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O estudo do corpo em Laban: possibilidades de Criação em Dança

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE ARTES CURSO DE LICENCIATURA EM DANÇA

NATÁLIA DE SOUSA RIBEIRO

O ESTUDO DO CORPO EM LABAN: POSSIBILIDADES DE CRIAÇÃO EM DANÇA

Natal 2016

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NATÁLIA DE SOUSA RIBEIRO

O ESTUDO DO CORPO EM LABAN. POSSIBILIDADES DE CRIAÇÃO EM DANÇA.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Licenciatura Plena em Dança da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Licenciada em Dança.

Orientadora: Professora Doutora Larissa Kelly de Oliveira Marques Tibúrcio.

Natal 2016

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Natália de Sousa Ribeiro

O estudo do corpo em Laban: possibilidades de Criação em Dança.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Licenciatura em Dança da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência parcial para obtenção do título de Licenciada em Dança.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Larissa Kelly de Oliveira Marques Tibúrcio.

Aprovado em: ___/___/___

Comissão Examinadora

Prof.ª Dr.ª Larissa Kelly de Oliveira Marques Tibúrcio – UFRN.

ORIENTADORA

Prof.ª Drª Karenine de Oliveira Porpino – UFRN.

EXAMINADORA

Professor Me. Juarez Zacarias Neto EXAMINADOR EXTERNO

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RESUMO

O presente artigo tem como objetivo o estudo do corpo em Rudolf Laban e sua relação com as possibilidades de criação em dança, o que permite uma reflexão a respeito do processo criativo e da articulação de sua teoria a partir deste tema. Laban em seus estudos enfatizou a importância de uma maior conscientização corporal, através das influências internas e externas e de uma constante reflexão sobre esse conhecimento, a descoberta pessoal de suas possibilidades e limites e o processo criativo que culmina através dessa percepção. Desse modo, esse trabalho poderá ajudar o professor de dança a vislumbrar novas maneiras de compor baseados na proposta de Laban. Como metodologia adotou-se a pesquisa bibliográfica embasada em livros, artigos científicos, monografias, que trazem autores que discutem o tema tratado. A temática do corpo estudada em Laban e em diálogo com outros autores aqui discutida ressalta essa potencialidade de experimentação e criação da própria dança de cada sujeito, o que favorece a sua própria experiência de conscientização e percepção corporal e de sensibilização desse corpo.

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ABSTRACT

This article aims to study the body in Rudolf Laban and its relationship with the possibilities of creation in dance, which allows a reflection on the creative process and the articulation of his theory from this theme. Laban in his studies emphasized the importance of greater bodily awareness, through internal and external influences and a constant reflection on this knowledge, the personal discovery of its possibilities and limits and the creative process that culminates through this perception. In this way, this work may help the dance teacher to envision new ways of composing based on Laban's proposal. As methodology was adopted the bibliographic research based on books, scientific articles, monographs, which bring authors who discuss the subject matter. The theme of the body studied in Laban and in dialogue with other authors discussed here highlights this potentiality of experimentation and creation of the dance of each subject, which favors their own experience of awareness and body perception and awareness of this body.

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SUMÁRIO

RESUMO ... 4 INTRODUÇÃO ... 7 SUMÁRIO ... 7 SUMÁRIO ... 7 SUMÁRIO ... 7 SUMÁRIO ... 7

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INTRODUÇÃO

O corpo, complexidade subjetiva, ligado ao tempo-espaço em transição, juntamente a fatores socioculturais, traz consigo um repertório único e infinitamente criativo.

Nas artes cênicas ele é proeminente, qualquer expressão cênica exige um corpo para caracterizá-la. Para dança o corpo é a expressão do ser, eterna busca, é a origem, como também o destino, tradução e manifestação, elemento central do estudo do bailarino. Lenora Lobo afirma que é importante sensibilizar o corpo para iniciar um trabalho corporal

Parece-me imprescindível que todo trabalho corporal comece com o contato e a observação do próprio corpo, numa tentativa de quebrar as couraças, sensibilizando as articulações, aguçando a percepção para que se esvaziem os padrões nele registrados na busca de um estado mais sensorial e atento (LOBO, 2003, p. 81).

Para Merleau-Ponty o corpo é a materialidade do ser. Ele sugere que não é ao objeto físico que o corpo deve ser comparado, mas à obra de arte. Como primeira dimensão do ser humano, é onde se atesta a existência, ser corpo é se inscrever na cena imperativa da vida e atuar no espaço e no tempo. Eu tenho um corpo que sou e sou um corpo que tenho. Essa maneira de enxergar e entender o corpo na vida é determinante na arte.

Conforme Muller (2001) é a capacidade da arte de demonstrar sua expressividade que instiga e interessa Merleau-Ponty. Este acreditava que o comportamento artístico se potencializa as possibilidades de expressão, que através da experimentação e contemplação vivencia-se o poder do corpo na criação, pois o artista, as significações artísticas não se distinguem das significações existenciais, desta forma das operações que as revelam originalmente.

Delsarte, em sua lei Trinitária, reúne corpo, alma e espirito em um só corpo indivisível. Isto representou a possibilidade de rompimento com o dualismo que por vários séculos significou na cultura do ocidente a fragmentação: de um lado, um corpo pecador que necessitava ser mudado e purificado, do outro, a alma, a ser delicadamente cultivada, pois era ela quem conduziria o corpo a salvação eterna. Seu pensamento abriu espaço para se pensar o corpo-mente, artífice que cria com inteligência o corpo, pensado

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como unidade e não somente como instrumento, que expressa vida interior, cria e alcança movimentos artísticos como a dança moderna.

No início do século XX, Rudolf Von Laban (1870-1958), lança bases de uma nova dança, destacando os componentes essenciais do movimento corporal: tempo, espaço, peso e fluência. Laban foi um dos primeiros a perceber em profundidade a estrutura e o conteúdo desse movimento, sob a concepção de que a dança é uma linguagem que deve comunicar a partir dos movimentos dos dançarinos no espaço. Ele propôs um espaço tridimensional diferente daquele plano limitado pela plateia, servindo de referência para o dançarino, organizado em volume com diversas direções. Em sua teoria, esse espaço é compreendido a partir do corpo do dançarino e dos limites que o cercam, desta maneira o dançarino poderia se movimentar livremente, independente do seu deslocamento, guiando-se, então, pela kinesfera, que é a demarcação dos limites de extensões dos membros do corpo humano em relação ao próprio eixo. (MARQUES, 2010).

Suas ideias possibilitam ao corpo ser pensado como um todo onde as partes integram-se através do movimento de transformação contínua, permitindo a inclusão e desenvolve-se a partir de paradoxos e contrastes, e não mais como um instrumento a ser treinado.

Em diversas áreas do conhecimento, o corpo é incluído em constante processo de criação, adaptação e, sobretudo transformação. Quer seja nas áreas biológicas, exatas ou humanas, o corpo é sempre um organismo vivo, dotado de teias complexas que se conectam e se ramificam. Segundo Laban

A extraordinária estrutura do corpo, bem como as surpreendentes ações que é capaz de executar, são alguns dos milagres da existência. Cada fase do movimento, cada mínima transferência de peso, cada simples gesto de qualquer parte do corpo revela um aspecto de nossa vida interior. Cada um dos movimentos se origina de uma excitação interna dos nervos, provocada tanto por uma impressão sensorial imediata quanto por uma complexa cadeia de impressões sensoriais previamente experimentadas e adquiridas na memória. Essa excitação tem por resultado o esforço interno, voluntário ou involuntário, ou impulso para o movimento (LABAN, 1878 p. 48-49).

A fluidez dos corpos e das relações entre os corpos apresenta-se como fundamental para o dançarino na realização do seu processo criativo e na criação da dança, e através dessa sensibilização do corpo, da fluidez observa-se a instalação de um

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diálogo com o mundo, fonte de criatividade, que transcende os limites da situação e do corpo.

Este mestre do movimento tinha a preocupação explícita de fazer a dança um meio para o desenvolvimento das capacidades humanas de expressão e criação. Ele estudou profundamente as estruturas do movimento por meio da ciência chamada Coreologia, a qual permite a compreensão corporal e intelectual das estruturas presentes nas diversas manifestações criativas em dança. Laban deixou sua contribuição no campo da educação e da dança, abrindo novos caminhos para a pesquisa do processo criativo.

Para Laban, o que ele chamava de “nova técnica de dança” (dança educativa moderna) estimulava o domínio e o conhecimento do movimento dançado:

A nova técnica de dança que estimula o domínio do movimento em todos os seus aspectos corporais e mentais, aplica-se na dança moderna como uma nova forma de dança cênica e social. O valor educacional desta nova técnica pode ser atribuído, em grande parte, à universalidade das formas de movimento que estudam e dominam no aspecto contemporâneo desta arte (LABAN, 1990, p.16).

Mais tarde, o sistema proposto por Laban foi acrescido de novos estudos desenvolvidos por seus alunos e discípulos, é o caso da Estrela Labaniana, que apresenta cinco componentes estruturais que estão presentes no movimento humano. Nesta pesquisa vamos nos deter no primeiro componente dessa estrela, o Corpo, totalizado, que está em constante interação com o meio em que se insere, tornando-se pertinentes as seguintes questões: Como se dá essa relação do corpo em movimento consigo mesmo? Como esse estudo do corpo pode mobilizar o processo criativo que venha a dar autonomia e uma maior liberdade ao bailarino (ou dançarino) em cena?

Neste artigo, tenho como tema geral a criação em dança partindo do estudo do corpo proposto por Laban, sua importância para o processo educacional do aluno e da formação do professor. A escolha do tema se deu a partir das aulas ministradas no Departamento de Artes, no curso de Licenciatura em Dança, destacando algumas disciplinas como: Corporeidade, Pedagogia do Corpo, Coreologia I e II, Conscientização Corporal, Práticas Educativas em Dança Moderna e Composição Coreográfica. Nessas disciplinas, pude vivenciar processos de descoberta pessoal, observando o meu próprio corpo, tentando desfazer couraças construídas ao longo do tempo através da prática constante de técnicas altamente codificadas. Prossigo tentando,

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observando e investigando na prática pessoal e pedagógica e estendo esse desejo de conhecimento neste artigo.

O presente trabalho foi dividido em três partes: a primeira parte do artigo traz reflexões acerca dos aspectos históricos, socioculturais que podem contribuir e caracterizar o estudo do corpo em movimento. Selecionamos autores que considero importantes para o entendimento do trabalho, com o objetivo de contextualizar e conduzir o leitor ao tema estudado, tendo como destaque Rudolf Laban e suas propostas de compreender o corpo e suas imensas possibilidades criativas. Na segunda parte buscamos reflexões a cerca da percepção e consciência corporal, destacando o processo de sensibilização como ferramenta de pesquisa, investigação e criação em dança. A terceira parte traz reflexões sobre as possibilidades de criação, evidenciando o processo, e como a composição coreográfica atua no processo educativo e na formação e enriquecimento profissional.

É cada vez mais amplo esse universo de estudos, ampliando nosso modo de ver, de pensar e praticar a dança. Cada um dos autores aqui citados possibilitou a construção do pensamento sobre o corpo em movimento na dança e suas possibilidades de criação. Fazer uma retomada desses estudos significa, antes de tudo, respeito e reverência a cada uma dessas teorias como importantes descobertas para arte e, consequentemente, quando contextualizamos na dança contemporânea e na educação, entendemos que a dança atual agrega em si as experiências e conceitos anteriores ao nosso tempo, ressignificando cada um em cada novo movimento dançado.

Portanto, este texto considera o corpo em movimento como centro do trabalho da dança, através da história do corpo, do movimento e da própria dança. Sem a pretensão de estabelecer técnicas específicas de dança (e também de trabalho), traçaremos a compreensão do corpo que se movimenta inserindo-o dentro de contextos históricos que possibilitem uma prática consciente e expressiva. Tentando despir, acima de tudo, a dança de quaisquer artifícios, concedendo ao movimento expressivo do corpo a posição central na proposta de trabalho, inserindo-o nos reais objetivos da educação, ou seja, o de ser um agente transformador. Apresentaremos desse modo, o corpo e o movimento dançado, respectivos históricos e as possibilidades de trabalhá-los em função da expressividade e criação.

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O estudo do corpo em movimento

O estudo do corpo apresenta diversas abordagens ao longo da história e muitos são os questionamentos e ambiguidades a seu respeito. O pensamento ocidental desde Platão e Aristóteles é estruturado em termos e oposições binárias. O filósofo e matemático, Descartesestabeleceu uma abordagem mecanicista e dicotômica de corpo e mente, colocando esta última como central e dominante, enquanto o corpo ficava à sua sujeição.

No campo da arte, podemos destacar alguns estudos acerca do movimento humano que vieram a repensar essa visão dicotômica. Esses estudos foram desenvolvidos e abordados principalmente por três teóricos no final do século XIX. São eles: François Delsarte, Emile Jacques-Dalcroze e Rudolf Von Laban, europeus da França, Suíça e Eslováquia, respectivamente. Todos tinham em comum o direcionamento dos seus estudos no corpo humano, buscando a relação corpo/mente e seu ritmo interno/externo. Procuravam relacionar oposições, não como dualidades, mas como possíveis relações em diálogo e transição. A partir de suas pesquisas, novos direcionamentos foram dados aos estudos do movimento. Delsarte, como precursor, influenciou o trabalho de Dalcroze que, por sua vez, foi mestre de Mary Wigman e Hayna Holm, representantes da dança moderna alemã. Laban teve como inspiração a teoria de Delsarte e seu principio da trindade. Esta busca pelo conhecimento do indivíduo através do seu próprio corpo foi denominada de Movimento Corporalista, que se iniciou no século XIX, gerando novas formas de compreender e explicar o comportamento humano. A fase de maior desenvolvimento desta área ocorreu de 1930 a 1970. (FERNANDES e CUBAS, 1994). Neste mesmo período, destacaram-se Laban, Matias Alexander e Moshe Feldenkrais. Iniciou-se, então, a abordagem da educação somática1, através das práticas Alexander, Feldenkrais, Bartenieff, Ideokinesis e Body-Mind Centenring. Estas práticas foram denominadas “terapia corporal, trabalho corporal, técnica de release, técnicas de consciência corporal” (FORTIN, 1999, 40), na Europa; antes do termo atual, Educação Somática, aplicado nos Estados Unidos.

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Educação Somática foi definida pela primeira vez por Thomas Hanna em 1983, num artigo publicado na revista Somatics. O referido artigo afirmava que a Educação Somática era “a arte e a ciência de um processo relacional interno entre a consciência, o biológico e o meio-ambiente. Estes três fatores vistos como um todo agindo em sinergia” (HANNA, 1983, p. 7).

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As questões ligadas ao corpo, na contemporaneidade são discutidas em diversas áreas de conhecimento, que apresentam diferentes conceitos sobre ele, todas discutem desde as suas funções psicobiologicas e seus reflexos na sociedade até a evolução do pensamento sobre o corpo. Essas discussões podem estabelecer pensamentos que constroem relações complexas entre corpo e arte, podendo ser explicita, quando este corpo é a própria obra de arte, quanto implícita, quando as várias inspirações atravessam o corpo do artista, transformando-as, assim, em obra de arte. Logo, são inúmeras as possibilidades de construção e leitura do corpo em suas relações com a obra artística (LABAN, 1990). Não há pretensão de generalizar o pensamento e entendimento sobre o corpo, pois sabemos que, nas diferentes culturas; ele é visto e entendido de maneiras variadas, de acordo com aspectos culturais e sociais. Lançaremos apenas um breve olhar sobre o corpo que constitui a dança.

Observamos que a evolução do pensamento sobre o corpo acompanha a evolução da humanidade, principalmente nos seus aspectos religiosos e políticos, uma vez que este esteve sempre ligado à moral e personalidade do homem, aspectos que religião e políticas sempre tentaram manter o controle, ditando regras de conduta e impondo os “certos e errados”.

O movimento é inerente aos seres humanos e a dança é uma das possibilidades dessa movimentação acontecer de maneira expressiva. Os estudos do movimento na dança passam não só por suas relações com o social, com o cultural ou com o físico, mas instigam também a pensar em signos, possibilidades de criação, comunicação e expressão através desse corpo que é “Soma”2. O corpo estando disponível deve produzir uma movimentação consciente e expressiva, alcançada através de vários caminhos, porém, qualquer um deles deve preparar o corpo para o trabalho expressivo, de forma a mostrar o caminho para o conhecimento dos seus limites e possibilidades.

Segundo o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001) movimento significa: o ato ou efeito de mover-se, mudança de um corpo (ou parte de um corpo) de um lugar (ou posição) para outro. Na dança essa definição se transforma em conceito, ou seja, movimentar-se é bem mais do que um deslocamento no espaço: é deslocar-se

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A palavra soma foi reinventada por Thomas Hanna, professor do Método Feldenkrais e editor da revista Somatics, que distingue os conceitos de corpo e soma: (…) soma é o corpo subjetivo, ou seja, o corpo percebido do ponto de vista do indivíduo. Quando um ser humano é observado de fora, por exemplo, do ponto de vista de uma 3ª pessoa, nesse caso, é o corpo que é percebido. (BOLSANELLA, Débora Pereira A educação somática e os conceitos de descondicionamento gestual, autencidade somática e tecnologia interna. São Paulo, Ed. Montrivivência, 2011.)

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no espaço com qualidade, consciência e expressividade. Conforme Laban (1978, p.232): “O movimento é um processo pelo qual um ser vivo se capacita a satisfazer uma gama imensa de necessidades interiores e exteriores”.

Torna-se inevitável falar de Laban quando o assunto abordado é o estudo do movimento, afinal através das suas teorias ele nos trouxe uma possibilidade de entender, sensibilizar, dissecar e de trabalhar o corpo, e esse corpo em movimento da maneira que a dança propõe na atualidade. Isto é, qualitativamente, conscientemente e expressivamente. Ele proporcionou tanto ao dançarino como a outros profissionais, a possibilidade de trabalhar minuciosamente cada movimento e de manipular de acordo com suas intenções, pois compreendia que a diversidade dos esforços humanos seria a própria fonte de sua dramaticidade e que esta por sua vez poderia ser fortalecida a partir de um treinamento sistemático do corpo. (LABAN, 1990).

Entender Rudolf Laban

Rudolf Laban (1879- 1958), pesquisador, filósofo, coreógrafo e artista, foi um dos mais importantes teóricos na história da dança e do que ele mesmo chamou de A Arte do Movimento.

Sua produção teórica e artística, atualmente, está presente na vida e no trabalho daqueles que se dedicam a carregar o seu legado consigo. Ele via a Arte do Movimento como um fim em si mesma e um elemento essencial da vida. Ao longo do século XX até os dias atuais suas teorias foram acessadas por inúmeras áreas do conhecimento como as artes cênicas, visuais, educação, psicologia, antropologia e terapias corporais (MIRANDA apud FERNANDES, 2006). Sua própria história de vida, seus percursos e aventuras contribuíram para tal intercâmbio disciplinar presente em suas teorias, como tambem no acesso que o mundo teve a elas. A partir da década de 1910 até sua morte, Laban produziu conhecimento através de coreografias, artigos e livros, porém, também encontram-se materiais, contendo diversas de suas principais formulações, que foram postumamente publicados por seus principais discípulos.

Ainda hoje, o significado do movimento na vida e na dança em nossos tempos está diretamente relacionado à pesquisa e figura de Laban, mesmo que muitos artistas e pesquisadores não saibam. Ele definiu denominadores comuns a todos os tipos de movimento, como comportamental, simbólico, funcional e expressivo e providenciou

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maneiras de diferenciá-los através da descrição, classificação e notação. Laban empreendeu o estudo profundo e minucioso da Coreologia que é:

A lógica ou ciência da dança, a qual poderia ser entendida como estudo geométrico e uma espécie de gramática e sintaxe da linguagem do movimento que trata não só das formas externas do movimento, mas também do seu conteúdo mental e emocional, isto é baseado na crença que movimento e emoção, forma e conteúdo onde corpo e mente são uma unidade inseparável (LABAN apud RENGEL, 2003, p. 35).

A Coreologia de Laban compreendia a junção de três estudos diferentes: a Labanotation, a Corêutica e a Eucinética. Ciane Fernandes (2000) lembra que essas terminologias para descrição do movimento foram criadas para serem tão dinâmicas quanto à própria natureza da dança, e não como unidades estáticas. Lenira Rengel (2003) acrescenta que essas terminologias criadas por Laban permitem uma ampla e criativa experimentação, ajudando a verbalizar o movimento.

Os discípulos conduziram as postulações de Laban para vertentes diversificadas. Pelos lugares onde Laban foi passando, foi deixando sementes de seu pensamento e seu fazer artístico e desta forma foram se ramificando suas descendências. Lisa Ullmam (1907-1985), uma de suas últimas e fiéis discípulas juntamente com o próprio mestre Laban fundou o Art of Movement Studio que ganhou reconhecimento pelo ministério da educação inglês em 1949 e foi incorporado em1954 no Laban Art of Movement Centre, naquela época, localizado na cidade de Surrey e hoje em Londres (Inglaterra). Irmgard Bartenieff (1900-1981), vinda da Alemanha para os Estados Unidos, aplicou os conceitos de Laban em terapia do movimento, o que contribuiu para formatar as bases da Dança Terapia. Ela foi uma das primeiras a levar as teorias de Laban para América, junto com Juana de Laban (filha de Rudolf Laban), Irma Otto Betz e as fundadoras do Dance Notation Bureau – Ann Hutchinson Guest, Helen Priest Rogers, Even Gentry e Janey Price. Bartenieff após adquirir formação com fisioterapeuta nos Estados Unidos sistematizou suas práticas e posteriormente patenteou como Bartenieff Fundamentals. Segundo Yolanda Amadeci (2006), no Brasil, Chinita Ullmam, Marian Duschenes, Yanka Rudzka, Renée Guimiel e Rolf Gelewski foram os pioneiros que trouxeram para o Brasil os ensinamentos do maior teórico do movimento. (FERNANDES. 2006).

Laban construiu o seu próprio modo de pensar e propôs uma episteme em dança. Ele lançou uma nova proposta de olhar o corpo e o movimento, apoiado na filosofia

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contemporânea da época, à qual ele teve acesso através da sua intensa convivência artística e social. Pesquisou em diversas áreas do conhecimento modos de se ilustrar e explicar o fenômeno do movimento.

Segundo Lobo (2002), a Corêutica é o estudo do movimento no espaço, tanto do corpo humano realizando uma ação claramente perceptível, como do corpo aparentemente parado (movimento imperceptível). Ainda acrescenta que a Corêutica é composta pela Kinesfera, pelos diferentes níveis, pelas tensões espaciais, pelas progressões, pelas formas, pelas projeções, pelas dimensões, pelos planos, pelas direções, pelo volume e escala de movimentos. Já a Eucinética é o estudo qualitativo do movimento, ou seja, o estudo da maneira como o movimento se estrutura no próprio corpo, a partir de elementos como peso (leve e pesado), espaço (direto e flexível), fluência (livre e controlada) e tempo (rápido e lento). Tanto a Corêutica quanto a Eucinética ajudam o dançarino a compreender seus movimentos e manipulá-los em função da expressividade.

A busca de entender o que Laban propôs para dança é baseada no fato de que as teorias filosóficas, em geral, influenciam o pensamento da época em que elas estão inseridas. Logo, entender o que a filosofia de Laban significou para a Arte do Movimento é também visualizar o que ele influenciou e modificou nesta linguagem a partir do século XX se alastrando por vários países da Europa. Os estudos desse autor trouxeram muitas contribuições para pensar a dança na educação. Em sua obra “Dança Educativa Moderna”, ele instiga a pensarmos essa dança a partir do conhecimento consciente do movimento, ou seja, do conhecimento do principio do movimento. Segundo ele, ao invés de estudarmos cada movimento especifico, podemos compreender e praticar o princípio que o rege (LABAN, 1990).

Aprendizado do corpo em movimento

Podemos então dizer que o ensino da dança, a partir dos estudos de Laban, conquista novos rumos, e se torna possibilidade de acontecimento em diferentes corpos, em variadas idades, rompendo com estereótipos de dançarino, ou seja, todos sem distinção, podem se mover expressivamente. Nota-se a importância desses estudos para arte-educação, pois a partir de suas propostas, muitos coreógrafos e dançarinos puderam estender seus estudos para o campo da educação e ampliar a atuação na dança, iniciando um pensamento sobre esta dança na educação atual, pois se todo corpo pode dançar e

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ser expressivo, a dança pode se legitimizar como parte do ensino formal, ganhando espaço nos ambientes escolares como arte expressiva, como destaca Lisa Ullmam, em suas considerações no livro “Dança Educativa Moderna”, de Laban:

Na educação, assim como na recreação, elaboramos a experiência da dança sobre formas básicas universais de movimento e sua assimilação e reflexo subjetivos e não sobre a concepção de uma apresentação externa. Desse modo, estabelece-se gradualmente um vocabulário do movimento que nos ajuda a adquirir expressividade na linguagem da dança (ULLMAN, apud LABAN, 1990, p.108).

A conquista desse espaço na educação formal é um processo resultante de vários fatores atrelados à cultura, à época histórica e à própria educação, que abre espaço cada vez mais para a educação do sensível.

A partir da década de 1960, Klaus Vianna (1928-1992) iniciou um trabalho de extrema importância para as pesquisas sobre corpo e seu movimento consciente. Trabalhando os apoios, articulações, oposições e eixos corporais, contribuiu para expandir o conhecimento dos seus alunos sobre os próprios corpos, desestruturando antigas concepções e percepções, instaurando movimentos conscientes, espontâneos, sensíveis. Partindo de premissas como o cuidado e respeito com o corpo, ele elaborou uma metodologia que mais tarde seria chamada de “Técnica Klauss Vianna”, cujo objetivo é conhecer o corpo, para poder mais na frente explorá-lo.

Não posso esquecer que estou trabalhando com seres humanos, não com bailarinos, ou esportistas, ou professores ou com donas de casa. São seres humanos que buscam minha aula porque acreditam que eu lhes poderia apontar caminhos. O que busco, então, é dar um corpo a essas pessoas, porque elas têm coisas a dizer com seus corpos (VIANNA apud MILLER, 2005, p. 23).

Partindo desse pressuposto, o coreógrafo e bailarino brasileiro reuniu os mais diversos profissionais e interessados pela arte da dança e do movimento, construindo um legado importante para dança de sua época, tanto em relação ao estudo do corpo em movimento, quanto à didática dos professores de dança.

Jussara Miller (2005) ressalta que a técnica Klauss Vianna parte do conhecimento corporal para posteriormente acontecer transformação do movimento em dança:

A técnica Klauss Viana pressupõe que, antes de aprender a dançar, é necessário que se tenha a consciência do corpo, de como ele é, como ele

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funciona, quais as suas limitações e possibilidades para, a partir dessa consciência corporal, a dança acontecer. E quando a dança acontece? Quando o corpo está disponível ao movimento para realizar uma comunicação através da expressão corporal, com a manifestação da dança de cada um. Portanto, a Técnica Klauss Vianna propõe, antes de mais nada, uma disponibilidade corporal para o corpo que dança; o corpo que atua; o corpo que canta; o corpo que educa; o corpo que vive (MILLER, 2005, p.59).

Além de Dalcroze, Delsarte, Laban e Klauss Vianna, poderíamos citar também outros tantos dançarinos, atores, diretores, coreógrafos e professores que promoveram (e ainda promovem) uma transformação sobre o entendimento do corpo e o movimento. No entanto, escolhemos falar apenas dos já citados, principalmente Laban, mas deixamos claro que eles não foram os únicos que contribuíram para esse estudo, pois sabemos que os profissionais da dança e do movimento expressivo criativo tem se multiplicado e acrescentam importantes conceitos para o estudo do corpo em movimento, em especial, para o estudo da dança na educação.

Prosseguindo na reflexão sobre a construção do pensamento sobre o corpo e o movimento na dança, podemos acrescentar o corpo disponível como um corpo aberto, dilatado, sensível. Ele pode se afetar e ser afetado pelas inspirações que o atravessam, esse é o corpo que buscamos nessa dança-educação, já que na educação formal não estamos buscando formar dançarinos profissionais, a busca é pela expansão das possibilidades expressivas e criativas do aluno, a fim de mostrarmos a expressão artística que existe em seu corpo e em seu movimento. Desse modo, acreditamos que a dança só consegue ser realmente assimilada e compreendida quando o corpo a entende e a compreende, ou seja, quando o corpo, vivencia o movimento expressivo, sem uma determinada estética, mas como um mergulho no que é muitas vezes desconhecido para o próprio sujeito que se move nesse processo de aprendizado corporal.

Conforme Isabel Marques sobre a dança criativa

Acredito que esta nomenclatura tenha surgido em oposição àquela dança, ou aula de dança, na qual o aluno deve aprender movimentos codificados e rígidos, sem qualquer interferência pessoal no que diz respeito à criação do passo ou do movimento executado. Focalizando mais de perto as aulas de “dança criativa”, pude notar que nelas os alunos têm a oportunidade de experimentar, explorar, expandir, representar, e colocar o seu eu no processo de configuração de gestos e movimentos (MARQUES, 2003, p. 139).

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Nesse contexto, temos uma visão de que é a partir do processo criativo, desenvolvido pela dança na escola, que o individuo se emancipa, a criatividade possibilita a independência e liberdade do ser pela autonomia. A dança então pode ser uma ferramenta preciosa para o indivíduo lidar com suas necessidades, desejos, expectativas, e também servir como instrumento para seu desenvolvimento individual e social.

Desse modo, podemos afirmar que a dança educativa traz uma proposta interessante para se ensinar a dança na escola, por permitir que as crianças explorarem as possibilidades do movimento e de expressão, de consciência corporal, de noções espaciais e rítmicas.

No que se refere à essa exploração dos movimentos e sob influência das ideias de John Dewey da escola nova, Laban traz uma proposta de ensino de dança em que a criança aprende a partir do seu fazer e dos movimentos em dança. Essa proposta possibilita, por meio da ação, que a criança se perceba, conheça e experiencie a relação do corpo com o meio.

Partimos da premissa de que perceber o corpo é fundamental para movimentá-lo. É impossível pegar um objeto ou simplesmente andar sem antes perceber as mãos e pernas. Do mesmo modo, é necessário termos a percepção do nosso corpo para poder dançar. Na dança, ela começa quando conhecemos nosso corpo, suas dimensões, suas partes, seu volume. Levantamos então as seguintes questões: Qual é o corpo que tenho? Como é o corpo que tenho? Como me relaciono com este corpo? Existem muitas técnicas que auxiliam nesse processo de sensibilizar para perceber o corpo na dança, dentre elas podemos destacar os estudos da Eutonia, uma técnica desenvolvida por Gerdar Alexander (1908-1994), que em resumo consiste em trabalhar o tônus do corpo, afim de que se possa adquirir domínio sobre ele. Propõe a sensibilidade a partir do toque na pele e o uso do tônus muscular de maneira harmônica.

A observação da respiração, as sensações, o peso, o volume e a forma do corpo e de suas partes, assim como as respostas corporais a estímulos sonoros, verbais e visuais, fazem parte desta fase da formação, onde sensibilizar e aguçar a percepção corporal são prioridade (LOBO, 2003, p. 84).

Thérese Bertherat e sua técnica denominada de “Antiginástica” também merece destaque. Essa técnica que trabalha com a percepção e consciência corporal, busca a

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mudança de hábitos corporais, proporcionando maior envolvimento e bem-estar do corpo. Ela propõe um trabalho envolvendo o relaxamento da musculatura posterior do corpo e do que ela chama de “memória corporal”, com o objetivo de libertar e equilibrar as sensações e emoções corporais.

Nesse instante, esteja você onde estiver, há uma casa com o seu nome. Você é o único proprietário, mas faz tempo que perdeu as chaves. Por isso, fica de fora, só vendo a fachada. Não chega a morar nela. Essa casa, teto que abriga suas mais recônditas e reprimidas lembranças, é o seu corpo (BERTHERAT, 1999, p. 10). No entanto, tais técnicas são bastante complexas e envolvem importantes teorias sobre a concepção do corpo psicossomático, e que não nos cabe aqui desenvolver, mas apresentá-las como possíveis fontes para o que chamamos de “primeiro contato” com nosso corpo.

Retornando à Laban, Guimarães (2006) expõe que o trabalho corporal por ele proposto se voltava mais às questões da estrutura do movimento (corpo, espaço, ações, relacionamentos e dinâmica). O objetivo era que o aluno se tornasse consciente das relações entre seu corpo e os fatores do movimento, propiciando o conhecimento do aparelho locomotor, sensações e possibilidades de movimentação para um corpo mais criativo, expressivo e mais comunicativo. Isso significa que, antes do inicio do trabalho com o movimento expressivo, é preciso compreender como esse movimento funciona, de onde surge, que corpo o produz.

Lobo traz um importante questionamento acerca desse conhecimento expressivo do corpo

Afinal do que adiantaria tanto conhecimento mecânico e técnico se todo este investimento não fosse colocado a favor da expressividade do corpo ou na construção de uma arte expressiva? De que serve a técnica se ele não for um meio para a construção de uma linguagem? (LOBO, 2003, p. 115).

Entendemos que não é possível realizar essa etapa de percepção e conhecimento dissociado da experiência do movimento, pois acreditamos que o movimento proporciona diretamente o que buscamos nesta etapa do trabalho, como nos mostra Sônia Machado de Azevedo, quanto cita em seus estudos de Paul Schilder (1886-1940), que trata da percepção corporal:

Segundo Paul Schilder, a percepção não existe sem ação, ou seja, a percepção e a resposta motora são os dois pólos da

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unidade do comportamento. Para ele, o conhecimento e a percepção são frutos de um processo bastante ativo, no qual a motilidade desempenha seu papel (AZEVEDO, 2009, p. 204). Ou seja, para que esse reconhecimento aconteça, podem-se usar exercícios sutis de reconhecimento corporal, como movimentos mais dinâmicos e uma vez que realizando movimentos variados, o aluno pode sentir, entender, descobrir, perceber as partes do seu corpo, como funcionam, seus limites e possibilidades, além de ir se familiarizando com o corpo que se movimenta na dança. O trabalho quando bem direcionado pode proporcionar ao aluno o entendimento das energias dispensadas para realização do movimento, a partir do controle e da manipulação das mesmas.

Prosseguimos, e nesta etapa, cabe dar atenção à sensibilização do corpo, já que o que torna a dança uma linguagem artística é justamente a possibilidade de expressão que ela proporciona resultado direto das sensações e impressões do artista em relação ao meio e ao que o toca. Desse modo, trabalhar os sentidos tem destaque no trabalho de conscientização corporal, principalmente porque a educação formal costuma esquecer a sua importância na formação do homem, e privilegiando o intelecto racional ao sensível, forma pessoas “anestesiadas”, e tendo em vista esse abandono do sensível, torna-se ainda mais importante a pratica de sensibilização corporal, a fim de retomarmos a sabedoria de nosso corpo.

A sensibilização corporal ativa nossos sentidos, abrindo caminho para o novo, o inusitado, ao desconhecido. Torna os poros do corpo bem abertos para o mundo, consequentemente, para os mais variados estímulos e inspirações existentes nele, se tornando parte desses saberes, e de maneira bem simples essa prática pode ser realizada: o toque sutil e a automassagem, por exemplo, começam a despertar o corpo para outros passos. Essas práticas sendo incentivadas no inicio do processo de sensibilização, posteriormente, nos permitem trabalhar com as sensações, imagens e lembranças que esses sentidos trazem consigo.

A sensibilização corporal, desse modo, contribui efetivamente para a construção do “corpo soma” (totalizado), colaborando com a etapa de percepção e consciência e demonstrando a capacidade que o corpo tem de apreender o que lhe atravessa.

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Após a consciência e percepção de como é, sobre como funciona o corpo, é possivel explorá-lo em função da dança, ou seja, unido ao movimento de forma criativa em função da expressão artística.

Marques afirma que

Laban (1974; 1978; 1985) identificou quatro fatores/qualidades do movimento (peso, espaço, tempo e fluência) que, inter-relacionados, organizam e fazem compreender os impulsos internos de energia que geram o movimento. Esses fatores, em conjunto, revelam e comunicam quanto de energia muscular foi investida na realização do movimento. Por isso, também revelam e comunicam sentimentos, sensações e sentidos. (MARQUES, 2010, p. 114).

Sabemos que falar sobre a expressividade do corpo não é algo novo, pois ele expressa-se e comunica-se mesmo que não tenhamos a intenção de fazê-lo. Quando observamos as pessoas no nosso cotidiano, mesmo quando estão paradas, aparentemente imóveis, elas dizem algo com seus corpos, seus olhares, posturas, maneira de andar, mexer a boca ou olhos, tudo diz algo. O corpo comunica o tempo todo, pois tem bagagem, histórias, assimila tudo o que passa por ele e assume as marcas que diversas experiências vividas deixam. A partir dessa afirmação, entendemos que qualquer movimento pode dizer algo, mas que nem todo movimento é dança.

Ao sensibilizar o corpo e aguçar a nossa percepção podemos trabalhar no aprendizado da dança a ideia de exploração criativa do movimento, que mais do que explorar movimentos mecanicamente, vai além, é estar com o corpo disponível, deixando a imaginação e a consciência atenta para que a movimentação surja de maneira a integrar-se com o “corpo-soma” (totalizado), gerando assim, a movimentação criativa e expressiva que almejamos. Percebemos a importância dessa disponibilidade corporal para a realização da exploração de movimentos.

Nesse caminho de exploração criativa dos movimentos, entramos no universo da “improvisação” na dança. Trata-se do ato de explorar a movimentação corporal a fim de descobrir possibilidades de movimento e, consequentemente, de expressividade. Ela se dá de diversas maneiras, todavia, ao contrário do que é comum de se pensar, improvisar não é um ato totalmente inconsciente. Durante o processo de improviso devemos estar abertos às possíveis imagens, emoções, sensações e caminhos sugeridos pelos movimentos, para que dessa forma a movimentação possa fluir, e atentos para os

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comandos sugeridos pelo professor, quanto para o que realizamos em nosso próprio corpo.

Marques defende a seguinte ideia

Acredito ser preferível dizermos que trabalhamos aulas de “improvisação que abordam os princípios de Laban”, ou ainda aulas de “composição por meio dos elementos decodificados por Laban” (quando a ênfase é o processo criativo). (MARQUES, 2010, p. 152).

O corpo disponível, do qual falamos anteriormente, se concretiza nesses processos de exploração, investigação e experimentação que a improvisação proporciona, contribuindo para aumentar as possibilidades criativas particulares e coletivas dos indivíduos que vivenciam este processo, pois a improvisação na dança é justamente a ativação dessas potências, e permite ao corpo em movimento a possibilidade de passar pela experiência potente de afetar e de ser afetado pelos diferentes estímulos.

Entramos aqui num importante ponto da dança na educação: a relevância do processo criativo. Entendemos que é obvio a importância da concretização e a experiência estética que a finalização que uma composição artística traz, porém, é durante o processo criativo que se encontram elementos de transformação que a educação tanto almeja: imaginação, criatividade, o insight, devaneio e inclusive a parte de fruição estética. É no processo de criação onde a experiência vivida e o saberes do corpo, se concretizam efetivamente deixando o corpo aberto às sensações que lhe atravessam.

A dança na escola pode ser desenvolvida com a finalidade de mostrar e apresentar ao aluno não somente os movimentos artísticos (ou tradicionais), mas principalmente o panorama do contexto atual, mostrando o que acontece hoje e as tendências atuais. Deixamos claro, desse modo, que essa proposição é uma das inúmeras possibilidades de se trabalhar a dança (criação) na escola.

Sabemos agora, que o movimento consciente capacita o corpo para expressão. Desse modo, concluímos que qualquer técnica de dança pode desenvolver o corpo conscientemente se orientada de maneira adequada, com cuidado, atenção e respeito ao corpo do individuo.

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Considerando que o processo é tão importante, então por que concretizar o trabalho na forma de uma obra estética? Fica-nos essa dúvida diante da proposta onde consideramos o processo criativo como núcleo do aprendizado da dança na educação formal. Em outras palavras, por que passar do processo criativo para um possível produto final coreográfico?

Entendemos que compor uma obra artística, é uma tentativa de organizar as sensações e impressões causadas por algo que nos toca. Recorremos a Duarte Junior para esclarecer este ponto:

Nossa humana medida do mundo, por conseguinte, toma o nosso corpo como unidade e princípio orientador, estando à linguagem básica que empregamos cotidianamente eivada de referências ao nosso organismo e a seus processos perceptivos, mesmo que a tradição moderna nos tenha afastado de seus sentidos originais (DUARTE JUNIOR, 2006, p.128).

Partindo da ideia de que nosso corpo é o agente organizador das coisas, fica mais simples entender a necessidade humana de organizar as impressões sobre elas, afinal, o “corpo soma” é quem pede que isso aconteça. Coreografar é organizar, dar forma ao que foi possivel explorar no processo de consciência e percepção, improvisação e do uso de técnicas ou não. Podemos ainda dizer, que coreografar é deixar que a unidade orientadora de nossas percepções – o corpo – assuma formas e concretize suas afetações, o que justifica a organização estética na dança.

Ao dar o aluno a oportunidade de finalizar sua obra é efetivar sua participação ativa na mesma, ou seja, coreografar e concretizar acabam por fazer parte do processo criativo, se tornando também aprendizado. A concretização de uma obra é uma experiência estética, parte dos objetivos da arte-educação. No contexto escolar, seria importante para o trabalho com a dança, o estabelecimento de uma proposta que envolva a coreografia e os elementos que a compõe, de maneira que a experiência sinestésica e estética aconteça a partir da arte da dança.

Dentre os vários elementos de uma composição, damos destaque ao corpo como elemento central. É em torno dele que devemos conduzir o trabalho com outros elementos. O corpo em movimento ainda é o elemento central da dança, devendo ser, portanto, o elemento central da composição.

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No que tange aos elementos sensíveis, concordamos com a sugestão de Lenora Lobo e Cássia Navas (2008), que indicam o trabalho de composição a partir do que elas chamam de “Nascentes”:

Chamo de Nascentes certas faculdades corporais que fui reconhecendo como fontes ou “olhos d´água”. Deles, brotam impulsos ou estímulos para a criação do movimento. Percorrendo os fluxos internos do corpo, desencadeiam o processo criativo e, ao se conectarem com o sistema motor, manifestam-se em expressividade (LOBO & NAVAS, 2008, p79).

Para as autoras, essas nascentes são faculdades corporais que liberam o acesso à criatividade como a emoção, sensação, imaginação, memória, sentimento, atenção, ou a inspiração. Elas são elementos essenciais na composição, pois são as fontes da poética na dança. É partir daí que o movimento deixa de ser uma mera realização física para se transformar em movimento expressivo. Logo, é muito importante a estimulação do uso desses elementos sensíveis no processo de criação, e não há mistério em fazê-lo, pois essas nascentes fazem parte do nosso corpo (totalizado) e estão sempre prontas para serem exploradas. Portanto, esse estimulo à pesquisa e investigação da temática de uma coreografia, pode vir a ser um caminho de acesso as nascentes, mostrando a efetivação delas em um trabalho de dança.

Avançando para questão da dança no contexto da educação básica na escola, o princípio da composição nesse ambiente é deixar o corpo como elemento central e possibilitar que o aluno descubra sua própria forma de compor e de organizar seus movimentos coreograficamente. É importante ressaltar que, o aluno está em processo de aprendizado e que, mais uma vez, são as experiências vividas por ele, que o ajudam a construir suas impressões e a se expressar a partir delas. Desse modo, no trabalho com dança, desenvolvido em qualquer faixa etária, devemos incentivar que os alunos organizem suas próprias composições, em grupos ou individualmente, para que assim assuma suas preferências e desenvolvam, portanto, seu olhar crítico, destacando mais um ponto da importância do processo criativo.

Marques (2003) lembra da importância de haverem processos criativos no ensino, pois a criação é elemento fundamental da formação humana pois a aprendizagem no contexto escolar enfatiza ainda a repetição em detrimento da criação.

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Dessa forma, o foco do trabalho com a dança na educação, deveria ser direcionado para a criatividade expressiva. Quando o professor, arte-educador, introduz um trabalho que privilegia a criatividade, estamos caminhando em direção as propostas da arte na educação contemporânea e possibilitamos a abertura de espaço para que o aluno encontre no movimento, diversas possibilidades de comunicação e expressão. Acrescentamos que sem a experiência sensível não há arte, e que a criatividade é o foco primeiro para desenvolvimento da comunicação expressiva e sensível.

Entendemos que é importante destacar que essas questões ligadas ao sensível e ao racional devem ser consideradas nos trabalhos com dança, ou seja, em suas aulas práticas ou teóricas, em todas as técnicas de trabalho, em apreciações ou composição coreográfica. Desse modo, reafirmamos o corpo como território dos saberes sensíveis, racionais e reafirmamos a importância da arte do corpo em movimento nas mais variadas frentes de atuação do homem.

A proposta sistematizada por Laban aponta possibilidades múltiplas do movimento no processo educativo, oferecendo uma movimentação menos restrita, mais criativa e de acordo com o desenvolvimento global da pessoa

O movimento [...] revela evidentemente muitas coisas diferentes. É o resultado, ou da busca de um objeto dotado de valor, ou de uma condição mental. Suas formas e ritmos mostram atitude da pessoa que se move numa determinada situação. Pode tanto caracterizar um estado de espirito e uma reação, como atributos mais constantes da personalidade. O movimento pode ser influenciado pelo meio ambiente do ser que se move (LABAN, 1978, p.21).

Os estudos e propostas de Laban rejeitam o estilo de pedagogia voltada ao aperfeiçoamento das habilidades natas e consideram o processo educativo como ininterrupto e aberto a novas conexões e criações, promovem ao mesmo tempo a auto expressão, a subjetividade, o intimo, e também o universal.

Podemos perceber que as reflexões apresentadas por Laban se preocupam com o ensino da dança no contexto escolar, utilizando-se do cotidiano do aluno, suas referências de movimento, transformando-os em material de exploração artístico e o conduzindo em direção às artes do movimento, desvinculando espetáculos e apresentações como único fim. Pode-se dizer, então, que a Dança enquanto processo educacional não se resume apenas em uma simples aquisição de habilidades, mas que ela pode contribuir na relação do aluno com o mundo.

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Para Laban a criança tem o impulso inato de realizar movimentos similares ao da dança. Cabe à escola levá-la a adquirir consciência dos princípios do movimento, preservando sua espontaneidade e desenvolvendo assim a expressão criativa.

Considerações Finais

Conclusão? Para encerrarmos nossa reflexão, escolhemos tomar a palavra “conclusão” na forma interrogativa, pois nos fica a questão: realmente chegamos a alguma conclusão sobre o corpo e o movimento na dança? Ao considerarmos a dança como parte do processo de construção do individuo – e, portanto, também em processo – conseguimos concluir algo concreto?

Se as propostas que aqui apresentamos caminharam em direção a “experiência” sugerida nos estudos de Laban, aos “saberes do corpo” sugerido por Duarte Júnior, à “percepção sensível” de Merleau-Ponty, ao “corpo consciente” de Therése Berterat, podemos dizer que o corpo é soma, corpo é processo, corpo afeta e é afetado, atravessa e é atravessado pelo o que o toca. Nesse sentido, o movimento dançado é transformação, sendo assim admitimos que o corpo não se cristaliza e que está sempre aberto à novas descobertas.

Segundo Vianna (2008) a dança só é encontrada quando o corpo de cada um a vivencia. O que ele chama de “a dança de cada um”, e que pode ajudar a justificar nossa “conclusão interrogativa”. Ele disse

Meu trabalho busca dar espaço para a manifestação do corpo, com os conteúdos da vida psíquica, das expressões dos sentidos, da vida afetiva. Não é possível negligenciar ou esquecer tais coisas nem fazer que o corpo permaneça mudo e não transmita nada: as informações que ele dá são incomensuráveis. Temos é que conhecer esses processos internos poderosos e dar espaço para que eles se manifestem, criando assim a coreografia, a dança de cada um (VIANNA, 2008, p.150).

A temática do corpo estudada em Laban e aqui discutida também ressalta essa potencialidade de experimentação e criação da própria dança de cada sujeito, que

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favorece a sua própria experiência de conscientização e percepção corporal e de sensibilização desse corpo.

Neste artigo, desejamos, que o simples olhar lançado para dança possa auxiliar aqueles que trabalham com o movimento expressivo a pensarem sobre os possíveis caminhos para que esta arte aconteça afetivamente na educação, formal ou não, ou nos palcos, que essa construção da historia do corpo e da dança continue crescendo, se transformando, se ressignificando, se comunicando e se abrindo.

O trabalho com o corpo e seu movimento segue diferentes rumos, passa por várias teorias e diversas técnicas que contribuem para o processo de construção do pensamento prático, estético e teórico em dança.

Desejamos é que o presente trabalho tenha mostrado o corpo como elemento central de onde a dança emerge e o movimento como possibilidade de linguagem expressiva criativa, seja através de experimentos profissionais, nos palcos ou na educação.

Se existisse uma conclusão, seria a de que nada pode ser concluído, quando estamos abertos às experiências sensíveis, quando nos arriscamos a experimentar, a sentir, perceber e a nos expressarmos através do movimento.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BERTHERAT, Therèse. O Corpo Tem Suas Razões: antiginástica e consciência de si. Trad. Estela dos Santos Abreu. São Paulo: Ed. Martins Fontes,1999.

BOURCIER, P. História da dança no ocidente. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. DUARTE JUNIOR, João- Francisco. O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. Curitiba: Ed. Criar, 2006.

HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Ed Objetiva, 2001.

LABAN, Rudolf. O domínio do movimento. Trad. Ana Maria Barros De Vecchi. São Paulo: Summus, 1978.

LABAN, Rudolf. Dança Educativa Moderna. Trad. Maria Conceição Parayba Campos. São Paulo: Ícone, 1990.

LOBO, Lenora e Navas, Cássia. Arte da Composição: Teatro do movimento. Brasília: LGE Editora, 2008.

MARQUES, Isabel. Dançando na Escola. São Paulo: Ed. Cortez Editora, 2003.

MARQUES, Isabel. Ensino de dança hoje: Textos e Contextos. São Paulo: Ed. Cortez Editora, 1999.

MARQUES, Isabel. Linguagem da Dança: Arte e Ensino. 1ª ed. São Paulo: Editora Digitexto, 2010.

MERLEAU – PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. 2ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

MILLER, Jussara. A escuta do corpo: abordagem da sistematização da técnica Klauss Vianna. Dissertação de mestrado. Campinas: UNICAMP, 2005.

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Referências

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