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Definição de mercado relevante e do poder de mercado significativo no setor das telecomunicações: uma análise da experiência brasileira

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Academic year: 2021

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(1)Resumo. Este trabalho aborda os principais aspectos da defesa da concorrência no estreito âmbito das telecomunicações brasileiras. Para tanto, o primeiro passo foi situar o órgão setorial específico, a ANATEL, no contexto de defesa da concorrência no Direito Brasileiro, delineando o perfil e os limites de sua atuação, expondo alguns dos problemas daí decorrentes. A seguir, foram estudados alguns critérios e métodos de avaliação utilizados pela ANATEL na definição de mercado relevante e atribuição de poder de mercado significativo, apontando-se algumas críticas. Com o fito de obter um maior embasamento na análise feita, buscou-se ter como norte algumas das experiências estrangeiras na matéria, notadamente da União Europeia, pontuando-se com aspectos portugueses quando for pertinente, e dos Estados Unidos. O estudo da experiência estrangeira serviu para que apontássemos algumas soluções para os problemas levantados.. Abstract. This paper approaches the main antitrust aspects in the scope of Brazilian telecommunications. The first step then was to locate the specific regulatory agency, ANATEL, in the context of antitrust law in Brazil, outlining the profile and the limits of its performance, exposing some of the resulting problems. Next, we studied some criteria and assessment methods used by ANATEL in market definition and attribution of significant market power, pointing to some criticism. With the aim of seeking greater reliance on the analysis, we tried to have a perspective of foreign experience in the field, notably the European Union, marking Portuguese aspects when it seemed appropriate, and the United States. The study of foreign experience served to diagnose some solutions to the problems raised.. 1.

(2) Lista de abreviaturas Áreas de Acesso Local e de Transporte – LATAs. Áreas Econômicas – AEs. Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL. Asymmetric Digital Subscriber Line – ADSL. Área de Registro – AR. Autoridades Reguladoras Nacionais da Comissão Europeia – NRA. Autoridade Nacional de Comunicações – ANACOM. Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência – CADE. Código de Endereçamento Postal – CEP. Constituição Federal – CF. Exploração Industrial de Linhas Dedicadas - EILD. European Regulator Group – ERG. Federal Trade Comission – FTC. Federal Communications Commission – FCC. Lei Geral de Telecomunicações – LGT. Little in from outside – LIFO. Acesso local para as operadoras – LLU. Little out from inside – LOFI. Plano Geral de Metas de Competição – PGMC. Plano Nacional de Desestatização – PND Pequeno Aumento Não Transitório no Preço, mas Significativo – SSNIP. Poder Mercado Significativo – PMS. Portugal Telecom – PTC. Secretaria Especial de Acompanhamento Econômico – SEAE. Secretaria de Direito Econômico - SDE Serviço Fixo Telefônico – SFT Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC. Tarifa de Uso de Rede Local - TU-RL. Teste do Monopolista Hipotético – TMH. Teste dos três critérios (The three-criteria test) – TCT. Tratado de Funcionamento da União Europeia – TFUE. União Europeia - UE. Valor de Remuneração de Uso de Rede - VU-M. 2.

(3) 1. INTRODUÇÃO Em 08 de novembro de 2011, a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), por meio de seu Conselho Diretor, aprovou a Resolução nº 600, que cuida do Plano Geral de Metas de Competição (PGMC), que teve como principal objetivo incrementar a competição no setor das telecomunicações, tornando sua regulamentação mais precisa tanto no que se refere à consideração dos mercados relevantes nos diferentes setores das telecomunicações, como na respectiva atribuição de Poder Mercado Significativo (PMS), sem prejuízo do aumento da qualidade e diminuição dos preços dos serviços oferecidos aos usuários. O que se busca neste estudo é entender as mudanças introduzidas pela nova legislação, inicialmente inserindo-a no contexto jurídico-econômico brasileiro, para então observar suas dificuldades teóricas e implicações práticas, fazendo paralelo, sempre que pertinente, com experiências colhidas no estrangeiro, tais como a União Europeia, Portugal e os Estados Unidos. A razão para a escolha desses paradigmas reside na circunstância de que são essas – a União Europeia e os Estados Unidos - as duas principais referências mundiais de regulação ex-ante no setor de telecomunicações, tendo em vista não só a importância econômica dos países envolvidos, mas também a minuciosa análise gerada pelas correspondentes autoridades regulatórias e pelo debate acadêmico que decorre delas. Em um primeiro momento, no capítulo que segue esta introdução, pretende-se inserir a competência da ANATEL para a edição do PGMC no contexto jurídico brasileiro, oportunidade em que será feita a análise do papel concorrencial das agências reguladoras setoriais face as atribuições conferidas às agências reguladoras horizontais, eventuais conflitos daí resultantes, e das formas de atuação das autoridades concorrenciais, sejam elas horizontais ou setoriais. Nessa oportunidade serão firmadas as premissas jurídicas da atuação dos órgãos reguladores setoriais, esclarecendo-se o limite delas no âmbito do Direito da Concorrência. A seguir, no capítulo 3, serão apresentados alguns conceitos próprios das Ciências Econômicas que foram utilizados pela ANATEL para definição de mercado relevante e atribuição de PMS a algumas empresas. Nesse ensejo, serão abordados os testes adotados pela prática econômica brasileira e apresentadas eventuais críticas. Além desses, serão tratados outros testes utilizados na definição de mercado relevante material e geográfico. Sempre que se mostrar pertinente, abordaremos a experiência da União Europeia e dos Estados Unidos, assim como os objetivos que cada uma dessas legislações persegue. 3.

(4) No capítulo seguinte, após termos cuidado os subsídios jurídicos e econômicos que embasam a discussão, analisaremos as questões mais específicas do PGMC, expondo os critérios utilizados para definição de mercado relevante nas telecomunicações brasileiras, cotejando-os com aqueles utilizados pela Comissão Europeia, pela Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM), órgão português, e pelo Federal Communications Commission (FCC), órgão regulador setorial das telecomunicações nos Estados Unidos, fazendo a comparação, ainda que brevemente, dos mercados relevantes identificados por essas legislações. Em seguida, será tratada a determinação ex-ante do PMS nessas legislações, ocasião que serão enfrentadas algumas das críticas apostas ao modelo brasileiro, notadamente face às experiências na matéria da União Europeia, Portugal e Estados Unidos. Por fim, serão apresentadas as conclusões desta dissertação. 2. O “ENFORCEMENT” DA POLÍTICA DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA NO SETOR DAS TELECOMUNICAÇÕES BRASILEIRAS. 2.1. ESTADO EXECUTOR versus ESTADO REGULADOR. Na ordem econômica atual, o Estado pode atuar de duas formas: agente executor e agente regulador. Como agente executor, oportunidade em que o Estado explora diretamente a atividade econômica, ele realiza atividades que, em princípio, estão destinadas à iniciativa privada. Por meio dela, que é uma exceção no sistema constitucional Brasileiro, sendo, pois, subsidiária, o Estado atua de modo direto na economia, explorando o ramo da atividade econômica, seja por interesses coletivos relevantes, ou por razões políticas.1-2 Esta modalidade não é objeto do presente estudo, motivo pelo qual não a aprofundaremos mais. A outra forma de atuação – esta sim será enfrentada aqui mais profundamente – o Estado é agente regulador da economia, e, nessa posição, estabelece restrições e faz um diagnóstico. 1. Conforme se extrai dos artigos 173 e 177 da CF/88, a regra é a impossibilidade de exploração de atividades econômicas pelo Estado, salvo naquelas hipóteses que se revelem imperativas à segurança nacional, de relevante interesse coletivo, bem como nos casos de monopólio constitucional. 2 Nesse mesmo entendimento, veja-se o que o Min. Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu: "É certo que a ordem econômica na Constituição de 1988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial à livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus art. 1º, 3º e 170. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da ‘iniciativa do Estado’; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa. (...)" (ADI 1.950, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 13-11-2005, Plenário, DJ de 2-6-2006.).. 4.

(5) social das condições econômicas, sendo um fiscal das atividades econômicas organizadas por particulares. Antes de discorremos mais sobre esta forma de atuação, deve ser mencionado que a transformação da atuação estatal de executor para regulador inicia-se a partir das premissas estabelecidas no Estado Moderno, no Século XVIII, notadamente através da Teoria do Liberalismo Econômico, que defendia a não atuação estatal na ordem econômica, uma vez que ele deveria ser apenas um expectador das relações socialmente travadas3. Contudo, essa enorme liberdade concedida aos particulares mostrou-se perniciosa, pois acentuou as diferenças entres as classes sociais, sem que se colhessem frutos da adoção desse sistema econômico. Neste cenário, afigurou-se como necessário o desenvolvimento de outro modelo Estatal que servisse aos interesses das demais classes, uma forma de compor os interesses contrapostos pelo antigo regime. Na figura do Estado do Bem-Estar Social (Well Fare State), o Estado passa a ter uma posição mais voltada aos anseios de sua comunidade, um meiotermo entre a total liberação dos mercados e a atuação exclusiva do Estado na ordem econômica.4 Neste modelo, o Estado, por meio de sua estrutura, busca uma maior equidade na distribuição de riquezas, além de estabelecer e efetivar garantias e direitos sociais, como uma forma de proteger as classes menos favorecidas. Entretanto, esse modelo também não esteve imune a críticas, pois ele apresentou diversas falhas estruturais, que culminaram em seu gradual desuso. Dentre os motivos que promoveram sua derrocada, tem-se o aumento da população e a redução da eficiência das atividades avocadas pelo Estado, que conduziu a uma “crise fiscal” – expressão que foi doravante utilizada para caracterizar a impossibilidade financeira do cumprimento dessas obrigações assumidas pelo Estado.5 Para solucionar os problemas surgidos por esse novo sistema, especificamente a falta de orçamento público para viabilização das políticas sociais, concebeu-se um Estado que, 3. Para BONAVIDES, Paulo, “no Estado burguês, a motivação da atuação pública era dar aos governantes os fundos necessários para que alcançassem os fins particulares seus e/ou da classe burguesa governante (única eLeitora), não havia um fim estatal típico e permanente voltado para a sociedade como um todo” in Curso de Direito Constitucional, 27º ed., Ed. Malheiros, 2012, p. 29. 4 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo, Ed. Saraiva, 2005 “o Estado e o Direito buscam (têm de buscar) a promoção da dignidade da pessoa humana. Esses ideais políticos conduziram ao florescimento e ideais de ativismo e intervencionismo estatal”, p. 35. 5 Idem Ibidem, p.19.. 5.

(6) voltado ao bem-estar da coletividade, pudesse garantir direitos à sua população, assumindo uma feição reguladora das atividades econômicas, afastando-se de sua execução direta. Começou aí a se desenhar o papel regulador do Estado.6 Concretamente, as medidas interventivas manifestaram-se por meio de um conjunto de atos legislativos que buscavam restabelecer a livre-concorrência. Nesse sentido, as primeiras ações estatais de caráter intervencionista foram as Leis antitruste, criadas no final do século XIX, no Canadá (Competition Act) e nos Estados Unidos da América (Sherman Act). Ademais, a Ordem Econômica somente foi positivada, pela primeira vez, como norma de matiz constitucional, na Carta Mexicana de 1917, um verdadeiro marco nas constituições sociointervencionistas.7 Nos Estados Unidos, a regulação como forma de intervenção indireta, instrumento posto à disposição do Poder Executivo, surgiu em 1887, ante a necessidade de se criar regras homogêneas para normatização do comércio interestadual, evitando-se uma guerra fiscal entre as unidades da Federação.8 Na Europa, esse processo foi oriundo da desestatização da economia, em decorrência da mudança do Estado intervencionista (Well Fare State) para o Estado Neoliberal Regulador, com o avanço do ideário social-democrata na década de 1980. Na visão de Canotilho9, a atual concepção do Estado na Economia, requer que ele assuma uma posição de agente regulador de atividades econômicas, sem impedir, contudo, que esta regulação seja delegada a entidades administrativas independentes, não subordinadas, ao menos diretamente, ao Poder Público. Essa delegação fundamenta-se na verificação de que a execução de muitas competências estatais não prescinde de recursos, conhecimentos e experiências técnicas, que se encontram, no mais das vezes, fora do aparelhamento estatal. Como agente regulador da economia, o Estado é responsável pela criação das regras jurídicas que se destinam à regulação10-11 da ordem econômica, atuando de três formas bem 6. A Regulação pode ser definida como “o estabelecimento e a implementação de regras para a atividade econômica destinada a garantir o seu funcionamento equilibrado, de acordo com determinados objetivos públicos.” MOREIRA, Vital. In Auto Regulação profissional e administração Pública, Coimbra, Ed. Almedina, 1997, p.34. 7 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu in “Lições de Direito Econômico”, 2012, 5º ed., Ed. Forense, p.110. 8 Idem ibidem. 9 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição, 4º ed., Coimbra, Ed. Almedina, 2000. 10 Segundo o Jurista espanhol Santiago Muñoz Machado, a regulação é um conjunto de técnicas de intervenção pública no mercado, devendo ser entendida como um controle prolongado e localizado exercido por uma agência pública, sobre uma atividade a qual a comunidade atribuiu relevância social. Tradução livre. In MACHADO, Santiago Muñoz. Servicio Público y mercado: lós fundamentos, Madrid, 1998, T.I, p.264. 11 Não é demasiado trazer à lição de Antônio Carlos dos Santos, em obra conjunta com Maria Eduarda Gonçalves e Maria Manuel Leitão Marques, ao definirem a regulação pública como sendo “conjunto de medidas. 6.

(7) definidas: fiscalização, incentivo e planejamento. A fiscalização implica a verificação dos setores econômicos para o fim de serem evitadas formas abusivas de comportamento de alguns particulares, causando gravames a setores menos favorecidos, como os consumidores, os hipossuficientes etc. O incentivo representa o estímulo que o governo deve oferecer para o desenvolvimento econômico e social do país, fixando medidas como as isenções fiscais, o aumento de alíquotas para importação, a abertura de créditos especiais para o setor produtivo agrícola, dentre outros. Por fim, o planejamento é um processo técnico instrumentado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos.12 Não parece demasiado acrescentar que a atuação do Estado na ordem econômica não mais se limita à sua respectiva ordem jurídica interna. A necessidade de abertura de mercados e o interesse no fortalecimento mais efetivo do setor econômico tem reclamado a atuação do Estado também ao nível internacional.13-14 Ainda quando atue como agente regulador da economia, o Estado não abandona sua posição interventiva. Nesse caso, a intervenção se verifica através das imposições normativas destinadas principalmente aos particulares, bem como de mecanismos jurídicos preventivos e repressivos para coibir eventuais condutas abusivas.15 Dentro dessa nova configuração advinda do Estado Regulador, no que se refere ao atendimento das necessidades públicas e coletivas, assim como no que tange à instrumentalização e realização delas, dividem-se as áreas de atuação do Poder Público16-17, que, não raro, contém zonas de intersecção com. legislativas através das quais o Estado, por si ou por delegação, determina, controla ou influencia o comportamento dos agentes econômicos, tendo em vista evitar efeitos desses comportamentos que sejam lesivos de interesses socialmente legítimos e orientá-los em direções socialmente desejáveis.”. in SANTOS, Antônio Carlos dos; GONÇALVES, Maria Eduarda; MARQUES, Maria Manuel Leitão. Direito Econômico, 4º Ed., Coimbra, Ed. Almedina, 2002, p.191. 12 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 20º Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 250. 13 DROMI, José Roberto. Instituciones de derecho administrativo. Editorial Astrea de R. Depalma, 1973..pp. 839. 14 Na realidade brasiLeira, os exemplos de Itaipu e do Mercosul parecem bem se adequar ao caso. 15 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. Ed. Lumen Juris, 2012, p. 840. 16 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu, idem, p.73. 17 Segundo o mesmo autor, pode-se agrupar os seguintes setores: a) Setor de Planejamento político – Corresponde aos Poderes constituídos da República, com expressa previsão e competências delineadas na CF/88. Este setor goza de legitimidade e representatividade popular, sendo o responsável pela produção legiferante, pela propositura, implementação e garantia de observância das políticas publicas do Estado, razão pela qual seu regime é necessariamente de regime público, de atuação exclusiva do Estado; b) Setor de atividades estatais típicas – é o setor que goza de vínculo permanente e estatutário com o Estado, para a realização de atividades correspondentes ao exercício do poder estatal explícito e extroverso, mormente poder de polícia administrativa. Essas atividades também são exclusivas do Estado, não cabendo transferência destas ao particular, seja por delegação, seja por desestatização;. 7.

(8) entidades privadas, na busca pela efetivação do bem comum. Nesse modelo de Estado Regulador prima-se pela realização do bem-estar social tanto pelo Poder Público como pelo particular, até mesmo em caráter concomitante, aproximando-se os regimes jurídicos de prestação dessas atividades de forma eclética, alinhando-se tanto os traços característicos do Direito Público, quanto de Direito Privado. 2.2.. O ESTADO REGULADOR NA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA.. Uma das primeiras medidas intervencionistas na Ordem Econômica brasileira ocorreu no início do século XX e decorreu da necessidade de se controlar a oferta e demanda do setor cafeeiro para o mercado externo, que resultou, por ordem do então governo federal, na queima do excedente de produção, ante a ausência de sua específica regulação.18 Na ordem jurídica brasileira atual, o comando encerrado no art. 174 da CF/8819 não deixa maiores dúvidas acerca dos instrumentos postos para que o Estado exerça a defesa da concorrência em sua plenitude, na posição de agente regulador. No âmbito infralegal, o Direito Administrativo brasileiro, ao longo da década de 90, sofreu algumas mudanças estruturais20, no sentido de buscar uma maior eficiência do setor público, adotando alguns parâmetros utilizados pela iniciativa privada, com algumas matizações, evidentemente. Para que se alcançasse esse desiderato, buscou-se a privatização de alguns setores da economia cujo exercício monopolístico estatal demonstrou-se, a final, mais pernicioso do que atrativo para os interesses nacionais. Assim, sucessivas Leis21 foram aditadas a fim de se implementar o Plano Nacional de Desestatização - PND, com o objetivo precípuo de se obter a redução do déficit público, ao mesmo tempo em que se queria sanear as finanças estatais, transferindo para a iniciativa privada atividades que o Estado indevidamente avocara. A partir c) Setor de atividades de utilidade pública – Corresponde aos serviços que não são exclusivos do Estado, pois não se tratam de sua atividade fim, mas de sua atividade meio, razão pela qual podem ser transferidos ao particular via delegação ou desestatização, como no caso das áreas de saúde e ensino; d) Setor de atividades privadas típicas – Engloba atividades tipicamente privadas de produção, circulação e consumo de bens e srvicos para o mercado. È o setor de cunho eminentemente econômico, motivo pelo qual deve ser explorado, preferencialmente, pelo Estado, e, de modo subsidiário, como visto acima, pelo Estado. 18 Para mais, vide SOUTO, Marcos Juruena Villela in “Desestatização, privatização concessões e tercerizações”, 3º Ed., Ed. Lumen Juris, 2001. 19 Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da Lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. (omissis). 20 Tome-se como o exemplo a ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil – criada em 2005 para substituir o Departamento de Aviação Civil (DAC), órgão ministerial, criado em 1930, concebido para regular o setor de transporte aéreo civil. 21 P.Ex. as de nº 8.031/1990, 9.461/1997, 9.635.1998 e 9.700/1998.. 8.

(9) daí, o Governo Federal paulatinamente iniciou o processo de transferência a pessoas da iniciativa privada de determinados setores até então públicos, dentre eles os das telecomunicações. Esse processo foi feito por meio de descentralização ora por delegação legal, ora por delegação negocial, uma vez que as novas pessoas desempenhariam essas funções pela via das concessões de serviços públicos.22 Nesse diapasão, o afastamento estatal destas tarefas, ainda que permanecesse consigo a titularidades dos serviços, exigiria, de alguma forma, que o Estado não se mantivesse inerte às mudanças que seriam incrementadas doravante, razão pela qual foram instituídos diversos órgãos reguladores para as diferentes áreas que foram objeto de concessão. Essas agências reguladoras têm natureza jurídica de pessoa jurídica de direito público interno, qualificadas como autarquias, cuja função primordial é controlar e fiscalizar, em toda sua vastidão, a prestação de serviços públicos, bem como o exercício de atividades econômicas, sem olvidar da atuação das pessoas privadas às quais foram transferidas as tarefas, impondo-lhes observância aos fins colimados pelo Governo Federal. A questão pode apresentar complexidade quando se busca apartar as competências atribuídas aos entes reguladores daquelas atribuídas aos órgãos antitrustes, razão pela qual, especificamente na análise da política de defesa da concorrência no setor das telecomunicações brasileiras, há demanda para que se faça uma separação das áreas de atuação do órgão regulador setorial e do órgão da concorrência, sob pena de não se compreender exatamente os limites de atuação de cada um desses entes. No próximo tópico, buscaremos traçar as linhas diferenciais de atuação entre esses dois modelos de órgãos, para, ao final, adentrar especificamente no modelo brasileiro de análise de concentrações. 2.3.. DO. SUPOSTO. CONFLITO. DE. ATRIBUIÇÕES. ENTRE. AS. AUTORIDADES CONCORRENCIAIS E REGULADORAS. Um modelo de ordem econômica eficiente pressupõe uma ação coordenada de diversos entes e organismos. A fim de proteger os valores insculpidos no art. 170 da CF/88, bem como para a realização dos princípios da Ordem Econômica Brasileira, é necessário que haja uma atuação concomitante e planejada de entidades concebidas para a Defesa da Concorrência, do Consumidor, do Meio-Ambiente, simultaneamente à atuação de entes criados para a regulação 22. CARVALHO FILHO, José dos Santos, 2012, p.400.. 9.

(10) de mercados econômicos, da mesma forma como ocorre em setores de relevante interesse coletivo. Em que pese ser este o norte a ser seguido, por muitas vezes a matéria acaba recaindo em zonas comuns de atuação e competências das entidades envolvidas. Ao se estabelecer políticas para a defesa da concorrência, p.ex., elas terão reflexo sobre os agentes privados envolvidos na regulação estabelecida pelas agências estatais independentes. Não raramente, essas zonas de atuação comum redundarão em zonas de conflito de competências, demandando soluções eficientes, a fim de que a ação de uma entidade de defesa concorrencial não se traduza em empecilho para a boa atuação de um órgão regulador de mercado. Com a adoção de um modelo estatal regulador, pela CF/88, assim como pelo já mencionado PND (Lei nº 8.031/1990), a ação desses entes públicos tornou-se imprescindível para a realização e a garantia de sucesso na abertura de diversos setores, antes sob o regime do monopólio estatal, para que se estabelecessem normas que garantissem o desenvolvimento do processo competitivo e a observância de um regramento técnico próprio ao mercado. 2.3.1.. DA ATUAÇÃO DAS AUTORIDADES CONCORRENCIAIS.. A defesa da Concorrência no Brasil é feita pelo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), que se refere à atuação coordenada de dois órgãos, um ligado ao Ministério da Fazenda (Secretaria Especial de Acompanhamento Econômico – SEAE) e o CADE (Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência).23 O arcabouço jurídico da defesa da concorrência atualmente é dado pela Lei nº 12.529/2012, que, como veremos mais adiante, trouxe algumas mudanças na matéria. Além dela, os parâmetros técnicos concorrenciais são conferidos pelo “Guia para análise econômica de Atos de Concentração Horizontal”, confeccionado pela SEAE/SDE24, segundo o qual os atos reputados como de concentração entre empresas podem produzir efeitos positivos ou negativos sobre a economia. A ação das autoridades responsáveis pela defesa da concorrência pressupõe o monitoramento e a verificação da utilização racional dos mecanismos de mercado por parte dos respectivos agentes privados que atuam no setor analisado, pautando-se por critérios 23. Art. 3º da Lei nº 12.529/2012: “Art. 3o O SBDC é formado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, com as atribuições previstas nesta Lei.”. 24 Sob a égide da antiga Lei antitruste, a nº 8.884/94, a SDE e a SEAE eram órgãos autônomos em relação ao CADE. Contudo, com a edição da novel Lei nº 12.259/2011, apenas a SEAE manteve-se fora da estrutura do CADE, o que não ocorreu com a SDE, que passou a se chamar DEE (Departamento de Estudos Econômicos).. 10.

(11) essencialmente econômicos. Essa ação tem o principal escopo de se evitar o surgimento das falhas de mercado, que podem ser traduzidas pelas ineficiências no devido processo competitivo, alastrando efeitos indesejáveis a outras etapas do ciclo econômico. Com isso, pode-se aduzir que a defesa da concorrência funda-se em critérios notadamente econômicos, cujo maior objetivo é aumentar a eficiência alocativa na utilização racional dos mecanismos de mercado, evitando-se o aparecimento de falhas estruturais, ou minorando seus efeitos.25 Contudo, por mais que o órgão regulador – no caso, aquele que cuida especificamente da concorrência, o CADE – traga consigo a presunção do domínio das teorias de concorrência, sempre haverá algumas peculiaridades a serem observadas em setores tão técnicos como os das telecomunicações. 2.3.2.. DA ESFERA DE ATUAÇÃO DAS AUTORIDADES REGULADORAS.. O modelo regulador de Estado é fundado sob a premissa de que apenas será necessária a intervenção do Estado onde o mercado, por si só, não preservar os princípios da Ordem Econômica, basilares na Ordem Jurídica brasileira. Nessa linha pensamento, parece correto afirmar que a regulação dos mercados e setores de relevante interesse coletivo se dê com o objetivo de restabelecer o equilíbrio de competição entre os agentes econômicos envolvidos, substituindo-se o uso dos mecanismos de mercado que se revelem ineficientes por meio de instrumentos de regulação.26 Salvo nos casos de regulação puramente econômica, todas as outras formas de regulação (de serviços públicos, social, ambiental e cultural) seguem critérios técnicos, estabelecidos pelo ente regulador responsável, além de critérios econômicos. Ainda, a autoridade concorrencial, para efetuar a defesa da concorrência, vale-se também de critérios igualmente econômicos, o que evidencia a existência de uma zona de tensão entre as agências de defesa da concorrência e os entes reguladores setoriais, tornando clara a necessidade de se definir o que vem a ser regulação econômica e o que é defesa da concorrência.. 25. FIGUEIREDO.. p.33. “As evoluções históricas da política antitruste e da regulação, a partir do século XIX, sugerem a delimitação de fronteiras entre as duas áreas que, à primeira vista, pareceria obvia. A defesa da concorrência visaria assegurar a proteção dos mecanismos de mercado. Em contraste, a regulação tradicional teria como objetivo substituir esses mecanismos diante de falhas de mercado consideradas insuperáveis. A defesa da concorrência tem, portanto, caráter mais geral do que a regulação estatal. Esta última deveria existir, em principio, quando houvesse falha de mercado cujo custo fosse superior ao da intervenção governamental ou da falha de estado.” OLIVEIRA, Gesner; RODAS, João Grandino in “Direito e Economia da concorrência”, Ed. Renovar, 2004, p.137. 26. 11.

(12) De todo modo não paira dúvidas de que, para que a Agência reguladora seja eficiente na sua atuação, é necessário que se opte pela simplicidade e pela parcimônia na aplicação das medidas regulatórias assimétricas, sob pena de submeter o setor ao peso de um arcabouço regulatório superdimensionado.27 Voltando à questão principal, ante a presença do potencial conflito entre ambas, como fazer para conciliá-las? Quais critérios podem ser utilizados para este fim? É o que veremos no tópico que segue. 2.3.3. DA DIVISÃO DE COMPETÊNCIAS ENTRE REGULAÇÃO E DEFESA DA CONCORRÊNCIA. Conforme critério proposto por Gesner Oliveira e João Grandino Rodas, é possível que se vislumbre cinco modelos de divisão de competências entre as autoridades de proteção da concorrência e os órgãos reguladores. Essa divisão tem por base a separação em três critérios funcionais, a saber: a) um de ordem técnica, consistente na elaboração de regras e padrões a serem observados pelos “players” de determinado mercado28; b) de ordem econômica, focado na criação de “Standards” de preços e quantidades a serem ofertados pelos agentes econômicos29-30; c) legislação de concorrência, que busca disciplinar e concretizar o controle das estruturas de mercado, bem como a repressão de condutas que possuam efeitos danosos ao mercado.31 O primeiro desses critérios, a regulação técnica, é menos suscetível de ser objeto de conflito entre a autoridade antitruste e o órgão regulador setorial, uma vez que é da própria essência deste, muito embora possa apresentar alguma influência na concorrência, pois a. 27. “It is now recognised that through ex-ante regulation an ever increasing amount of the value chain can be made more innovative, dynamic and responsive to consumer needs by the competitive process. But it is also recognised that the scope of such special intervention should be narrowly drawn” CAVE, Martin. Encouraging infrastructure competition via the ladder of investment. Telecommunications Policy, v. 30, n. 3, p. 223-237, 2006. 28 De outro modo, pode-se definir regulação técnica como “as regras que se destinam a assegurar a compatibilidade entre equipamentos e sistemas, a garantir a segurança, a proteção da privacidade e a preservar o ambiente”, in MARQUES, Maria Manuel Leitão; ALMEIDA, João Paulo Simões de; FORTE, André Matos. Regulação sectorial e concorrência. Revista de direito público da economia, 2005, p. 65. 29 Ou como o “conjunto das medidas destinadas a controlar o monopólio de preços, assegurar níveis apropriados de investimento para propiciar a renovação tecnológica, garantir a proteção do consumidor e definir cláusulas de acesso não discriminatório a redes básicas”, idem ibidem. 30 OLIVEIRA, G. de. Regulação e Defesa da Concorrência: bases conceituais e aplicações do sistema de competências compartilhadas. Relatório de Pesquisa n.º 9/2001. EAESP/FGV/NPP – Núcleo de Pesquisas e Publicações, 2001. Disponível em http://virtualbib.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/3198/Rel%20092001.pdf?sequence=1, cujo acesso foi feito em 19/01/2013. 31 OLIVEIRA, Gesner; RODAS, João Grandino, 2004, p.144-146.. 12.

(13) normatização de produtos pode trazer reflexos na definição de seus aspectos concorrenciais, ainda que indiretamente.32 A regulação econômica é a mais partilhada com o órgão regulador da concorrência, apresentando-se como um feixe de competências sobrepostas ou complementares entre as agências reguladoras e os órgãos antitrustes.33 Por fim, a legislação de concorrência funda-se em aspectos gerais, normalmente traçados pelo órgão concorrencial, e, por ser editada de forma a ser aplicável a diversos setores da economia, permite a complementação de seus critérios de acordo com as especificidades de um determinado setor, estimulando um diálogo entre o órgão concorrencial e o órgão regulador da área.34 Com base nesses três critérios mencionados, os doutrinadores propõem os seguintes modelos: A) Modelo 1 – isenção antitruste: as agências regulatórias aplicam a legislação de defesa da concorrência, prevalecendo, sempre, a legislação específica sobre eventual comando geral da Lei Antitruste. Neste caso, a agência regulatória realiza as três tarefas, mas enfatiza aspectos regulatórios, sem deixar espaço para a atuação da autoridade de defesa da concorrência – pode-se conceber situações em que a Lei de concorrência nem seja aplicada; B) Modelo 2 – Competências concorrentes: tanto as autoridades de defesa da concorrência quanto as regulatórias tem competência para aplicar sanções antitruste, bem como para estabelecer normas de regulação econômica; C) Modelo 3 – Competências complementares: as atribuições entre as duas autoridades não se sobrepõem. Há nítida divisão de trabalho, segundo a qual a agência regulatória cuida exclusivamente das tarefas de regulação técnica e econômica, enquanto a autoridade de defesa da concorrência aplica a Lei Antitruste; D) Modelo 4 – Regulação antitruste: a autoridade de defesa da concorrência aplica tanto a Lei Antitruste quanto as regulações técnicas e econômicas, em um caso simétrico ao primeiro relatado acima, onde a ênfase recairia sobre a legislação antitruste, restringindo a regulação ao mínimo necessário; E) Modelo 5 – Desregulamentação: a competência exclusiva recai sobre a autoridade antitruste, eliminando-se as regulações de caráter técnico ou econômico.. 32. MARQUES, M. L.; ALMEIDA, J. P. S. de; FORTE, A. M, 2005. Idem ibidem. 34 Idem ibidem. 33. 13.

(14) Como concluem os autores35, a decisão a respeito do modelo a ser adotado em cada legislação, para cada setor econômico considerado, envolve muitas variáveis, que sempre devem estar atentas às suas reais necessidades e realidades. No caso brasileiro, aparentemente optou-se pela adoção, ao menos no setor das telecomunicações, do modelo 3, havendo competências complementares entre a Agência Nacional das Telecomunicações - ANATEL e o CADE sobre defesa da concorrência, relativamente à apuração de infrações à ordem econômica, eis que a ANATEL tem funcionado como ente investigativo e de consultoria técnica, instaurando e instruindo os feitos administrativos de apuração de infrações à ordem econômica em seu respectivo nicho36, sem, contudo, exercer poderes decisórios, uma vez que os remete a julgamento definitivo pelo CADE.37-38-39 No exercício de sua competência antitruste, no que tange à tarefa de coibir condutas anticompetitivas e estimular a concorrência, a ANATEL editou o PGMC, aprovado 35. Idem ibidem, p. 151. Neste mesmo sentido: “Deve ser observado (...) que, ao transferir as competências da SDE e da SEAE para a ANATEL, em momento algum fala a Lei 9.472, de 1997, em exclusividade. Desse modo, deve ser entendido que as competências da SDE e da SEAE foram mantidas, residualmente, com relação ao setor de telecomunicações”. Nusdeo, Ana Maria de Oliveira, in “A Regulação e o Direito da Concorrência”, Direito Administrativo Econômico, Carlos Ari Sundfeld (coordenador), Malheiros, São Paulo, 2000, p. 181. 37 Na medida preventiva nº 08700.001496/2002-23, o Conselheiro Miguel Barrionuevo, ao comentar a relação entre CADE e ANATEL, aduziu: “o fato de existir órgão regulador de um determinado mercado não impede que este CADE adote qualquer medida que vise assegurar a preservação da concorrência, da ordem econômica “, para depois dizer que “tratam-se de competências complementares que visam a garantir um ambiente concorrencial saudável, cada qual no limite das atribuições”, concluindo que “que em nenhum momento a Lei que regulou o setor de telecomunicações excluiu ou delegou competências do CADE, ao contrário, determinou parâmetros para a atuação da Agência Reguladora, respeitando integralmente a competência deste Conselho no que tange à defesa da concorrência estabelecidas por Lei” in SANTIAGO, L. S. “Direito Da Concorrência”, Salvador: Ed.JusPodivm, 2008. Cap. 10, p.393. 38 O CADE parece acolher este entendimento, pois no julgamento da Medida Preventiva formulada pela INTELIG e EMBRATEL em face da TELESP, o Conselho Diretor assim decidiu: “A Lei que cria a ANATEL em momento algum revogou expressamente a competência dos órgãos do Sistema BrasiLeiro de Defesa da Concorrência para atuarem no setor de telecomunicações. Não houve delegação ou avocação. (...) É de se observar que a ressalva feita ao CADE indica que não existem competência da ANATEL para o exercício das funções judicantes próprias do CADE. A Lei apenas cometeu à ANATEL competências para o exercício de atividades instrutórias e de fiscalização. Ao fazê-lo, diga-se de passagem, não estabeleceu sequer se sua competência seria privativa ou exclusiva. (...) O sistema jurídico brasiLeiro admite inúmeras hipóteses de competência (ou atribuição) concorrente de órgãos da administração para o desempenho de funções, não sendo razoável supor que a mera justaposição de competências seria ilegal e, portanto, imporia o acolhimento de que teria ocorrido a revogação tácita da competência de um órgão sempre que outro passasse a ter competência legal para o exercício de parcela das funções originalmente cometidas a apenas um deles." 39 Na Medida Preventiva nº 08700.003174/2002-19, o CADE assim decidiu: ““(...) Entretanto, ao contrário do que possa se imaginar à primeira vista, não há contradição entre a opção por um modelo de liberdade de negociação de preços de acesso e a manutenção da concorrência no mercado. De forma inteligente, a LGT, e posteriormente a ANATEL, através da Norma 30/96, permitiram que as empresas encontrem um preço de equilíbrio, induzindo a busca da eficiência econômica nesse mercado. Por seu turno, cabe à Lei nº 8.884/94 e a seus aplicadores, o CADE e a ANATEL, como um dos órgãos instrutórios, coibir que essa liberdade implique a adoção de condutas anticompetitivas”. 36. 14.

(15) pela Resolução n° 600, de 8 de novembro de 2012 , que tem como principal propósito servir de supedâneo às medidas de promoção da competição no setor, fomentando a competição dos mercados através da oferta dos produtos em preços e padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários. 2.4. FORMAS DE ATUAÇÃO DAS AUTORIDADES CONCORRENCIAIS: EX-ANTE E EX-POST. Depois de termos estudado os modelos de divisão de competências das autoridades concorrenciais horizontais e das setoriais, e afirmado que no modelo brasileiro é adotado uma divisão de competências que são complementares entre si, que a atribuição das duas autoridades, horizontal e setorial, não se sobrepõem, havendo, portanto, nítida divisão de trabalho, parece pertinente fazer breve digressão sobre o conjunto de instrumentos no setor de telecomunicações40. Esses instrumentos são classificados segundo dois tipos gerais: ex-ante e ex-post. Os primeiros, os ex-ante, atrelam-se às definições das regras do jogo, ao passo que os ex-post associam-se a correções aplicadas em caso de constatação de desvios de conduta ou práticas indesejadas. Ambos os instrumentos são muito utilizados na prática regulatória internacional. Em um primeiro momento, convém referir que nas jurisdições consideradas maduras há tendência de aumentar a ênfase dada à regulação ex-post, de forma que se reduz proporcionalmente a utilização da regulação ex-ante. Entretanto, ainda nessas economias mais maduras, a transição deve ser feita com bastante cautela, a fim de se evitar riscos à eficiência produtiva e à eficiência alocativa, que podem não serem obtidas através de processo competitivo tradicional.41 É necessário que haja um maior debate quanto à utilização mais efetiva da regulação expost no caso brasileiro, já que o controle de estruturas, que constitui regulação ex-ante, não é sequer descartado nas jurisdições consideradas maduras, constituindo elemento inerente da infraestrutura institucional de defesa da concorrência, a demonstrar a indispensabilidade da previsão de instrumentos de regulação tanto ex-ante quanto ex-post.42. 40. TUROLLA, F., T. OHIRA, and LIMA, M. F. Freire de. "Concorrência, convergência e universalização no setor de telecomunicações no Brasil." (2008). p. 33-34. Disponível em http://tinyurl.com/cez3gam. 41 Idem Ibidem. 42 Idem Ibidem.. 15.

(16) Pode-se dizer que são instrumentos ex-ante de regulação: O julgamento dos atos de concentração pelo CADE, nos termos do art. 53 da Lei 12.529/2012; O julgamento concorrencial pela ANATEL, em sede de anuência prévia, art. 70 e 71 da Lei Geral de Telecomunicações – LGT; Obrigação de acesso às redes (ex., unbundling43, que será visto no cap. 4); Reestruturação setorial. Por outro lado, são instrumentos ex-post o processo administrativo de condutas do SBDC e as ações da agência reguladora setorial que impõem coimas, punições, compromissos de desempenhos etc. Tudo que se expôs aqui será importante para fundamentarmos as críticas que se dirigem à atuação ex-ante da ANATEL, que serão feitas no capítulo 4. A seguir, cuidaremos dos dois primeiros instrumentos ex-ante mencionados acima, quais sejam, o julgamento dos atos de concentração pelo CADE e pela ANATEL, através da anuência prévia. 2.5.. A. ANÁLISE. DAS. CONCENTRAÇÕES. NO. SETOR. DAS. TELECOMUNICACOES BRASILEIRAS. No sistema jurídico brasileiro, a LGT - (Lei nº 9.472/199744) -, que autorizou a criação da ANATEL, estabelece expressamente a competência daquele ente para exercer o controle45, a preservação e a repressão das infrações à Ordem Econômicas no mercado das telecomunicações, ressalvadas as competências do CADE - (art. 19, XIX, da Lei nº. 43. “unbundling é o termo utilizado para descrever a desagregação das redes das operadoras de telefonia local, de modo a possibilitar que outros prestadores possam alugar partes destas redes para prover serviço a seus clientes.” Extraído de http://www.teleco.com.br/comentario/com51.asp. 44 Sobre essa Lei, ela foi a única criadora de agência reguladora, no ordenamento brasiLeiro, que conferiu expressas atribuições de controle de concentração e repressão das infrações à ordem econômica a órgão distinto do CADE. 45 Art. 5º Na disciplina das relações econômicas no setor de telecomunicações observar-se-ão, em especial, os princípios constitucionais... liberdade de iniciativa, livre concorrência... Art. 6° Os serviços de telecomunicações serão organizados com base no princípio da livre, ampla e justa competição entre todas as prestadoras, devendo o Poder Público atuar para propiciá-la, bem como para corrigir os efeitos da competição imperfeita e reprimir as infrações da ordem econômica. Art. 7° As normas gerais de proteção à ordem econômica são aplicáveis ao setor de telecomunicações, quando não conflitarem com o disposto nesta Lei. § 1º Os atos envolvendo prestadora de serviço de telecomunicações, no regime público ou privado, que visem a qualquer forma de concentração econômica... ficam submetidos aos controles, procedimentos e condicionamentos previstos nas normas gerais de proteção à ordem econômica. § 2° Os atos de que trata o parágrafo anterior serão submetidos à apreciação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica... § 3º Praticará infração da ordem econômica a prestadora... adotar práticas que possam limitar, falsear ou, de qualquer forma, prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa. (...) Art. 97. Dependerão de prévia aprovação da Agência a cisão, a fusão, a transformação, a incorporação, a redução do capital da empresa ou a transferência de seu controle societário. Parágrafo Único. A aprovação será concedida se a medida não for prejudicial à competição e não colocar em risco a execução do contrato, observado o disposto no art. 7º desta Lei.. 16.

(17) 9.472/1997)46. Nessa zona de atuação comum, o que poderia levar a possíveis conflitos de competência entre o órgão regulador setorial e o antitruste, à ANATEL foi transferida algumas das funções inerentes ao SBDC, de maneira que houve uma repartição das competências atribuídas ao CADE e à ANATEL na averiguação e julgamento de atos anticompetitivos. Antes da edição da Lei nº 12.529/2011, a que regia o sistema de defesa da concorrência era a Lei nº 8.884/94.47 Segundo ela, era regra geral que todos os atos de concentração que estivessem dentro dos critérios pré-estabelecidos, deveriam ser submetidos à Secretaria de Direito Econômico – SDE -, que faria um estudo prévio e o remeteria ao CADE para decisão definitiva. Nessa sistemática, os interessados precisavam submeter o ato de concentração à SDE previamente (autorização prévia) ou em até 15 dias úteis após sua realização, sob pena de se reputar ineficaz48. Como já adiantado, a regra era essa para todos os setores, salvo no das telecomunicações, pois a diferença consistia na competência atribuída à ANATEL, um controle preliminar dos atos concentracionais, cabendo ao CADE o controle da atuação em grau recursal, oportunidade em que poderia arquivar ou não o processo.49 Como existia um lapso de tempo conferido legalmente para depois da realização do ato (15 dias úteis), a ANATEL costumava a utilizar-se do expediente da “anuência prévia”, ou seja, além da autorização final a ser concedida pelo CADE, a ANATEL. Era apenas uma opinião qualificada, que não seria. 46. Art. 19... XIX - exercer, relativamente às telecomunicações, as competências legais em matéria de controle, prevenção e repressão das infrações da ordem econômica, ressalvadas as pertencentes ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica. 47 Art. 54. Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE ... § 3o Incluem-se nos atos de que trata o caput aqueles que visem a qualquer forma de concentração econômica, seja através de fusão ou incorporação de empresas, constituição de sociedade para exercer o controle de empresas ou qualquer forma de agrupamento societário, que implique participação de empresa ou grupo de empresas resultante em vinte por cento de um mercado relevante, ou em que qualquer dos participantes tenha registrado faturamento bruto anual no último balanço equivalente a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais). (Redação dada pela Lei 10149, de 21.12.2000). 48 Art. 54. (...) ... § 4º Os atos de que trata o caput deverão ser apresentados para exame, previamente ou no prazo máximo de quinze dias úteis de sua realização, mediante encaminhamento da respectiva documentação em três vias à SDE, que imediatamente enviará uma via ao CADE e outra à Seae.(Redação dada pela Lei 9021, de 30.3.95) 49 FILHO, C. S., Direito Concorrencial, as estruturas. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2007. Cap. 3, p. 255.. 17.

(18) necessariamente levada em consideração pela autoridade antitruste, muito embora demonstrasse um papel importante da ANATEL no tema.50 É importante que não se confunda o termo “anuência prévia” nos moldes da Lei anterior com o fato de ser necessária uma autorização prévia para atos de concentração, nos moldes da atual Lei. Com efeito, embora a nomenclatura fosse “anuência prévia”, o referencial aí não era o ato de concentração, mas a atuação do CADE. Isto é, era uma anuência previamente conferida pela ANATEL, mesmo que posterior ao ato de concentração, mas que o CADE ainda deveria se pronunciar, de forma definitiva. Já a autorização prévia adota como referencial apenas o ato de concentração a ser praticado, tão somente. Com a “anuência prévia”, que vigia na antiga Lei, na prática era conferido o direito à empresa postulante de exercer as atividades como se a autorização tivesse sido concedida de forma definitiva, não obstante o CADE ainda devesse se manifestar sobre o tema, com riscos de mudar totalmente o entendimento prévio da ANATEL, mas os efeitos práticos do ato já consolidado e os riscos de seu desfazimento eram sopesados na decisão final. A adoção dessa antiga sistemática, especificamente quanto à anuência prévia, em que pese deixar o procedimento excessivamente burocratizado, ao menos garantia que, na análise concorrencial dos atos afins às telecomunicações, as informações técnicas do setor fossem priorizadas, o que conferia um maior juízo de certeza quanto ao acerto ou não de uma autorização definitiva nos atos de concentração. Com a edição da Lei nº 12.529/2012 rompeu-se consideravelmente o quadro anterior, pois, com essa nova Lei, além de se modificar os critérios de obrigatoriedade de submissão do ato51, acabou-se a possibilidade de autorização a posteriori do ato de concentração (15 dias),. 50. O conselheiro Vinícius Carvalho, ao julgar os Atos de Concentração nº 08012.005789/2008-23 e nº 53500.012477/2008, esclareceu que uma boa relação entre a ANATEL e o CADE é fundamental, oportunidade em que ponderou que “em linhas gerais, o sistema de alocação de competências setoriais entre o SBDC e as agências é um sistema que abre espaço para se organizar em bases complementares”, além de dizer que “com base no ambiente competitivo estruturado pela política pública e monitorado pela agência setorial, ao SBDC cabe ser ouvido na estruturação desse ambiente, compartilhando informações... e atuar, com base no princípio da subsidiariedade, no controle de condutas e estruturas, quando a ação regulatória não tiver esgotado todas as possibilidades de concorrência no setor”. 51 Art. 88. Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente: I - pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); e. 18.

(19) pois apenas é prevista a autorização prévia52 a ser conferida pelo CADE, extinguindo a atuação da ANATEL no assunto. Ou seja, ante o novo quadro legal, não mais cabe a ANATEL a concessão de anuência previa, de maneira que não há mais espaço para ela se pronuncie efetivamente nos atos de concentração. É de se reconhecer que o setor das telecomunicações ainda carece de uma solução que compatibilize as atribuições legalmente incumbidas a esses entes, vale dizer, tanto para o CADE, órgão regulador antitruste por excelência, e para a ANATEL, no que se refere especificamente às empresas de telecomunicações. A ANATEL, da forma como se apresenta hoje, ainda terá poder para emitir pareceres aprovando ou rejeitando os atos de concentração das empresas de Telecom, muito embora a operação não possa se consolidar até que seja analisada previamente e aprovada pelo CADE, diminuindo sobejamente a atuação do órgão regulador setorial nas concentrações. No próximo capítulo, aprofundaremos a questão dos métodos de definição de mercado relevante. 3. CONCEITO DE MERCADO RELEVANTE E SUA APLICABILIDADE NAS TELECOMUNICACOES BRASILEIRAS 3.1. DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE MERCADO RELEVANTE. A antiga Lei nº 8.884/94 foi a primeira a introduzir o conceito de “mercado relevante” no ordenamento jurídico brasileiro, expressão que continuou a ser utilizada pelo novo diploma legislativo, a Lei nº 12.529/2012. Na doutrina estrangeira, é comum que se identifique o mercado relevante com o abuso de posição dominante ou ainda com o poder de mercado. Por isso, a maioria dos livros estrangeiros sobre a matéria acaba tratando-os conjuntamente, muito embora essa aproximação não deva ser feita automaticamente, pois o mercado relevante é um conceito que permeia todo o direito antitruste – e não apenas o abuso de posição dominante. A partir do momento em que as práticas são vedadas por produzirem efeitos anticoncorrenciais, a. II - pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais). 52 Art. 88. (...) ... §2o O controle dos atos de concentração de que trata o caput deste artigo será prévio e realizado em, no máximo, 240 (duzentos e quarenta) dias, a contar do protocolo de petição ou de sua emenda.. 19.

(20) determinação da ilicitude passará pela delimitação de mercado relevante no qual esses efeitos serão sentidos. De outra forma, não se pode falar de efeitos anticoncorrenciais senão em um determinado mercado: o mercado relevante.53 Em linhas resumidas, o mercado relevante é aquele em que ocorrem as relações concorrenciais ou de atuação do agente econômico, cujo comportamento é objeto de investigação.54 Se não houver sua correta delimitação, o próprio direito antitruste não teria como ser aplicado, ante a dependência dos outros institutos para o conceito de mercado relevante. Como exemplo, podemos mencionar que o texto legal faz referência a “concorrência”, e para caracterizar um ilícito neste âmbito a primeira providencia seria saber qual seria essa “concorrência”, e o conceito de mercado relevante surge, assim, como importante instrumento nesta tarefa.55 A delimitação de um mercado relevante de bem ou serviço é feito através da utilização de pressupostos metodológicos que não correspondem a uma fórmula matemática, de onde se pode extrair um juízo de certeza, mas que fornecem indicativos que servem de parâmetros, a serem conjugados com outros elementos.56-57 Com vistas a delimitar corretamente um mercado relevante, faz-se necessário o estudo conjugado de dois fatores inseparáveis, a saber, o mercado relevante material – ou do produto – e o geográfico. Como veremos oportunamente, o PGMC traz uma sumária abordagem na definição de mercados. No que se refere à dimensão de produto, o PGMC assenta que os produtos que possuem um grau significativo de substituibilidade do lado da demanda ou da oferta são colocados num mesmo mercado de produto, por causa de suas características, preços e usos, sendo este o início de sua abordagem.58 Nos próximos itens, veremos os conceitos de mercado relevante material e geográfico, tanto no Brasil, como na União Europeia e Estados Unidos. 3.1.1.. DO MERCADO RELEVANTE MATERIAL.. 53. FORGIONI, Paula. In “Os fundamentos do Antitruste”, 3º ed., Ed. RT, 1999, p. 114. Idem ibidem. 55 O mesmo raciocínio pode ser aplicado aos conceitos de domínio de mercado e ao abuso de posição dominante. 56 “...economic relationships are seldom so simple that a relevant market can be defined with exactitude and confidence. There is not for any product a single, eral ‘market’ waiting to be discovered”. In SULLIVAN, L.A, “Antitrust”. St. Paul: West publishing Co., 1977, p. 51. 57 FORGIONI, op. cit., p.232. 58 Muito embora a substitutibilidade do lado da oferta não esteja definida adequadamente, pois nem é mencionada no Anexo II do PGMC. 54. 20.

(21) O mercado relevante material é aquele em que o agente econômico enfrenta concorrência, considerando-se o bem ou produto que produza/ofereça.59 Para sua identificação importa saber se o consumidor do produto está normalmente disposto a substituí-lo por outro. Se a resposta for positiva, ambos os produtos serão considerados como integrantes de um mesmo mercado, haja vista a presença de certo grau de substituibilidade entre eles.60 Esse é um dos motivos que explicam o porquê de alguns produtos aparentemente semelhantes não estarem incluídos em um mesmo mercado material, e, ao contrário, podem existir produtos bem distintos, mas que integram o mesmo mercado. Embora o critério da substituibilidade pareça ser de simples aplicação, na prática, ele apresenta alguns problemas, principalmente quando há aumento no preço de um dos produtos, o que acaba levando ao aumento na procura de outro, mais barato. É o que se chama de elasticidade cruzada, que permite concluir que os consumidores estariam dispostos a substituir um bem pelo outro, evidenciando uma relação de concorrência, ainda que potencial, entre eles.61 Os parâmetros para sua exata medição devem ser feitos a partir dos hábitos do consumidor, já que é possível que, em situações de alta dependência dos consumidores em relação a determinado produto, eles não se valham de outros postos no mercado, ainda que fosse plausível a substituição. Daí se falar em uma “substituição razoável”, aos olhos do consumidor.62. 59. FORGIONI, op. cit., p. 241. O capítulo 5 do formulário CO, utilizado na União Europeia, define mercado relevante material como sendo: “Um mercado do produto relevante compreende todos os produtos e/ou serviços considerados permutáveis ou substituíveis pelo consumidor devido às suas características, preços e utilização pretendida. Um mercado do produto relevante pode em alguns casos ser composto por um certo numero de produtos e/ou serviços individuais que apresentam características físicas e técnicas amplamente idênticas e que sejam permutáveis (...). Os factores importantes para a avaliação do mercado de produto relevante incluem a análise da razão da inclusão dos produtos ou serviços nestes mercados e da exclusão de outros através da utilização da definição acima referida e tendo em conta, por exemplo, a substituibilidade, condições de concorrência, preços, elasticidade de preços cruzados da procura ou outros factores relevantes para a definição dos mercados de produtos”. 61 “when the cross elasticity is high, the two products should be included in the same market”. AREEDA, Philipp and KAPLOW, Louis. In “Antritrust analysis: problems, texts, cases”, 4º ed., Boston Little Brown, 1988, p.576. 62 É impossível não tratar o tema com certa subjetividade, pois o que pode parecer razoável para uns consumidores, pode não ser para outros, mas o mercado precisa definir a relação de concorrência, superando esses problemas. Neste sentido, é correto dizer que “product differentiation, like product substitution generally is a matter of degree, because some smokers would walk a mile for a cigarette C while others would quickly shift to cigarette L in response to a fractional price change”. AREEDA e KAPLOW, op. cit. p. 575. 60. 21.

(22) Essa substituibilidade normalmente pode ser verificada através da adoção do teste do Monopolista Hipotético (TMH)63-64, que, embora não esteja isento de críticas65, tem por escopo definir o mercado de produto, cujo ponto de partida será considerado aquele que seja o mais restrito possível (“produto candidato”) e indagar o que aconteceria se houvesse um aumento de preço pequeno, porém significativo (5 a 10%), e de caráter não transitório, acima do nível de competitividade desse produto, imaginando-se que os preços de todos os outros bens ou serviços permanecessem constantes (conhecido como “aumento relativo de preço”). Se o referido aumento de preço resultar em lucro, conclui-se que o “produto candidato”, por si só, forme todo o mercado relevante daquele setor, uma vez que a adoção de alternativas mostrou-se insuficiente para parar o aumento de preço, ou seja, mais valeria monopolizar o mercado estudado. Diferentemente, caso o aumento de preço tomado seja mitigado por constantes operações de troca, o suficiente para afastar a lucratividade do aumento de preço, o imaginário mercado é ampliado a ponto de incluir os bens ou serviços adotados pelos consumidores. Depois disso, torna-se a realizar o teste, desta vez com a definição ampliada, até que o aumento de preço torne a ser lucrativo, definindo-se então o mercado relevante em questão.66 A utilização do TMH - é deveras respaldada pela experiência internacional. Com efeito, é o modelo adotado pelo Federal Trade Comission (FTC) – órgão concorrencial norteamericano -, conforme consta no “Horizontal Mergers Guideline”, de 19/08/201067,. 63. Este teste é um modelo conceitual estabelecido para a definição de mercado, utilizando o conceito de substituição para chegar a uma definição sistemática dos mercados, conhecido pela sigla TMH ou SSIP, na língua inglesa. 64 O TMH é adotado no Brasil (Guia SEAE/SDE) e em outros órgãos de defesa da concorrência mundiais, como o Department of Justice dos Estados Unidos e a Comissão Europeia. 65 "A number of difficulties arise in identifting market boundaries, which requires fairly finely tuned judgements to conduct the exercise of market definition properly. Four particular areas of difficulty are: deciding how to treat firms that operate in many related markets, dealing with intermediate goods markets, applying the test to markets that are already monopolised (known as the "cellophane fallacy"), and determining what is small but significant". CAVE, Martin; STUMPF, Ulrich; VALLETTI, Tommaso. A review of certain markets included in the Commission’s recommendation on relevant markets subject to ex ante regulation. Independent report to the European Commission, 2006, p. 84. 66 A esse respeito, pela ANACOM (2003), é colocado que: “Neste contexto, definem-se dois tipos principais de pressão da concorrência: (i) a substituibilidade do lado da procura e (ii) a substituibilidade do lado da oferta. Existe uma terceira fonte depressão concorrencial no comportamento do operador que é a concorrência potenciattl. Estas pressões concorrenciais poderão em alternativa ou em conjunto constituir fundamento para definir o mesmo mercado do produto.”. 67 “Market shares of different products in narrowly defined markets are more likely to capture the relative competitive significance of these products, and often more accurately reflect competition between close substitutes. As a result, properly defined antitrust markets often exclude some substitutes to which some customers might turn in the face of a price increase even if such substitutes provide alternatives for those. 22.

Referências

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