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Cronotopia da coroação africana: mapeamento das representações simbólicas do maracatu no patrimônio da data magna em Fortaleza/CE

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ – UFC CENTRO DE CIÊNCIAS

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

JACQUICILANE HONORIO DE AGUIAR

CRONOTOPIA DA COROAÇÃO AFRICANA: MAPEAMENTO DAS

REPRESENTAÇÕES SIMBÓLICAS DO MARACATU NO PATRIMÔNIO DA DATA MAGNA EM FORTALEZA/CE

FORTALEZA 2017

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CRONOTOPIA DA COROAÇÃO AFRICANA: MAPEAMENTO DAS

REPRESENTAÇÕES SIMBÓLICAS DO MARACATU NO PATRIMÔNIO DA DATA MAGNA EM FORTALEZA/CE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de mestre em Geografia. Área de concentração: Dinâmica Territorial e Ambiental.

Orientador: Prof. Dr. Christian Dennys Monteiro de Oliveira.

FORTALEZA 2017

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Universitária

Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

A229c Aguiar, Jacquicilane Honorio de.

Cronotopia da Coroação Africana : mapeamento das representações simbólicas do maracatu no patrimônio da Data Magna em Fortaleza/CE / Jacquicilane Honorio de Aguiar. – 2017. 123 f. : il. color.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Ciências, Programa de Pós-Graduação em Geografia, Fortaleza, 2017.

Orientação: Prof. Dr. Christian Dennys Monteiro de Oliveira.

1. Maracatu. 2. Patrimônio. 3. Representações. 4. Espaço-Tempo simbólico. I. Título.

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CRONOTOPIA DA COROAÇÃO AFRICANA: MAPEAMENTO DAS

REPRESENTAÇÕES SIMBÓLICAS DO MARACATU NO PATRIMÔNIO DA DATA MAGNA EM FORTALEZA/CE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de mestre em Geografia. Área de concentração: Dinâmica Territorial e Ambiental.

Aprovada em: 03/07/2017.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Dr. Christian Dennys Monteiro de Oliveira (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

__________________________________________ Profª. Drª. Alexandra Maria de Oliveira

Universidade Federal do Ceará (UFC)

____________________________________________ Prof. Dr. Alessandro Dozena

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

_________________________________________ Prof. Dr. Tiago Vieira Cavalcante

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O processo de construção da pesquisa científica, com todos os seus percalços e superações, se torna possível não apenas pelo trabalho solitário do pesquisador, mas por todas as pessoas que estão diretamente envolvidas no processo, seja no apoio institucional ou emocional. Dessa forma, muitos são os que somos gratos pela sua parcela de colaboração em mais um ciclo acadêmico.

Assim, agradeço ao meu Pai Manoel, que já não está mais entre nós para celebrar essa conquista, e minha Mãe Maria de Fátima, pois hoje consigo reconhecer com mais clareza o ato de amor em me aceitarem como filha, e os incentivos feitos de maneira tortuosa, outrora incompreendidos.

Ao orientador Christian Dennys, pela orientação sempre presente e bem-humorada, o cuidado e o incentivo ao trabalho acadêmico, e discussões junto ao Laboratório de Estudos Geoeducacionais e Espaços Simbólicos (Leges). A todos os integrantes e colaboradores do Leges, pelas discursões junto ao Compare, em especial a Kelly Tavares, Lucas Gondim, Marcos Rocha, Ivna Carolinne, Juliana Oliveira, que estiveram mais presentes no fechamento do trabalho.

Aos membros da banca Alessandro Dozena, pela disponibilidade e por suas questões instigantes, Tiago Cavalcante, pela contribuição tanto na qualificação como defesa e pelas discussões junto ao Leges, e Alexandra Oliveira, pelos quatro anos de tutoria junto ao PET e pela amizade que permanece presente.

Ao meu querido Márcio, pelo entusiasmo e confiança constante e inabalável, sua presença e apoio nos trabalhos de campo e incentivo diário. Aos amigos Inácio, Jardélia, Luana e Rebeka, pelas conversas sempre bem-humoradas sobre as angustias universitárias. A Clícia, pela amizade sincera e correção do texto. A Luciana, pelo incentivo e colaboração e a Arteísa, por seu amor fraternal.

Aos interlocutores que disponibilizaram seus conhecimentos através das entrevistas e gentilmente abriram as portas das sedes dos maracatus.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior pelo financiamento para realização da pesquisa, e ao Programa de pós-graduação em Geografia.

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A pesquisa propõe reflexões a respeito do tempo-espaço simbólico dos Maracatus de Fortaleza, o qual conecta novas expressões fora do período carnavalesco, em diferentes espaços da cidade. Aspecto que ganhou crescente representatividade com a demarcação do 25 de março, dia oficial do maracatu e da libertação dos escravos no Ceará, transformado em feriado (Data Magna) no município de Fortaleza, Capital do Estado. As reflexões partem da relação entre Tempo

Espaço Memória, tendo como base a categoria lugar, adjetivado como lugar

patrimonial/ritual. Sua lugaridade (RELPH, 1976) é capturada na força da conceituação espaço-temporal (ou “cronotopia”), proposta pelo filósofo e linguista Mikhail Bakhtin (1975) para promover o acontecer do maracatu como lugar festivo, cuja reedição em diversos locais da cidade de Fortaleza busca fortalecer sua recente patrimonialização. Além disso, considera-se nas reflexões que a cronotopia do maracatu em Fortaleza enfatiza os limites contextuais das apresentações acolhendo temporalidade simbólica e discursiva própria da manifestação. Para tanto, utilizou-se a Teoria do Núcleo Central das Representações Sociais, com base em Serge Moscovici, a fim de compreender as representações simbólicas presentes nos eventos, com etapas divididas em a) revisão bibliográfica; b) análise documental de editais e relatórios da patrimonialização; c) trabalho de campo no período carnavalesco, nos 25 de março e nos 25 de cada mês; d) entrevistas semiestruturada com brincantes e participantes dos maracatus. As reflexões e considerações demonstram que a representação simbólica da manifestação está inserida em diferentes dimensões espaciais e temporais enquanto promotora de lugares rituais, com frequente necessidade de fortalecimento de articulações políticas e patrimoniais que proporcionem autonomia e visibilidade a manifestação.

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La investigación propone reflexiones acerca del tiempo simbólico de los Maracatus de Fortaleza, lo cual está conectando nuevas expresiones fuera del período carnavalesco en distintos espacios de la ciudad, aspecto que ha ganado creciente representatividad con la demarcación del día 25 de marzo, día oficial del maracatu e de la liberación de los esclavos en Ceará, convertido en fiesta (Fecha Magna) en la ciudad de Fortaleza, Capital del estado. Las reflexiones salen de la relación entre TiempoEspacioMemoria tiendo como base la categoría lugar, adjetivado como lugar patrimonial/ritual. Su lugaridad es percibida en la conceptuación espacio-temporal (o “cronotopia”), propuesta por el filósofo y lingüista M. Bahktin (1975) para promover el suceder del maracatu como lugar festivo, en que la reedición en distintos locales de la ciudad de fortaleza intenta fortalecer su reciente patrimonialización. Además, se toma, en las reflexiones, que la cronotopia del maracatu de fortaleza enfatiza los limites contextuales de las presentaciones, acogiendo temporalidad simbólica y discursiva propia del maracatu. Para tanto, se utilizó la Teoría del núcleo central de las representaciones sociales, basada en Serge Moscovici, para comprender las representaciones simbólicas presentes en los eventos, con etapas divididas en a) revisión bibliográfica; b) análisis documental de avisos e informes de patrimonialización; c) trabajo de campo en el período carnavalesco, en el día 25 de marzo e en los 25 de cada mes; d) encuestas semiestructuradas con brincantes y participantes de los Maracatus.

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Figura 01 - Cortejo de comemoração no Dia do Maracatu... 15

Figura 02 - Avenida Domingos Olímpio, Fortaleza/CE... 46

Figura 03 - Desfile carnavalesco na Avenida Domingos Olímpio... 46

Figura 04 - Planta Baixa do Maracatu Az de Ouro... 61

Figura 05 - Porta estandarte Maracatu Vozes da África – carnaval 2017... 62

Figura 06 - Cordão de africanos do Maracatu Nação Baobá – carnaval 2017... 63

Figura 07 - Calunga do Maracatu Nação Pici – carnaval 2016... 64

Figura 08 - Balaieiro do Maracatu Nação Palmares – Carnaval 2017... 65

Figura 09 - Cordão dos orixás e mães de santo – Carnaval 2016... 65

Figura 10 - Rainha do Maracatu Nação Baobá – Carnaval 2016... 66

Figura 11 - Ferro de maracatu... 67

Figura 12 - Afoxé Acabaca no Cortejo do Dia do Maracatu em 2016... 84

Figura 13 - Trabalhadores e consumidores assistindo ao cortejo... 89

Figura 14 - Composição da circularidade de ago/2015 a jul/2016... 93

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Mapa 01 - Mapa de localização das sedes dos grupos de maracatus por bairro em Fortaleza/CE... 56 Mapa 02 - Mapa das Regionais de Fortaleza... 79 Mapa 03 - Mapa da distribuição das apresentações de março de 2013 a outubro de

2016... 80 Mapa 04 - Mapa das apresentações dos maracatus de agosto de 2015 a julho de 2016. 81 Quadro 01- Lista dos Maracatus de Fortaleza por ano de criação... 54

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AMC Autarquia Municipal de Trânsito

ACECCE Associação Cultural das Entidades Carnavalescas do Estado do Ceará. COMPHIC Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Histórico e Cultural de

Fortaleza.

COMPARE Comunicação Patrimonial e Representação do Espaço Religioso. FAAC Federação das Agremiações Carnavalescas do Ceará.

IPECE Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará.

LEGES Laboratório de Estudos Geoeducacionais e Espaços Simbólicos. SECULTFOR Secretaria de Cultura de Fortaleza.

SECULT-CE Secretaria da Cultura do Estado do Ceará.

SER Secretarias Executivas Regionais

UECE Universidade Estadual do Ceará

UFC Universidade Federal do Ceará.

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1 INTRODUÇÃO... 12

1.1 Os maracatus e sua representação simbólica no tempo/espaço da cidade.. 14

1.2 Os caminhos metodológicos da pesquisa e a contribuição das Representações Sociais... 19

2 SOBRE LUGAR E ESPAÇO/TEMPO NA PERSPECTIVA GEOGRÁFICA... 25

2.1 A discussão do conceito de lugar na abordagem cultural da geografia... 27

2.2 Temporalidade e cronotopo na formulação de Mikhail Bakhtin... 33

2.3 Dinâmica das festas no calendário festivo de Fortaleza... 40

3 REPRESENTAÇÕES DOS CORTEJOS DO MARACATU EM FORTALEZA... 45

3.1 Origens e formação nos cortejos dos Maracatus Cearenses... 47

3.1.1 Reminiscências e reelaborações dos maracatus e as coroações dos reis negros... 57

3.1.2 Cordões e personagens no cortejo do maracatu cearense... 60

3.2 Caminhos do patrimônio nos grupos de maracatus... 68

3.3 A promoção dos maracatus enquanto patrimônio metropolitano... 75

4 CRONOTOPIA DA COROAÇÃO AFRICANA NO “DIA 25 É DIA DE MARACATU” ... 82

4.1 Patrimonialização das representações do maracatu na Data Magna... 83

4.2 Narrativa simbólica e cronotrópica da circularidade dos dias “25” ... 91

4.3 O(s) simbolismo(s) e desafios da patrimonialização do maracatu em Fortaleza... 107

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 115

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1 INTRODUÇÃO

Enquanto nos aproximamos da Praça da Paz Dom Helder Câmara para acompanharmos pela primeira vez o evento mensal em comemoração ao dia do maracatu, que já vinha acontecendo desde 2013, logo percebemos a existência de uma movimentação diferente nas atividades típicas do cotidiano, agregada geralmente aos exercícios, passeios de crianças e idosos, barracas de lanche e jogos de futebol ou vôlei. Percebem-se as conversas dos moradores e demais sujeitos que compartilham o espaço em suas diferentes atividades, bem como a observação curiosa dos brincantes que se preparam no canto da praça, com peças espalhadas pela calçada, vestidos, instrumentos, adornos de penas, estandarte e demais fantasias utilizadas. Brincantes se dividem entre os pequenos espelhos enquanto passam o negrume, pintando a face de preto. A rainha acrescenta o batom vermelho contrastante, enquanto as crianças marcam o corpo com pinturas indígenas e seus cocares. A todo tempo, a movimentação é acompanhada pelo olhar atento dos que passam e param por instantes, com diferentes olhares. Alguns questionam qual a programação da praça. Já outros querem saber o que o maracatu está fazendo ali fora do carnaval, sem associar de imediato a data à comemoração do dia do maracatu. Apressados pela organização do evento, ao passo que o locutor anuncia ao público a apresentação que deve começar em instantes, organizam-se atrás do porta-estandarte, entre o batuque, índias, baianas, balaieiro, a corte e por último o rei e a rainha, que deve ser coroada durante a apresentação.

Enquanto cortejam até o pequeno “palco” preparado no centro da praça ao som do batuque dos tambores, os sujeitos e transeuntes paralisam momentaneamente suas atividades enquanto acompanham com acenos, reverências e palmas o maracatu que vai chegando, e que sem muitos rodeios, já se prepara para a coroação na segunda ou terceira loa entoada, reverenciada pelos demais integrantes do maracatu, e coroada por um membro importante da organização do evento. Não se demoram a se despedir, e já retornam em cortejo ao ponto de partida inicial pegando as bolsas, sacolas, retirando parte da fantasia enquanto voltam para o ônibus. Nesse momento, a praça já voltou à dinâmica anterior, os jovens voltam a jogar na quadra, os idosos fazem suas caminhadas e os moradores caminham de volta para as suas calçadas de casa, restando o questionamento sobre como os brincantes, o público e os organizadores lidam e entendem a intervenção que acaba de ser realizada de forma breve, visto que a mesma representa o prolongamento da comemoração que oficialmente se inicia em março e estende-se para o decorrer do ano.

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Diante do questionamento, faz-se necessário a contribuição dos estudos culturais, constituintes de uma importante área de estudo para entendimento dos sistemas simbólicos presentes na abordagem cultural da Geografia. Tal abordagem tem como objetivo “entender a experiência dos homens no meio ambiente e social, compreender a significação que estes impõem ao meio, e o sentido dado as suas vidas” (CLAVAL, 2002, p. 20). Para compreendermos os nuances dos sistemas simbólicos, é necessário o entendimento da dinâmica de articulação das representações, bem como a intersecção entre cultura, práticas populares e vivências dos sujeitos.

As representações sociais e simbólicas, no seu processo de criação e recriação de significação, modificam-se frente a diferentes temporalidades e contextos culturais. Por conseguinte, o seu crescimento e multiplicação demandam um olhar sobre a dimensão simbólica, a qual evoca ações de planejamento que busquem sua conciliação com as dimensões patrimoniais, políticas, midiáticas e turísticas (OLIVEIRA, 2011). Tais dimensões se tornam indispensáveis frente às redes de relações formadas em torno das manifestações culturais, diante da diversidade de interesses presentes na composição das festividades e a vivência plural dos sujeitos envolvidos, desde gestores a brincantes.

Nessa multiplicidade de relações e diferentes dimensões do planejamento simbólico, as identidades individuais e coletivas desempenham seu papel na composição dos simbolismos que emergem das práticas desenvolvidas, bem como revelam estruturas e discursos sociais marcados pela dimensão político-ideológica pois festejar também exprime uma demarcação de espaços simbólicos pertencentes à festa (FERREIRA, 2003). Entretanto o lugar festivo, que evoca os simbolismos, as identidades e as aspirações dos sujeitos que constroem a manifestação, pode ser fluido, instável e indefinido, quando as manifestações ligadas a um dado local possuem uma temporalidade efêmera, sem demarcações concretas.

A possibilidade de existência de lugares simbólicos intermitentes e não fixos, que remetam a sentimentos e aspirações dos sujeitos quando em seu momento ritual, não elimina a possibilidade de que estes possuam a mesma força simbólica que um lugar marcado fortemente e concretamente como o “lugar da festa”. Tal possibilidade torna-se possível pela temporalidade, dimensão indissociável do espaço, que possui a capacidade de emitir e recriar imagens, sentidos e símbolos. É na dimensão temporal que a movimentação espacial será demarcada, bem como estabelecerá a periodicidade dos acontecimentos, determinando inclusive os seus graus de relevância. Essa dimensão temporal simbólica será de fundamental importância para entendermos os desdobramentos da presente pesquisa, bem como situa-la enquanto manifestação social que exprime suas imagens mais do que em lugares determinados

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como pertencentes ao acontecer festivos, e sim em um tempo simbólico específico, promotor de lugares rituais.

Dessa forma, as manifestações culturais enquanto representações simbólicas possuem dinâmicas próprias na intermediação entre sua espacialidade e temporalidade. Tal intermediação tem na dimensão da experiência pessoal e coletiva a demarcação dos traços e marcas deixados no espaço/tempo a partir do movimento que se torna inteligível dentro de sua temporalidade simbólica.

1.1 Os maracatus e sua representação simbólica no tempo/espaço da cidade

A cidade de Fortaleza possui uma variedade de manifestações culturais que demarcam o calendário festivo, que vão desde o pré-carnaval, carnaval, festas juninas, aniversário de Fortaleza, procissões, réveillon, dentre inúmeras outras. Além desses, existem os movimentos que ocorrem na busca de ocupar os espaços públicos culturais, equipamentos e praças, na tentativa de construir espaços de lazer e divertimento. Tais festas, seja de caráter sagrado ou profano, estruturam-se “em um nítido processo de conquista dos espaços públicos, por intermédio dos desfiles (procissões), animações (liturgias) e demonstrações públicas de fé (êxtase coletivo)” (OLIVEIRA, 2007, p.28).

Dentre essas manifestações culturais do calendário festivo fortalezense, responsáveis por remodelações espaço/temporais, estão os cortejos de Maracatus que ocorrem no período carnavalesco, que desfilam em caráter competitivo no domingo de carnaval na Avenida Domingos Olímpio, localizada próximo ao centro da cidade de Fortaleza. Nos demais dias de carnaval, a Avenida recebe os desfiles de blocos carnavalescos, afoxés e cordões.

Os cortejos de Maracatus, tema da presente pesquisa, rememoram a coroação de reis e rainhas negras. O mesmo é caracterizado como representação de uma corte da realeza africana, que desfila em cortejo ao som de loas e instrumentos de batuque junto à porta estandarte, índios, batuqueiros, baianas, balaieiro, orixás, calunga, casal de preto velho, a corte real, com as princesas, o rei e rainha, figura máxima do maracatu, tendo como ápice do cortejo à sua coroação.

O Maracatu Cearense possui diferentes relatos quanto sua origem e multiplicação, pois “efetivamente, no mundo atual, são inúmeros os agentes que participam no processo de construção da memória coletiva e de patrimonialização, possuindo cada indivíduo a sua própria visão do passado” (CABRAL, 2011, p. 32). Um desses pontos de origem são as coroações que ocorriam nas irmandades de Nossa Senhora dos Homens Pretos e Autos de congos, no séc.

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XIX, e popularização posterior no carnaval de Fortaleza a partir de 1930, com diferentes influências. Entretanto, outra versão aponta o surgimento dos maracatus em Fortaleza a partir da criação do maracatu Az de Ouro em 1936, “quando Raimundo Alves Feitosa vislumbrou a concepção de um maracatu em Fortaleza, inspirado nos maracatus observados em Pernambuco” (CRUZ e RODRIGUES, 2010, p. 5). Para alguns autores e brincantes, esse teria sido o ponto de surgimento dos maracatus na cidade de Fortaleza, e não apenas no carnaval.

Atualmente, existem quinze maracatus em atividade, com espaço consolidado no carnaval de Fortaleza, ligadas a Associação Cultural das Entidades Carnavalescas do Estado do Ceará (ACECCE). No ano de 2015 o Maracatu Cearense adquiriu, a nível municipal, status de patrimônio cultural imaterial da cidade, no “Livro de Registro dos Saberes”, “Livro de Registro das Celebrações” e no “Livro de Registro de Formas e Expressão”, pelo decreto N° 13.769, de 14 de março de 2016. A institucionalização, além de fazer emergir uma série de discussões quanto ao reconhecimento efetivo dos grupos, provoca a discussão de questões quanto ao financiamento no período carnavalesco, o alto investimento no período do pré-carnaval, a pouca visibilidade midiática, projetos de promoção dos maracatus, que são entre os brincantes pontos delicados a serem tratados.

No entanto, é necessário considerar a existência de propostas de valorização e incentivo que antecedem a patrimonialização, como mecanismo de promoção e visibilidade, tendo como auge dessa visibilidade a oficialização enquanto patrimônio. Dentre elas, está a patrimonialização temporal simbólica ligada ao dia vinte e cinco de março, data que rememora a libertação dos escravos no Ceará, em especial no município de Redenção. Tal data oficializou-se como Dia do Maracatu, oficializou-sendo levantado à marca maior da comemoração da libertação dos escravos pelos sentidos, a estética e as discussões existentes nos grupos, ligados á questão da cultura negra.

O dia do maracatu é comemorado com o cortejo de todos os grupos no centro da Cidade de Fortaleza (ver figura I), em formato distinto do período carnavalesco, onde existe a competição e uma determinação prévia estabelecida quanto a composições de cordões, elementos obrigatórios e tempo cronometrado. Diferentemente, o evento conta com um número menor de brincantes, com cordões reduzidos, que realizam o cortejo conjuntamente desde o Parque da Liberdade até a Praça do Ferreira, praças importantes que integram o centro comercial da cidade, com coroação de todas as rainhas em comemoração e celebração aos grupos.

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Figura 1 – Cortejo de comemoração no Dia do Maracatu.

Fonte: Acervo do autor, 2016.

Essa demarcação temporal conquistou, a partir do ano de 2013, periodicidade mensal, tendo como data de referência o dia do maracatu (25), com apresentações de diferentes grupos nos diversos bairros da cidade de Fortaleza, geralmente espaços de uso público ou de valor simbólico para capital, incluindo praças, shoppings ou pontos turísticos, como forma de atribuir maior visibilidade, democratizar o acesso à manifestação, bem como dinamizá-la diante da concentração dos cortejos no período carnavalesco. Já no ano de 2016, próximo aos fins dos quatros anos da gestão atual, o evento tornou-se projeto de lei1 garantindo a ocorrência nas gestões futuras.

Diante do contexto exposto, a pesquisa tem como propósito compreender a representatividade espaço-temporal dos maracatus a partir da sua vinculação a Data Magna de Fortaleza, constitutivo de um tempo simbólico enquanto patrimônio imaterial. A compreensão dessa representatividade perpassa o entendimento de diferentes aspectos. Dentre eles estão o reconhecimento dos elementos simbólicos e sincréticos da cultura popular que ritualizam as Festas da Coroação e a identificação da ressignificação do maracatu no contexto cultural de Fortaleza que culminou na sua patrimonialização. Além disso, faz-se necessário refletir sobre as políticas públicas municipais destinadas à valorização do patrimônio imaterial e de promoção dos Maracatus como bem cultural.

A motivação de investigar a temática está relacionada à atuação no Laboratório de Estudos Geoeducacionais e Espaços Simbólicos - e o grupo de pesquisa Comunicação

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Patrimonial e Representação do Espaço Religioso - COMPARE, ligados a Universidade Federal do Ceará - UFC. O desenvolvimento de pesquisas junto ao LEGES ainda no curso de graduação, relacionadas às representações midiáticas do carnaval de Fortaleza, proporcionou uma aproximação com o tema a partir do auxílio nas atividades de campo, bem como leituras e trabalhos acadêmicos relacionados ao tema. Dessa forma, a partir da vivencia com o carnaval de Fortaleza e a busca por demais eventos da cidade onde os maracatus estivessem presentes nos instigou a questionamentos sobre as articulações patrimoniais e políticas que permeavam os grupos, resultando no projeto de mestrado submetido ao Programa de Pós-Graduação em Geografia. O interesse na temática está relacionando ao valor representativo da manifestação para a cidade, enquanto manifestação cultural e bem patrimonial com simbolismos representativos, bem como a necessidade de refletir sobre estratégias que promovam a manifestação de maneira autônoma.

A patrimonialização institucional a nível municipal representa um avanço quanto ao reconhecimento dos maracatus enquanto símbolo cultural, o qual perpassa principalmente as identificações dos brincantes enquanto patrimônio a ser preservado e visibilizado. Entretanto, tal patrimonialização despertou diferentes opiniões e posturas tanto de brincantes e organizadores, como pesquisadores da temática, sendo necessário problematizar até onde a manifestação está sendo projetada como patrimônio constituído por si e para si, e não apenas no nível institucional.

Sobre a questão patrimonial, Rautenberg (2014) esclarece que a “noção de patrimônio está correntemente associada à concepção de “recurso herdado”, de bem comum, de transmissão, de regulação entre os atores políticos e sociais” (RAUTENBERG, 2014, p. 44), além de possuir uma “característica plural e dinâmica, que [...] pode ter vários significados, mudar de direção com o tempo e ser compartilhado por vários grupos” (TURGEON, 2014, p. 72). Esse caráter plural do patrimônio nos ajuda a compreender a diversificação existente entre os grupos de maracatus de Fortaleza, os quais diferem quanto à sonoridade, formação, origem e discurso sobre a representatividade da manifestação. Essa diversificação garantiu a inclusão de todos os grupos no processo de institucionalização, frente à pluralidade que emana das práticas, desde os mais antigos em atividade até os recém-criados. Assim, a circulação dos maracatus pelos diferentes lugares da cidade - ligada ao seu tempo patrimonial - proporciona não apenas visibilidade a manifestação, mas projeta-a como bem patrimonial, com reconhecimento de brincantes e da população. Essa noção de tempo patrimonial está vinculada justamente a associação do dia do maracatu com a data da libertação dos escravos no Ceará, demarcado oficialmente no calendário da cidade.

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A circularidade desse bem patrimonial emite imagens simbólicas frente à irradiação espaço-temporal proporcionadas pelas apresentações periódicas, pois comporta e emana uma complexidade de relações. Nesse sentido, a formulação de lugar enquanto ritual/patrimonial a partir das adaptações do lugar enquanto categoria se faz indispensável no entendimento da pesquisa e do fenômeno, pois nos ajuda a compreender melhor as especificidades do tema desenvolvido na pesquisa. O ritual e o patrimonial são colocados em cena juntamente ao lugar pela própria manifestação que buscamos compreender, pois a manifestação atribui ao lugar seus elementos rituais através da circulação periódica, bem como traz essa dinâmica simbólica no processo de patrimonialização onde diferentes elementos são relacionados, desde o espaço público e gestão cultural aos grupos e expectadores.

Apesar de se ter inicialmente o suporte do espaço/tempo dados pela dimensão do movimento realizado pelas festas populares, o lugar e sua lugaridade é elemento indispensável frente à experiência corpórea, representativa e dialógica. O lugar, a partir da perspectiva de Relph (2012), frente ao seu contexto, pode ser um objeto, um evento ou uma experiência, e não pode ser definido sem a consideração do conceito de espaço (TUAN, 2013). Daí a necessidade de definir para a pesquisa o conceito de lugar, adjetivado como ritual/patrimonial não apartado da definição de espaço, o qual será indispensável no entendimento de outros conceitos que envolvem o desenvolvimento teórico-metodológico da pesquisa a partir do reconhecimento do tempo sacro-profano da apresentação do maracatu como Tempo-Espaço-Memória, tendo como contribuição o conceito de Cronotopia.

Outro conceito fundamental para a pesquisa é o conceito de cronotopia, formulado pelo linguista e filosofo Mikhail Bakhtin, que “designa um lugar coletivo, espécie de matriz espaço-temporal de onde as várias histórias se contam ou se inscrevem”. (AMORIM, 2012, p. 105). Tais coletividades compartilham não apenas do mesmo espaço, mas de um tempo, que também é simbólico e representativo. É na dimensão do tempo que podemos compreender o acontecimento dos fatos, ao passo que ocorre a dinâmica espacial. Nesse sentido, a contribuição do conceito na análise do acontecer festivo relaciona-se com a necessidade de delimitar a transformação ocorrida em diferentes contextos temporais a partir das marcas deixadas no espaço, o qual contém intenso fluxo de relações, vivências, atividades religiosas, festejos e tantos outros elementos do cotidiano, carregado de significados definidos pelos indivíduos.

Diante dos conceitos que são necessários para a compreensão da representatividade espaço-temporal em torno dos grupos de maracatus de Fortaleza, pretende-se refletir, dentre os diversos temas abordados, de que forma as ações que propõem a visibilidade da manifestação alavancam de fato o cortejo no sentido de aumentar o incentivo aos grupos tendo como

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protagonistas os próprios integrantes. Pretende-se ainda ponderar sobre quais são as negociações que estão mediando à dinâmica de vinculação do tempo simbólico do maracatu a Data Magna que marca a libertação dos escravos no Ceará. Faz-se necessário refletirmos até que ponto a patrimonialização realmente agrega solidariedade e efetividade na construção do maracatu na escala de sua representatividade frente aos direcionamentos institucionais, com incentivo a construção autônoma da manifestação.

1.2 Os caminhos metodológicos da pesquisa e a contribuição das Representações Sociais

Em busca de refletir e responder aos questionamentos anteriormente situados, a pesquisa de caráter qualitativo se orienta na abordagem cultural, com colaboração da Teoria das Representações Sociais, desenvolvida por Serge Moscovici. Tal teoria vem contribuir no entendimento da subjetividade e do sentido das relações presentes na construção das representações das manifestações culturais. Tais representações são construídas e socializadas por intermédio do processo comunicacional, como sugere Moscovici (2011) e Sá (1998), sendo de fundamental importância a questão do discurso, das práticas desenvolvidas e dos sentidos atribuídos no estabelecimento das relações dos sujeitos sociais com as práticas cotidianas. As representações “circulam através da comunicação social cotidiana e se diferenciam de acordo com os conjuntos sociais que as elaboram e as utilizam” (SÁ, 1996, p. 23).

Dessa forma, a representação se constituiria enquanto um ”sistema simbólico socialmente construído e o objeto, por seu turno, seria construído pela representação” (SÁ, 1998, p. 52). Percebe-se a importância da relação e o caráter indissociável entre sujeito e objeto, que estariam diretamente implicados na construção das representações a partir das relações estabelecidas com o mundo vivido e com as práticas sociais. “Toda representação é uma representação de alguém [o sujeito] e de alguma coisa [o objeto]” (SÁ, 1998, p. 53). Considera-se ainda que “uma repreConsidera-sentação social é uma forma de saber prático que liga um sujeito a um objeto” (SÁ, 1996, p. 33). Devem-se considerar, dessa forma, as experiências relacionadas com os saberes construídos e sua implicação na formação do sujeito e sua relação com as atividades do cotidiano.

É importante esclarecer que a Teoria das Representações Sociais, enquanto grande teoria (SÁ, 1996), possui correntes teóricas complementares, sendo adotada para a pesquisa a abordagem ligada a Teoria do Núcleo Central, desenvolvida pelo conjunto de pesquisadores de

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Aix-em Provence e Montpellier (grupo do Midi) (SÁ, 1996), liderada por Jean Claude Abric. A teoria do núcleo central, enquanto complementação a grande teoria:

[...] se ocupa mais especificamente do conteúdo cognitivo das representações, mas concebendo-o como um conjunto organizado ou estruturado, não como uma simples colocação de ideias e valores. A proposição de que o conteúdo da representação se organiza em um sistema central e um sistema periférico, com características e funções distintas, é certamente a sua principal contribuição. (SÁ, 1998, p. 76)

A formulação do núcleo central e periférico permite identificar na representação os elementos que são estáveis e de certa forma imutáveis, que estruturam a representação. Já o periférico comporta os elementos de caráter mutável, flexível, que fazem parte da manifestação e que se modificam de acordo com as práticas sociais e formas de desenvolvimento, atribuindo novas características a representação, sem que haja uma mudança no núcleo central. A teoria do núcleo central, enquanto abordagem complementar “deriva suas características mais marcantes do envolvimento sistemático com a prática experimental, e, por isso mesmo, lhe proporciona uma complementaridade mais proveitosa” (SÁ, 1996, p. 61).

Na construção das representações da manifestação estudada, faz-se necessário definir os conceitos e autores que dão o suporte a compreensão, pois “o termo representações sociais designa tanto um conjunto de fenômenos quanto o conceito que os engloba e a teoria construída para explicá-los, identificando um vasto campo de estudos” (SÁ, 1996, p. 29).

Dessa forma, foram delimitados os autores que subsidiam os conceitos e contribuem no entendimento da problemática da pesquisa, bem como na construção da mesma. Dentre eles, Mikhail Bakhtin (1999), como suporte para a formulação do conceito de cronotopia; Tuan (2013) e Relph (2012), para os conceitos de lugar e lugaridades a partir da experiência dos sujeitos, Costa (2009), Marques (2008) e Cruz (2011), para subsidiar origem, contexto e desenvolvimento do maracatu na cidade; Cruz e Rodrigues (2010), nas formulações sobre políticas culturais e identitárias em Fortaleza; e Rautenberg (2014), e Oliveira (2012), Cabral (2011), Nigro (2010), e Fonseca (2005) para discussão da questão patrimonial.

Sobre a categoria geográfica lugar, o adjetivamos para melhor entendimento da pesquisa enquanto lugar ritual, a partir da perspectiva do lugar enquanto reunião formulada por Relph (2012), que privilegia a experiência subjetiva com o lugar a partir da perspectiva existencial do sujeito e sua relação com o mundo, sujeito este que se relaciona com o lugar de formas diversas e lhe atribui diferentes sentidos. Tal proposição permite compreender a rede de ligações dos vários momentos rituais, independente da periodicidade, onde o sujeito estabelece

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suas ligações na dimensão espaço/tempo, compondo uma cronotopia da representação abordada.

Na continuidade dos procedimentos metodológicos adotados, destacamos inicialmente que a pesquisa em representações sociais se caracteriza “por uma utilização bastante criativa e diversificada de métodos e pelo desenvolvimento contínuo de novas técnicas, tanto no que se refere à coleta quanto ao tratamento de dados” (SÁ, 1996, p. 99). Dessa forma, foram definidas diferentes fontes documentais para coleta de dados sobre a manifestação. Dentre eles, estão os editais anuais de fomento ao carnaval de Fortaleza, principal recurso anual recebido, onde se definem as regras estéticas para serem seguidos pelos maracatus, os editais da Secretaria Municipal de Cultura de Fortaleza (SECULTFOR) e Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (SECULT-CE). Consultou-se também o Relatório técnico e analítico para o projeto de regularização patrimonial, o “Dossiê Maracatu cearense”2, elaborado pela SECULTFOR para o pedido de registro do maracatu como patrimônio imaterial do município, onde foram registrados dados, relatos e fontes documentais para compreensão do bem tombado, bem como as ações que seriam desenvolvidas para sua salvaguarda. Na busca da projeção midiática, foram verificadas as notícias veiculadas nos jornais eletrônicos O Povo e Diário do Nordeste (2015 e 2017), a fim de identificar as representações midiáticas do maracatu, bem como sua visibilidade, tanto no período carnavalesco como nos demais períodos do ano. Tal verificação teve como objetivo a busca pela representação midiática da manifestação, motivada principalmente pelo discurso dos brincantes quanto à invisibilidade midiática e reivindicação por maior publicização da manifestação.

Em relação às atividades de campo adotadas na pesquisa, destacamos sua fundamental importância para seu desenvolvimento, frente à possibilidade de vivenciar na perspectiva de observador/participante a manifestação e as relações estabelecidas, pois:

O campo das representações sociais – pela própria natureza dos fenômenos estudados, ou seja, formas modernas e específicas de conhecimento prático, produzidas e mobilizadas pela vida cotidiana – repousa firmemente sobre as atividades de pesquisa empírica. [...] nenhuma espécie de especulação, por privilegiada que se pretenda, pode substituir o esforço de apreensão empírica dos conteúdos e das organizações de tais tipos de saberes, que ligam um sujeito particular a um objeto concreto em uma situação sócio-histórico-cultural determinada. (SÁ, 1996, p. 99).

Dessa forma, os trabalhos de campo contaram com três eventos diferentes para seu desenvolvimento. O principal selecionado foi o projeto “Dia 25 é dia de maracatu” para

2 Parecer Técnico nº 311/2015, elaborado pela Coordenação de Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza – SECULTFOR.

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acompanhamento sistemático entre agosto de 2015 a 2016 em todos os eventos mensais com cortejos de diferentes grupos em diversas áreas da cidade, na busca de visualizar como o movimento dos cortejos se inscreve fora do período carnavalesco, quais negociações articulam a organização do evento, bem como compor o mapa cronotópico do acontecer festivo. Para tanto, seu acompanhamento teve início com o próprio desenvolvimento da pesquisa, invertendo as etapas metodológicas, pois o campo antecedeu as bases teóricas da investigação, na busca de entender a movimentação realizada e compor, posteriormente, a cronotopia dos eventos para subsidiar a pesquisa.

O segundo evento escolhido foi o acompanhamento do carnaval de Fortaleza realizado no ano de 2016 e 2017, onde ocorreu de forma extraordinária o acréscimo do sábado aos desfiles, pois apenas o domingo é tradicionalmente destinado aos maracatus. Dessa forma, divididos por classificação do último carnaval, os maracatus desfilaram em dois dias seguidos. Tal verificação pode proporcionar o acompanhamento do ponto máximo considerado pelos grupos de maracatus ao longo do ano, pois a preparação para o carnaval tem início meses antes de sua ocorrência, e é esperado com bastante expectativa por todos.

O terceiro evento escolhido foi o cortejo do dia do maracatu, ocorrido no mês de março (2016) em comemoração à data (25), pela sua importância enquanto celebração festiva dos grupos, bem como pela problemática latente expressa pelos brincantes, como a pouca visibilidade e público, mesmo sendo este o momento de comemoração máxima pelo dia do maracatu, bem como pelo simbolismo ligado a data da libertação dos escravos, as quais estão inclusas nas discussões e nos simbolismos pertencentes à manifestação. Ademais, além do carnaval, o evento estava ocorrendo posteriormente a patrimonialização, sendo esse um elemento a mais para comemoração.

Durante as verificações em campo foi possível vivenciar o festejo enquanto observador/participante, com registros fotográficos e audiovisuais, que compuseram o banco de imagens da pesquisa. A participação possibilitou também a obtenção de informações e dados através do contato com brincantes, organizadores e participantes da festa, que subsidiaram as demais entrevistas, bem como direcionaram o rastreio de informações.

Utilizou-se também enquanto ferramenta metodológica as entrevistas, amplamente utilizadas pelas pesquisas qualitativas, e se constituem como uma maneira de acessar diretamente as representações por meio dos sujeitos, sendo este indispensável na coleta de dados. Tais entrevistas são abertas e possuem roteiros mínimos, (SÁ, 1996) para que seja possível dar voz ao entrevistado e suas considerações acerca das representações investigadas. Dessa forma, foram utilizadas entrevistas abertas com as lideranças e brincantes dos seguintes

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maracatus: Vozes da África, Nação Baobá, Rei Zumbi, Nação Pici, Az de Ouro, Rei de Paus e Solar. Inicialmente, pretendia-se visitar e entrevistar todos os grupos, entretanto, por questões relacionadas ao próprio andamento da pesquisa, não foi possível concretizar essa verificação. Além disso, respeitando as novas normas éticas estipuladas pela própria universidade, na busca de proteger a identificação dos depoentes, os mesmos estão todos definidos como brincantes, para dificultar a identificação de possíveis lideranças e representantes, bem como foi adotado o uso de iniciais que não correspondem necessariamente ao nome do depoente.

Esses relatos colaboraram no entendimento da manifestação, seus antecedentes, bem como a percepção acerca de assuntos chaves como a patrimonialização e o dia da data magna, e aspectos simbólicos da manifestação. Somado a estas entrevistas, ocorreram conversas informais tanto com representantes da SECULTFOR como da ACECCE, na busca de dados e informações relevantes.

Nesse passo metodológico relativo à coleta de informações verbais, é necessário revelar as dificuldades e percalços da pesquisa quanto ao desenvolvimento das entrevistas e pelo constante processo de aperfeiçoamento da metodologia. Tal esclarecimento relaciona-se com a interdependência gerada pelo entrevistador ao entrevistado, frente aos compromissos e imprevistos que se revelaram um desafio no percurso metodológico. Aqui, é válido ressaltar que a conciliação entre trabalhos de campo e entrevistas possuem um rico potencial, pois conseguirmos captar no momento da festa as relações e emoções expressadas. Entretanto, geralmente nesses momentos os sujeitos da festa encontram-se nas preparações que precedem o acontecimento da mesma, com tempo restrito para responder aos questionamentos de entrevistas abertas, sendo interessante realizá-las em outros momentos. Tal escolha possibilita um material enriquecedor para análise pelo maior tempo fornecido pelo entrevistador, com narrativas acerca da formação do grupo, das vivencias e dos relatos acerca da representação, entretanto esbarra na diminuição das atividades dos grupos fora do período carnavalesco, o que apresenta dificuldades quanto ao contato direto.

Como último passo da metodologia, pretende-se construir o itinerário festivo do “Dia 25 é dia de Maracatu”, a partir dos campos realizados no período de um ano, por meio de relatos e da cartografia do evento, a fim de identificar o alcance da manifestação nos bairros e a distribuição dos mesmos, onde é possível perceber as principais áreas contempladas, a existência da setorização do evento, bem como a relação dos locais escolhidos com as sedes dos maracatus e a comunidade.

A busca pela compreensão das representações sociais na constituição do maracatu enquanto patrimônio imaterial contribui para o processo de identificação dos símbolos

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identitários que demarcam a manifestação e as projetam enquanto bem cultural artístico da capital. Tal compreensão nos ajuda a refletir sobre o planejamento simbólico necessário para projeção da manifestação de maneira autônoma, com interligações entre a mídia, políticas públicas, o turismo e demais setores envolvidos, de forma equilibrada que conduza o crescimento e reconhecimento do bem patrimonial. Assim, os estudos das representações sociais dos maracatus vêm colaborar tanto no desenvolvimento de pesquisas com temáticas da abordagem cultural em Geografia, bem como contribui na compreensão da manifestação a partir da cronotopia, ligado a capital enquanto patrimônio imaterial.

Por fim, no seu quarto capítulo, na descrição que você faz das apresentações, eu destacaria (negrito ou itálico) os diferentes meses, deixando, assim, a sua descrição mais bem organizada.

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2 SOBRE LUGAR E ESPAÇO/TEMPO NA PERSPECTIVA GEOGRÁFICA

A espacialidade das festas é constituída e remodelada a partir da dimensão da experiência, demarcando uma temporalidade característica das representações dos eventos festivos. A experiência do sujeito enquanto ser que constrói e vive a festa, atribuindo sentidos ao espaço através do simbólico, constitui singularidades aos espaços, marcando-os como lugares rituais. A formação de tais lugares rituais e simbólicos a partir dos cortejos trazem novos significados aos lugares ocupados a partir da experiência do corpo, através da dança, do ritmo e da sonoridade, que remetem as origens afrodescendentes.

A partir destas considerações, a presente sessão tem por objetivo abordar como a relação tempo/espaço é formada, bem como os elementos específicos das manifestações vão formar lugares rituais que apesar de efêmeros em sua composição, possuem importância na composição das temporalidades que vão perpassar os grupos de maracatus. Busca-se também explicitar o conceito de cronotopia de Bakhtin (1993), bem como sua contribuição para a compreensão das manifestações culturais e dos maracatus, que vão tecer através das circularidades anuais diferentes lugaridades, ligadas a uma mesma temporalidade, recortada mensalmente. Por fim, antes de adentrarmos na sessão seguinte que tratará sobre os grupos de maracatus cearenses, serão abordadas as manifestações que compõem o calendário festivo de Fortaleza, para compreendermos como os maracatus estão inseridos no contexto temporal das festas da cidade, bem como os aspectos simbólicos e políticos que permeiam cada uma delas.

Para a compreensão da dimensão espacial simbólica presente na estruturação da pesquisa, faz-se necessário inicialmente esclarecer o conceito de espaço dentro da concepção humanista. A década de 70 marca o surgimento da Geografia Humanista, “assentada na subjetividade, na intuição, nos sentimentos, experiência, simbolismos e contingência”. Nesta o conceito de espaço adquire o significado de “espaço vivido, marcado pela afetividade” (CORRÊA, 1995, p. 30), revelados na movimentação e apropriação espacial. Os conceitos de paisagem e lugar também possuem uma valorização, a partir da perspectiva da experiência, com influências da fenomenologia e do existencialismo.

Sobre o conceito de espaço vivido, Corrêa (1995), ao discutir a definição baseado em Holzer (1992), esclarece que o espaço vivido é uma experiência contínua e social, com movimentações espaço-temporais ligadas ao imaginário. Dessa forma, atribui-se a análise espacial maior amplitude para desvendar aspirações e valores pertinentes aos grupos humanos, refletindo na organização espacial.

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O espaço vivido pode ser definido também como um campo de representações simbólicas. Entretanto,

[...] as relações entre formas simbólicas e espaço são complexas, caracterizando-se por serem de mão dupla. As formas simbólicas espaciais se realizam, enquanto tais, em grande parte, em razão da localização e itinerário que cada uma apresenta. Localizações e itinerários, por sua vez, são marcados pela presença de formas simbólicas. Assim, as formas simbólicas podem incorporar os atributos já conferidos aos lugares e itinerários, como estes podem, por outro lado, beneficiar-se ou não da presença de formas simbólicas. (CORRÊA, 2007, p.8).

Os simbolismos emitidos no auge das festas demarcam movimentos, fluxos, performances e práticas que atribuem às localidades elementos próprios da manifestação. Entretanto, apesar do peso simbólico que cada manifestação pode atribuir ao espaço, é necessário considerar que cada localidade guarda um significado próprio, que podem ser justapostas, compondo diferentes cenários, mesmo quando a festa possuir espaços intermitentes, como será observado adiante nos eventos relatados ligados a temporalidade mensal das apresentações, que ocorrem em diferentes lugares e realizam essa mediação entre cenários.

Gomes (2007), ao discutir o conceito de cenário a partir de diferentes análises da imagem através da perspectiva geográfica, apresenta diferentes dimensões de apreensões dessas imagens, desde quadros, filmes, encenações teatrais até a vida cotidiana. Sobre o último, o autor explicita que “os espetáculos da vida social se sobrepõem sem que necessariamente possuam coerência entre si, sendo múltiplos, variados. ” (GOMES, 2007, p. 206). Além de considerarmos a sobreposição e composição de cenários presentes nos cortejos em diferentes localidades, é necessário considerar também a constituição de uma trama, atribuída pelo autor para a dimensão teatral, pois a representação da manifestação está dentro de uma composição teatral no sentido atribuído por brincantes, enquanto representação da corte africana.

A palavra trama parece ser mais adequada nesse caso, pois a forma que aparece, que estrutura a imagem, é o resultado de inúmeras e variadas informações que se entrelaçam, formando uma composição coerente e estruturada. Cabe ao interprete identificar e desemaranhar a organização dessa trama, fazendo aparecer os significados desses elementos. Em outras palavras, a análise ganha à dimensão de um cenário quando incorporamos a trama, seja ela contida na imagem, seja ela constituidora, mas oculta da imagem. (GOMES, 2007, p. 203).

Voltando ao conceito de espaço, Tuan (2013) explicita que o espaço pode ser experienciado de várias maneiras, dada a capacidade de mover-se no mesmo. Ao descrever os movimentos que podem ocorrer no espaço, o autor afirma que “o movimento pode ser em uma direção ou circular, implicando repetição, [...] onde as imagens de espaço e tempo se misturam.

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” (TUAN, 2013, p. 219). Assim, marcas simbólicas seriam empregadas ao espaço à medida que as representações do cotidiano – como as festas – fossem vivenciadas e se movimentassem no espaço, com temporalidades igualmente demarcadas. Portanto, o espaço “seria dado pela capacidade de mover-se, tendo um significado temporal ao nível das experiências pessoais do dia a dia” (TUAN, 2013, p. 156), visto que tal socialização se dará no nível das relações individuais e coletivas.

É nessa disposição de sentidos, vivências e sujeitos envolvidos, que as festas adquirem múltiplas relações e interpretações, e conseguem estabelecer um fluxo comunicativo entre brincantes, políticas públicas, midiatização, identidade simbólica e demais dimensões inerentes a todas as manifestações de forma direta ou indireta. Dada tais dimensões, a apreensão das relações simbólicas existentes na construção do espaço vivido perpassa a compreensão das motivações que levam os sujeitos a valorizarem as práticas, vivências e experiências nos diferentes grupos sociais, frente à heterogeneidade dos eventos festivos. Para Di Méo, o conceito de espaço vivido exprime a “ligação existencial, muito subjetiva, que o indivíduo socializado estabelece com a terra. Ele se impregna de valores culturais refletindo, para cada um, o pertencimento a um grupo localizado”. (DI MÉO, 2014, p. 215). Tais ligações e valores serão fios condutores essenciais para chegarmos à compreensão das motivações das práticas, das festas, e principalmente dos significados atribuídos às mesmas, constitutivas de lugares rituais.

2.1 A discussão do conceito de lugar na abordagem cultural da geografia

O lugar enquanto conceito mais valorizado tem seu marco na Geografia Humanista e na renovação do interesse dos Geógrafos pelo conceito de lugar (HOLZER, 2001). Um dos primeiros trabalhos com o uso do método fenomenológico na abordagem geográfica com ênfase na ideia de lugar são os estudos de Edward Relph (1973), tendo em Heidegger as principais contribuições para suas formulações embasadas na fenomenologia (MANDAROLA JR, 2010). É importante ressaltar também os trabalhos de Tuan (2013), os quais igualmente realizaram a abordagem do conceito de lugar embasada na fenomenologia.

Edward Relph (1973) busca “aprofundar a problemática do lugar em seus atributos essenciais, sociais e culturais, tendo sempre como pano de fundo a dimensão da experiência e da identidade dos lugares” (MARANDOLA JR, 2010, p. 02). O autor teria se dedicado as experiências ligadas ao “espaço existencial ou vivido”, de acordo com Holzer, pois o lugar seria conceituado como “um modo particular de relacionar as diversas experiências de espaço”

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(HOLZER, 2001, p. 106). Dessa forma, a ênfase estaria expressa nas experiências imediatas individuais ou coletivas relacionada ao lugar, visto que o “lugar é o fenômeno da experiência” (RELPH, 2012, p. 20). Tais experiências são imbuídas de sensações, sentidos e valores individuais e coletivos que atribuem ao lugar um sentido simbólico, pois é através da experiência que os sujeitos estarão em continuo contato, a partir das vivências do cotidiano que não necessariamente precisam compor uma marca espacial, concreta, devido à carga simbólica proporcionada pelo imaginário.

A experiência é um “termo que abrange as diferentes maneiras por intermédio das quais uma pessoa conhece e constrói a realidade. ” (TUAN, 2013, p. 17). Dessa forma a experiência estaria relacionada com o mundo exterior, pois “por meio da vivencia se estabelece uma ponte onde eu me volto para as experiências a partir das intencionalidades. [...] A experiência implica a capacidade de aprender a partir da própria vivência [...] e é constituída de sentimento e pensamento” (TUAN, 2013, p. 19). A partir da perspectiva da experiência, o lugar seria:

[...] um modo particular de relacionar as diversas experiências de espaço. Particular porque os lugares são singularizados ao atrair e ao concentrar nossas intenções, ou seja, o significado de espaço, especialmente de espaço vivido, provém dos lugares existenciais de nossa experiência imediata. (RELPH Apud HOLZER, 2001, p. 106).

O lugar pode ser considerado, dentro de seu contexto, como um objeto, um evento ou uma experiência. Tal definição está inserida dentro da concepção de lugar enquanto reunião, que é um dos aspectos do lugar trabalhados por Relph (2012), podendo ser pensados também a partir da perspectiva de lugar enquanto localização, fisionomia do lugar, espírito do lugar, sentido de lugar, raízes e enraizamento, lar, interioridade, lugar sem lugaridade e nós, exclusão/inclusão, construção do lugar e fabricação do lugar. Entretanto, apesar das diversas perspectivas, não nos deteremos em todas elas. Para o desenvolvimento deste trabalho, o lugar enquanto reunião se faz indispensável na constituição das análises e da formulação teórica, dado sua efemeridade como um conjunto de eventos que não precisam ter exclusivamente uma periodicidade demarcada, e sim ser agrupada dentro de uma lógica de seus acontecimentos que privilegia o tempo enquanto elemento indispensável onde o movimento se inscreve. Dentro dessa perspectiva, o autor faz a seguinte conceituação:

[...] um lugar reúne ou aglutina qualidades, experiências e significados em nossa experiência imediata, e o nome se refere a lugar de uma reunião específica e única. Qualquer parte sem nome que não reúna não é um lugar. Lugar (em oposição a um

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lugar) tem em si o conceito de especificidade e abertura, que acontece em virtude da

reunião. (RELPH, 2012, p. 22).

Parar entendermos a marca deixada no tempo a partir da formulação de lugar enquanto reunião/evento podemos considerar como exemplo um determinado local onde algo de caráter “efêmero” ocorra, em um tempo específico. Considerando o carnaval de Fortaleza, constitui-se no período carnavalesco um cenário que proporciona o acontecer festivo, com emissão de todos os símbolos que envolvem a manifestação e sua representatividade. Ao desfazer o evento, após seu término, a avenida do desfile continuará a ter seus mesmos atributos anteriores, enquanto via de circulação. Entretanto, isso não eliminará a constituição do imaginário simbólico proporcionado pela experiência existencial da festa, mesmo que no restante do ano aquele espaço não apresente pistas ou indícios através de formas simbólicas do festejo. Aquele instante de tempo compôs e comportou a manifestação, inscrevendo marcas temporais e espaciais. A sucessão de marcas - não necessariamente contínua - deixadas no tempo são o que tornaram possível a identificação da manifestação, do seu tempo simbólico.

Voltando ao lugar como reunião, poderíamos inferir que “um lugar especial é uma reunião, que em sentido geográfico, reúne a fisionomia do lugar, atividades econômicas e sociais, história local e seus significados. [...] o corpo, a imaginação, as relações pessoais e as experiências ambientais” (RELPH, 2012, p. 29) seriam, portanto, integradas. Tais considerações ampliam as possibilidades de se relacionar com o lugar frente às diversas formas que podemos interagir com o mundo, possuindo um forte potencial quanto aos sentimentos que podem ser despertados, a partir de relatos, experiências, eventos, cenários articulados através dos sentidos e da imaginação simbólica.

O lar, e na verdade todo lugar, não é delimitado por limites precisamente definidos, mas, no sentido de ser o foco de intensas experiências, é ao mesmo tempo sem limites. Lugar é onde conflui a experiência cotidiana, e também como essa experiência cotidiana se abre para o mundo. O ser é sempre articulado por meio de lugares específicos, ainda que tenha sempre que se estender para além deles para compreender o eu significa existir no mundo. (RELPH, 2012, p. 29)

Tal perspectiva de relação existencial entre o ser e o mundo nos traz a possibilidade de pensar o lugar a partir da mundanidade, pois o lugar também se refere a “mundanidade do nosso cotidiano, e por isso ele é fundamental quando pensamos o ser-no-mundo e a existência” (MARANDOLA JR, 2012, p 230). É essa diversidade de interlocuções propiciadas pela mundanidade do cotidiano que possibilita os momentos rituais que portam um valor simbólico e patrimonial, dando personificações aos lugares, pois “longe de ser estático, ele é dinâmico,

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pois corresponde à própria essência do ser, que é igualmente viva” (MARANDOLA, 2012, p. 230). É interessante considerar a efemeridade dos lugares frente a esse dinamismo, pois:

[...] os lugares de nossas experiências podem ser transitórios e/ou eternos. A efemeridade dos lugares seria, em parte, advinda das metamorfoses operacionalizadas pelos homens no incessante monta-e-desmonta e na “destruição criativa” dos mais diversos recantos e, por outro lado, aos nossos valores, ambiguidades e temores. (MELLO, 2011, p. 10).

As ligações do lugar com as experiências corpóreas dos indivíduos proporcionam diversas possibilidades de vivenciar diferentes espaços, sem que estes possuam necessariamente um valor simbólico expressivo, sendo a lugaridade explorada a partir da manifestação cultural e a representação artística, como podemos observar na pesquisa desenvolvida. Assim, o lugar:

[...] não é meramente aquilo que possui raízes, conhecer e ser conhecido no bairro: não é apenas a distinção e apreciação de fragmentos da geografia. O núcleo de significado de lugar se estende, penso eu, em suas ligações inextricáveis com o ser, com a nossa própria existência. Lugar é um microcosmo. É onde cada um de nós se relaciona com o mundo e onde o mundo se relaciona conosco. (RELPH, 2012, p. 29).

Nas formulações de Tuan, por vezes vemos esse núcleo de significado de forma mais concreta em relação à construção de localidades, pois o mesmo explicita que transformamos o espaço em lugar quando atribuímos personalidade ao espaço por meio da vivencia dos sujeitos, práticas, simbolismos e experiências. Dessa forma, o espaço poderia ser “experienciado de várias maneiras: como a localização relativa de objetos ou lugares, como as distâncias e extensões que separam ou ligam os lugares, e – mais abstratamente – como a área definida por uma rede de lugares”. (TUAN, 2013, p. 22).

Assim, a constituição dos lugares estaria diretamente relacionada com a movimentação realizada no espaço e associado com as formas simbólicas dispostas. Cada forma simbólica se constitui também enquanto lugar não apenas singularizado, pois os eventos ligados aos lugares podem ter caráter intermitente e não locacional, tecendo uma rede de lugaridades dispostas no espaço. Tal constituição dos lugares enquanto rede interligada no espaço nos remete as considerações de espaço de Merleau-Ponty, pois o autor afirma que o espaço “[...] não é o ambiente (real ou lógico) em que as coisas se dispõem, mas o meio pelo qual a posição das coisas se torna possível. [...] devemos pensá-lo como a potência universal de suas conexões” (MERLEAU-PONTY , 1999, p. 328).

Portanto, se “pensarmos no espaço como algo que permite movimento, então lugar é pausa; cada pausa no movimento torna possível que localização se transforme em lugar”.

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(TUAN, 2013, p. 14). Assim, “espaço e lugar, corporificados a partir das experiências e valores humanos, manifestam níveis distintos de especificidades”. (MELLO, 2001, p. 91). Tais especificidades se concretizam na dimensão da experiência, mas não estão, necessariamente, ligadas apenas aos lugares concretos, ou santuários, que possuem forte carga simbólica irradiadora dos elementos identitários e de pertencimento aquele lugar especifico.

Mello (2012), ao tratar dessas especificidades, mostra-nos como os lugares se tornam santuários, mesmo na ausência de aspectos sagrados, pela forma como nos relacionamos ou nos comportamos frente a esses lugares - tidos pelo autor a título de reflexão como palco - conceituado como lugares cerimoniais. Ao tratar o palco como um lugar, afirma que este:

Reverte-se de uma transitoriedade inerente a sua própria natureza. Dissipada a sua função de entretenimento, cultura e reflexão, e despovoado de assistência, torna-se um espaço desolado, esquecido em sua descartabilidade ou contendo um lugar imorredouro, carregado de lembranças, regozijo e contemplação. (MELLO, 2012, p. 43).

Evidencia-se mais uma vez a dimensão da efemeridade dos lugares, quanto à natureza fugidia dos eventos que muitas vezes possuem caráter pontual, mas que ainda assim possuem a capacidade de trazer para a memória o registro da ocorrência dos momentos de efervescência de ritos nos lugares cerimoniais.

Ainda sobre o palco, o autor enfatiza também a relação estreita e interdependente entre os sujeitos, pois “alcançado a categoria de lugar, o palco – transitório ou eterno – necessita de artista e plateia. À primeira vista, o artista é o centro das atenções. No entanto, sem a plateia, o palco não se constitui em lugar” (MELLO, 2012, p. 43). Podemos observar que o expectador estará estabelecendo seu ponto de relação com o mundo, e vice-versa, como explorado a partir de Relph (2012) anteriormente, bem como o artista, entendido aqui como os sujeitos que representam, interpretam ou desempenham performances nas atividades culturais, festas, e folguedos, como foi possível observar no andamento da pesquisa. Ainda sobre esta relação “artista/público”, o autor afirma que:

Espetáculos encenados para aglomerações ou plateias diminutas conseguem estabelecer troca de energia entre expectadores, artistas e uma ambivalência propícia para a demonstração do canto, dança e interpretação. Por outro lado, olvidado em sua volatilidade, o lugar torna-se transitório, se carentes de reminiscências marcantes ou mesmo distante do ambiente participativo das plateias, dos festivais de luzes, ritmos e emoção. De um modo ou de outro, a “correspondência mágica” entre artistas e plateia espraia pelo palco ao reduto circundante, favorecendo a intersubjetividade e elevando toda essa porção espacial ao estágio de lugar. (MELLO, 2012, p. 48).

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É importante notar que a transitoriedade do lugar na ausência de eventos festivos remete a um novo cenário que geralmente está ligado a dinâmica do cotidiano. A sobreposição de cenários vai ocorrer na remodelação momentânea necessária ao acontecer festivo, que pode demandar estruturas apropriadas, mas que também podem dispensar todo e qualquer aparato diante da capacidade das manifestações em reunir e agregar seja pelo desconhecimento e estranhamento frente ao espetáculo assistido, que desperta curiosidade, seja pela identificação intima com a manifestação.

Faz-se necessário observarmos outro aspecto do lugar, relacionado à questão da distância/proximidade, pois mesmo na ausência de contato direto com os lugares eles podem ser afetivamente conhecidos e íntimos, até quando são lugares simbólicos ou criações do imaginário.

Lugares próximos ou distantes, em diferentes escalas, mesmo não vividos pessoalmente, podem se tornar lugares concebidos e/ou míticos, a partir dos relatos ou quando cantados, na medida em que haveria nesses tipos de interação, realizados por meio de narrativas, certa relação de intimidade. Nesse caso, as fronteiras afetivas e/ou intelectuais demarcariam novos lugares, concebidos e/ou míticos, dispostos além do espaço, estranho, ignorado, distante “física” ou emocionalmente. (MELLO, 2012, p. 51).

Tuan (2013), ao discutir espaço mítico e lugar, afirma que o mito é contrastado com a realidade, na ausência de conhecimento preciso, de difícil verificação frente à evidência dada pelos sentidos. Dessa forma, o lugar mítico, “disposto no topo da imaginação e do simbólico, é idealizado por intermédio da cultura, das filosofias religiosas, entre outros aspectos” (MELLO, 2012, p. 51). Nesse ponto, é interessante trazer como exemplo a relação desse espaço mítico com os grupos de maracatus. Em seu momento ritual, por meio da musicalidade e simbolismos do cortejo, a ser estudado mais profundamente nos capítulos seguintes, pode-se observar a criação do imaginário em torno da coroação da rainha negra do além-mar, a exaltação de uma realeza dos antepassados, bem como uma dura realidade relacionada à escravidão, pois essa mesma realeza tinha membros de sua corte escravizados aqui no Brasil. Dessa forma, é possível perceber a presença desse lugar mítico, que é evocado nos momentos rituais, e que propicia a lugarização por meio do espetáculo realizado em pequena escala, tendo como recorte as praças e lugares públicos. Dessa forma, uma ponte entre passado e futuro é criada, “artista e plateia” experimentam em seu momento ritual a evocação de um lugar mítico/simbólico da africanidade ancestral.

Nesse contexto, onde conflui experiência, memória, cultura, identidade e tantos outros aspectos que estão intimamente relacionados à constituição do lugar ritual, a dimensão

Referências

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