• Nenhum resultado encontrado

Práticas Colaborativas em Saúde: Tipologias e estratégias de cuidados centrados no paciente

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Práticas Colaborativas em Saúde: Tipologias e estratégias de cuidados centrados no paciente"

Copied!
10
0
0

Texto

(1)

615

Práticas Colaborativas em Saúde: Tipologias e estratégias de cuidados

centrados no paciente

Patrícia Escalda1; Clélia Maria de Sousa Ferreira Parreira1 1Universidade de Brasília-Faculdade de Ceilândia

patescalda@yahoo.com.br; cmsfparreira@gmail.com

Resumo. Este estudo teve como objetivo identificar na prática de uma equipe de saúde da atenção primária

os componentes comuns do cuidado centrado no paciente. Para compreensão de aspectos que abarcam tanto os processos subjetivos quanto coletivos, as narrativas da observação participante do trabalho de uma equipe de saúde que atua na atenção primária, foram utilizadas como ferramenta metodológica. O local do estudo foi em Barcelona-Espanha, realizado no período de maio a junho de 2016. Os tipos de cuidado foram adotados como categorias de análise para orientar a leitura dos diários de campo, em que foram selecionados trechos das narrativas resultantes das observações que pudessem caracterizar o cuidado prestado como sendo holístico, colaborativo ou responsivo. Foram selecionados seis casos para o estudo, em que se considerou a complexidade da situação trazida pelo paciente e o envolvimento de mais pessoas da família para a solução do caso.

Palavras-chave: Práticas Colaborativas em Saúde; Cuidado Centrado no Paciente; Trabalho em Equipe de

Saúde; Atenção Primária em Saúde.

Collaborative Practices in Health: Patient-centered typologies and strategies of care

Abstract. This study aimed to identify the common components of patient-centered care in the practice of a

primary health care team. In order to understand the aspects that encompass both subjective and collective processes in the group narratives, developed from the participant observation of the health care team’s work in primary care, were used as the chosen methodological instrument. The study was conducted in Barcelona-Spain, from May to June 2016. The sorts of care were adopted as categories of analysis to guide the assessment of the field journals, where selected excerpts from the narratives collected at the observations that could characterize the care provided as being holistic, collaborative or responsive. Six cases were selected for the study, which contemplated the complexity of the situation brought by the patient and the participation of more people of the families to solve the case.

Keywords: Collaborative Practices in Health; Patient Centered Care; Work in Health Team; Primary Health

Care.

1 Introdução

O Centrado no Paciente (CCP) tem demandado uma prática colaborativa capaz de assegurar a participação das diferentes áreas do conhecimento e disciplinas na qualificação da atenção prestada, de forma a garantir a tomada de decisão acerca dos melhores tratamentos e das terapêuticas mais adequadas (CIHC, 2007).

Estudos demonstram que os pacientes se envolverem mais positivamente nos cuidados quando percebem que ele está ocorrendo em função de suas necessidades singulares (Sumsion, & Lencucha, 2007), o que inclui informação acerca do estado de saúde, como também, das possibilidades de tratamento, já que para eles isso é fundamental para a tomada de decisão que lhes cabe (Kelly, 2005; Smith, Dwamena, Grover, Coffey, & Frankel, 2011).

Sidani e Fox (2013), com base em revisões sistemáticas que realizaram, consideraram que os componentes comuns do cuidado entrado no paciente podem ser apresentados em três tipos: 1) cuidado holístico; 2) cuidados colaborativos; e, 3) cuidados responsivos.

(2)

616

Para eles, o cuidado holístico diz respeito ao atendimento integral que leva em conta diferentes domínios (biofísico, cognitivo, emocional, comportamental, social e espiritual) e se baseia na perspectiva da promoção da saúde, da prevenção e da gestão de doenças. Os cuidados colaborativos, por sua vez, fazem referência à interação entre o profissional de saúde e o paciente, e implica em assegurar tomada de decisão compartilhada sobre as práticas de cuidado e a autogestão a respeito das recomendações indicadas. O cuidado responsivo trata da individualização do cuidado, da personalização de intervenções, e traz elementos das crenças dos pacientes sobre saúde e doença, colocando foco nas circunstâncias em que vive e se encontra o paciente cuidado, levando em conta suas perspectivas, sentimentos, valores, preferências, autonomia e necessidades.

A abordagem do CCP visa atender os seus desejos, considerando as suas preocupações e necessidades individuais, por diferentes profissionais (Sidani, & Fox, 2013). No entanto a organização dos serviços de saúde que é baseada nas orientações de melhores práticas, com baixa flexibilização associada ao cuidado, exige uma maior adaptação dos pacientes à organização estabelecida desses serviços, o que nem sempre atende à suas necessidades. Nas equipes de saúde os pacientes são ao mesmo tempo membros ativos da equipe e destinatários dos cuidados prestados. As necessidades dos pacientes determinam as interações entre os profissionais (Golin, & Ducanis, 1981) e a sua posição privilegiada na equipe, no entanto, depende da sua vontade e capacidade de participar do planejamento e prestação de cuidados de saúde (D’Amour, & Oandasan, 2005). D'Amour, Sicotte & Levy (1999) elaboraram um modelo que expressa os processos colaborativos, disposto em quatro dimensões, das quais duas estão relacionadas aos processos interacionais e duas que estão vinculados a fatores organizacionais. Dentre os processos interacionais, o compartilhamento de objetivos e visão comuns são de primordial importância (Evans, & Dion, 1991; Liedtka, & Whitten, 1998). Assim as metas compartilhadas centradas no paciente emergem quando a equipe está focada no paciente. No entanto é preciso reconhecer os diversos interesses e a assimetria de poder dos vários parceiros no atendimento e as negociações que disso resultam (Corser, 1998; Henneman, 1995). Em uma revisão na literatura para identificar os elementos centrais do cuidado centrado no paciente, conduzida por Kitson et al. (2013), três elementos comuns surgiram entre as disciplinas: participação do paciente e envolvimento, relacionamento entre o paciente e o profissional de saúde, e o contexto em que os cuidados são prestados (Sidani, & Fox, 2013). Este estudo teve como objetivo identificar na prática de uma equipe de saúde da atenção primária os componentes comuns do cuidado centrado no paciente.

3 Metodologia

3.1 Narrativa como ferramenta metodológica:

Na sociedade a narrativa perpassa todas as expressões humanas e se encontra na forma como se elabora, comunica ou produz sentidos (Barthes, 1977).

As narrativas têm sido consideradas ferramenta metodológica para compreensão de aspectos que abarcam tanto os processos subjetivos quanto coletivos por diferentes áreas do conhecimento (Abrahão, 2003; Brockmeier, & Harré, 2010; Erol Isik, 2015; Maluf, 1999; Motta, 2013).

Na pesquisa em educação, elas têm sido adotadas como instrumental para “re-significar o vivido, as crenças e os saberes produzidos” (Brito, 2010, p. 64-65), além de serem consideradas como modelos de investigação qualitativos, plurais e colaborativos (González Monteagudo, 2010).

As pesquisas sobre narrativa destacam algumas qualidades específicas da sua estrutura: o significado de muitas de nossas experiências é dificilmente capturado em uma narrativa, já que a vida sempre possibilita ao sujeito a (re)construção de novos significados para o vivido; há distinção entre viver e

(3)

617

narrar; e, ainda, que a narrativa pode mudar a depender de como, onde, quando e porque ela foi ou pode ser usada em diferentes contextos específicos (Brockmeier, 1999).

Em estudos no campo da saúde, a narrativa esteve relacionada a uma metodologia que valoriza uma prática médica centrada no paciente, com uma escuta afinada e o estabelecimento de vínculo (Greenhalght, & Hurwitz, 1999). No entanto, é necessário incluir nas práticas médicas habilidades de reconhecimento, assimilação e interpretações das histórias de adoecimento dos pacientes (stories of

illness) (Charon, 2006). No tocante à saúde, as narrativas têm ganhado status na medida em que se

reconhece o diálogo como condição primordial para a compreensão do outro, para o entendimento de suas necessidades e para a materialização da comunicação intersubjetiva que produz vínculo e aproximação entre os sujeitos que sofrem, ou têm necessidade de saúde, e os profissionais de saúde que lhes prestam os cuidados demandados.

De uma forma geral, o reconhecimento da narrativa como sendo responsável pela qualificação do cuidado tem implicações e suas consequências têm sido relacionadas à reorientação da formação médica, na assistência e no cuidado prestado (Oliveira et al., 2016).

Tais estudos evidenciam que as narrativas colaboram para promover a reflexão dos profissionais sobre suas próprias práticas, em busca de melhores diagnósticos e abordagens (Oliveira et al., 2016). Do ponto de vista teórico, conforme explicita Passeggi (2010), a pesquisa (auto)biográfica é guiada por três grandes princípios: a construção da realidade pelo sujeito; a linguagem como elemento mediador e a própria pesquisa como um posicionamento epistemopolítico, uma vez que no seu centro está a pessoa que narra, com suas inquietações e a sua capacidade de analisar seu trabalho, sua vivência, suas reflexões.

3.2 Aspectos da coleta de dados na pesquisa:

Este estudo foi produzido a partir de um estudo qualitativo exploratório, que teve como fonte de dados a narrativa resultante de observação participante do trabalho de uma equipe de saúde que atua na atenção primária.

A técnica de observação participante que tem como característica a interatividade do pesquisador com os participantes no contexto no qual se encontram (Yin, 2016), pressupõe convívio e intercâmbio de experiências captadas pelo olhar, falar, sentir, vivenciar, experimentar (Fernandes, & Moreira, 2013).

Tal estudo fez uso, como material de análise, do diário de campo de uma pesquisadora com experiência na estruturação e organização de serviços de saúde, com vivência no cotidiano do trabalho das equipes no âmbito da Atenção Primária, e obteve - a partir de suas anotações, nas quais constavam a descrição dos atendimentos observados, assim como suas impressões sobre a existência de vínculo, as formas de comunicação e as falas dos pacientes – os elementos para um estudo aprofundado de um processo do qual se podem extrair subsídios para uma discussão sobre cuidado em saúde, desde a perspectiva do cuidado centrado no paciente. As observações foram diárias e os horários para a realização das mesmas foram acordados com os profissionais de saúde da referida equipe.

A adoção dos fundamentos da pesquisa (auto)biográfica para a produção do estudo se justifica pelo fato de a pesquisadora haver, como enfatiza Passeggi (2010), tomado a si mesma como objeto de reflexão e ter explorado o entrelaçamento entre linguagem, pensamento e práxis, uma vez que sua observação e os seus registros foram perpassado pela sua trajetória profissional e acadêmica, além de sua experiência acumulada no Sistema Único de Saúde, cuja proposta de organização e funcionamento próprios da Atenção Primária é amplamente conhecida no Brasil (Giovanella, & Mendonça, 2008), e seus estudos anteriores realizados na Espanha.

(4)

618

3.3 Local do estudo:

O local do estudo foi em Barcelona-Espanha, realizado no período de maio a junho de 2016. A cidade de Barcelona se situa na Região Autônoma da Catalunia, na qual a Atenção Primária já dispõe de resultados positivos sobre indicadores importantes de mortalidade e morbidade, resultantes de uma reforma sanitária que produziu um modelo de trabalho em equipe, hoje consolidado. De uma forma geral, tais resultados sinalizam para melhorias no conteúdo das consultas, na diversificação de materiais disponíveis para implementação do cuidado ao paciente, além de a implementação de um modelo de formação médica especializada em Medicina de Família e Comunidade (Navarro López, & Martín-Zurro, 2009).

3.4 Análise dos dados:

Os tipos de cuidado, propostos por Sidani e Fox (2013), foram adotados como categorias de análise para orientar a leitura dos diários de campo. Foram selecionados trechos das narrativas resultantes das observações, especialmente aqueles que descreviam as abordagens feitas pelos profissionais de saúde junto aos pacientes, ou suas famílias, para delas destacar os elementos que pudessem caracterizar ou classificar o cuidado prestado como sendo holístico, colaborativo ou responsivo. Dos casos narrados pela pesquisadora, foram selecionados seis para o estudo. A escolha considerou a complexidade da situação trazida pelo paciente e o envolvimento de mais pessoas da família para a solução buscada, uma vez que para a sua abordagem se fizeram necessários conhecimentos ou informações que extrapolavam aquelas exclusivamente relacionadas às queixas feitas.

Caso 1 – Paciente dependente, que busca ajuda social.

Caso 2 – Paciente idoso com dificuldade de fala, com pouca empatia com a cuidadora que o está acompanhando.

Caso 3 – Paciente em processo demencial, com dificuldades de relacionamento com a filha e genro.

Caso 4 – Companheira de paciente cadeirante, com queixa de pouca efetividade da reabilitação.

Caso 5 – Paciente em busca de resultados de exames clínicos.

Caso 6 – Paciente idosa, com queixa de privação do sono em função dos intervalos curtos para uso de medicamento oftalmológico.

3.5 Aspectos éticos da pesquisa

O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comité de Ética e Investigação Clínica del Institut

Universitari d’Investigació en Atenció Primària Jordi Gol (IDIAP Jordi Gol) (número de protocolo:

P16/005).

4 Resultados

Para D’Amour et al. (2005), a colaboração é um processo dinâmico e humano, que envolve inúmeros fatores, dentre os quais são destacadas a liderança exercida pelos profissionais de saúde e a necessidade de se compreender melhor o papel que desempenham como líderes. É consenso que a colaboração impacta no cuidado em saúde e nos resultados das ações nos pacientes, uma vez que aspectos dessa colaboração operam em vários níveis do cuidado e podem influenciar, inclusive, sobre os fatores externos ao próprio atendimento prestado, ainda que se disponha de poucas evidências nesse sentido.

(5)

619

Para que se possa avançar e alcançar resultados positivos com relação aos pacientes, são apontados alguns fatores: a relação de interdependência entre os profissionais e o paciente; os pacientes serem o centro dos cuidados em saúde; a posição da equipe com relação à sua participação na tomada de decisão compartilhada; uma maior interação com as famílias, já que a prática colaborativa depende de complexas articulações que envolvem dimensões interacionais e organizacionais (D'Amour, & Oandasan, 2005).O Caso 1 (Paciente dependente, que busca ajuda social) e o Caso 2 (Paciente idoso com dificuldade de fala, com pouca empatia com a cuidadora que o está acompanhando) se situam na tipologia de um cuidado holístico, por implicar em um atendimento integral, feito em uma perspectiva da promoção da saúde, e que envolve a pessoa e a satisfação das suas necessidades. Ambos os casos foram extraídos das anotações feitas durante a observação do atendimento realizado por um Trabalhador Social (TS).

As consultas são agendadas pelo sistema informatizado e com horário marcado e delas se podem extrair alguns procedimentos padronizados na forma de agendamento e na maneira como os profissionais recebem os pacientes, que são buscados pelos profissionais na recepção, e não apenas chamados para se apresentarem ao consultório. Com relação ao Caso 1, uma das características que o vincula a um exemplo de Cuidado Holístico é o fato de a paciente trazer necessidades que extrapolam as demandas de saúde, próprias da paciente. Ela está acompanhada da filha, que declara a necessidade de a mãe receber ajuda social. As ajudas sociais são previstas para as pessoas que comprovem, por meio de avaliação domiciliar, atenderem os critérios para ter acesso a tais benefícios.

“Mãe e filha se sentam e a TS pergunta o que as trouxe para aquela consulta. A filha responde que a questão é a necessidade de atestar que sua mãe precisa de ajuda social. Coincidentemente esse era um caso conhecido da TS, que se recordava haver feito uma visita a essa senhora, justamente com a missão de fazer essa avaliação. No computador, a TS faz o preenchimento dos dados da consulta, no prontuário da paciente e indaga sobre a aposentadoria. A filha explica que a preocupação é que ela vai viver em Barcelona, mas que como o seu trabalho requer muitas viagens, sua mãe ficará muito tempo sozinha. A TS explica que uma coisa é incapacidade e a outra é avaliação para requerer ajudas sociais (dependência), que é avaliada por uma equipe da prefeitura, estabelecendo o grau de dependência, que será o norteador da modalidade de ajuda social que poderá ser requerida. A TS tem uma escuta muito afinada, atenta e muito cuidadosamente quando a própria senhora relata suas fragilidades. A filha quer saber como proceder para solicitar os benefícios e a TS busca os formulários necessários para preenchimento e os entrega, com orientações de preenchimento. Enquanto essa orientação é feita, a TS percebe que toda a conversa está entre ela e a filha, sem que a paciente participe. A senhora reage bem com um sorriso e diz não haver necessidade de sua participação nesse ponto, já que o assunto era mais burocrático e enfadonho. Mãe e filha consideram que a consulta foi produtiva, agradecem e se retiram. A TS se despede com muita simpatia, se volta para a mãe e diz que espera não vê-la tão proximamente, por esperar que tudo seja resolvido e que ela não tenha necessidade de retornar por essa mesma razão.”.

O Caso 2, do paciente idoso com dificuldade de fala, com pouca empatia com a cuidadora que o está acompanhando, é ilustrativo do cuidado holístico no tocante aos domínios emocional e afetivo. Esse caso, também conduzido por um TS, demonstra as implicações que uma relação paciente-cuidador pode ter com relação às expectativas de cuidado e o papel mediador que pode ser assumido pelo profissional de saúde.

“A TS vai até à porta e chama outro senhor pelo nome. Ele tem dificuldade para falar e não tem acompanhante. Pela reação da TS ao recebê-lo é possível perceber tratar-se de um paciente muito frequente no CAP. A queixa é de falta de empatia

(6)

620

com a cuidadora. A primeira indagação é se ele já havia falado com a filha a respeito, e pedido para trocar de cuidadora; e a segunda é se ele, ultimamente, estava fazendo compras desacompanhado, o que ele responde afirmativamente. A TS comenta que ele havia sido visto na redondeza sozinho e que isso não se justifica, já que ele tem uma pessoa que poderia acompanhá-lo. Ela explica que esse problema pode ser resolvido no âmbito familiar, mas que – com o fato dele haver trazido a questão para a unidade – ela agendaria uma reunião com ele e a filha, para acharem uma solução. Ao se despedirem, ainda na porta, a TS recomenda cuidado ao caminhar pelas ruas e o tranquiliza com relação ao agendamento da conversa com a filha. Depois da saída do paciente a TS explica que é ela quem faz essa programação e que essa proximidade estabelecida com os pacientes faz com que muitos deles façam muitas visitas, sem intenção ou necessidade de atendimento clínico, e que no caso desse senhor isso ocorre semanalmente. Antes de chamar o próximo paciente, inclui em sua agenda pessoal, a tarefa de entrar em contato com a filha do paciente”.

Os Cuidados Colaborativos como já indicado dizem respeito à interação entre o profissional de saúde e o paciente, implicando na tomada de decisão compartilhada sobre as práticas de cuidado e a autogestão a respeito das recomendações indicadas. Nesse sentido, o Caso 3 (Paciente em processo demencial, com dificuldades de relacionamento com a filha e genro) pode ilustrar essa interação.

“Depois de ser acompanhada até o consultório, a paciente é perguntada sobre o problema que ela traz, a paciente começa a chorar. Ela relata que acompanha a mãe 24 horas por dia e que a convivência na casa está ficando muito difícil. A TS oferece um copo d’água, até para dar um tempo para a situação amenizar, e explica que o caso da mãe é de ser atestada com dependência grau 2, o que já lhe assegura direito a um centro de atendimento pelas manhãs, e até mesmo uma ajuda no domicílio em que elas vivem. Mas, a filha já está esgotada, queixando-se que não tem tido férias e que a mãe não aceita outra pessoa como acompanhante. No caso da agressividade da mãe, relatada pela filha, é possível estudar – conforme orienta a TS – um ajuste na dose dos medicamentos. A filha explica que a mãe viveu só toda a vida e não aceita viver de outra maneira, e que no momento o câncer linfoma está “parado”. Ela diz conhecer bem a situação, e pergunta qual tem sido o envolvimento do irmão na ajuda com a mãe, o que a paciente responde ser impossível por conta dos próprios problemas que ele enfrenta. A TS identifica que existe uma demência e, portanto pode ingressar a mãe em uma residência, já que há perda cognitiva comprovada na mãe. Propõe o agendamento de uma consulta com o médico, com a presença inclusive do marido da paciente, já que ele também está implicado nas queixas trazidas. A TS se despede, confirmando que irá programar o retorno dela, e dos familiares, e, uma consulta conjunta com o médico para tomarem a decisão mais acertada para ela e para sua mãe.”

O segundo caso de Cuidado Colaborativo analisado foi o Caso 4 (Companheira de paciente cadeirante, com queixa de pouca efetividade da reabilitação).

“Entramos no consultório e já havia uma senhora esperando. Ela começa a conversa dizendo que a questão é que a companheira é cadeirante e faz reabilitação fisioterápica duas vezes por semana e que não está sendo suficiente para impactar em qualquer mudança sua qualidade na vida, que mesmo depois das atividades, não consegue sequer ficar sentada na cadeira. A demanda é por uma vaga na residência. Como existe uma lista de espera grande para as residências, a recomendação é de uma avaliação do potencial máximo de recuperação da paciente. Outra possibilidade de encaminhamento é o cadastramento da situação da casa em uma possível adaptação, já que a casa não está adaptada e isso é um

(7)

621

problema para a vida cotidiana. Como já houve indicação de grau 2 de dependência da companheira da paciente, é possível solicitar duas horas diárias de serviço de acompanhante. A TS faz uma busca na internet por ajudas públicas ou serviços voluntários, enquanto a paciente segue no relato das dificuldades que está enfrentando. As organizações mais econômicas são anotadas para a paciente, e é feita a sugestão de que a paciente analise as possibilidades para que seja possível tomarem uma decisão a respeito. Depois de a paciente sair do consultório, a TS comenta que essas são demandas de pessoas idosas e muito idosas, cujos problemas já são conhecidos por todos os profissionais do CAP, assim como as soluções também são conhecidas pelos pacientes. Complementa que muitos desses pacientes fazem uso do tempo da consulta para legitimar a situação, que não é nova, e isso se dá muitas vezes pela formalização da demanda, que está muito bem estruturada no sistema de saúde, cujas alternativas existem, mas exigem tomada de decisão.

O Cuidado Responsivo - que trata da individualização do cuidado, da personalização de intervenções, e traz elementos das crenças dos pacientes sobre saúde e doença - foi encontrado nas anotações de dois casos específicos: Caso 5: Paciente em busca de resultados de exame clínicos; e Caso 6: Paciente idosa, com queixa de privação do sono em função dos intervalos curtos para uso de medicamento oftalmológico. No Caso 5, se observou o respeito ao significado que uma questão cardíaca tem para o paciente atendido, e que pode variar. A escuta mais singular, permitiu a compreensão de que o caso específico exigia consideração da crença que o paciente trazia com relação a uma doença que supostamente poderia ter, o que fez com que o médico tivesse uma conduta diferenciada.

“O médico vai até a porta e chama o paciente pelo nome. Ainda na entrada, de forma descontraída, avisa tratar-se de paciente rebelde, o faz com que o paciente responda em tom de brincadeira, não ser esse tipo de caso. O paciente veio buscar os resultados dos exames. O médico olha o resultado e explica para o paciente com um desenho (me pareceu muito didático) que não identificou qualquer problema no resultado do exame. O paciente se inquieta e quer uma justificativa para o seu sintoma. Ele mesmo pergunta se não seria o caso de ser ansiedade? Esse diz tranquilo, mas em seguida afirma estar com taquicardia. Conversou com a família sobre o seu problema, que sugeriu que ele procurasse o médico. E o médico, depois de ouvir, o tranquiliza, dizendo que irá pedir um exame mais específico, embora o que ele dispunha em mãos já mostrava não haver nada que justificasse preocupação. Explica como será feito o exame que está solicitando, e porque fazê-lo. O paciente fica mais tranquilo e demonstra muita aproximação com o médico, que considera muito amigável. A despeito da segurança do médico em não haver nada de errado com o paciente, e ainda assim solicitar os exames complementares parece ter sido em função de perceber que o paciente estava inseguro e ansioso a respeito do risco que julgava correr”.

Já o Caso 6 - Paciente idosa, com queixa de privação do sono em função dos intervalos curtos para uso de medicamento oftalmológico, ajuda a exemplificar essa subjetivação singular, e faz com que o cuidado assume caráter responsivo, nos termos adotados no estudo, quando leva em conta a pessoa, suas crenças e convicções.

“O médico identifica na agenda que a próxima paciente é uma senhora de 87 anos bastante ativa, e que ele tem muita admiração por ela, que vive sozinha e gosta de viver.. A paciente sorri ao entrar e diz que por estarem alguns minutos adiantados da hora agendada, poderiam conversar um pouco mais. A paciente informa que teve um problema no olho e que consultou com o especialista, que receitou uma pomada,. Reclamou que como o medicamento para os olhos tem que ser usado de 2/2h, por três semanas, ela tem tido o sono prejudicado por essas interrupções.

(8)

622

Complementa que está organizada para ir a um balneário com uma amiga e por isso queria saber se estava tudo bem. O médico pergunta o que tem feito e a paciente então informa que em casa vê TV e faz leituras, que gosta de sair na rua para passear, mas tem estado triste, mesmo quando faz coisas de que gosta. Já está medicada para isso, e percebe melhoras. Não há prescrições ou recomendações clínicas. Somente as de que ela aproveite a viagem e a culinária do lugar, já que a glicose está controlada e sua saúde está boa”.

5 Conclusões

O cuidado centrado no paciente, nos termos apontados pela literatura, tem sido indicado como sendo capaz de qualificar a atenção prestada e de fazer com os serviços passem a garantir a segurança do paciente, e a respeitarem as necessidades por eles trazidas. A pesquisa realizada, que trouxe resultados que mostram as especificidades desse tipo de cuidado se materializa na relação interpessoal paciente-profissional de saúde, uma vez que tem sido reconhecida como sendo capaz de assegurar maior segurança do paciente e melhor atendimento às suas necessidades.

Estudos dessa natureza, em que são evidenciadas as abordagens feitas pelos profissionais de saúde junto aos pacientes, ou suas famílias, destacam os elementos que caracterizam o cuidado prestado como sendo holístico, colaborativo ou responsivo

A tipologia das práticas colaborativas que tenham como centralidade o cuidado no paciente se mostrou instrumental estratégico para a verificação de sua adoção, bem como para a consolidação dessas práticas no âmbito da rede local.

A pesquisa qualitativa, que integra o uso de narrativas como ferramenta metodológica, oportuniza a captação de aspectos subjetivos da dimensão do trabalho em saúde, por vezes não captáveis por outros instrumentos.

A potência da incorporação das narrativas em estudos sobre cuidado em saúde – como no caso da pesquisa realizada, que teve como base as observações registradas por uma das pesquisadoras - se mostrou relevante tanto para a documentação de feitos pessoais e profissionais dos membros das equipes, seus pacientes e familiares destes. Os relatos feitos, e a observação realizada, registrados na sistematização das situações presenciadas evidenciaram os tipos de cuidados praticados pela equipe participante da pesquisa, o que permitiu a captação de situações problema e a busca de soluções ao atendimento da queixa, que superaram os sofrimentos verbalizados e avançaram para além das limitações implicadas nas consultas e demais tipos de procedimentos clínicos comumente adotados nos serviços de saúde.

A narrativa, como ferramenta, possibilitou a apreensão de perspectivas singulares de profissionais e pacientes, e contribuiu para um entendimento mais próximo da cultura profissional predominante no cotidiano do trabalho em saúde analisado, além de incorporar outras dimensões, trazidas pelo paciente e seus familiares, enquanto atores sociais não desconectados de sua condição e saúde.

Referências

Abrahão, M.H.M.B. (2003). Memória, narrativas e pesquisa autobiográfica. História da Educação,

ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, 14, 79-95.

Batista, S.H.S.S. (2010). Saúde, cuidado e formação: por entre desafios e possibilidades. In Silva, V.L.G., Cunha, J.L. Práticas de formação, memória e pesquisa (auto)biográfica. São Paulo: Cultura Acadêmica, 37-44.

(9)

623

Brito, A.E. (2010). Narrativa escrita na interface com a pesquisa e a formação de professores. In Moares, D.Z. & Lugli, R.S.G. Docência, pesquisa e aprendizagem: (auto) biografias como espaços de formação/investigação. São Paulo: Cultura Acadêmica, 53-68.

Brockmeier, J. (1999). Between life and story: possibilities and limits of the psychoilogical sutudy of life narratives. In Maiers, W.B., Bayer, B., Duarte Esgalhado, R.J. & Schraube, E. Challengers to theoretical psychology. Toronto: Captus University, 206-213.

Brockmeier, J., Harré, J. (2003). Narrativa: Problemas e Promessas de um Paradigma Alternativo. Psicologia: Reflexão e Crítica, 16(3), 525-535.

Charon R. (2006). Narrative medicine: honoring the stories of illness. Oxford: Oxford University Press. CIHC. (2007). Interprofessional Education & Core Competencies: Literature Review.

Corser, W. (1998). A Conceptual Model of Collaborative Nurse-Physician Interactions: The Management of Traditional Influences and Personal Tendencies. Scholarly Inquiry for Nursing

Practice. Vol 12, Issue 4.

D’Amour D, Oandasan I. (2005). Interprofessionality as the field of interprofessional practice and interprofessional education: An emerging concept. Journal of Interprofessional Care, (1):8-20. Erol Işik, N. (2015). The Role of Narrative Methods In Sociology: Stories as a Powerful Tool to Understand Individual and Society. Journal of Sociological Research Cilt, 18(1), 103-125.

Evans, C.R., Dion, K.L (1991). Group Cohesion and Performance: A Meta-Analysis. Small Group

Research, 22(2), 175-186.

Favoreto, C.A.O., Cabral, C.C. (2009). Narrativas sobre o processo saúde-doença: experiências em grupos operativos de educação em saúde. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 13(28), 7-18. Fernandes, F.M.B., Moreira, M.R. (2013).Considerações metodológicas sobre as possibilidades de aplicação da técnica de observação participante na Saúde Coletiva. Physis Rev de Saúde (Rio de Janeiro), 23 (2), 511-529.

Fernandes, G.C.M, Heidemann, I.T.S.B, Costa, M.F.B.N.A, Becker, R.M., Boehs, A.E. (2017). Análise de narrativas autobiográficas de Fritz Schütze aplicada à pesquisa em Enfermagem. Texto Contexto

Enferm, 26(2):e04260015.

Giovanella, L., Mendonça, M.H.M. (2008). Atenção primária à saúde. In Giovanella, L., Escorel, S., Lobato, L.V.C., Noronha, J.C., Carvalho, A.I. Políticas e sistema de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 575-626.

Greenhalght, T., Hurwitz, B. (1999). Narrative based medicine: why study narrative? BMJ [Internet] 1999 [acesso 2014 Jul 20]; 318(7175):48-50. Disponível em: http://www.ncbi.

nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1114541/

Golin, A.K. & Ducanis, A.J. (1981). Preparation for Teamwork: A Model for Interdisciplinary Education. Teacher Education and Special Education: The Journal of the Teacher Education

Division of the Council for Exceptional Children, January 1, 1981.

González Monteagudo, J. (2010). La autobiografia educativa: formación, investigación y profesionalidad reflexiva. In Moares, D.Z. & Lugli, R.S.G. Docência, pesquisa e aprendizagem:

(10)

624

(auto) biografias como espaços de formação/investigação. São Paulo: Cultura Acadêmica, 69-88.

Henneman, E.A. (1995). Colaboration: a concept analysis. Joumal of Advanced Nursing,21,103-109. Kelly, M. (2005). Change from an office-based to a walk-around handover system. Nursing

times,101(10), 34-5.

Kitson, A., Marshall, A., Bassett, K. & Zeitz, K. (2013). What are the core elements of patient-centred care? A narrative review and synthesis of the literature from health policy, medicine and nursing. J Adv Nurs, 69(1), 4-15.

Liedtka, J. & Whitten, E. (1998). Enhancing Care Delivery Through Cross-Disciplinary Collaboration: A Case Study. Journal of healthcare management / American College of Healthcare

Executives,43(2), 185-203.

Maluf, S.W. (1999). Antropologia, narrativas e a busca de sentido. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, 5(12), 69-82.

Motta, L.G. (2013). Análise Narrativa Crítica. Editora Universidade de Brasília.

Navarro López, V., Martín-Zurro, A. (2009). La Atención Primaria de Salud en España y sus comunidades autónomas. 2. ed. Barcelona: IDIAP Jordi Gol. Coordinación y dirección editorial: Carrer del Pi.

Oliveira, C.M.A., Batista, N.A., Batista, S.H.S.S, Uchôa-Figueiredo, L.R. (2016). A escrita de narrativas e o desenvolvimento de práticas colaborativas para o trabalho em equipe. Interface, Comunicação,

Saúde, Educação, 20(59),1005-14.

Onocko-Campos, R.T. (2013). Narrativas no estudo das práticas em saúde mental: contribuições das perspectivas de Paul Ricoeur, Walter Benjamim e da antropologia médica. Ciências&Saúde

Coletiva, 18(10), 2847-2857.

Onocko-Campos, R.T., Furtado., J.P. (2008). Narrativas: utilização na pesquisa qualitativa em saúde. Saúde Pública, 42(6), 1090-6.

Passeggi, M.C. (2010). Narrar é humano! Autobiografar é um processo civilizatório. In Passeggi, M.C. & Silva, V.B. Invenções de vidas, compreensão de itinerários e alternativas de formação. São Paulo: Cultura Acadêmica, 103-130.

Reeves, S., Pelone, F., Harrison, R., Goldman, J., Zwarenstein, M. (2017). Interprofessional collaboration to improve professional practice and healthcare outcomes (Review). Cochrane

Database of Systematic Reviews 2017.

Sidani, S. & Fox, M. (2013). Patient-centered care: clarification of its specific elements to facilitate interprofessional care. Interprof Care, Early Online, 1–8.

Smith, R.,Dwamena, F., Grover, M., Coffey, J. & Frankel, R. (2011). Behaviorally Defined Patient-Centered Communication—A Narrative Review of the Literature. Journal of General Internal

Medicine, 26(2), 185-91.

Sumsion, T. & Lencucha, R. (2007). Balancing Challenges and Facilitating Factors when Implementing Client-Centred Collaboration in a Mental Health Setting. The British Journal of Occupational

Therapy, 70(12), 513-520.

Referências

Documentos relacionados

APRENDIZAGEM ATIVA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: TRANSFORMANDO A SALA DE AULA EM UM ESPAÇO DE CRIATIVIDADE Eloá Fernanda de Freitas1* Elizabeth Ramalho Soares Bastos2** Resumo: Este artigo

HYPOTHESIS 6: An increased and more diffuse loci of activation in both hemispheres is expected in non-proficient participants (YE), very pronounced in the RH

A proposta desta pesquisa objetivou desenvolver o estudante para realizar a percepção sobre o estudo da complexidade do corpo humano, onde o educando teve oportunidade

Através das observações realizadas em campo, buscamos enfatizar de forma simples a perspectiva dos conselhos escolares como peça essencial para o desenvolvimento do trabalho

Como as indústrias madeireiras utilizam vapor no processo de secagem da madeira serrada através da queima do resíduo em caldeiras sugere-se então inserir uma nova

Embora o momento ideal para obtenção de sementes de alta qualidade, seja logo após a maturidade fisiológica, a alta umidade da semente e da própria planta, associada ao

Neste capítulo, será apresentada a Gestão Pública no município de Telêmaco Borba e a Instituição Privada de Ensino, onde será descrito como ocorre à relação entre

H´a dois tipos de distribui¸co˜es de probabilidades que s˜ao as distribui¸c˜oes discretas que descrevem quantidades aleat´orias e podem assumir valores e os valores s˜ao finitos, e