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MESSIANISMO CANELA: ENTRE O INDIGENISMO DE ESTADO E AS ESTRATÉGIAS DO DESENVOLVIMENTO

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Academic year: 2021

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(1)ADALBERTO LUIZ RIZZO DE OLIVEIRA. MESSIANISMO CANELA: ENTRE O INDIGENISMO DE ESTADO E AS ESTRATÉGIAS DO DESENVOLVIMENTO. São Luís 2006.

(2) ADALBERTO LUIZ RIZZO DE OLIVEIRA. MESSIANISMO CANELA: ENTRE O INDIGENISMO DE ESTADO E AS ESTRATÉGIAS DO DESENVOLVIMENTO. Tese de Doutorado em Políticas Públicas apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão para defesa pública.. Orientadora: Profa. Dra. Elizabeth Maria Beserra Coelho. São Luís 2006.

(3) Oliveira, Adalberto Luiz Rizzo de Messianismo Canela: entre o indigenismo de Estado e as estratégias do desenvolvimento / Adalberto Luiz Rizzo de Oliveira. __ São Luís, 2006. f. 293 il. Tese (Doutorado em Políticas Públicas). Universidade Federal do Maranhão, 2006. 1. Indigenismo – desenvolvimento 2. Movimentos Sócio-religiosos I. Título. CDU: 327.39.

(4) ADALBERTO LUIZ RIZZO DE OLIVEIRA. MESSIANISMO CANELA: ENTRE O INDIGENISMO DE ESTADO E AS ESTRATÉGIAS DO DESENVOLVIMENTO Tese de Doutorado em Políticas Públicas apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão para defesa pública.. Aprovada em. /. /. BANCA EXAMINADORA. _________________________________________________ Profa. Dra. Elizabeth Maria Beserra Coelho (Orientadora) Doutora em Sociologia Universidade Federal do Maranhão. __________________________________________________ Prof. Dr. João Pacheco de Oliveira Doutor em Antropologia Social Universidade Federal do Rio de Janeiro. ___________________________________________________ Prof. Dr. István Van Deursen Varga Doutor em Saúde Pública Universidade Federal do Maranhão. ____________________________________________________ Prof. Dr. Horácio Antunes Sant’Anna Júnior Doutor em Sociologia Universidade Federal do Maranhão. _____________________________________________________ Prof. Dr. Cláudio Zannoni Doutor em Sociologia Universidade Federal do Maranhão.

(5) Dedico esse trabalho ao meu pai Adalberto e a minha mãe Irahy, ambos in memoriam, tão longe e perto, sempre presentes na minha vida. Dedico, também, a Juliana, minha filha, meu projeto de futuro..

(6) AGRADECIMENTOS. O presente trabalho aconteceu, graças ao apoio de diversas pessoas e instituições, às quais sou especialmente grato. À minha família, meus irmãos, tias e sobrinhos pela sempre reconfortante presença, nos momentos decisivos. A Ana Duarte, minha companheira de uma década, com quem tenho partilhado os bons e os maus momentos da vida. À Professora Elizabeth Coelho, minha Orientadora, colega e amiga, cujo incentivo, conhecimento e sabedoria me foram essenciais. À Universidade Federal do Maranhão e, especialmente ao Departamento de Sociologia e Antropologia, que me facultou cursar o Doutorado em condições favoráveis. Ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, pela oportunidade em completar minha formação acadêmica e desenvolver novas percepções da realidade. Aos meus colegas e amigos do DESOC, pelo estímulo e consideração. À Secretaria de Cultura do Estado Maranhão pelo apoio ao desenvolvimento desse trabalho. Ao colega Deusdedit, pela compreensão e apoio a essa jornada. À FAPEMA, pelo apoio financeiro ao período de cumprimento de créditos e principalmente, ao trabalho de campo. À memória do professor Roberto Cardoso de Oliveira, mestre dos mestres na Etnologia brasileira, cuja trilha é inspiração. À Fundação Nacional do Índio, especialmente à Administração Regional de São Luís, pela disponibilização do acervo à pesquisa. Ao Núcleo de Apoio Kanela, especialmente ao seu coordenador e funcionários, pela atenção e disponibilidade de materiais e outras formas de apoio que possibilitaram o trabalho de campo. Também ao Núcleo de Apoio Guajajara, pela atenção sempre que se tornou necessário. Aos demais órgãos públicos em São Luis e Barra do Corda: FUNASA, SEAGRO, NEPE, IBAMA, INCRA, ITERMA, SEMA, SEDES e outros, onde sempre fui cordialmente atendido nas demandas de pesquisa. Finalmente, um agradecimento especial aos Canela, com os quais mantenho um relacionamento de duas décadas, por permitirem mais um ingresso em seu universo social e simbólico e pela sabedoria que emana da sua organização e cultura..

(7) RESUMO. O trabalho versa sobre as relações entre indigenismo, desenvolvimento e movimentos sócioreligiosos entre os Ramkokamekra-Canela, grupo classificado na família lingüística Jê-Timbira e localizado ao sul do Município de Barra do Corda, atual Fernando Falcão. Inicialmente, abordo o processo de territorialização dos Capiekran, Sakamekran e de outros grupos timbira, do qual emergiram os atuais Ramkokamekra-Canela, e sua inserção na situação pastoril, pela ação das frentes expansionistas e da administração colonial no Maranhão no século XIX, bem como a dinâmica dessa situação, sob a ação do poder tutelar exercido pelo SPI, durante a primeira metade do século XX. Considero as transformações econômicas regionais e do indigenismo oficial nas décadas seguintes, sob a égide do desenvolvimento e a atuação de pesquisadores na implementação de projetos comunitários, como desencadeadores de novos movimentos sócioreligiosos entre os Ramkokamekra. Descrevo quatro movimentos sócio-religiosos ocorridos nos anos de 1963, 1980, 1984 e 1999, os quais são analisados em função dos respectivos contextos intersocietários e de elementos da cosmologia timbira, especialmente o mito de Aukhê, tido como o mito fundador do contato entre esses grupos. Nesse sentido, os movimentos messiânicos Canela podem ser considerados como modos de resistência à dominação e de busca de equiparação nas relações intersocietárias.. PALAVRAS-CHAVE Indigenismo - desenvolvimento - movimentos sócio-religiosos - Ramkokamekra-Canela Projetos comunitários - poder tutelar - agência tutelar - agência de desenvolvimento.

(8) ABSTRACT. This paper discusses the relations among indigenism, development and socioreligous movements among the Ramkokamekra-Canela, group classified in the linguistic family Jê-Timbira and located in the south of Barra do Corda City, current Fernando Falcão. Initially, I analyse the process of territorialization of the Capiekran, Sakamekran, and others Timbira groups, from whom the current Ramkokamekra-Canela emerged, and their insertion in the pastoral situation, by the actions of the expansionist front and of colonial administration in the Maranhão in 19th century, as well as the dynamics of this situation, under the action of the tutor power made by SPI, during the first half of the 20th century. I consider the regional transformations of the economy and of the official indigenism in the following decades, under the auspices of the development and the performance of researchers in the implementation of communitarian projects, as background of new socioreligious movements among the Ramkokamekra. I describe four socioreligious movements occurrences in the years of 1963, 1980, 1984 and 1999, which are analyzed considering the respective intersociety contexts and elements of timbira cosmology, especially the myth of Aukhê, had as the founding myth of the contact between these groups. Therefore, the Canela messianic movements can be considered as ways of resistance to the domination and a search of equalization in the intersociety relations.. KEYWORDS Indigenism - development - socioreligious movements - Ramkokamekra-Canela Communitarian projects - tutor power - tutor agency - development agency.

(9) SIGLAS E ABREVIATURAS ABA ACA AER / ADR AIC ACIW AASKAN APEM BB BID BIRD. Associação Brasileira de Antropologia Associação Comunitária Apaniekrá Administração Executiva Regional - FUNAI Associação dos Índios Canela Associação Comunitária Indígena Wôokrô Associação de Apoio à Saúde dos Índios Kanela Arquivo Público do Estado do Maranhão Banco do Brasil Banco Interamericano de Desenvolvimento Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (Banco Mundial) BNB Banco do Nordeste do Brasil BPBL Biblioteca Pública “Benedito Leite” CAF Casa da Agricultura Familiar CANEGUATIM Associação dos Índios Canela, Guajajara e Timbira CASAI-K Casa de Apoio à Saúde dos Índios Kanela CEDOC-MI Centro de Documentação Etnológica – Museu do Índio CEE Comunidade Econômica Européia CEMAR Companhia Energética do Maranhão CEPROMAR Centro Promocional e Educacional do Maranhão CIMI Conselho Indigenista Missionário CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico COSAI Coordenação de Saúde do Índio CTI Centro de Trabalho Indigenista CVRD Companhia Vale do Rio Doce CVRD-FUNAI Convênio Companhia Vale do Rio Doce-Fundação Nacional do Índio DESAI Departamento de Saúde do Índio DSEI-MA Distrito Sanitário Especial Indígena – Maranhão 6a Delegacia Regional da FUNAI (São Luís – Maranhão) 6a D.R. EFC Estrada de Ferro Carajás ELETRONORTE Centrais Elétricas do Norte do Brasil EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária ESAI Equipe de Saúde do Índio FAPEMA Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão FAPESP Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FUNASA Fundação Nacional de Saúde FUNAI Fundação Nacional do Índio GEAGRO/SEAGRO Gerência de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural / Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural GDS / SEDES Gerencia de Desenvolvimento Social / Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social GTZ Deutche Gesellshaft Fur Technische Zusammerarbeit (Cooperação Técnica Alemã) IAF Fundação Interamericana.

(10) IBAMA. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IICA Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária 3a Inspetoria Regional do SPI (São Luís – MA) 3a I.R. ISA Instituto Socioambiental ITERMA Instituto de Colonização e Terras do Maranhão MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário MI Museu do Índio MMA Ministério do Meio Ambiente MEC Ministério da Educação NAL-K Núcleo de Apoio Local – Kanela (FUNAI) NAL-G Núcleo de Apoio Local – Guajajara (FUNAI) NEPE Núcleo Estadual de Projetos Especiais PAPP-PN Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural – Projeto Nordeste PCPR Programa de Combate à Pobreza Rural PDPI Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas PEM Parque Estadual do Mirador PFC Projeto Ferro-Carajás PGC Programa Grande Carajás POLONOROESTE Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil PPG7 Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil PPGP Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa PPGPP Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas PPTAL Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal PRODIM Programa de Desenvolvimento Integrado do Maranhão PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar RIHGB Revista Trimestral do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro SUDAM Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia SIVAM Sistema de Vigilância da Amazônia SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste SEDEC/SEDESC Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Comunitário SPI Serviço de Proteção ao Índio SEDUC Secretaria de Estado da Educação do Maranhão SEMA Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Naturais 4a Superintendência das Administrações Executivas Regionais - FUNAI 4a SUER UFMA Universidade Federal do Maranhão UNICAMP Universidade Estadual de Campinas.

(11) SUMÁRIO. AGRADECIMENTOS RESUMO ABSTRACT SIGLAS E ABREVIATURAS INTRODUÇÃO O Processo de Pesquisa Levantamentos Históricos O Trabalho de Campo - 3a Etapa Levantamentos Documentais Opções Teóricas e Metodológicas Dominação como conceito central Situação Colonial e Territorialização Campo Político e Campo Intersocietário Indigenismo, Frentes de Expansão e Desenvolvimento. 12 16 24 29 38 43 44 46 53 56. Capítulo I: OS RAMKOKAMEKRA: DA AUTONOMIA À DOMINAÇÃO 1.1 Os “Canela” no Contexto Intersocietário Regional 1.2 Da Autonomia à Territorialização 1.3 “Canellas” e “Matteiros” sob a Administração Provincial 1.4 Territorialização e Situação Pastoril. 68 69 76 90 99. Capítulo II: DINÂMICA TUTELAR E O CAMPO INDIGENISTA REGIONAL: Os Ramkokmekra sob a Tutela do S.P.I. 2.1 Implantação de Postos e Unidades Administrativas no Centro Maranhense 2.2 Conflitos no Sertão Pastoril e Mediação do S.P.I. 2.2.1 Nimuendaju e os Conflitos entre Índios e Criadores 2.3 A “Mentalidade Administrativa” e os Projetos do S.P.I. 2.4 A Transição do S.P.I. à FUNAI no Maranhão. 102 103 105 106 117 136. Capítulo III: PROCESSO INDIGENISTA E PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO: Da Ajudância de Barra do Corda ao Núcleo de Apoio Kanela 141 3.1 Implantação e Processo da Fundação Nacional do Índio 143 3.2 Autoritarismo Político e Suporte ao Desenvolvimento 149 3.2.1 A FUNAI e os Projetos de Desenvolvimento no Maranhão 150 3.4 ADR-BC: Descentralização Administrativa e Indigenismo Empresarial 156 3.5 Faccionalismo Étnico e Núcleos de Apoio Local 169 Capitulo IV: MESSIANISMO CANELA E PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO-I 4.1 Uma Consideração sobre os Movimentos Sócio-religiosos 4.2 O Movimento Messiânico Canela de 1963 4.2.1 Explicações Preliminares ao Messianismo de 1963 4.3 A “Nova” Situação Tutelar o Messianismo de 1980 4.4 Projetos Desenvolvimentistas e o Messianismo de 1984.. 176 177 180 188 191 205.

(12) 4.4.1 O Movimento Messiânico de Mirandy 4.4.2 Uma Interpretação Preliminar para o Messianismo de 1984. 209 213. Capítulo V: MESSIANISMO CANELA E PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO-II 218 5.1 O Centro-Sul Maranhense e o Desenvolvimento Regional 218 5.2 Alternativas ao Indigenismo Oficial 221 5.3 Pesquisadores Alemães e Tensões no Campo Indigenista 223 5.3.1 O Projeto de “Ajuda Humanitária Alemã” 230 5.3.2 A Decadência do Projeto de “Ajuda Humanitária” 239 5.3.3 Associativismo Canela e Críticas aos “Projeto Alemão” 241 5.4 O “Projeto Comunitário Canela”ou “Projeto da SEDEC” 246 5.4.1 Fortalecimento das Relações entre os Canela e Sertanejos 252 5.4.2 Final do “Projeto” e a Festa de “Latada” 258 5.4.3 Possivel “Boicote” ao “Projeto da SEDEC” 259 5.5 O “Projeto de Crocker” e o Messianismo do Final do Milênio. 261 5.5.1 As “Roças Comunitárias” e o Faccionalismo Canela. 264 5.4.2 Kaapel´tüc e a Chegada do “Fim do Mundo” 267. MESSIANISMO, TUTELA E DESENVOLVIMENTO (Considerações Finais). 272. BIBLIOGRAFIA E FONTES. 277. ANEXOS. 285.

(13) 12 INTRODUÇÃO O presente trabalho resulta de um processo de pesquisa que engloba parte de minha trajetória acadêmica e profissional, como aluno de pós-graduação, pesquisador e docente, cujos dados foram coletados em diferentes momentos. Alguns dos temas aqui abordados foram esboçados ainda durante a formação acadêmica, na opção inicial, como objeto de pesquisa, pelos então designados “projetos de desenvolvimento comunitários”1 implementados pelo órgão indigenista oficial, nas décadas de 1970 e 80, junto a diferentes grupos indígenas2. Além dos “projetos comunitários”, temas ligados ao desenvolvimento regional também fizeram parte da situação intersocietária junto a qual me inseri enquanto pesquisador e ator, desde meados dos anos 80, quando dei início a um projeto de pesquisa vinculado ao Mestrado em Antropologia Social da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). A perspectiva de realizar um estudo junto a grupos indígenas envolvidos por um projeto desenvolvimentista voltado à prospecção e exportação de jazidas minerais e por um programa de aplicação de recursos junto às “comunidades indígenas” atingidas, marcaram os momentos iniciais de um processo que resultou, anos mais tarde, na elaboração dessa tese. Assim, a problemática do desenvolvimento, tanto em sua variante regional, como àquela ligada aos projetos locais e comunitários implementados junto a grupos indígenas é um dos temas constitutivos do objeto desse trabalho acadêmico. Essa consideração se torna necessária ainda, uma vez que o próprio processo de pesquisa se deu no contexto da implantação de programas e projetos de desenvolvimento, cujos desdobramentos ainda se fazem presentes em toda Amazônia oriental, e especificamente no centro-sul maranhense 3. Seja pelos investimentos realizados à sua implantação e continuidade, pelas mudanças ambientais, sociais e econômicas produzidas por esses empreendimentos a nível regional e pela ação das agências tutelar e de desenvolvimento junto aos grupos indígenas nessa 1. Os “projetos de desenvolvimento comunitário” constituíram uma forma de intervenção do Estado sobre a economia e outras esferas de vida dos grupos indígenas, nesse período. Esses projetos resultam da visão integracionista e desenvolvimentista que norteou a política indigenista brasileira durante o período militar (1964-84), a qual permaneceu, sob nova retórica, após a redemocratização do País. 2 Utilizo “grupo indígena”, como categoria fundada no conceito de grupo étnico, tal como definido por Barth (2000): enquanto agrupamento politicamente organizado, a partir do critério de adscrição, isto é, considerar-se e ser considerado como uma unidade concreta e diferenciada de outras. De acordo com esse critério, os Timbira formam um conjunto de grupos étnicos, como os Ramkokamekra, Apaniekra, Krikatí, Krahô e outros, os quais tem como elementos comuns a língua, a organização social e política, bem como um complexo cerimonial e cosmologia que dão sentido a essas coletividades. 3 Os programas e projetos de desenvolvimento aqui considerados foram formulados e implantados desde o final da década de 70 e início dos anos 80, em decorrência da política desenvolvimentista assumida pelo Estado brasileiro tendo, em alguns casos, continuidade até o momento atual. Nesse período foram implementados, ainda, “projetos comunitários’, de “ajuda humanitária“ e, mais recentemente, de “desenvolvimento local” e “combate à pobreza” junto a populações indígenas no Maranhão. Essas categorias serão melhor delineadas ao longo desse trabalho..

(14) 13 região, esses programas e projetos atuaram decisivamente no processo de mudança social e na vida cotidiana desses grupos gerando expectativas, conflitos e processos de ruptura. O presente trabalho tem seu enquadramento histórico no processo através do qual se operou uma série de transformações econômicas e sociais em toda a Amazônia Oriental e especificamente no Estado do Maranhão, a partir dos anos 60 do século XX. Focaliza conflitos, disputas e mediações inerentes a esse processo envolvendo diferentes atores vinculados ao campo indigenista4 no centro-sul maranhense: agentes tutelares e de desenvolvimento, criadores e pequenos agricultores locais, lideranças políticas e coletividades regionais, além dos próprios Ramkokamekra-Canela5. Alguns termos aqui utilizados, como desenvolvimento e suas adjetivações regional, comunitário, étnico, auto-sustentável, bem como expressões verbais a estes associadas serão considerados criticamente ao longo desse trabalho, enquanto constitutivos de um discurso e de práticas concretas que pretendem naturalizar os processos de dominação política e econômica contemporâneos (Escobar, 1996). Desconstruir o discurso do desenvolvimento em relação aos povos indígenas, e especificamente em relação aos Ramkokamekra e demonstrar sua vinculação a outros processos de mudança é um dos objetivos desse trabalho. Uma vez que os projetos e programas de desenvolvimento em questão refletem a associação do Estado brasileiro aos processos econômicos e políticos que se definem em diferentes esferas – da local à regional, da nacional à mundial - conceitos como globalização ou mundialização do capital e a ordem política que se estrutura em torno dos mesmos são pertinentes a esse trabalho. Isso ocorre na medida em que esses processos impõem condicionantes às políticas e ações indigenistas e àquelas voltadas ao desenvolvimento regional implementadas nas últimas décadas, as quais tem resultado em profundas transformações nas relações intersocietárias. As políticas de desenvolvimento em questão implicam, ainda, na redefinição das funções do Estado nas sociedades tidas como periféricas ao “sistema mundial”, a partir de 4. O conceito de campo indigenista, elaborado por Oliveira Filho, a partir da conceito de campo social de Gluckman (1953) remete a uma perspectiva processualista em antropologia, que toma agentes vinculados a diferentes grupos e sociedades e suas respectivas demandas, valores, recursos e processos de interação, como elementos de uma unidade de observação e análise. Cf. Oliveira Filho, 1988: 21-56. 5 Nesse trabalho sigo a designação de Crocker (1990: 7) e outros pesquisadores, que utilizam Ramkokamekra-Canela ou simplesmete “Canela” para referir-se aos Ramkokamekra e apenas Apaniekrá para referir a esse grupo. Essa designação segue um critério de auto-identificação, já que os Ramkokamekra se auto-referem como “Canela” e os Apaniekrá como “Apaniekrá”. O termo Ramkokamekra (“povo da água das almécegas”), incorporado pela etnologia a partir de Curt Nimuendaju (1946), não é consensual enquanto auto-denominação do grupo, que prefere a expressão “Mê mol-tüm-re” (“os que sempre estiveram por aquí”).

(15) 14 demandas advindas do núcleo central do capitalismo globalizado, o que acarreta formas de intervenção sobre essas sociedades, a partir de critérios e conceitos elaborados no “Norte”, pelos centros econômica e politicamente hegemônicos. (Santos, 2003) Das definições econômicas e políticas que se produzem na esfera central do “sistema mundial” resultam, em grande parte, as políticas e programas desenvolvimentistas implantados no Brasil nas últimas décadas, e em certo nível, as políticas e ações governamentais implementadas junto aos diferentes grupos indígenas, especialmente aqueles situados em áreas e regiões consideradas ecológica e economicamente estratégicas. A Amazônia oriental como um todo constitui, nesse sentido, uma área estratégica, tanto em função da sua diversidade ambiental e social, como principalmente por suas potencialidades econômicas, já que abriga uma das maiores e mais significativas províncias minerais do Planeta, a qual passou a ser explorada comercialmente a partir do início dos anos 80, através de um grande projeto desenvolvimentista, o Projeto Ferro-Carajás (PFC) e de um programa paralelo de exploração agro-pecuarista e industrial, o Programa Grande Carajás (PGC). A transformação gradativa de amplas áreas florestais e do cerrado brasileiro por empreendimentos vinculados ao comércio internacional de matérias-primas exploradas através do agro-negócio, como a pecuária e a soja e por indústrias de transformação, especialmente a de ferro-gusa intensificaram os processos de mudança, tanto a nível da própria sociedade regional, como dos grupos indígenas aqui localizados. Descrever e analisar esse processo em relação aos grupos situados no centro-sul maranhense e, em especial aos Ramkokamekra-Canela é o que pretendo ao longo desse trabalho. Uma das questões constitutivas do objeto dessa tese refere-se aos modos de compreensão e as respostas dos grupos indígenas frente aos processos de mudança sócio-culturais relacionados ao desenvolvimento deflagrados nas últimas décadas e seus impactos no centro-sul maranhense. A emergência de movimentos sócio-religiosos tem sido uma das maneiras pelas quais os Ramkokamekra-Canela tem se expressado diante desses processos de mudança, especialmente ao longo do último meio-século tendo em vista a redefinição das relações intersocietárias na região, sob a égide do desenvolvimento. Considerados por certas vertentes das ciências sociais, como respostas ao estabelecimento da situação colonial6, os movimentos sócio-religiosos tem emergido em 6. Cf. Balandier, 1996; Barabas, 1989, dentre outros..

(16) 15 diferentes regiões do Brasil, em momentos históricos específicos e sob diferentes motivações. Na Amazônia e no Nordeste brasileiros, esses movimentos tem ocorrido, desde os tempos coloniais até o final do século XX, especialmente entre grupos indígenas e camponeses, em contextos intersocietários específicos. Pesquisadores de diferentes orientações teóricas tem discutido o “caráter” dos movimentos sócio-religiosos deflagrados entre grupos timbira, especialmente entre os Ramkokamekra e os Krahô e as respectivas “motivações” para a emergência desses movimentos7. Inspirados nas referências mítico-religiosas comuns aos grupos timbira, esses movimentos levaram a respostas específicas, em relação às compulsões advindas do contato. Enquanto o messianismo Krahô parece limitado historicamente à uma situação de fricção interétnica8 junto aos criadores extensivos do “sertão goiano”, os movimentos sócio-religiosos Ramkokamekra intrigam pela sua persistência e periodicidade. Assim, cerca de duas décadas após a eclosão do “clássico” movimento messiânico Canela de 19639, novos movimentos e manifestações sócio-religiosas10 emergiram junto a esse grupo até o final século XX, o que revela uma perspectiva de continuidade dos mesmos, em relação a esse grupo timbira. Em alguns casos, essas manifestações sócio-religiosas estiveram relacionadas a processos econômicos e político-administrativos decorrentes da ação do Estado, através da agência tutelar e de outras agências desenvolvimentistas, cuja abrangência transcende aos Ramkokamekra em particular atingindo outros grupos indígenas e a sociedade brasileira regional. Em outros casos associaram-se à atuação de agentes de mudança mais específicos vinculados a instituições científicas e a organizações internacionais, através de recursos mobilizados junto a agências de fomento ao desenvolvimento. Em meados dos anos 80, quando era implantado esse grande programa desenvolvimentista no Maranhão, do qual decorrera um projeto específico de “apoio às populações indígenas”11 eclodiu um movimento sócio-religioso entre os Ramkokamekra-Canela, cujas vinculações se mostraram evidentes. Outros movimentos e manifestações “messiânicas” emergiram nos anos seguintes junto aos Canela, ao que parece associados a novos projetos de 7. Cf. Carneiro da Cunha, (1972) 1986; Crocker, (1967) 1976; Melatti, 1972; Brown, 1989, dentre outros. Cf. Melatti, 1972: 43-46. 9 Sobre o “movimento messiânico Canela de 1963”, vide Crocker (1967), 1976, Carneiro da Cunha, (1972), 1986. 10 Estabeleço uma distinção entre movimentos e manifestações sócio-religiosas, uma vez que nem todas manifestações do messianismo Canela chegaram a organizar-se em um movimento, com a adesão de parte significativa do grupo em torno de um líder e a execução de um “enredo” próprio a esses movimentos. 11 Cf. CVRD-FUNAI, 1982. Esse ”projeto de apoio” e o movimento sócio-religioso a este associado são descritos e analisados no Capítulo 4 dessa tese.. 8.

(17) 16 desenvolvimento “local” ou “comunitário” implementados na década de 90 por pesquisadores, com recursos viabilizados por instituições científicas e agências internacionais de cooperação12. O vínculo entre essas manifestações utópicas ou “messiânicas” e as expectativas dos Canela em relação às transformações econômicas regionais e, especialmente, à aplicação de recursos junto a esse grupo, materializados em “projetos comunitários” ou de “ajuda humanitária” seria reeditado nesses casos. Analisar os processos de mudança associados aos projetos e programas de desenvolvimento regional e aos projetos “locais”, bem como as manifestações sócio-religiosas e demais respostas emitidas pelos Ramkokamekra, em relação aos processos associados à dominação constitui o objetivo maior desse trabalho acadêmico.. O Processo de Pesquisa. O trabalho de pesquisa que subsidia essa tese foi executado em momentos diferenciados, ao longo de um período extenso tendo em vista os critérios de trabalhos acadêmicos. Iniciado como um projeto de dissertação de mestrado em Antropologia passou por momentos de descontinuidade em relação ao levantamento de dados e por redefinições no referencial teórico e na construção do objeto, em função das novas condições que se colocaram à realização da pesquisa, além do próprio amadurecimento teórico e metodológico do pesquisador. Inicialmente meu objetivo era realizar um estudo histórico e etnográfico sobre o processo de sobrevivência étnica13 dos índios Pukobyê, um grupo étnico vinculado à família lingüística Jê-Timbira localizado na atual Terra Indígena Governador, em área de transição entre a mata pré-amazônica e o cerrado maranhense, atualmente delimitada pelo Município de Amarante, na região ocidental do Estado do Maranhão. O projeto previa, ainda, uma análise comparativa em relação a outros grupos timbira no Maranhão – Krikati, Apaniekra e Ramkokamekra-Canela e os “Timbira” do Grajaú – para os quais estavam previstas permanências de curta duração para observações pontuais.. 12 13. Esses projetos são analisados nos capítulos 4 e 5 desse trabalho. Sobre o conceito de sobrevivência étnica, vide Gomes, 1977: 34-51..

(18) 17 Quando iniciei os levantamentos etnográficos à referida pesquisa14 decorriam poucos meses da inauguração oficial da Estrada de Ferro-Carajás (EFC)15, obra de infra-estrutura fundamental à implantação do Projeto Ferro Carajás (PFC) e marco inicial da exploração regular das jazidas da Serra dos Carajás e da exportação de minério de ferro, através do Porto do Itaquí, em São Luís. A EFC foi construída e administrada pela então empresa estatal Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), responsável ainda pela exploração, transporte e comercialização das jazidas minerais da Serra dos Carajás16. Naquele momento já se encontrava em vigor o “Convênio CVRD-FUNAI”17, através do qual seriam investidos recursos originados das agências financiadoras internacionais da ordem de US$ 13.6 milhões, junto às “comunidades indígenas” no Maranhão, sudeste do Pará e norte de Goiás (atual Tocantins) situadas na área de abrangência do PFC18, como forma de reparo aos “impactos” sócio-ambientais decorrentes da implantação desse mega-projeto. Esses recursos foram destinados, em sua maior parte, à implantação de obras de infra-estrutura da agência tutelar nas áreas indígenas e sedes administrativas, como a construção e reformas de prédios, a aquisição de veículos e equipamentos, além de projetos econômicos e de apoio à saúde e à educação19. Como se pode atestar pelas publicações referentes ao tema nesse período, o momento era de intensa mobilização de lideranças indígenas junto à sede da então 6a Delegacia Regional da FUNAI, em São Luís, onde a disputa pelo controle desses recursos envolvendo agentes vinculados ao órgão tutelar, à CVRD - empresa responsável pelo repasse dos recursos do. 14 O trabalho de campo relativo a essa tese foi realizado em três etapas: cerca de 180 dias entre meados de 1985 à meados de 1990; cerca de 110 dias entre o início de 1992 a meados de 1995, e cerca de 60 dias entre de outubro de 2004 a julho de 2005 totalizando cerca de 12 meses de pesquisa em campo. Esse cálculo exclui o tempo dedicado aos levantamentos históricos e documentais em bibliotecas, arquivos, sedes de órgãos e agências governamentais, reuniões com pesquisadores-bolsistas, levantamentos bibliográficos e entrevistas eventuais realizados nas cidades de São Luís, Rio de Janeiro e São Paulo. 15 A Estrada de Ferro Carajás ou Ferrovia Carajás, com cerca de 890 quilômetros de extensão comunica as jazidas minerais da Serra dos Carajás, no sudeste do Pará ao Porto de Itaquí, em São Luís. Foi inaugurada em fevereiro de 1985. 16 Constituindo uma das maiores empresas, a nível mundial voltadas à exploração e comercialização mineral, a CVRD foi privatizada pelo governo brasileiro em 1997, passando seu controle acionário para um pool de empresas do setor, as quais mantém os direitos de exploração das jazidas da Serra dos Carajás e em outras regiões do Brasil. 17 Convênio 059/82 celebrado em 1982 entre a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), através do qual foram alocados recursos da ordem de U$S 13,6 milhões, os quais seriam investidos, como “medida compensatória” junto às “comunidades indígenas” impactadas pelo Projeto Ferro-Carajás. Cf. CVRD, in: www.cvrd.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=194, acessado em 15/06/2006. 18 A denominada “região-programa” do PFC e PGC corresponde a uma área de cerca de 900 mil quilômetros quadrados situada entre o delta do rio Amazonas, o curso oriental do rio Xingu, o rio Parnaíba e o Oceano Atlântico. Em relação aos povos indígenas foram definidas as áreas de “impacto direto” em relação aos grupos que se localizavam junto a uma faixa territorial de cerca de 100 quilômetros ao longo da EFC e de “impacto indireto” aqueles grupos localizados fora dessa faixa, embora dentro da “região-programa”. Cf. CEDI, 1986: 78. 19 Esse investimento respondeu à exigência do Banco Mundial (BIRD), uma das agências financiadoras do PFC, diante de pressões da sociedade civil brasileira e de organizações internacionais. Cf. CEDI, 1986: 78-79; CEDI, 1991: 87-90..

(19) 18 Convênio - e lideranças indígenas compunham um quadro de tensões e conflitos nesse campo indigenista20. Os conflitos presentes nesse campo se refletiam diretamente no relacionamento interno aos próprios grupos indígenas envolvidos, gerando confrontos entre lideranças e destas com agentes tutelares e de desenvolvimento. No caso específico dos Pukobyê, as dissensões entre lideranças indígenas chegaram aos limites extremos do confronto direto entre os dois principais líderes desse grupo naquele momento, fato que inviabilizou meu ingresso na Área Indígena Governador e a execução do trabalho de campo a que me propunha naquele momento. Diante da impossibilidade de ingressar nessa área indígena optei, após duas semanas de permanência na sede municipal de Amarante, por realizar um survey pelos demais grupos que faziam parte da pesquisa e me desloquei para a Área Indígena Krikati, situada no Município de Montes Altos, onde fui bem recebido por líderes e pelo grupo como um todo. Entretanto, por determinação do então administrador da 6a DR. da FUNAI, não pude permanecer em área, ainda que portando documento oficial de Autorização para ingresso e pesquisa nessa área indígena emitido pela presidência do órgão indigenista21. Desloquei-me, então, para a cidade de Barra do Corda, onde busquei junto aos representantes locais Ajudância da FUNAI, entendimento no sentido de fazer valer meus direitos enquanto pesquisador que havia cumprido os procedimentos legais para acessar às áreas indígenas a que pleiteava. Dessa forma estive durante cerca de uma semana junto aos “Timbira” da Área Indígena Geralda-Toco Preto, às margens do rio Grajaú, um grupo considerado “remanescente” dos Krepumkateyê, acompanhando uma equipe volante de saúde (EVS) da FUNAI, que realizava assistência médica junto a esse grupo22. Nas semanas seguintes estive novamente acompanhando a EVS, junto aos Ramkokamekra-Canela, na então Área Indígena Kanela e, depois, junto aos Apaniekra, na Área Indígena Porquinhos, onde colhi dados iniciais sobre esses grupos timbira e suas relações intersocietarias. Durante esses deslocamentos pude constatar que eram investidos junto a esses 20. Participaram também desse campo indigenista, um grupo de pesquisadores – antropólogos, em sua maioria – na condição de assessores da CVRD, com o objetivo de elaborar, junto aos grupos indígenas envolvidos, as demandas desses grupos e acompanhar a aplicação dos recursos do Convênio CVRD-FUNAI. Cf. CEDI, 1986: 78-79. 21 Nesse momento, portava uma “Autorização” emitida pela presidência da FUNAI, para a realização de pesquisas nas áreas indígenas Governador (Pukobyê), Krikati, Geralda-Toco Preto (“Timbira”-Krepumkateyê) e Rodeador (Ramkokamekra-Canela). 22 Após um período de dispersão, os Krempumkateyê do rio Grajaú reduzidos a duas famílias extensas amalgamadas a índios Guajajara e a camponeses locais haviam retornado ao seu antigo território. Conhecidos como “Timbiras da Geralda” viviam um momento de extrema tensão nas relações junto a fazendeiros e “posseiros” locais, em função do processo de demarcação da Área Indígena Geralda e Toco Preto implementado pela FUNAI, em meados dos anos 80..

(20) 19 grupos, naquele momento, recursos do “Convênio CVRD-FUNAI”, na forma de construções, veículos, assistência à saúde, e especialmente de projetos econômicos, através de roças comunitárias. Eram evidentes as expectativas dos dois grupos em relação aos resultados da aplicação desses recursos, bem como seu envolvimento nesses “projetos”. Concluindo esse momento inicial do trabalho de campo, entre os meses de julho e agosto de 1985, retornei a São Luís. Quando preparava relatório de pesquisa à FAPESP depareime com um obstáculo de ordem prática, quando fui “comunicado” pelo então coordenador da FUNAI para a Região Nordeste, de que eu estaria oficiosamente “proibido” de retornar às áreas indígenas, para as quais me encontrava oficialmente autorizado. Segundo esse coordenador, com quem mantive um único contato formal, essa decisão se dera em função de “relatórios” enviados à 6a DR. por agentes locais da FUNAI, os quais atestavam “conduta irregular” durante minha passagem pelas citadas áreas indígenas23. Nos relatórios enviados à FAPESP em setembro de 1985 e janeiro de 1986, esses fatos foram descritos e analisados no contexto dos conflitos relacionados ao alocamento dos recursos do Convênio CVRD-FUNAI envolvendo lideranças indígenas, agentes tutelares e a assessoria antropológica ao Convênio, a qual vinha denunciando os equívocos e mal-versações desses recursos pela agência tutelar. Essas tensões e conflitos, especialmente em relação à situação dos Pukobyê acabariam tendo como escoadouro esse pesquisador, que não mantinha qualquer vínculo institucional com essas agências. As novas condições impostas pela agência tutelar levaram à redefinição de meu projeto inicial de pesquisa. Na impossibilidade do acesso aos territórios dos grupos indígenas vinculados à pesquisa, tornou-se imperativo redefinir o objeto empírico da pesquisa, o que levou, também, à redefinição do seu referencial teórico, a fim de dar continuidade à mesma, a partir de contatos junto a esses grupos a partir de áreas urbanas24. De acordo com essa nova perspectiva, passei a realizar levantamentos etnográficos junto aos diferentes grupos indígenas situados no centro-oeste maranhense, a partir de contextos. 23. O então coordenador da FUNAI para a Região Nordeste, o indigenista Porfírio F. Carvalho exercia influência considerável sobre os agentes vinculados à 6a DR. tendo em vista haver chefiado a Ajudância de Barra do Corda em anos anteriores, e de ser o principal negociador do órgão indigenista em relação ao Convênio CVRD-FUNAI. Nesse caso, sua “decisão” de impedir meu acesso às áreas indígenas, às quais eu me encontrava oficialmente autorizado se sobrepôs à esfera da própria presidência da FUNAI. 24 A redefinição do objeto empírico e do referencial teórico da pesquisa foi formalizada no 2o e 3o Relatórios de Pesquisa enviados à FAPESP no início e em meados de 1986. Cf. Oliveira, 1986 e 1986a..

(21) 20 urbanos, especialmente dos municípios de Amarante, Montes Altos, Grajaú e Barra do Corda25. De outro lado, optei pelo modelo teórico da “fricção interética”26 para a elaboração de um novo enfoque que possibilitasse o estudo de diferentes situações de contato que se constituíam a partir de relações interétnicas formadas a partir da ocupação histórica da região por agentes vinculados às frentes agrícola e pastoril tradicional e, naquele momento, envolvidos por um processo de desenvolvimento regional comum vinculado ao PFC e ao PGC e, especificamente, pelo Convênio CVRD-FUNAI. Retornei a campo no final de 1985 e ainda em 1986 e 87 em curtas temporadas, dando continuidade aos levantamentos etnográficos a partir das sedes municipais e povoados, mas os dados se apresentavam muito gerais e fragmentados, o que impediu a conclusão do processo de pesquisa naquele momento27. Durante esse período houve descontinuidade no financiamento à pesquisa, com a interrupção da bolsa de mestrado da FAPESP, o que me levou a desenvolver outras atividades, a fim de assegurar minha permanência no Maranhão. Esse afastamento fez com que eu refletisse sobre o processo de pesquisa constatando a inviabilidade de tal projeto, tendo em vista a grande extensão de grupos étnicos e situações de contato e a necessidade de um enfoque mais restrito e aprofundado. De outro lado, mantinha meu interesse em realizar um estudo de caso envolvendo a situação de contato entre um grupo timbira e agentes da sociedade brasileira regional. Após longo trâmite junto à presidência da FUNAI obtive nova Autorização para ingresso e pesquisa, dessa vez às Áreas Indígenas Kanela e Porquinhos, onde pretendia, a partir de um novo projeto de pesquisa retomar o trabalho de campo junto aos grupos timbira no Maranhão. A oportunidade de realizar tal estudo surgiu durante o ano de 1988, quando estive vinculado a um projeto de pesquisa elaborado e conduzido por pesquisadores alemães junto aos Ramkokamekra-Canela focado no tema da “cultura lúdico-corporal”28. Além da pesquisa antropológica e desportiva, esses pesquisadores deram início a um programa de “ajuda humanitária”, o qual envolveu a implementação de atividades produtivas, de 25. Além dos grupos timbira que já pesquisava passei a realizar levantamentos junto aos Tenetehara-Guajajara, que habitam as regiões florestais situadas ao longo dos rios Zutiua, Grajaú, Corda e Mearim, cujo contexto intersocietário se desenvolve, em parte, nas sedes urbanas desses municípios. 26 Nesse momento, como resultado de uma orientação informal junto ao prof. Roberto Cardoso de Oliveira, adotei o referencial da teoria da “fricção interétnica”, o qual se adequava melhor às novas condições de realização da pesquisa. 27 Os resultados da pesquisa sob essa nova perspectiva foram expressos no Relatório de Pesquisa no. 4 enviado à FAPESP, o qual trata das relações entre os Tenetehara da região de Grajaú e os segmentos urbanos e rurais da população regional. Cf. Oliveira, 1987. 28 O projeto “Cultura Lúdico-Corporal dos Índios Canela” era conduzido pelo cientista desportivo Jurgen Diekert, da Universidade de Oldenburg e pelo antropólogo Jakob Mehringer, da Universidade de Munich e financiado por agências de fomento à pesquisa da República Federal da Alemanba..

(22) 21 apoio à saúde e educação junto aos Canela. Minha participação como “colaborador” ao citado projeto de pesquisa deu-se no momento inicial desse trabalho, especialmente durante os meses de maio e junho de 1988. Posteriormente, já desvinculado dessa pesquisa tomei esse programa de “ajuda humanitária” aos Canela, como parte de meu objeto de investigação, quando retornei a campo nos anos seguintes. Nesse momento, eu havia definido como objetivo de pesquisa, a realização de um estudo sobre as relações interétnicas envolvendo os Ramkokamekra-Canela e a sociedade regional no centro-sul maranhense, a partir de uma perspectiva histórica e estrutural29. Tomando como referência minha experiência inicial de pesquisa junto a esse grupo, a partir de meados de 1985, mostrava-se evidente a importância dos projetos de desenvolvimento regionais, bem como os projetos “comunitários” implementados nesse período, na vida contemporânea desse e de outros grupos indígenas no Maranhão. De outro lado, ressaltava a experiência “messiânica” como algo a particularizar a conduta e a compreensão dos Ramkokamekra em relação ao contato. Já na minha primeira experiência como pesquisador junto a esse grupo (julho-agosto/1985), a questão messiânica se mostrou presente, mas a curta permanência em campo não me possibilitou levantar dados consistentes sobre esse tema tendo em vista, inclusive, o silêncio que os próprios Canela mantinham em relação ao fato30. Nos anos de 1989 e 1990 estive novamente entre os Canela por um curto período – cerca de um mês, em duas permanências – quando realizei levantamentos na Aldeia Escalvado e na sede municipal de Barra do Corda. Uma dessas estadias ocorreu durante a “Semana Santa”, quando observei um interessante rito sincrético na Aldeia Escalvado. Sob o comando de líderes tradicionais, mas também incentivados pelo chefe de posto e pela presença de uma missionária católica,31 os Canela realizaram uma “procissão” pela rua circular da Aldeia, onde foram entoados hinos cristãos alternados a cânticos indígenas, além de uma “missa ecumênica” e celebrados ritos religiosos pela missionária e por líderes Canela vinculados a seitas cristãs32.. 29. Inspirado nas teoria da fricção e da identidade étnica. Cf. Cardoso de Oliveira, 1964 e 1976. No Relatório de Pesquisa no. 5 (FAPESP), onde apresento o processo de formação das relações interétnicas e dados etnográficos levantados junto aos “Canela” nesse período, minha opção pela investigação desse grupo timbira é assumida, o que na prática significava um recomeço do processo de pesquisa. Cf. Oliveira, 1988. 31 Vinculada ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI), essa religiosa iniciava um trabalho, o qual definia como “educacional” junto aos Canela. 32 Essa cerimônia ecumênica e intercultural era realizada anualmente durante a Semana Santa e tinha o apoio decisivo do então chefe do Posto Indígena Kanela, e dos principais líderes indígenas. 30.

(23) 22 Durante os anos de 1990 e 91 acompanhei alguns líderes Canela em visita a órgãos da administração pública estadual do Maranhão, na busca de alternativas à auto-sustentação alimentar do grupo tendo em vista a situação de “abandono” que sentiam em relação à FUNAI. Através de contatos junto a uma secretaria de estado, foi elaborado um pequeno projeto voltado à produção de derivados de cana-de-açucar33. Esse projeto respondia a uma demanda dos Ramkokamekra, por apoio a suas atividades produtivas de auto-sustentação, que se realizava de maneira independente à agência indigenista oficial. Essa condição tornou-se formalmente possível, após a promulgação de Constituição de 1988, a qual legitimou as ações civis dos povos indígenas fora da esfera do poder tutelar do Estado exercido então pela FUNAI. Através desse “projeto comunitário”, os Canela retomaram uma prática que já realizavam em outros momentos históricos, a de buscar apoio às suas demandas junto às autoridades estaduais. Entre os meses de fevereiro e março de 1992, estive na Terra Indígena Kanela, onde na condição de coordenador informal participei, junto a outros agentes e aos Ramkokamekra, da implementação do “Projeto Comunitário Canela”34 (PCC). Através desse projeto pude fortalecer meus laços pessoais e comunitários junto aos Ramkokamekra e estabelecer, ainda, vínculos junto aos moradores dos povoados limítrofes à área indígena, com os quais foram estabelecidas relações comerciais, com vistas à implementação desse projeto35. Retornei à Terra Indígena Kanela em meados de 1992, para avaliar os resultados “Projeto Comunitário Canela” e dar início a um novo projeto de pesquisa, agora com o apoio de um “Auxílio à Pesquisa” concedido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Maranhão (FAPEMA). Na condição de professor recém-ingresso nos quadros da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), esse projeto contou com a participação de bolsistas de Iniciação Científica, o que possibilitou um avanço no processo de pesquisa, até então bastante fragmentado36.. 33. Trata-se do “Projeto Comunitário Canela” financiado pela Secretaria de Desenvolvimento Social e Comunitário do Estado do Maranhão (SEDESC). Aprovado ao final do ano de 1991 foi implementado em fevereiro e março de 1992. 34 No Capítulo 5 dessa Tese discorro mais detalhadamente sobre a implementação do “Projeto Comunitário Canela” junto aos Ramkokamekra, onde procuro analisar minha própria participação e a de outros agentes nesse projeto. 35. Esse contato inicial, especialmente com os moradores do povoado Jenipapo dos Resplandes foi fundamental no estabelecimento de relações de confiança junto essa população, o que favoreceu meu retorno e o levantamento de dados com essa comunidade sertaneja, nos anos seguintes.. 36. O projeto “Canelas e Cristãos: Relações Interétnicas no Centroeste Maranhense” foi apresentado no início de 1992 à FAPEMA sendo executado entre junho do mesmo ano e outubro de 1993. Com apoio posterior da PPGP-UFMA, esse projeto se estendeu por mais dois períodos: de agosto de 1994 a julho de 1995, e entre agosto de 1995 a julho de 1997, quando realizei trabalho de campo (agosto-setembro/94 e setembro-outubro/95) e levantamentos históricos e documentais, com a participação de bolsistas de Iniciação Científica..

(24) 23 O desenvolvimento desse projeto de pesquisa foi condicionado aos meus compromissos profissionais junto à UFMA implicando em que a organização das atividades de pesquisa ficasse adequada ao calendário acadêmico dessa instituição. Enquanto os levantamentos históricos e documentais junto a arquivos, bibliotecas e sedes de órgãos governamentais eram realizados ao longo do período letivo37, o trabalho de campo foi executado nas férias universitárias. Durante os meses de agosto e setembro de 1992, fevereiro, agosto e setembro de 1993, em setembro de 1994 e em agosto e setembro de 1995 realizei levantamentos etnográficos na Área Indígena Kanela, onde me dediquei à observação das atividades coletivas e à coleta de narrativas junto aos Ramkokamekra. Como decorrência de uma relação bem sucedida junto aos segmentos sertanejos, construída durante a implementação do PCC, estive ainda nesse período, no povoado Jenipapo dos Resplandes38, onde pude levantar dados junto a criadores tradicionais, proprietários de engenhos e outros moradores que mantém históricas relações com os Canela. Acompanhei, ainda, o desenrolar do processo eleitoral em Barra do Corda e em alguns povoados sertanejos, onde os candidatos, à despeito das resistências locais faziam campanha também pelo voto dos Canela. Após o envio de um relatório parcial de pesquisa em agosto de 1993 e a aprovação de uma prorrogação do projeto por instâncias da UFMA39, retornei a campo a fim de dar continuidade aos levantamentos etnográficos junto aos Canela e à população regional. Nesse período estive novamente na T. I. Kanela, na sede municipal de Barra do Corda e realizei nova viagem ao “sertão”, quando permaneci por alguns dias nesse núcleo sertanejo dando continuidade aos levantamentos etnográficos. Durante meu retorno ao município de Barra do Corda (setembro/1994), pude acompanhar o processo eleitoral que se desenvolvia na região, as chamadas “eleições gerais”40 e a disputa pelos votos dos Canela por parte de políticos locais e regionais, a qual resultou na realização de um “comício” na Aldeia Escalvado e em povoados sertanejos. Esse processo envolveu os Ramkokamekra, cujas principais lideranças polarizavam internamente, em função 37. Especialmente pelos bolsistas de Iniciação Científica inseridos nesse projeto. Jenipapo dos Resplandes, ou Vila Resplandes constitui um dos mais antigos núcleos de ocupação pastoril no sertão cordino. De acordo com alguns moradores, sua fundação (1835) é anterior à da própria sede do Município de Barra do Corda. A partir de 1996 foi implantada, junto a esse núcleo, a sede do novo município de Fernando Falcão, ao qual encontra-se vinculado. 39 Os projetos e relatórios de pesquisa passam por diversas instâncias da UFMA, que vão desde as assembléias departamentais até sua aprovação final pela Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (PPGP). 40 Nas “eleições gerais” de 1994 seriam escolhidos desde o presidente da República, até senadores e deputados estaduais, numa disputa que envolvia representantes da política local e regional, com grande impacto junto à população rural e urbana de Barra do Corda e, também, junto aos grupos indígenas da região. 38.

(25) 24 das suas relações junto diferentes grupos políticos regionais. Pude observar que, enquanto os candidatos se utilizavam do apoio de líderes Canela para a obtenção de votos, estes faziam uso dessas “alianças” para fortalecer suas respectivas posições na política tribal. No ano seguinte (agosto-setembro/1995) dei continuidade ao trabalho de campo na área urbana de Barra do Corda e em povoados do “baixo sertão” situados no entorno da Terra Indígena Kanela, onde permaneci por alguns dias41 realizando levantamentos e entrevistas junto a moradores de diferentes gerações, especialmente sobre temas que os relacionam aos Ramkokamekra. Situações de conflito entre os Ramkokamekra e os segmentos do sertão cordino eram evitadas pelos moradores, especialmente os fatos relacionados à “revolução dos índios”42. Na sede municipal de Barra do Corda realizei entrevistas e levantei outros dados junto a representantes sindicais e de agências governamentais, sobre processos políticos que os envolviam os Canela às diferentes agências que atuam na região. Os esforços de pesquisa junto à população sertaneja foram concentrados na “Vila Resplandes”, por tratar-se de um núcleo surgido pela ação da frente de expansão pastoril tradicional e cuja população mantém laços históricos junto aos Canela, que implicam em situações de conflito e de cooperação. Essas relações foram parcialmente trabalhadas através de narrativas sobre a fundação desse núcleo e das representações sobre a presença dos Canela na região e dos conflitos intersocietários. A despeito das dificuldades inerentes a esse tipo de investigação, dada a restrição dos “sertanejos” em comentar suas relações junto aos Canela com “estranhos”, algumas narrativas puderam ser gravadas, especialmente sobre a “fundação” do povoado, os “costumes” locais e alguns conflitos intersocietários. Em Barra do Corda realizei, ainda, entrevistas junto a antigos indigenistas do SPI e FUNAI, e a outros representantes locais. Alguns agentes participaram diretamente dos processos envolvendo os Ramkokamekra e população regional, como foi o caso do “movimento messiânico Canela” de 1963. Levantamentos Históricos A maior parte dos dados históricos que subsidiam essa tese foram coletados nessa etapa da pesquisa, especialmente entre agosto/94 a julho/97. Esses levantamentos foram 41 A região de cerrados situadas ao sul do município de Barra do Corda é classificada pelos moradores locais em duas áreas: o “baixo sertão”, constituído pelos núcleos sertanejos situados ao longo de uma estrada que, partindo de Barra do Corda contorna a Terra Indígena Kanela, no sentido NE a SE, em direção ao município de Mirador. De outro lado, o “alto sertão” é cortado por uma estrada que vai no sentido NO a SO ligando povoados situados entre as T. I. Kanela e a T. I. Porquinhos. Atualmente essa região encontra-se vinculada ao Município de Fernando Falcão. Vide Mapa 02 42 Uma das expressões utilizadas pelos sertanejos para referir-se ao movimento messiânico Canela de 1963..

(26) 25 realizados primordialmente em bibliotecas e arquivos públicos e eclesiásticos, nas sedes de órgãos federais e estaduais vinculados à questão indígena e agrária, bem como em acervos particulares localizados em São Luís e nos municípios do centro-maranhense. Foram levantados dados em diferentes fontes históricas relativas às populações indígenas e à administração tutelar no Maranhão. Inicialmente, trabalhei junto a “fontes primárias”, sobretudo documentos administrativos dos períodos colonial e provincial e na literatura formada por relatórios de viagem, memórias, descrições, roteiros e outros produzidos por agentes coloniais e cronistas nesses períodos. Obras de intelectuais “nativos” e acadêmicos, sobretudo historiadores, relativas à ocupação do centro-sul maranhense pelas frentes expansionistas tradicionais, os processos políticos e conflitos regionais envolvendo os Ramkokamekra e outros grupos indígenas também foram objeto de pesquisa. Os dados históricos relativos à administração colonial e provincial dos índios no Maranhão foram levantados nos acervos da Biblioteca Pública “Benedito Leite” (BPBL) e no Arquivo Publico do Estado do Maranhão (APEM), em São Luís. Em relação ao conhecimento histórico dos grupos timbira e o processo de ocupação colonial do centro-sul maranhense foram realizados levantamentos na seção de “Obras Raras” da BPBL, especialmente em coleções como a “Revista Trimestral do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro” (RIHGB), onde foram identificados alguns textos fundamentais para a compreensão do processo da dominação colonial sobre os povos timbira. Dentre o acervo relativo ao Maranhão colonial e provincial considero dois autores especialmente significativos para a compreensão do processo de ocupação do território timbira pelas frentes de expansão coloniais e da inserção desses povos na situação colonial. Um deles, conhecido como “Autor Anônimo” elaborou o “Roteiro do Maranhão a Goiás pela Capitania do Piauí”43, escrito em 1770. Esse trabalho é atribuído pelo historiador Capistrano de Abreu a Francisco Pereira Caldas, cidadão português que foi governador das capitanias do Pará, Maranhão, Piauí e Mato Grosso. (Abreu, 1998) Fundamental para a compreensão da incorporação colonial dos territórios do Piauí e sul do Maranhão pela frente pastoril tradicional, esse texto apresenta uma descrição sobre os momentos iniciais da ocupação dos “sertão de Pastos Bons”, os caminhos de penetração das. 43. Cf. Anônimo, 1900..

(27) 26 boiadas e as rotas de comunicação com Pernambuco e Bahia, centros dinâmicos da economia colonial e da expansão pastoril rumo à Amazônia. A organização das fazendas de criação e a extensão da sua ocupação naquele momento histórico é descrita com riqueza de detalhes nesse trabalho. Como alto funcionário da administração pombalina, Pereira Caldas apresenta, ainda, um projeto de ocupação econômica do território timbira, o “sertão de Pastos Bons” e sua incorporação pela sociedade colonial lusobrasileira. Nesse projeto, os timbira seriam inseridos como força-de-trabalho necessária à essa transformação econômica, sob o rígido controle das autoridades coloniais. O trabalho reflete a ideologia colonialista do “Autor Anônimo” e da administração pombalina como um todo. Destaco, ainda, os escritos de Francisco de Paula Ribeiro44, militar português, que durante cerca de vinte anos comandou as tropas oficiais que realizaram combate aos diferentes grupos timbira e a outros grupos indígenas no Maranhão, entre a última década do século XVIII e as primeiras do século XIX. Foi oficial das “tropas de linha”, comandante militar de Pastos Bons, fundador do Arraial do Príncipe Regente45, além de haver desempenhado outras funções ao longo de sua carreira militar que se desenvolveu, sobretudo no Maranhão. Paula Ribeiro foi, ainda, cronista de rara sensibilidade, a despeito de sua condição de agente colonial responsável por impor a sujeição aos timbira e, possivelmente, o maior conhecedor desses povos nesse período. Ribeiro apresenta em seus textos, as mais precisas descrições sobre os grupos timbira nos momentos iniciais do contato, portanto, ainda na condição de povos autônomos destacando diferentes aspectos de sua organização social e política e de sua vida cotidiana. Aborda, ainda, a violência da ação das “bandeiras” na sujeição desses povos, cujos objetivos eram a ocupação territorial, a captura e a escravização de índios. Seus três textos, hoje “clássicos” da historiografia colonial brasileira apresentam, ainda, uma descrição das fazendas e núcleos populacionais que se formavam com a expansão pastoril sobre o território timbira assumindo uma postura crítica em relação aos agentes coloniais e seus procedimentos no confronto com esses grupos étnicos. A diversidade lingüística e cultural dos grupos timbira, assim como de outros grupos que habitaram as matas e cerrados do sul ao Piauí e Maranhão – caso dos Gamella, Acroá, Gueguê, Chavantes e outros - é apresentada com certo detalhamento, bem como as estratégias de guerra desses povos diante das “bandeiras” e “tropas de linha”. Ribeiro apresenta, ainda, uma 44. Ribeiro, (1815) 1841; (1815) 1848 e (1819) 1849. O Arraial do Príncipe Regente foi um posto militar criado em 1808, na junção do rio Itapecuru com o Alpercatas para conter os ataques de grupos timbira contra as fazendas agrícolas e de criação alí instaladas. Cf. Marques, 1970: 91. 45.

(28) 27 análise dessas expedições oficiais e particulares contra os timbira e as dificuldades para a “pacificação” desses povos, para os quais defende a aplicação dos conteúdos das “cartas régias” promulgadas entre 1808 e 1813, em relação a outros grupos indígenas. Condizente com sua ideologia colonialista ilustrada, esse agente defendia que a sujeição dos timbira deveria ser feita a partir da restrição territorial, do trabalho servil, e caso necessário, da destruição total desses povos46. Ribeiro procede, ainda, a uma minuciosa descrição sobre a sociedade que se formava no bojo da frente pastoril no sul do Maranhão, no início do século XIX resultante da própria divisão política implementada pela administração colonial. Assim, ao contrário do que apregoam algumas análises, já se vislumbrava nesse momento, uma estrutura política no “sertão de Pastos Bons”, estabelecido como “distrito” militar, e depois como “freguesia”, com precedência sobre todo o antigo território timbira, entre os rios Parnaíba e Tocantins. Revela, ainda, a quase total ausência de instituições administrativas e judiciais, o que fazia desse território o espaço do poder pessoal dos grandes criadores e seus asseclas. De grande importância para a compreensão do período de transição entre o final da era pombalina (1775) e a Independência (1822) é Raimundo José Gaioso, cujo livro “Compêndio Histórico-Político sobre os Princípios da Lavoura no Maranhão” (1818)47 reflete a posição dos grandes agricultores de algodão estabelecidos no vale do Itapecuru. Membro da corte de Pombal, de quem seu pai foi ministro, Gaioso transferiu-se forçosamente para o Maranhão na segunda metade do século XVIII, onde tornou-se um dos mais ricos fazendeiros do vale do Itapecuru, no momento em que essa região se constituía como um dos grandes pólos da produção mundial de algodão48. Durante o acirramento dos conflitos entre os agentes da frente agrícola do Itapecuru e os grupos indígenas autônomos da região, Gaioso esteve a frente de campanhas contra os Gamella e os Timbira Matteiros, os quais combateu como Capitão de Caçadores e TenenteCoronel de Regimento no Itapecuru. Considerava esses povos entraves ao desenvolvimento da agricultura extensiva pelo alto Itapecuru, a qual requeria sempre novas áreas em função do rápido esgotamento das terras. Agente colonial vinculado à aristocracia portuguesa, Gaioso apresenta, ainda, uma interessante estratificação da sociedade luso-maranhense nesse período, além de 46. Ribeiro, 1848. Gaioso, (1818), 1970. 48 Durante a guerra de Independência dos Estados Unidos, o Maranhão ocupou, em parte, o espaço das colônias norte-americanas no fornecimento de algodão ao mercado mundial do produto. Cf. Velho, 1981: 20. 47.

Referências

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