Neste período as esperanças de renovação, de novas ideias e de reaproximação com a juventude tomaram conta da cultura britânica. O ressurgimento cultural ocorreu a partir de uma revitalização nas artes, na música, na literatura e na política. 4 O termo “Swinging London” refere-se à cena cultural que floresceu em Londres na década de 1960 a partir de uma profunda mudança nos campos da arte, moda e música. Muitas das indústrias de entretenimento dos anos 90 rotuladas como “Cool Britannia” foram declaradamente inspiradas pela música, moda e arte dos anos 60. 5 [“Estes novos escritores surgiram durante um momento particular da história cultural britânica: o reinado da 'Cool Britannia'5, quando o Novo Partido Trabalhista de Tony Blair remarcou Londres como a capital global da inovação, e quando a indústria de publicidade britânica anunciou o retorno da Swinging London. O dramaturgo David Edgar observou que o teatro tinha se tornado a 'quinta perna da nova Swinging London'5, e o in-yer-face theatre tomou o seu lugar ao lado da música pop, da arte, da moda e dos alimentos como os produtos de uma Grã-Bretanha revitalizada”.]. (tradução nossa).

(18) 18 of the many new writers who emerged during this time. The plays of these writers were shocking, full of drug use, graphic violence and simulated sex, and tended towards formal experimentation, shying away from critical realism […]. Rather than a fringe movement, however, this aesthetic became a dominant sensibility during the 1990s.6 (URBAN, 2008, pp. 38-9):. Neste cenário, observa-se a resistência de dramaturgos como Sarah Kane – cujas escolhas estéticas, ideológicas e formais, na peça em questão, remetem a um posicionamento crítico de arte estritamente relacionado ao contexto sociopolítico dos anos noventa, explorando o fenômeno da primeira geração pós-Thatcher, assim como as atrocidades ocorridas em uma guerra civil. É importante ressaltar que tais aspectos foram abordados em Blasted, peça debutante da autora, o que, no entanto não se dá nas produções posteriores, que são muito variadas entre si e em relação a Blasted.7. 2.2 In-yer-face Theatre: o surgimento de uma nova estética teatral O livro In Yer Face Theatre: British Drama Today foi publicado em março de 2001 e, de acordo com Aleks Sierz, sua publicação respondeu à necessidade 6. [“O início dos anos 1990 tinha visto a nova escrita perder seu lugar de destaque, com diretores e o trabalho colaborativo ocupando o centro do palco, mas em poucos anos, as coisas foram da crise para renascimento, graças a escritores como Kane, Ravenhill, Butterworth, Joe Penhall e Martin McDonagh, para citar apenas cinco dos muitos escritores novos que surgiram durante este período. As peças desses escritores eram chocantes, repleta de uso de drogas, violência gráfica e simulação de sexo, e tendiam para a experimentação formal, evitando o realismo crítico [...]. Em vez de um movimento marginal, esta estética tornou-se uma sensibilidade dominante na década de 1990”.]. (tradução nossa) 7 Além de Blasted (1995), a produção dramatúrgica de Sarah Kane é composta por mais quatro peças que se distinguem radicalmente entre si. A segunda peça, Phaedra's Love (1996), é uma recriação contemporânea de Fedra, mito da antiguidade grega, desestruturando-o e deslocando-o para a história da Inglaterra contemporânea, tecendo uma sátira à família real ao traçar paralelos entre Fedra e a Princesa Diana. A guerra agora se situa exclusivamente na esfera familiar, com conflitos humanos da antiguidade sendo deslocados para um contexto contemporâneo. Nesta peça, Kane tratou explicitamente de um dos principais temas que permearam sua obra: o amor. Na terceira peça, Cleansed (1998), os personagens vivem numa antiga universidade que funciona como uma espécie de prisão/hospital e estão sob o controle de um torturador/psiquiatra chamado Tinker. Os internos estão apaixonados uns pelos outros e torturamse mutuamente. A peça explora a as identidades sexuais e de gênero através da metáfora central da violência. Na peça Crave (1998), Kane promoveu uma mudança radical em estilo. Quatro vozes cruzadas identificadas apenas por A, B, M e C, conectam-se fragilmente ao expressarem seus desejos, relembrarem as perdas do passado em meio a uma narrativa fragmentada marcada pela ausência de caracterização formal, diálogos tradicionais e rubricas. Em 4.48 Psychosis (2000) uma narrativa densa e fragmentada leva a dramaturgia de Kane ao ápice de sua radicalização formal..

(19) 19 contemporânea de oferecer uma narrativa sobre a nova escrita do teatro britânico nos anos noventa. Escritor britânico e crítico de teatro, Sierz cunhou a expressão In-yer-face Theatre para descrever o período na década de noventa, quando um verdadeiro “ataque” de peças violentas, chocantes e confrontadoras, escritas por jovens dramaturgos britânicos invadiu os palcos ingleses e causou uma revolução na escrita e a renovação do teatro britânico. Como mencionado anteriormente, no final dos anos oitenta, devido aos cortes de subsídios progressivos do governo thatcherista, o teatro britânico estava em crise, estagnado e à mercê de maçantes reescrituras de clássicos europeus, de peças politicamente corretas e de adaptações de romances para os palcos. Em seu lugar, surge uma tempestade de novas representações de vida contemporânea que sinalizavam o surgimento de uma nova consciência política aflorada acompanhada da rejeição do que era antigo. A nova geração de autores britânicos8 abordava em suas obras temas extremamente perturbadores e desconcertantes ao questionar as normas morais e ao afrontar as ideias vigentes sobre o que deveria ser mostrado nos palcos, extrapolando, assim, os limites do que parecia aceitável. Tais dramaturgos assumiram um projeto político que era central para o teatro britânico. Com suas obras extremamente violentas, confrontadoras e chocantes, estes escritores abordariam em suas peças uma violência e agressividade de maneira explícita, assim como temas chocantes carregados de tabus. A violência é um dos principais elementos das peças In-yer-face, tendo como característica comum e principal chocar e transtornar o público, que deveria ser forçosamente arrancado de sua zona de conforto emocional.. 8. Nessa nova estética teatral destacam-se os nomes de Sarah Kane, Mark Ravenhill, Anthony Neilson, Jez Butterworth, Philip Ridley, Martin McDonagh, Phyllis Nagy, Rebecca Prichard, Patrick Marber, Joe Penhal, entre outros..

(20) 20 Violence becomes impossible to ignore when it confronts you by showing pain, humiliation and degradation. Sometimes this is a question of showing violent acts literally; at other times, the suggestion of extreme mental cruelty is enough to disturb. Violent actions are shocking because they break the rules of debate; they go beyond words and thus can get out of control. Violence feels primitive, irrational and destructive.9 (SIERZ, 2000, p. 8).. Saunders (apud Sierz 2008, p. 26) comenta que Blasted de Sarah Kane e Look Back in Anger10 (1956) de John Osborne revigoraram o teatro britânico, de diferentes maneiras, tornando-o um lugar onde vozes dissidentes passariam a poder ser escutadas. Como uma vanguarda cultural, parte dos novos escritores dos anos noventa, produziu um trabalho de viés político que tecia críticas ao desenfreado consumismo capitalista, a à desigualdade social, à discriminação sexual, à violência e à guerra. O período de cinco anos entre 1994 e 1999 sinalizou a vitória do trabalho comprometido, provocativo e confrontador de uma geração de escritores que estava insatisfeita com o mundo no qual haviam crescido. Em defesa do teatro político nos anos noventa, Sierz (2010, p. 45) argumenta que um dos persistentes mitos sobre o teatro britânico desta época é a ideia de que esta década teria marcado a morte do teatro político. Segundo o crítico, as montagens de peças políticas de grandes elencos de fato tornaram-se cada vez mais raras de serem encenadas nos palcos britânicos, entretanto tal fato não revela que os escritores de teatro. 9. [“A violência torna-se impossível de ser ignorada quando nos confronta ao expor dor, humilhação e degradação. Às vezes, trata-se de exibir literalmente atos violentos; outras vezes, sugerir uma extrema crueldade mental é o suficiente para perturbar. Ações violentas são chocantes porque elas quebram as regras do debate; elas vão além das palavras e, assim, podem fugir de controle. A violência é primitiva, irracional e destrutiva.”]. (tradução nossa) 10 Look Back in Anger de John Osborne estreou no final da década de 60 em 8 de Maio de 1956 no London’s Royal Court Theatre. Esta peça é reconhecida como um divisor de águas no teatro inglês do pós-guerra, tornando-se símbolo de uma geração que ficou conhecida como Angry Young Men. Osborne rompeu com o melodrama e o drama clássico ao retratar nos palcos o cotidiano de jovens das classes trabalhadoras da Inglaterra. Os personagens eram “jovens furiosos” que expressaram sua rebeldia e frustração em relação a sua frágil condição socioeconômica e à escassez de oportunidades oferecidas naquela época, sinalizando uma revolta contra a ordem social estabelecida..

(21) 21 teriam perdido sua inteligência política. Sierz (2010, p. 45) afirma que a peça Blasted, de Sarah Kane, é um grande exemplo disto: “Nothing illustrates this better than Sarah Kane´s debut, Blasted, which has now been firmly established within the canon of 1990s British drama – here is a play that was political in origin, political in context and political in its effects.”.11 O estilo estético do In-yer-face theatre tornou-se célebre no Reino Unido ao estremecer as bases da dramaturgia do teatro britânico e promover uma ruptura com o passado, testando os limites do que era aceitável nos palcos. A estratégia que este novo estilo estético utiliza é o “soco na cara” (punch in your face). Nas palavras de Sierz (2000, p. 4), este é o tipo de teatro que “agarra o público pela nuca e o sacode até que este compreenda a mensagem”12. Dessa maneira, o público é forçado a reagir impulsionado por um sentimento de desconforto e ultraje. As peças In-yer-face violam os limites considerados como normais e têm por requisito que o público se posicione frente a uma situação dada, diferentemente de peças tradicionais nas quais existe a opção de simplesmente contemplar o espetáculo passiva ou imparcialmente. Nesse sentido, o In-yer-face é um teatro de natureza experiencial, pois oferece à plateia a possibilidade de sentir emoções extremas, ou seja, vivenciar tais sensações e não tão somente especular ou racionalizar, a alguma distância mais confortável, a respeito dos eventos abordados. Desta forma, o espectador é compelido a enxergar algo tão de perto que seu espaço pessoal é agressivamente invadido de tal maneira que é impossível ignorar ou. 11. SIERZ, A. ‘Looks like there´s a war on’: Sarah Kane´s Blasted, political theatre and the Muslim Other. In: DE VOS, L.; SAUNDERS, G. Sarah Kane in Context.Manchester and New York: Manchester University Press, 2010. [“Nada ilustra isso melhor do que a estreia da peça Blasted, de Sarah Kane, que agora foi firmemente estabelecida junto ao cânon do teatro britânico da década de noventa – aqui está uma peça que foi política em sua origem, contexto e seus efeitos”.].(traduçãonossa) 12 [“The widest definition of in-yer-face theatre is any drama that takes the audience by the scruff of the neck and shakes it until it gets the message”]..

(22) 22 evitar os eventos expostos no palco. Um fator que colaborou para criar esta atmosfera ameaçadora ao público é o fato de que esses jovens escritores geralmente apresentavam suas peças em teatros de capacidade física reduzida, de modo que as cenas de impacto eram encenadas a poucos metros dos espectadores. Dessa maneira, a intensidade dos eventos apresentados tornava-se mais forte e a experiência mais vivaz. A plateia era forçada a voltar o seu olhar para questões e sentimentos que naturalmente evitaria, já que se trata de um teatro que aborda temas desagradáveis, degradantes, dolorosos, repugnantes; em resumo, os atos mais terríveis que o ser humano é capaz de realizar. Sierz (2000, p. 5) enfatiza que usualmente quando autores utilizam táticas para chocar o público é porque estes de fato têm algo urgente a dizer. As peças chocam, pois inovam em tom ou em estrutura, sendo mais experimentais em relação ao que o público britânico estava acostumado. As táticas para chocar foram largamente utilizadas pelos jovens escritores nas peças In-yer-face: If they are dealing with disturbing subjects, or want to explore difficult feelings, shock is one way of waking up the audience. Writers who provoke audiences or try to confront them are usually trying to push the boundaries of what is acceptable – often because they want to question current ideas of what is normal, what it means to be human, what is natural or what is real. In other words, the use of shock is part of a search for deeper meaning, part of a rediscovery of theatrical possibility – an attempt by writers to see just how far they can go. (SIERZ, 2000, p. 5). 13. Nesse sentido, a intenção dos autores do In-yer-face é atrair o público para os extremos da experiência, fazendo com que a plateia desperte e seja forçada a reagir e 13. [“Se eles estão lidando com assuntos perturbadores, ou querem explorar sentimentos difíceis, o choque é uma maneira de acordar o público. Escritores que provocam o público ou tentam enfrentá-lo, estão geralmente tentando forçar os limites do que é aceitável - geralmente porque querem questionar as ideias atuais sobre o que é normal, o que significa ser humano, o que é natural ou o que é real. Em outras palavras, o uso do choque é parte de uma busca por um significado mais profundo, parte de uma redescoberta das possibilidades teatrais - uma tentativa dos escritores para ver o quão longe eles podem ir.”] (tradução nossa).

(23) 23 refletir sobre a maneira como vivemos e sentimos. Por esta razão, o In-yer-face theatre é extremamente perturbador, pois força o público a lidar com sentimentos e temas que naturalmente evitaria: In-yer-face theatre always force us to look at ideas and feelings we would normally avoid because they are too painful, to frightening, too unpleasant or too acute. We avoid them for good reason – what they have to tell us is bad news: they remind us for the awful things human beings are capable of, and of the limits of our self-control. They summon up ancient fears about the power of the irrational and the fragility of our sense of the world. 14 (SIERZ, 2000, p. 6).. Sierz (2000, p. 5) sugere alguns indícios para que o leitor reconheça se uma peça é In-yer-face. As principais características elencadas são: presença de personagens que falam. sobre. assuntos. inomináveis,. experimentam. emoções. não. prazerosas,. compartilham relações de poder assimétricas, humilham-se entre si e possuem tendência a tornarem-se violentos subitamente. Além disso, há o uso de linguagem de baixo calão e imoral, assim como imagens de intercurso sexual – hetero e homossexual, nudez, uso de drogas, canibalismo, abuso sexual, racismo, insultos religiosos, tortura psicológica, entre outros. A estética do In-yer-face – extremamente agressiva e experiencial - mudaria a sensibilidade do teatro dos anos noventa, abrindo novas possibilidades para o teatro britânico. Os principais nomes do In-yer-face influenciaram obras posteriores ao transformarem a linguagem do teatro em algo mais direto, cru e explícito, no entanto,. 14. [“O teatro In-yer-face sempre nos força a encarar ideias e sentimentos que normalmente evitaríamos porque eles são extremamente dolorosos, assustadores, desagradáveis ou intensos. Nós os evitamos por um bom motivo - o que eles têm a nos dizer são más notícias: eles nos lembram as coisas mais horríveis que os seres humanos são capazes de fazer, e os limites de nosso autocontrole. Eles reúnem antigos medos sobre o poder do irracional e a fragilidade de nossa compreensão do mundo.”]. (tradução nossa).

(24) 24 não apenas introduzindo um novo vocabulário teatral, mas também tornando o teatro mais experimental. Os jovens dramaturgos da geração dos anos noventa, além de trazerem ao palco temáticas extremas, estavam profundamente engajados em explorar as possibilidades da forma teatral, testando os limites do que era aceitável. Nesse sentido, é possível afirmar que o In-yer-face theatre não só promoveu mudanças no conteúdo das peças, mas principalmente em sua forma. Nesse sentido, é de fundamental importância considerar as transformações na estrutura dramática a partir da crise do drama no final do século XIX, extensamente discutidas pelo crítico Peter Szondi na Teoria do Drama Moderno. Szondi entende a forma do drama como conteúdo consubstanciado, produto da sedimentação de inúmeras camadas históricas. Esta nova geração de autores rebelou-se radicalmente contra a estrutura convencional dramática ao escreverem peças que se distanciavam das convenções realistas, especialmente vinculadas às peças bem-feitas15. A maior parte dos escritores dos anos noventa optou por escrever peças que não obedeciam aos ditames do realismo cênico e nem apresentavam uma mensagem clara.. Esta gradual mudança na. sensibilidade fez com que os jovens escritores começassem a usar um novo vocabulário teatral e inovações na estrutura formal. De acordo com Sierz (2008, p. 24) o termo In-yer-face theatre é a melhor maneira de teorizar o novo fenômeno teatral dos anos noventa. O autor afirma que este termo é capaz de descrever o conteúdo da peça, a relação entre o escritor e o público e a. 15. As peças bem feitas foram desenvolvidas e consagradas no século XIX e possuíam uma estrutura tradicional e fixa consistindo em apresentação do conflito, desenvolvimento do mesmo, clímax e resolução. No início da peça o autor escolhe uma situação com o propósito de causar um mal-entendido; no decorrer da trama ele explora esta ideia e no final do penúltimo ato insere o clímax, pois este seria o ponto onde começa a peça; no último ato o mal entendido é esclarecido e a plateia é agradada da melhor maneira possível..

(25) 25 relação entre o palco e os espectadores. Por esta razão, este termo sugere muito mais do que uma mera descrição de conteúdo, implicando em ideias teóricas sobre o teatro experiencial, a quebra de tabus, a noção de provocação teatral e todos os aspectos confrontadores que envolvem esta escrita como, por exemplo, as representações de sexo e violência. O termo In-yer-face theatre sugere o que é particular sobre a experiência brutal de assistir a um teatro extremo, que produz no público uma sensação de violação de intimidade como se o espaço pessoal dos espectadores estivesse sendo ameaçado. É um teatro tão poderoso e visceral que força a plateia a reagir, sendo este um de seus propósitos principais: provocar o espectador e chamar a sua atenção para assuntos urgentes.. 2.3 Sarah Kane. A carreira de Sarah Kane no teatro foi marcada por extremos, desde a polêmica que cercou a estreia de Blasted em janeiro de 1995, até o seu suicídio em fevereiro de 1999. Sarah Kane emergiu como a nova voz da dramaturgia britânica nos anos noventa. Nascida em 3 de fevereiro de 1971 em Brentwood, Essex, filha de uma professora e um jornalista, Kane estudou teatro na Universidade de Bristol em 1989. Durante este período, atuou, escreveu e dirigiu, mas deixou de atuar por acreditar que esta seria uma profissão impotente, além do fato de não querer se submeter às vontades dos diretores. Neste período, passou a dirigir e escreveu três monólogos de vinte minutos cada: Comic Monologue, Starved e What She Said. Os monólogos foram agrupados no livro Sick (1991) apresentados no Festival de Edimburgo..

(26) 26 No mês de julho de 1992, Kane formou-se na faculdade e em outubro no mesmo ano iniciou um mestrado em dramaturgia na Universidade de Birmingham com o objetivo de obter financiamento e testar sua capacidade de escrever uma peça inteira com mais de um personagem, já que até então só havia produzido monólogos. Durante este tempo, começou a desenvolver a versão embrionária de Blasted e em março de 1993 o primeiro rascunho da peça havia sido escrito. É importante salientar que as ideias de Kane sempre foram avessas aos ditames do drama tradicional, pois como escritora sua vontade era de produzir, inventar e descobrir novos modos de representação. Nas palavras da autora: “If there´s a precedent, I don´t want to do it.”. 16. .. Dessa forma, o desejo da dramaturga era transgredir as barreiras do teatro tradicional e investir em novos modos de representação: “As a writer, I wanted to do things that hadn´t been done, to invent new forms, find new modes of representation.”17 Entretanto, é necessário salientar que apesar da autora afirmar que sua intenção era a de transgredir os limites do que já havia sido criado até então de modo a produzir algo sem precedentes, Sarah Kane pertence a uma tradição de teatro já consolidada, ou seja, existe uma tradição que a influenciou consideravelmente. Nas palavras da própria escritora: “My plays certainly exist within a theatrical tradition, though not many people would agree with that. I´m at the extreme end of the theatrical tradition.”18. Em Blasted há uma filiação estética explícita do ponto de vista da linguagem em relação às figuras de Pinter e Beckett, ou seja, o denominado “colapso da linguagem” presente em Blasted já fora utilizado anteriormente nas obras de Pinter e Beckett.. 16. [“Se há algum precedente, eu não quero fazê-lo”]. SIERZ, A. In-Yer-Face Theatre: British Drama Today. London: Faber and Faber, 2001, p. 102. (tradução nossa) 17 Ibidem, p. 92. [“Como escritora, eu gostaria de fazer coisas que ainda não tinham sido feitas, de inventar novas formas, descobrir novos modos de representação”]. (tradução nossa) 18 SAUNDERS, G. Love Me or Kill Me: Sarah Kane and the Theatre of Extremes. Manchester: Manchester University Press, 2002, p. 26..

(27) 27 As influências de Kane foram extensamente discutidas no livro “Love Me or Kill Me: Sarah Kane and the Theatre of Extremes” de Graham Saunders. Estas incluem Shakespeare, Büchner, Ibsen, Strindberg, Brecht, Orwell, Beckett, entre outras. Para além destas fontes, nas peças de Kane estão presentes uma infinidade formas teatrais utilizadas por autores clássicos da Antiguidade, conforme destacou Edward Bond ao sair em defesa da jovem escritora após esta ter sido acusada de sensacionalismo barato: "The images in Blasted are ancient. They are seen in all great ages of art, in Greek or Jacobean Theatre, in Noh or Kabuki. The play changes some of the images – but all artists do that to bring the ancient imagery, changed and unchanged, into the focus of their age. The humanity of Blasted moved me. I worry for those too busy or lost that they cannot see its humanity… But I do know this is the most important play on in London."19. Em entrevista a Nils Tabert, Kane revelou e discutiu algumas de suas influências e os efeitos que estas produziram em sua própria escrita: I think with everything I write there are usually a couple of books that I read again when writing. With Blasted, it was King Lear and Waiting for Godot – well it was strange with Blasted because for me there are kind of three sections: the first one was very influenced by Ibsen, the second one by Brecht, and the third one by Beckett.20. Nesse sentido, vemos que Sarah Kane pertence a uma tradição do teatro que ela retoma, inclusive do ponto de vista da estrutura da peça Blasted, pois esta parte de um 19. SAUNDERS, G. Love Me or Kill Me: Sarah Kane and the Theatre of Extremes. Manchester: Manchester University Press, 2002, p. 25. [“As imagens em Blasted são antigas. Elas são vistas em todas as grandes épocas da arte, no Teatro Grego ou Jacobino, em Noh ou Kabuki. A peça muda algumas das imagens - mas todos os artistas fazem isso para trazer imagens antigas, alteradas e inalteradas, para o foco de sua época. A humanidade de Blasted me comoveu. Eu me preocupo com aqueles tão ocupados ou perdidos que não conseguem ver a sua humanidade... Mas eu tenho certeza que em Londres esta é a peça mais importante em cartaz.”]. (tradução nossa) 20 Ibidem, p. 54. [“Eu acredito que em tudo o que escrevo há geralmente alguns livros que eu leio novamente ao escrever. Com Blasted, foi King Lear e Waiting for Godot - bem, foi estranho com Blasted porque para mim, há uma espécie de três partes: a primeira foi muito influenciada por Ibsen, a segunda por Brecht, e a terceira por Beckett.”]. (tradução nossa).

(28) 28 registro naturalista e passa para um registro surrealista/lírico. É interessante ressaltar que este caminho permeou a carreira inteira de Strindberg que também partiu do naturalismo com a peça Senhorita Julia (1888) e chegou até a elaboração das formas oníricas de estruturação da peça. Kane estava em busca de uma forma capaz de transmitir a sua visão de um mundo conturbado e para isso foi necessário implodir com os limites do drama burguês por excelência. A dramaturga desafiou este consagrado modelo formal, pois este já não poderia transmitir suas ideias, ou seja, o drama burguês não era mais capaz de dar expressão ao conteúdo social que a artista objetivava veicular. A partir do final do século XIX, Szondi identifica a crise na forma do drama burguês devido à incapacidade deste em engendrar os novos processos e conteúdos sociais. Portanto, o modelo de drama constituído no período renascentista já não era mais capaz de dar expressão ao conteúdo social que o artista objetivava veicular, gerando uma contradição entre a forma de expressão e o conteúdo veiculado. Quando a forma já não é capaz de dar conta de determinado conteúdo instaura-se uma crise formal. O rompimento dos princípios estruturais do drama burguês por excelência reforça a impotência deste em representar o mundo contemporâneo daquele período. A efêmera carreira de Kane teve inicio em janeiro de 1995, com a estreia de Blasted no Royal Court Theatre Upstairs, uma peça chocante aos olhos do público inglês, cuja linguagem e imagens agressivas de imediato provocaram a indignação da crítica, tornando-a alvo dos comentários mais ferozes da época. A imprensa britânica lançou seus holofotes sobre o trabalho de Kane e devido a sua alta capacidade de transtornar, Blasted foi avaliada como o produto de uma mente perturbada. Além de Blasted, Kane escreveria mais quatro peças de teatro: Phaedra's Love (1996), Cleansed (1998), Crave (1998), 4.48 Psychosis (2000), sendo que a montagem e encenação desta.

(29) 29 última foi realizada postumamente no Royal Court Theatre Upstairs em 23 de junho de 2000. Sofrendo de depressão, Kane suicidou-se em 20 de fevereiro de 1999, em Londres, no hospital psiquiátrico onde estava internada e seu inesperado falecimento ocasionou uma (re) apreciação tardia de seu trabalho por parte do público e da crítica, fazendo com que alguns críticos que outrora a criticaram negativamente, lançassem um novo olhar sobre suas obras. Sarah Kane, assim como outros escritores dos anos noventa, rebelou-se contra as amarras da peça “bem-feita”. 21. . De acordo com Saunders (2009, p. 2), uma das. principais intenções de Kane com Blasted era estremecer as tradicionais formas de representação baseadas nas convenções do realismo e naturalismo. Ou seja, a autora desejava causar um impacto mais profundo que o do drama tradicional, abusando da intensidade ao explorar encenações viscerais de violência no palco. Hoje, Sarah Kane é reconhecida como o principal nome de uma geração inteira de dramaturgos britânicos da década de noventa que almejavam transmitir sua crítica social por meio da chocante estética do In-yer-face theatre.. 2.4 Ruído da crítica: repugnância, histeria e ultraje Sarah Kane sofreu, no decorrer da sua curta trajetória teatral, inúmeros ataques e críticas negativas a suas peças. Certamente Blasted, por ser a debutante, foi a obra que causou maior furor e indignação à crítica – sobretudo a mais conservadora. Já esperando por reações extremadas, o Royal Court Theatre Upstairs programara a estreia da peça após o Ano Novo, com o objetivo de que a mesma passasse despercebida, já que nesta. 21. As peças bem feitas foram desenvolvidas e consagradas no século XIX pelos dramaturgos franceses Scribe e Sardou e apresentavam uma estrutura tradicional e fixa consistindo em apresentação do conflito, desenvolvimento do mesmo, clímax e resolução..

(30) 30 época poucas pessoas costumam frequentar os teatros. Na estreia, poucos espectadores estavam presentes, mas a maior parte deles era composta por críticos teatrais que assim que deixaram o espetáculo começaram a tecer as mais ferozes críticas sobre o que haviam acabado de presenciar. Aleks Sierz (2000, p. 99) descreve suas impressões sobre as distintas reações do público na data da estreia de Blasted: With no interval, Blasted was a grueling one hour and fifty minutes. When I saw it, its power to shock was obvious. It clearly made the tiny audience uneasy: two people walked out, others hit their eyes, some giggled. But the responses were mixed: some people were irritated by what they saw was puerile exhibitionism; others were moved by the starkness of the horror or by the psychological accuracy of the relationship.22. A peça foi descrita por Jack Tinker, crítico de teatro do Daily Mail, como “uma repugnante celebração de podridão”23. A imprensa organizou uma campanha anti-Kane questionando a inteligência e o bom gosto do Royal Court Theatre e do diretor artístico Stephen Daldry por selecionar esta peça para performance. O teatro foi acusado de estar desperdiçando dinheiro do contribuinte, já que Kane recebera um financiamento do governo para produzir a peça. De modo geral, o olhar de condenação foi unânime, com raras exceções de críticos/escritores que reconheceram o potencial de Kane e saíram em defesa de seu trabalho, tais como Harold Pinter e Edward Bond24: “In the face of negative publicity, playwrights such as Bond and Pinter offered support. Bond noted 22. [“Sem intervalo, Blasted foi uma estressante uma hora e cinquenta minutos. Quando vi isso, o seu poder de chocar era óbvio. Ela claramente deixou o minúsculo público inquieto: duas pessoas saíram, outros tamparam seus olhos, alguns riram. Mas as respostas foram mistas: algumas pessoas ficaram irritadas com o exibicionismo pueril que viram; outros foram movidos pela severidade do horror ou pela proximidade psicológica do relacionamento.”]. (tradução nossa) 23 [“This disgusting feast of filth”.]. Daily Mail, 19 de janeiro de 1995. 24 Edward Bond foi um dos precursores da representação da violência no teatro moderno com a peça Saved (1965), também sendo alvo de censura. A peça tornou-se conhecida principalmente pela cena na qual um bebê é apedrejado em um carrinho. A montagem apresentada no Royal Court Theatre de Londres escandalizou a sociedade da época devido ao seu conteúdo extremamente violento e brutal, atuando efetivamente na luta pela abolição da censura ao teatro (que teoricamente aconteceu em 1968), além de exercer influência primordial nos dramaturgos modernos e contemporâneos. Nesse sentido, Bond é também um dos principais precursores do Teatro In-yer-face..

(31) 31 Blasted´s ‘strange, almost hallucinatory quality’, and Pinter said that its author was ‘facing something actual and true and ugly and painful’”25. (SIERZ, 2001, p. 96) Uma parcela dos profissionais de teatro apreciou o trabalho dos novos dramaturgos, embora críticos e comentadores moralistas tenham-se oposto às peças Inyer-face, e passado a criticá-las duramente. Para Innes (2002, p. 529) os comentários da crítica em relação a Blasted expressavam uma grande confusão por parte da crítica: The confusion was clear in the reviewer’s extremely critical response to Blasted – with typical comments ranging from ‘It might be a savage indictment of a society bereft of values and incapable of compassion, but it feels too relentless for that´ to ‘for all the talk of a violent world, the world shown here is not recognizable’. Partly because of the lack of any believable social context, the atrocities so graphically presented provoked outraged disgust; and even though Blasted ran for barely two weeks, the newspaper scandal was perhaps more vociferous than for any other play during the century, certainly matching the shock expressed over Saved or the moralistic condemnation of The Romans in Britain.26. Sierz (2008, p. 26), ressalta que desde o princípio, os debates sobre o In-yer-face theatre foram acalorados e os desdobramentos da nova estética eram imprevisíveis, existindo ainda a possibilidade de que as carreiras desses escritores pudessem ser arruinadas prematuramente. É interessante ressaltar que apesar da abolição da censura nos teatros ingleses ter ocorrido em 1968, o modelo autoritário jamais foi abolido do 25. [“Diante da negativa publicidade, dramaturgos como Bond e Pinter ofereceram apoio. Bond observou a "estranha qualidade quase alucinatória de Blasted", e Pinter disse que sua autora estava "enfrentando algo real, verdadeiro, feio e doloroso".] (tradução nossa) 26 [“A confusão era clara nas respostas extremamente exigentes dos críticos à Blasted - com comentários típicos que vão desde ‘Pode ser a selvagem acusação de uma sociedade desprovida de valores e incapaz de compaixão, embora sinta a sociedade muito impiedosa para isto’ até ‘para todos, a discussão de um mundo violento, o mostrado aqui não é reconhecível’. Em parte, por causa da falta de qualquer contexto social crível, as atrocidades tão graficamente apresentadas provocou repulsa revoltante; e ainda que Blasted tenha permanecido em cartaz por apenas duas semanas, o escândalo que a mídia fez sobre a peça foi, talvez, mais vociferador do que em qualquer outra peça durante o século, certamente igualando ao choque expresso em Saved ou a condenação moralista sobre Romans in Britain.”.]. (tradução nossa).

(32) 32 pensamento de alguns grupos conservadores e moralistas. Sierz (2008, p. 26) salienta que os “guardiões morais da nação” estavam difundidos por toda a sociedade e interferiam de formas inaceitáveis nos roteiros, ideias e intenções de dramaturgos. Grupos de pressão como o National Viewers´ and Listeners Association (atualmente conhecidos como Mediawatch27), assim como grupos religiosos, geralmente apoiados pela imprensa de direita, faziam campanhas contra a publicação e transmissão de qualquer conteúdo de mídia considerado como prejudicial e ofensivo (violência, palavras de baixo calão, pornografia, homossexualidade, etc.). Dessa maneira, é possível afirmar que a censura do estado foi substituída pela censura populista embasada nos valores tradicionais, cujo objetivo principal centrava-se na imposição de restrições e no fechamento das mentes. Sierz (2008, p. 27) ressalta que infelizmente a abolição oficial da censura não eliminou o ato de censurar, de modo que o hábito conservador de censurar tenha permanecido profundamente enraizado no lado puritano da cultura pública Anglo-Saxônica. Esta onipresente atmosfera de censura fez com que a peça Blasted fosse perseguida pela imprensa, assim como a peça Shopping and Fucking (1996), de Mark Ravenhill seria ferozmente atacada simplesmente por causa de seu título: This censorious atmosphere, in which Blasted was hounded by the press and Shopping and Fucking attacked simply because of its title, meant that it is essential, both politically and artistically, to defend this new theatre sensibility and make a case for its radical credentials.28 (SIERZ, 2008, p. 27). 27. A partir de 2001, a organização National Viewers´ and Listeners Association (NVALA) foi renomeada como Mediawatch e continua responsável pela campanha promovida pela instituição anterior. Esta sociedade objetiva preservar os padrões de gosto e decência na mídia, preocupando-se com a influência que esta pode exercer sobre o indivíduo, a família e a sociedade em geral. 28 Esta atmosfera de censura, na qual Blasted foi perseguida pela imprensa e Shopping and Fucking atacada simplesmente por causa de seu título, indicava que isso é essencial, tanto politicamente quanto artisticamente, defender esta nova sensibilidade teatral e defender o porquê de suas credenciais radicais..

(33) 33 Sierz (2001, p. 32), afirma que uma peça pode tornar-se polêmica em virtude de um aspecto da representação ser enfatizado pela mídia. Marcar Blasted como um feito repugnante, teria sido uma atitude intencional por parte da crítica como meio para manter o público longe do que era considerado nocivo, imoral, e reafirmar os padrões morais da classe média. A fúria de publicidade desvia a atenção do conteúdo da peça, pois cenas terríveis de barbárie acabam chamando mais atenção do que a peça em si. Incialmente Blasted foi noticiada como um escândalo e toda essa polêmica prejudicou o entendimento da peça por si própria. Entretanto, é necessário ressaltar que a atitude por parte da crítica de marcar Blasted como um feito repugnante cria um paradoxo, pois ao invés de realmente manter o público distante do que supostamente era “nocivo” acabou oferecendo maior publicidade à peça, ou seja, atraindo a atenção do público para uma peça que era considerada maldita. É importante destacar que o choque provocado por Blasted não foi provocado apenas pelo conteúdo da peça em si, ou seja, pelos temas que esta abordava, mas também por sua forma, ambos chocantes ao público: “... if ever there was a play that deserved controversy, it was Blasted. Not only did it contain disturbing emotional material, but it adopted a deliberately unusual and provocative form. 29”. Sierz (2001, p. 96) pontua que alguns críticos explicaram a sua repugnância por Blasted, afirmando que a mensagem da peça estaria perdida em um enredo não realista. A suposição de Kane:. 29. [“ ... se alguma vez existiu uma peça que controversa, esta foi Blasted. Ela não apenas contém um material emocionalmente perturbador, como adota uma forma deliberadamente incomum e provocante.”]. SIERZ, A. In-Yer-Face Theatre: British Drama Today. London: Faber and Faber, 2001, p. 99. (tradução nossa).

(34) 34 “Eu suspeito que se Blasted tivesse sido uma peça de realismo social não teria sido tão duramente recebida” 30, é certeira. Kane ainda acrescenta: I think the press outrage was due to the play being experiential rather than speculative. The title refers not only to the content but also to the impact it seems to have on audiences. What makes the play experiential is its form.31. Sobre os efeitos das inovações formais das peças In-yer-face, Sierz (2001, p. 6) afirma: A play´s content can be provocative because it is expressed in blatant or confrontational language or stage images, but its power as drama also depends greatly on its form. The further a play departs from the conventions of naturalism, especially those of the well-made three-act drama, the more difficult it is for many audiences to accept.. On the other hand, some. shocking emotional material may be made more acceptable by being placed within a theatrical frame that is traditional, either in its tone or form. Naturalistic representations of disturbing subjects are usually much easier to handle than emotionally fraught situations that are presented in a unfamiliar theatrical style.32. Kane desafiou o teatro baseado no modelo dramático porque sua forma burguesa não seria capaz de representar suas ideias. Para representar a violência do conteúdo que desejava veicular, a autora precisou mobilizar uma forma teatral radical, principalmente 30. [“I suspect that if Blasted had been a piece of social realism it wouldn´t have been so harshly received”.]. SIERZ, A. In-Yer-Face Theatre: British Drama Today. London: Faber and Faber, 2001, p. 96. 31 [“Eu acredito que a indignação da imprensa ocorreu devido à peça ser experiencial e não especulativa. O título [Blasted] refere-se não só ao conteúdo, mas também ao impacto que parece ter causado sobre o público. O que faz uma peça ser experiencial é sua forma.”]. Ibidem, p. 98. (tradução nossa) 32 [“O conteúdo de uma peça pode ser provocativo ao ser expresso por meio de linguagem confrontadora ou imagens, entretanto o seu poder como um drama também depende muito de sua forma. Quanto mais uma peça se afastar das convenções do naturalismo, especialmente aquelas das peças bem-feitas de três atos, mais difícil será a aceitação do público. Por outro lado, um material emocionalmente chocante pode tornar-se mais aceitável ao ser colocado dentro de uma forma teatral que é tradicional, quer em sua forma ou tom. Representações naturalistas de temas perturbadores são geralmente muito mais fáceis de lidar do que situações emocionalmente carregadas que são apresentadas em estilo teatral não familiar.”]. (tradução nossa).

Referências

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