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Escassez de Oferta de Trabalho: um estudo sobre os Motoristas de Transportes Rodoviários de Mercadorias

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Academic year: 2021

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ESCASSEZ DE OFERTA DE TRABALHO: UM ESTUDO SOBRE OS MOTORISTAS DE TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DE MERCADORIAS Inês Santos Oliveira

Dissertação

Mestrado em Economia e Gestão de Recursos Humanos

Orientada por

Professora Doutora Maria do Pilar González

Setembro de 2019

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Resumo

O presente documento debruça-se sobre a escassez de mão-de-obra no setor dos transportes rodoviários de mercadorias, especificamente, a classe profissional dos motoristas. Pretende-se reunir a diversidade de elementos que explicam a situação de escasPretende-sez de mão-de-obra atual do setor assim como compreender a posição das empresas neste problema. Os dados foram recolhidos através de uma metodologia qualitativa com recursos a entrevistas semiestruturadas a nove Gestores de Recursos Humanos do setor. Este estudo conclui que a falta de motoristas de mercadorias é percecionada como um problema atual no mercado, apesar de algumas empresas não o verem como uma realidade interna da empresa. As razões apontadas para a falta de mão-de-obra, são de natureza tanto quantitativa como qualitativa. Porém, existe uma diversidade maior de elementos que contribuem para uma escassez de mão-de-obra qualitativa. Estes baseiam-se maioritariamente nos custos de formação elevados e condições adversas da profissão, nomeadamente, jornadas fora da área de residência, horários irregulares e desgaste físico e psicológicos significativos. Os resultados indicam que existem diferenciais salariais compensatórios apesar de também os indicarem como insuficientes face as novas oportunidades de emprego, alteração nas expectativas das camadas de trabalhadores mais jovens assim como a valorização que os mesmos atribuem ao equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Os dados obtidos nesta investigação empírica sugerem ainda a importância de se reduzirem os custos de formação e facilitar o acesso à profissão, assim como um replaneamento da profissão face aos novos desafios do mercado de trabalho. Palavras-chave:

Escassez de Mão-de-Obra, Motoristas, Setor dos Transportes Rodoviários de Mercadorias, Condições de Trabalho, Teoria dos Diferenciais Salariais Compensatórios

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Abstract

This investigation addresses the shortage of labour in the road freight sector, specifically the professional truck drivers and the purpose of bring together the diversity of elements that explain the current labour shortage situation in the sector as well as to understand the position of companies with this problem. Data was collected using a qualitative methodology, more specifically, semi-structured interviews to nine Human Resources Managers that work on this business sector. The results show that the shortage of truck drivers is perceived as a current problem in the labour market, although some companies don’t see it as an internal issue of the company. The reasons given for the shortage of truck drivers are both of quantitative and qualitative nature. However, there is a greater diversity of elements that contribute to a shortage of qualitative labour. These are mostly based on high training costs and adverse working conditions, such as irregular working hours, long periods working away from home and significant physical and psychological distress. Although the results show that there are wage differentials for truck drivers, they also show that these are insufficient towards new job opportunities and because of the evolution in younger workers’ expectations as well as the appreciation they have on work-life balance. The data obtained from this empirical research also suggests the importance of reducing training costs and facilitating access to the profession as well as a redesign of the job towards new labour market challenges.

Keywords:

Labor Shortage, Truck Drivers, Freight Transport, Working Conditions, Theory of Compensating Wage Differentials

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Índice de Conteúdos

1. Introdução ... 1

2. Enquadramento Teórico ... 3

2.1 Teoria dos Diferenciais Salariais Compensatórios ... 4

2.2 Escassez da Oferta de Trabalho ... 6

2.2.1 Escassez Quantitativa da Oferta de Trabalho ... 9

2.2.2 Escassez Qualitativa da Oferta de Trabalho ... 11

2.2.3 Escassez de Oferta de Trabalho e Incentivos ao Trabalho ... 14

3. Setor dos Transportes Rodoviários de Mercadorias – Análise do Setor ... 17

4. Metodologia ... 27

4.1 Objetivo da Investigação ... 27

4.2 Enquadramento Metodológico... 27

4.3 Participantes... 28

4.4 Técnicas e Procedimentos de Recolha de Dados ... 29

4.5 Análise de Dados ... 30

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5. Resultados ... 32

5.1 Considerações Gerais do Setor ... 32

5.1.1 Escassez de Mão-de-Obra ... 32

5.1.2 Características da Mão-de-Obra ... 33

5.1.3 Mudanças no Setor ... 35

5.1.4 Especificidades do Setor ... 36

5.2 Aspetos Associados ao Recrutamento e Retenção de Mão-de-Obra ... 37

5.2.1 Aspetos que Influenciam a capacidade de Atração de Mão-de-Obra ... 38

5.2.1.1 Formação ... 38

5.2.1.2 Experiência ... 40

5.2.1.3 Condições de Trabalho ... 41

5.2.1.4 Imagem da Profissão ... 46

5.2.1.5 Expectativas Sociais sobre o Emprego ... 47

5.2.1.6 Motivação Intrínseca ... 49

5.2.1.7 Mecanismos de Compensação Salarial ... 50

5.2.2 Retenção de Mão-de-Obra ... 51

5.2.2.1 Capacidade de Adaptação ... 52

5.2.2.2 Concorrência entre Empresas do Setor ... 53

5.2.2.3 Práticas Empresarias Valorizadas pelos Motoristas ... 55

5.2.3 Sugestões que Aumentam a Atração e Retenção de Mão-de-Obra ... 58

5.2.3.1 Aumento de Fiscalização ... 58

5.2.3.2 Benefícios Fiscais de Ajuda à Contratação ... 58

5.2.3.3 Incentivos à atração de jovens, mulheres e outros grupos para a categoria profissional ... 59

6. Discussão de Resultados ... 62

7. Conclusão, Limitações e Sugestões... 68

Referências Bibliográficas ... 70

Anexos ... 74

Anexo I – Guião Final da Entrevista ... 74

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Índice de Gráficos

Gráfico 1 - Pirâmide Etária da População EU-28, de 2002 e 2017 ... 10 Gráfico 2 - Projeção da evolução da população empregada da EU27 no setor dos transportes rodoviários, por faixas etárias (inclui passageiros e mercadorias) ... 19 Gráfico 3 - Representação gráfica da população empregada no setor dos transportes rodoviários de mercadorias, por género ... 19 Gráfico 4 - Representação gráfica das idades dos motoristas empregados nas empresas participantes deste estudo ... 34

Índice de Figuras

Figura 1 - Organização Esquemática dos Tipos de Escassez de Mão-de-Obra... 16 Figura 2 - Sistema de categorias 1 “Considerações do setor” ... 32 Figura 3 - Sistema de categorias 2 “Aspetos associados ao recrutamento e retenção” ... 38

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1. Introdução

A presente investigação procura abordar a escassez de oferta de trabalho analisando, especificamente, o setor dos transportes rodoviários de mercadorias e, em particular, a categoria profissional de motorista, em Portugal.

Este problema traduz-se, na realidade, no crescente número de vagas de motoristas por preencher, no aumento do período de tempo que cada vaga demora a ficar satisfeita e na falta efetiva de candidatos às vagas existentes. Existe, assim, um problema de falta de mão-de-obra disponível para fazer face às necessidades das empresas. O estudo desta questão é relevante dado que a escassez de mão-de-obra representa um problema grave para a Gestão de Recursos Humanos do setor que afeta práticas fundamentais desta tais como o Recrutamento e Seleção. Por essa via, afeta também a estabilidade financeira e comercial das empresas transportadoras que têm dificuldade em organizar devidamente a sua atividade e, portanto, em dar resposta aos pedidos dos seus clientes.

São vários os relatórios de associações do setor e de organizações nacionais e internacionais que identificam uma procura de trabalhadores do setor dos transportes que se encontra por satisfazer (Lodovici, Pastori, Corrias, Sitran, Tajani, Torchio, & Appetecchia 2009; Cedefop, 2016, 2018; Nikolov, Nikolova, Ganev, & Aleksiev, 2018). Assim e segundo Lodovici et al. (2009), em 2008, o rácio de vagas em aberto sobre o total de motoristas empregados no setor situava-se entre 2% e 5% no espaço europeu. Recentemente e segundo a IRU (2019), World Road Transport Organization1, a procura de motoristas no setor excede em 21% a oferta atual no espaço europeu.

A relevância do presente tema para as empresas do setor é evidenciada pelo destaque que lhe foi atribuído em dois eventos recentes que reuniram os principais agentes do setor dos transportes em Portugal2. Nas palavras de um dos dirigentes da principal associação do setor, o mercado está a passar por um momento particularmente delicado devido a “falta de pessoas e a falta de rentabilidade”3, especificando que os trabalhadores atuais estão

1 A IRU é uma associação de transportes rodoviários que atua a nível mundial, sendo constituída por

associações nacionais de transportes rodoviários que foi fundada na década de 50 na Suíça com o propósito de agilizar a reconstrução do espaço europeu.

2 Os eventos foram: o Seminário “Em Nome da Mobilidade”, impulsionado pela Interface Portugal,

consultora especializada no setor dos transportes, que decorrei em junho de 2018 e o 18º Congresso da Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM), em Outubro de 2018.

3 Declaração à imprensa do secretário de Estado das Infraestruturas disponível no Seminário V,

“ANTRAM ameaça denunciar empresas que não cumpram o contrato coletivo de trabalho”, 26/01/2018. Disponível em:

https://semanariov.pt/2018/10/26/antram-ameaca-denunciar-empresas-que-nao-cumpram-o-contrato-coletivo-de-trabalho/

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2 envelhecidos e que há uma grande dificuldade em atrair mão-de-obra jovem4. As razões por detrás deste fenómeno estarão, na opinião do mesmo dirigente, ligadas às condições de trabalho, nomeando “dias e semanas inteiros fora de casa” assim como “desgaste físico e psicológico” significativos. Segundo um outro agente do setor, a formação é outro ponto essencial pois faltam indivíduos qualificados na área5. Afirma que “não há nenhum operador […] que não diga que o seu maior problema é a falta de condutores e a dificuldade em retê-los”. Refere ainda que na ausência de motoristas suficientes face à procura existente, os motoristas que permanecem em funções podem ser sobrecarregados pelo volume de trabalho.

Internacionalmente, o problema também se tem vindo a manifestar. Assim, segundo a American Trucking Association (ATA), a maior associação de transporte rodoviário de mercadorias dos EUA, a escassez de motoristas tem-se manifestado desde 2005, sendo que “as transportadoras continuam a ter dificuldade quer em recrutar quer em reter motoristas” (McNally, 2018).

Os objetivos deste trabalho consistem em 1) identificar e analisar as razões que, na opinião dos empregadores, justificam a escassez de motoristas atual e 2) identificar a forma como as empresas e, particularmente, os gestores de recursos humanos lidam com o problema, assim como, fornecer uma base de conhecimento para a operacionalização de potenciais melhorias. Compreendidos os mecanismos explicativos da falta de motoristas no mercado, procura-se compreender a forma de atuação das empresas.

A estrutura do trabalho é a seguinte: após a introdução, no capítulo dois, será apresentada a revisão de literatura sobre a escassez de mão-de-obra; no capítulo três, será apresentado o mercado de trabalho do setor dos transportes rodoviários; no capítulo quatro, será apresentada a metodologia a utilizar nesta investigação; no capítulo quinto serão apresentados os resultados obtidos; no capítulo sexto, será feita a discussão dos resultados; e por fim, no sétimo capítulo serão apresentadas as conclusões assim como as limitações identificadas e sugestões para futuras investigações.

4 Declaração à imprensa do Presidente da Associação Nacional de Transportes Rodoviários de Mercadorias

(ANTRAM), 11/05/2018, Disponível em: https://rr.sapo.pt/2018/05/11/pais/parlamento-aprova-retorno-ao-limite-de-65-anos-para-motoristas-de-pesados/noticia/113027/

5Declaração à imprensa do CEO da Interfaces Portugal, 29/05/2018. Disponível em:

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2. Enquadramento Teórico

Segundo as declarações proferidas pelos agentes do setor (referidas na Introdução), a escassez de mão-de-obra de motoristas no setor dos transportes rodoviários de mercadorias está associada às condições de trabalho, portanto, é importante analisar quadros teóricos que explicitem como se comporta a procura e a oferta de trabalho num mercado de trabalho cujas características sejam percecionadas como adversas. Assim, abordamos a teoria dos diferenciais salariais compensatórios e, de seguida, iremos explorar os tipos de escassez de mão-de-obra existentes assim como analisar as causas sugeridas pela literatura que contribuem para um cenário de falta de trabalhadores.

O mercado de trabalho é um dos mercados mais relevantes das economias de mercado uma vez que é neste que se transaciona o fator trabalho. Os trabalhadores oferecem o seu trabalho em troca de remuneração e as empresas procuram trabalhadores capacitados para efetuar um certo tipo de tarefas necessárias à produção da empresa. Socialmente, o mercado de trabalho é fundamental ao funcionamento da nossa economia uma vez que o trabalho é responsável pela obtenção da maior proporção do rendimento das famílias (segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (2017), cerca de 50.3% do rendimento das famílias portuguesas tem como origem o trabalho por conta de outrem).

Segundo o modelo mais simples de análise económica do mercado de trabalho (o modelo da concorrência perfeita), o equilíbrio entre a oferta e a procura de trabalho decorre das variações do salário e do livre ajustamento das quantidades procuradas e oferecidas, constituindo-se assim o salário como o elemento essencial da decisão dos trabalhadores e das empresas (Ehrenberg & Smith, 2012). Este é um instrumento de análise que não considera mais nenhuma variável influenciadora da decisão dos agentes. No entanto, existem outros fatores relevantes que devem ser tidos em consideração. Os postos de trabalho são complexos, diferentes entre si e exigentes do ponto de vista das competências formais e informais requeridas aos trabalhadores. Assim, embora o salário seja fundamental na dinâmica de mercado, não é o único critério que as pessoas consideram quando escolhem um determinado emprego.

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2.1 Teoria dos Diferenciais Salariais Compensatórios

Nas suas decisões de trabalho, os indivíduos têm em consideração dois tipos de fatores: a remuneração e as características dos empregos que são diferentemente valorizadas pelos indivíduos (Hjelte, Stenling & Westerberg, 2018). Ehrenberg & Smith (2012) referem que a compensação do trabalho envolve fatores pecuniários e não pecuniários. Os fatores pecuniários englobam todos os benefícios monetários oferecidos como contrapartida do trabalho como a remuneração e outros elementos de compensação monetária; por outro lado, os fatores não pecuniários abrangem as condições intangíveis oferecidas aos trabalhadores, tais como: flexibilidade de horários, planos de formação, ações de reconhecimento de bom desempenho, incidência de risco de acidente de trabalho, clima organizacional, entre outros. As condições físicas do posto de trabalho são também importantes pois têm impacto no bem-estar e motivação diária dos trabalhadores. O trabalho é indissociável das pessoas que o produzem o que fundamenta a importância das condições que o envolvem.

Para dar conta da diversidade de elementos a considerar nas decisões de oferta individual de trabalho no quadro da diversidade de empregos foram desenvolvidos vários modelos teóricos. É o caso da teoria dos diferenciais salariais compensatórios que visa explicar as diferenças salariais com base nessa mesma diversidade (Lauermann, 2006).

Do ponto de vista da análise económica da oferta de trabalho, os indivíduos consideram o conjunto destes fatores, monetários e não monetários, à luz de uma avaliação custo-benefício (Lavetti, 2018). Desta forma, oportunidades de trabalho com remunerações baixas e condições de trabalho adversas são considerados como postos de trabalho menos valorizados pelos indivíduos enquanto que postos de trabalho com melhores remunerações e melhores condições de trabalho são consideradas como mais atrativos. Do ponto de vista económico, quando comparados dois postos de trabalho cuja remuneração é idêntica, o indivíduo irá preferir aquele que oferece melhores condições não monetárias em função das suas preferências. Esta teoria considera que os trabalhadores pretendem maximizar os seus ganhos totais e não apenas salariais, daí a relevância de se analisarem outros fatores, tais como as condições de trabalho, a que o trabalhador está sujeito (Rosen, 1986). Parte-se também do pressuposto que os trabalhadores têm informação acerca das características dos postos de trabalho assim como a possibilidade de escolher livremente os seus empregos (Ehrenberg & Smith, 2012). Assim, a partir do conjunto de benefícios salariais juntamente com as condições de trabalho, podemos explicar as variações nas preferências dos indivíduos e,

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5 consequentemente, na quantidade oferecida de trabalho a um determinado emprego. Lauermann (2006) analisa a teoria dos diferenciais salariais compensatórios considerando profissões que não exigem níveis de escolaridade altos mas que oferecem salários elevados, refletindo assim a importância das condições de trabalho na construção de uma remuneração. Desta forma, na perspetiva da teoria dos diferenciais salariais compensatórios, as empresas que têm condições de trabalho adversas, para atrair e reter trabalhadores, deverão oferecer salários mais elevados, e portanto, oferecer um diferencial salarial compensatório positivo (Rosen, 1986; Lauermann, 2006). Este será o valor pelo qual o trabalhador deve ser compensado para aceitar um emprego com condições de trabalho adversas (Guardado & Ziebarth, 2019). Este conceito é essencial para “devolver” equilíbrio ao mercado de trabalho, valorizando os empregos que pelas suas condições adversas são menos atrativos (Rosen, 1986).

Vários estudos foram realizados com vista a determinar as condições de trabalho consideradas como adversas que implicam a existência de diferenciais salariais compensatórios, tais como: horários de trabalho irregulares ou rígidos, trabalho por turnos, trabalho noturno, risco de acidente de trabalho e local de trabalho adverso (Lauermann, 2006; Oshchepkov, 2015; Guardado & Ziebarth, 2019). A teoria dos diferenciais salariais compensatórios explica ainda a dinâmica inversa, isto é: quando um posto de trabalho se caracteriza por condições de trabalho atrativas, os indivíduos aceitam esses empregos por salários mais reduzidos pelo que o diferencial salarial compensatório é, neste caso, negativo (Rosen, 1986).

A perceção dos custos e dos benefícios contém, no entanto, elementos de subjetividade. Os trabalhadores e os postos de trabalho existentes no mercado são diferentes (Hjelte et al., 2018; Lavetti, 2018). Considerando a crescente complexidade e diversidade do mercado de trabalho assim como dos próprios indivíduos, torna-se fundamental considerar os trabalhadores num contexto heterogéneo, seja nas suas competências seja nas suas ambições e preferências. Os indivíduos procuram remunerações adequadas assim como condições de trabalho que eles valorizam (Lavetti, 2018).

Diversos estudos aprofundaram esta ligação entre remunerações e condições de trabalho.

Spencer, Gevrek, Chambers & Bowden (2016) analisaram as instituições de ensino superior nos EUA do ponto de vista da interligação entre a satisfação dos seus funcionários e as várias componentes dos benefícios oferecidos, tais como: a flexibilização do horário e

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6 local de trabalho, a diminuição de custos com aulas e formações para os funcionários, entre outras iniciativas family-friendly. O estudo concluiu que existem benefícios que podem ser oferecidos aos trabalhadores e que contribuem de forma significativa para a satisfação dos mesmos e que representam um custo reduzido para as empresas, uma vez que fazem parte da sua área de negócio. No mesmo sentido, também McGinley, Hanks & Line (2017) estudaram as motivações e expectativas dos trabalhadores e potenciais candidatos do setor de hotelaria dos EUA. Uma das sugestões do estudo é que o setor pode oferecer um pacote de benefícios como por exemplo: descontos em férias, refeições, serviços de lavandaria, entre outros benefícios exclusivos, que podem não estar tão acessíveis para trabalhadores de outras áreas, tornando o setor da hotelaria como mais atrativo comparativamente com outros considerados semelhantes. Noutro exemplo, tendo como ponto de partida uma investigação de Combes, Elliot & Skatun (2018) acerca do mercado de trabalho das enfermeiras e técnicas de saúde do Reino Unido, concluiu-se que, apesar do salário das técnicas de saúde ser habitualmente baixo, o emprego no setor apresenta um conjunto de benefícios, como o sistema de pensões, que funciona como um atrativo para o emprego do setor.

Assim, o conjunto de benefícios, monetários e não-monetários, constitui-se como uma ferramenta essencial na atração de candidatos e retenção de trabalhadores sendo fundamental o seu estudo na perceção da atratividade de uma classe profissional e no entendimento das decisões dos trabalhadores quando estes optam por um determinado emprego em detrimento de outro ou empresa/setor. Da mesma forma, o quadro teórico dos diferenciais salariais compensatórios é essencial para compreender as dinâmicas da procura e oferta de trabalho, especificamente, em empregos que possuam condições de trabalho adversas uma vez que estes são mais suscetíveis de não atraírem trabalhadores suficientes e, então, passarem por uma situação de escassez de mão-de-obra.

2.2 Escassez da Oferta de Trabalho

A escassez de oferta de trabalho consiste na falta de candidatos para suprir vagas de emprego abertas. Na perspetiva da economia do trabalho, acontece quando a quantidade de trabalho procurada pelas empresas é superior à quantidade de trabalhadores disponíveis para ocupar esses empregos (Ehrenberg & Smith, 2012). Há, portanto, empregos criados que não são preenchidos: porque não existem candidatos, ou porque os candidatos não são adequados aos postos de trabalho ou ainda porque os candidatos não têm incentivos para as

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7 preencher. A explicação de uma situação de escassez pode não ser, no entanto, exclusiva de apenas uma razão. Pode resultar de um conjunto de fatores de natureza diversa como por exemplo: a conjuntura económica, a imagem pública de uma determinada profissão, a falta de formação adequada para o exercício da profissão, as preferências dos indivíduos, o tipo de incentivos monetários e não monetários existentes, entre outros.

Conforme já explorado anteriormente, tendo em consideração a diversidade de elementos que influenciam as decisões dos trabalhadores na escolha por um emprego assim como o aumento da complexidade dos próprios postos de trabalho, verifica-se que estes são cada vez mais diversos do ponto de vista das qualificações, assim como no que toca às características individuais e interpessoais exigidas para cada vaga. Desta forma, o processo de ajustamento é demorado e envolve ajustamentos a outros níveis, como por exemplo, das instituições de ensino. O ajustamento entre oferta e procura de trabalho é, então, prolongado no tempo e complexo (McQuillan, 2003).

A conjuntura económica tem impacto na dinâmica do mercado de trabalho. De acordo com a análise económica, a escassez de oferta de trabalho é natural em momentos de expansão da economia, surgindo de duas vias. Do ponto de vista da procura de trabalho, segundo Bollérot (2002) e Levanon, Cheng & Paterra (2014) o crescimento das atividades económicas impulsiona a criação de mais empregos que “absorvem” os indivíduos em situação de desemprego. Se se mantiver, simultaneamente, uma diminuição de pessoas disponíveis à procura de emprego e a abertura de postos de trabalho, poderá haver vagas que fiquem em aberto devido à não existência de um número suficiente de pessoas para preencher os postos de trabalho criados. Assim, as fases de retoma do ciclo económico (como aquela a que se tem assistido desde 2015) contribuem para uma potencial falta de profissionais em determinadas áreas (Levanon et al., 2014; Nikolov et al. 2018). No mesmo sentido, Lodovici et al. (2009) descreve estes processos como naturais e inerentes às oscilações dos ciclos económicos. Do ponto de vista da oferta de trabalho, em momentos de recessão económica (momento de taxas de desemprego elevadas), os indivíduos “prendem-se” mais aos seus postos de trabalho, receando cair em situação de desemprego. Por outro lado, em expansão económica, os trabalhadores percecionam uma maior facilidade em trocar de emprego (Bollérot, 2002; Levanon et al., 2014). Existe maior procura de trabalho e, portanto, mais oportunidades para melhores empregos. As taxas de desemprego mais baixas coincidem com as taxas de despedimento por iniciativa do trabalhador mais altas (Levanon et al., 2014).

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8 Para estudar situações de escassez, a literatura sugere ainda que se estudem outros fatores para além dos já referidos, nomeadamente, o potencial para deslocalização da mão-de-obra; a capacidade de atração e recrutamento (ligado à dimensão das empresas) e o potencial de automatização da profissão. Tais fatores estão presentes na literatura como tendo influência quer na procura quer na oferta de trabalho.

Levanon et al. (2014) realizaram um estudo que perspetiva o futuro do mercado de trabalho nos EUA e as suas principais determinantes. Os autores analisam diversas variáveis com o propósito de aferirem quais as profissões que terão maior probabilidade de sofrerem escassez de mão-de-obra no futuro. O estudo conclui que quanto mais fácil for realocar postos de trabalho para países terceiros, isto é, quanto mais acessível for substituir a mão-de-obra e indústria local por mão-de-mão-de-obra noutros países, menor propensão haverá à escassez de oferta de trabalho. Desta forma, a quantidade de candidatos disponíveis aumenta consideravelmente, não estando limitada à oferta regional ou nacional. A globalização e crescente facilidade no transporte e rapidez na transferência de tecnologia e de informação contribuem para a maior facilidade na deslocalização das tarefas. As tarefas com maior propensão a ser transferíveis são as mais rotineiras e onde se exige menor nível de qualificações.

No mesmo sentido, Vinten (1998) num estudo realizado sobre o mercado de trabalho do Reino Unido, explorou o poder de atração que empresas de diferentes dimensões têm na obtenção de novos candidatos. Enquanto que pequenas e médias empresas têm estratégias de recrutamento de menor alcance (apenas ao nível regional), as grandes empresas operam nos mercados nacionais. Desta forma, as pequenas e médias empresas estão mais dependentes da oferta de trabalho local.

No que toca à tecnologia como fonte adicional de mão-de-obra, Levanon et al. (2014) concluem que quanto mais fácil for automatizar e robotizar um certo tipo de funções, menos provável será que essas funções sofram de falta de oferta de trabalho uma vez que as tarefas se realizam sem interferência humana ou com interferência reduzida (Levanon et al., 2014). Neste sentido, quanto mais substituível for uma tarefa por maquinaria, menos provável será que essa tarefa passe por uma situação de escassez de mão-de-obra.

É, no entanto, essencial compreender que a escassez de mão-de-obra deve ser estudada tendo em consideração o mercado de trabalho, no geral, e a profissão, em particular. Se estivermos perante um setor que exija qualificações específicas, então a escassez poderá

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9 ser maior ou menor consoante a abundância de oferta de trabalho qualificado nesse setor. Neste sentido, a escassez deve ser estudada também tendo por base uma profissão específica. Segundo a abordagem fornecida pelos serviços da Comissão Europeia em estudos recentes acerca do tema, podemos distinguir dois tipos de escassez de mão-de-obra dependendo da sua natureza: a quantitativa e a qualitativa (Lodovici et al., 2009; Nikolov et al., 2018).

2.2.1 Escassez Quantitativa da Oferta de Trabalho

A escassez quantitativa da oferta de trabalho resulta da existência de uma quantidade procurada de trabalho (número de postos de trabalho criados) superior à quantidade oferecida de trabalho (número de trabalhadores disponíveis para trabalhar) e traduz-se em cenários de taxas de desemprego baixas (Nikolov et al., 2018).

Este fenómeno pode ter na sua origem questões demográficas e está associado à estrutura da população ativa (Nikolov et al., 2018). O envelhecimento populacional condiciona a evolução da população ativa e tem, desta forma, efeitos significativos na força de trabalho disponível dos países, podendo colocar em causa a renovação da geração de trabalhadores atuais (Bollérot, 2002; Freeman, 2006; European Commission, 2016; Cedefop, 2018; Nikolov et al., 2018).

Na representação gráfica seguinte, comparamos as pirâmides etárias dos anos 2002 e 2017 no espaço europeu. Podemos observar que, até à faixa etária dos 40-44 anos, entre 2002 e 2017, a população reduziu-se; enquanto que, os grupos que correspondem às faixas etárias seguintes aumentaram, traduzindo assim um cenário de envelhecimento. Ao analisar a faixa dos 15 aos 64 anos (que corresponde à população em idade ativa), notamos que a diminuição de população acontece dos 15 – 44 anos e é superior ao aumento que apenas se verifica dos 44 – 64 anos. Desta forma, estamos perante um contexto de redução da população em idade ativa.

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Gráfico 1 - Pirâmide Etária da População EU-28, de 2002 e 2017

Fonte: Eurostat “Population Pyramids, EU-28, 2002 and 2017”, Online data code: demo_pjangroup

https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php?title=File:Population_pyramids,_EU-28,_2002_and_2017_(%25_of_total_population).png

A evolução da escassez de mão-de-obra quantitativa depende de diversos fatores. Nomeadamente, ligados a cada setor produtivo e, especificamente, no que diz respeito à capacidade de atração que um determinado setor tem sobre as camadas mais jovens (Lodovici et al., 2009, Levanon et al., 2014; European Commission, 2016; Cedefop, 2018).

A escassez de oferta quantitativa pode resultar ainda de um aumento repentino da procura de trabalho devido ao crescimento da produção do setor e, portanto, da quantidade de trabalho procurada. Quando se dá um crescimento forte e concentrado no tempo, os mecanismos de ajustamento de mercado (o salário) podem não ser flexíveis o suficiente para ter efeito sobre a oferta de trabalho e, portanto, define-se uma situação de excesso de procura para a quantidade de trabalho disponível. Em casos concretos, como o setor dos casinos em Macau (Kale, 2006) e o setor da construção civil na Malásia (Zaki, Mohamed e Yusof, 2012), o crescimento acelerado do setor foi também uma dos principais causas para a falta de mão-de-obra sentida.

Kale (2006) sugere que as empresas devem apostar fortemente na melhor combinação possível de fatores pecuniários e não pecuniários para atrair os melhores candidatos.

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11 Segundo Bollérot (2002), existe também um outro fenómeno económico-social que poderá contribuir para situações de escassez de oferta de trabalho: a existência de ajudas sociais em caso de desemprego. Nestas situações aumenta a valorização do tempo em situação de desemprego. Tal pode motivar a permanência do indivíduo nesse estado. Este fenómeno é mais frequente em funções em que a contrapartida remuneratória é mais baixa e, portanto, mais próxima aos valores de situação de desemprego.

2.2.2 Escassez Qualitativa da Oferta de Trabalho

Por outro lado, a escassez de oferta de trabalho qualitativa verifica-se quando existe falta de mão-de-obra com determinadas competências exigidas pela especificidade dos postos de trabalho (Lodovici et al., 2009; Nikolov et al., 2018). Assim, este tipo de escassez resulta de uma não correspondência entre a educação e formação dos indivíduos e as necessidades do mercado de trabalho. Esta situação denominada como skills mismatch, é mais visível quando se registam simultaneamente taxas de desemprego significativas e situações de escassez de oferta de trabalho (Bollérot, 2002) e pode existir apesar de o número de postos de trabalho existentes e a quantidade de indivíduos disponíveis para trabalhar estarem equilibrados no mercado (Nikolov et al., 2018).

Este tipo de escassez ocorre sobretudo em setores de qualificações intermédias e superiores uma vez que surge da necessidade das empresas por competências específicas. Neste sentido, pode corresponder a uma situação de coexistência de excesso de oferta de trabalhadores em certos setores e escassez de oferta noutros. Segundo a literatura encontrada, as situações de escassez qualitativa podem derivar de fatores diversos, tais como: o acesso a formação adequada, as condições de trabalho oferecidas, a imagem da profissão e as expectativas dos indivíduos no mercado de trabalho. Apesar de distintas, as quatro dimensões interligam-se e influenciam-se mutuamente.

De acordo com Min & Lambert (2002), tendo em conta que as competências são particulares a cada setor, a escassez é um fenómeno que tem de ser estudado tendo por base o setor produtivo. Neste contexto, se há abundância de trabalhadores com um certo tipo de qualificações, então o setor que exige esse tipo de qualificações terá menos probabilidade de sofrer de escassez de mão-de-obra do que um setor que exija qualificações menos comuns no mercado de trabalho.

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12 A obtenção das qualificações necessárias depende da facilidade de obter formação na área e/ou do interesse que os jovens tenham em entrar numa profissão. Por um lado, a facilidade de formação depende dos custos de formação e da facilidade de acesso a essa mesma formação (Bollérot, 2002). Por outro lado, a obtenção de formação necessária a uma dada profissão depende do interesse que os indivíduos tenham em trabalhar nessa profissão. Por exemplo, apesar de uma área profissional ter formação disponível e com custos reduzidos, se a profissão não for atrativa, os jovens não terão interesse em formar-se para trabalhar nesse setor. Por outro lado, se estivermos perante uma área profissional atrativa mas com barreiras à formação (por exemplo, custos elevados, poucas instituições de ensino ou poucas vagas), então os jovens terão dificuldade em ingressar no setor (Ricards & Patterson, 1998). De acordo com Ricards & Patterson (1998) os custos de formação de uma certa área afetam a decisão de escolha do trabalhador, na medida em que, quanto mais elevados forem, menor será o incentivo em adquirir a formação necessária para entrar na profissão. Desta forma, as instituições de ensino e formação têm um papel essencial como instigadoras da falta ou não de competências adequadas ao mercado de trabalho. É importante analisar o sistema de ensino disponibilizado aos indivíduos assim como os custos existentes no ato de formação para se compreender o interesse dos indivíduos em entrar numa classe profissional e assim aferir a capacidade de atração dessa profissão (Bollérot, 2002). O interesse das camadas mais jovens em entrar em determinadas profissões influencia diretamente a possibilidade de substituição e renovação dos trabalhadores desse setor.

Outro aspeto essencial para compreender as decisões dos indivíduos na escolha de empregos é a capacidade que os diversos setores possuem para atrair candidatos. Neste âmbito, devemos então debruçar-nos sobre a imagem da profissão e as respetivas condições de trabalho.

A imagem de uma profissão está associada às respetivas condições de trabalho (Bollérot, 2002; Min & Lambert, 2002; Ehrenberg & Smith, 2012; European Commission, 2016; Nikolov et al., 2018). A relação estabelecida entre estes dois fatores indica que quanto mais adversas forem as condições de trabalho, menos atrativa se torna a imagem dessa profissão. Conforme já discutido anteriormente, condições de trabalho adversas exigem o pagamento de diferenciais compensatórios para tornar a profissão atrativa.

Zaki et al. (2012) elaboram acerca da relação que os jovens têm com empregos que possuem condições de trabalho adversas, sugerindo que estes rejeitam empregos que partilhem características menos atrativas, como por exemplo, as seguintes: taxa de acidentes

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13 de trabalho elevada; não valorização e fiscalização da segurança no trabalho pelas entidades públicas; sistema de formação informal entre família e colegas; inexistência de oportunidades de progressão na carreira; trabalhos “sujos”, “difíceis” e “perigosos”; e salários instáveis. Os autores interligam as condições adversas da profissão com o surgimento de uma imagem pouco apelativa para as camadas de trabalhadores mais jovens, criando-se assim uma situação de falta de pessoal no setor produtivo. Também Vinten (1998) refere que é de grande importância alterar a imagem de certas profissões, nomeadamente, do setor industrial.

Hjelte et al. (2018) destacam as expectativas das gerações mais novas na compreensão da atratividade de uma certa profissão. Segundo os autores, as motivações que levam um jovem a candidatar-se a um emprego são distintas das motivações que mantêm o jovem nesse emprego, verificando-se uma evolução das motivações ao longo do tempo e das fases da vida de cada indivíduo. Estas são também heterogéneas no mercado, havendo diversidade das necessidades dos trabalhadores (Hjelte et al., 2018). As experiências que os indivíduos acumulam no mercado de trabalho influenciam diretamente as expectativas que estes têm. De acordo com o estudo, os jovens procuram empregos de qualidade que valorizem aspetos como: flexibilidade horária, proximidade ao local de trabalho, oportunidades de aprendizagem, crescimento na empresa, autonomia e interação social.

Harlow (2004) elabora acerca dos serviços sociais do Reino Unido, explicitando que há algumas décadas o grupo de assistentes sociais era dominado por mulheres devido à tradição do papel feminino na sociedade, constituindo-se o grupo de candidatos-alvo desta profissão. O autor indica que a situação se alterou substancialmente no sentido em que as mulheres viram a sua presença aumentar no mercado de trabalho de forma diversificada, havendo mais oportunidades de emprego para as mulheres. Desta forma, as expectativas destas alteraram-se, influenciando assim a oferta de trabalho para esta profissão. Caso semelhante tem vindo a acontecer com as expectativas dos jovens em relação a empregos no setor público. Segundo Harlow (2004) e Hjelte et al. (2018), as gerações mais jovens não encontram em determinados setores profissionais características que valorizam e, portanto, retiram-se da oferta de trabalho desses setores.

Num estudo de McGinley at al. (2016) sobre o setor hoteleiro dos EUA, concluiu-se que a perceção de equilíbrio entre a vida pessoal e profissional é dos aspetos que mais pesa na decisão de candidatura a uma vaga de emprego. Os autores assinalaram que os indivíduos necessitam de conhecer com cada vez mais antecedência os seus horários de trabalho, face

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14 ao que ocorria há algumas décadas. Os autores notaram ainda que oportunidades de progressão de carreira são essenciais para atrair candidatos.

Em suma, a escassez qualitativa de mão-de-obra depende essencialmente do setor em questão. É importante analisar de que forma a formação é acessível, seja em termos de custos ou de outras condicionantes e conhecer as expectativas e motivações dos candidatos-alvo de um setor para adaptar as condições oferecidas de modo a atrair os candidatos necessários. A imagem de uma profissão assim como o equilíbrio entre vida pessoal e profissional são fatores essenciais a analisar. Existem profissões que desenvolveram ao longo do tempo uma imagem profissional negativa. Para inverter o afastamento dos candidatos, é importante alterar a forma como estas profissões são percecionadas socialmente. No caso das profissões que, pela sua natureza, têm condições de trabalho adversas, é importante que haja lugar a diferenciais salariais compensatórios suficientes de forma a que os trabalhadores se sintam compensados pela adversidade das condições de trabalho. Caso contrário, na existência de oportunidades de emprego alternativas, estes postos não conseguirão atrair nem reter os candidatos e trabalhadores necessários.

2.2.3 Escassez de Oferta de Trabalho e Incentivos ao Trabalho

Conforme já referido, há uma pluralidade de aspetos a ter em consideração quando um indivíduo escolhe um emprego: remuneração, condições de trabalho, custos de formação, imagem da profissão, entre outros.

Ricards & Patterson (1998) analisaram também a forma como os salários e os custos de formação ditam as escolhas dos indivíduos quando estes se encontram perante a possibilidade de mudar de emprego. Os autores explicam que quanto maiores forem as variações de salários entre setores, maior é o incentivo para que os indivíduos abandonem um emprego onde ganhem menos para um onde ganhem significativamente mais. Além deste ponto, é importante analisar os custos fixos, nomeadamente, de formação e relocalização (quando existem). A mudança de setor é uma decisão complexa, com risco associado e custos potencialmente elevados, nomeadamente, na obtenção de nova formação. Assim sendo, a mudança será tanto mais provável quanto maiores os ganhos previstos no novo setor tendo em conta o investimento necessário na formação/relocalização e a perda do salário atual.

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15 É também de notar que uma profissão pode registar perdas de trabalhadores por via de uma alteração nos procedimentos e condições de trabalho com efeito na motivação dos trabalhadores. Harlow (2004) apresenta evidência empírica neste sentido. O autor concluiu acerca do seu caso de estudo (serviços sociais) que o setor adotou práticas de gestão do setor privado com enfoque nos resultados e na performance quantitativa dos trabalhadores e concluiu que houve uma diminuição na ligação dos trabalhadores ao seu público. Para os profissionais do setor, esta alteração nos procedimentos de trabalho representa uma alteração na natureza das funções e um desvirtuamento das mesmas. Exemplos concretos passam pelo aumento da burocracia, pela diminuição da autonomia individual e flexibilidade, pelo fortalecimento da hierarquia de trabalho e até pelas alterações nas denominações laborais, como por exemplo, de “social worker” para “care manager”. Na prática, a motivação dos profissionais diminuiu assim como o comprometimento afetivo dos trabalhadores. Perante novas oportunidades, muitos trabalhadores mudaram de setor, criando uma situação de escassez de pessoal nos serviços analisados.

De acordo com a literatura analisada e de uma forma sintética, podemos distinguir três níveis de escassez de mão-de-obra. Assim, a um nível teórico, podemos caracterizar o tipo de escassez em questão a partir das razões que lhe dão origem. Porém, é importante referir que as causas que contribuem para um fenómeno de falta de trabalhadores podem não ser exclusivos de uma única via e, assim, podemos verificar uma situação de escassez de ambos os tipos.

Num primeiro nível de análise, temos de aferir se há falta efetiva e absoluta de quantidade de trabalho oferecida, tendo de ser analisada a existência ou não de indivíduos disponíveis à procura de trabalho. Para tal, é necessário verificar se houve alterações positivas na quantidade de trabalho procurada e na estrutura da população ativa; caso se verifique uma falta de trabalhadores devido à falta de pessoas em situação de procura de emprego, então podemos caracterizar esta situação como escassez de mão-de-obra quantitativa. Caso tal não se verifique, e existam pessoas à procura de trabalho, temos de analisar a situação a partir de um segundo nível de análise e, neste caso, aferir qual a compatibilidade entre as qualificações e competências procuradas pelas empresas e oferecidas pelos indivíduos da força de trabalho. Caso a falta de mão-de-obra se verifique devido à incompatibilidade de competências no mercado de trabalho, então, estaremos perante uma escassez de mão-de-obra qualitativa que pode ter origem no acesso à formação, na imagem da profissão, nas expectativas dos

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16 candidatos-alvo e/ou nas condições de trabalho associadas à profissão. Por fim e como terceiro nível de análise, no caso da oferta de trabalho existir em quantidade e ter as competências adequadas e, mesmo assim, se verificar uma situação de escassez de mão-de-obra, então teremos de aferir os incentivos existentes da profissão. Neste caso, os indivíduos não têm estímulos suficientes para aceitar um determinado posto de trabalho. A representação esquemática deste enquadramento teórico é apresentada na imagem seguinte.

Figura 1 - Organização Esquemática dos Tipos de Escassez de Mão-de-Obra Fonte: Elaboração própria

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3. Setor dos Transportes Rodoviários de Mercadorias – Análise do Setor

Neste capítulo, analisaremos o setor em enfoque nesta investigação, dos transportes rodoviários de mercadorias e, em particular, os dados existentes sobre a classe profissional dos motoristas, tanto a partir de literatura teórica como literatura empírica, à luz dos aspetos já sugeridos anteriormente.

Tendo em consideração os indicadores de falta de mão-de-obra no setor e como resposta às necessidades das empresas de transporte rodoviário, a IRU criou um grupo de trabalho com o intuito de criar iniciativas que ajudem as empresas a identificar as causas e a lidar com a falta de motoristas. Nesse âmbito, implementou inquéritos a motoristas de transporte rodoviário de 10 países europeus com o propósito de obter um diagnóstico da dimensão da escassez assim como das possíveis causas da mesma (IRU, 2019). Os dados apurados permitiram concluir que a falta de motoristas no setor atingiu os 21% em 2018 no espaço europeu. Desta forma, verifica-se que um quinto das vagas abertas ficaram por satisfazer. Estes são os dados mais recentes que foi possível encontrar sobre o setor. Recorrendo a dados anteriores e de acordo com Lodovici et al. (2009) Portugal apresentou-se como um dos paíapresentou-ses onde a escasapresentou-sez de motoristas era mais significativa. Os autores construíram uma taxa de escassez de motoristas por via do cálculo do número de vagas de motoristas por preencher sobre o número de motoristas empregados no setor. A taxa de escassez de mão-de-obra em Portugal fixava-se nos 4.6%, acima da média europeia (3.8%) no ano de 2006.

Acompanhando o crescimento económico internacional, o setor dos transportes tem sido dos que mais cresce nas décadas recentes. Quanto maior o crescimento das atividades económicas, sobretudo ao nível do comércio, maior é o número de serviços de transporte necessários à concretização dessas atividades (Min & Lambert, 2002; McKinnon et al., 2017). O crescimento do setor é habitualmente analisado tendo como base a medida de uma tonelada de mercadoria transportada via rodoviária por um quilómetro. Os dados mais recentes indicam que, de 2016 para 2017, o setor cresceu 4,5%6 no espaço europeu, sendo este o quinto ano consecutivo de crescimento do setor. Em Portugal, segundo os dados mais

6 Fonte: Eurostat Statistics Explained “Road freight transport statistics”

https://ec.europa.eu/eurostat/statistics- explained/index.php/Road_freight_transport_statistics?fbclid=IwAR2trE2vHD5DEgjK-aCxQRG6B7K4I_ga-9q2T7QtpbicvJ4uPZJPTg-dba0

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18 recentes do INE, em 2017, registou-se um aumento de 6.1%7 das mercadorias transportadas. Em termos de volume de negócio, o subconjunto de empresas de Transportes registou um crescimento de 10,8% o que representa 5.5 mil milhões de euros. É importante referir ainda que, a partir de dados Banco de Portugal, de 2017, o setor regista 8 400 empresas e emprega 68 000 pessoas8.

A estrutura do mercado dos transportes rodoviários apresenta ainda uma característica relevante: a fragmentação significativa do mercado. Mais de metade do mercado é composto por pequenas e médias empresas, sobretudo de cariz familiar. Segundo McKinnon et al. (2017), este tipo de empresas, na maior parte dos casos, não tem continuidade tanto pelas margens de lucro reduzidas como pela dificuldade em passar o negócio para as gerações mais jovens que optam por seguir outro tipo de carreiras.

É de destacar que a falta de motoristas afeta gravemente o bom funcionamento do setor e a concretização de negócios. A circulação de veículos sem interferência humana está apenas em fase de testes (Nikolov et al., 2018).

Conforme explorado anteriormente, o mercado de trabalho está a tornar-se envelhecido. O setor tratado neste trabalho sofre particularmente devido à proporção elevada de trabalhadores que se encontram perto de entrar na idade da reforma (Christidis, Navajas, Brons, Schade, Mongeli & Soria, 2014).

Segundo dados da IRU (2019), 30% dos motoristas no mundo possuem mais de 50 anos. A Alemanha apresenta-se como um dos países no espaço europeu onde este rácio é maior, estando a idade média da profissão fixada nos 47 anos (IRU, 2019). Estima-se que nos próximos 10-15 anos, 40% dos motoristas rodoviários de mercadorias neste país se reformem (McKinnon et al., 2017). No Reino Unido, 62% dos trabalhadores têm mais de 45 anos. Tendo em consideração também projeções da Christidis et al. (2014) apresentadas na figura seguinte, a proporção de trabalhadores entre os 50 e os 59 anos é de cerca de um terço do total de trabalhadores. Destaca-se que a representação de indivíduos com idade inferior a 24 anos é muito reduzida.

7 Fonte: INE (2018) Estatísticas dos Transportes e Comunicações 2017. Disponível em:

https://www.ine.pt/ngt_server/attachfileu.jsp?look_parentBoui=347589059&att_display=n&att_download =y

8 Fonte: Banco de Portugal (2017) Análise das empresas do setor dos transportes rodoviários de

mercadorias. Disponível em: https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/pdf-boletim/estudos_da_cb_28_2017.pdf

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Gráfico 2 - Projeção da evolução da população empregada da EU27 no setor dos transportes rodoviários, por faixas etárias (inclui passageiros e mercadorias)

Fonte: Christidis et al. (2014)

Outra causa apontada para a falta de mão-de-obra no setor reside no desequilíbrio entre os géneros dos seus trabalhadores (Lodovici et al., 2009; EU Skills Panorama, 2014). Na UE, as mulheres representam apenas 6% dos motoristas de transporte rodoviário de mercadorias (2% em 2018, segundo dados da IRU (2019)).

As razões apuradas para este desequilíbrio prendem-se sobretudo com o facto de a condução ser uma atividade percecionada como tradicionalmente masculina assim como pelas condições de trabalho

inerentes à profissão como a exigência física, o estilo de vida que exige longos períodos fora de casa e longe da família e até questões ligadas à segurança pessoal do motorista (pois tem que pernoitar dentro do camião na estrada) (Harlow, 2004; IRU, 2019).

Neste sentido, o fator género pode também ser causador de uma dificuldade acrescida no recrutamento para estas posições uma vez que reduz o leque de indivíduos disponíveis.

94% 6%

Homens Mulheres

Gráfico 3 - Representação gráfica da população empregada no setor dos transportes rodoviários de

mercadorias, por género Fonte: Lodovici et al. (2009) e EU Skills

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20 Em relação às qualificações necessárias para exercer a profissão, a categoria profissional de motoristas insere-se num nível de qualificações intermédio. Além das competências básicas, os profissionais deverão ter carta de condução de veículos pesados e também diversas certificações adicionais e especificas à legislação de cada país.

Em Portugal, segundo o Boletim do Trabalho e Emprego (2018c), os motoristas devem possuir:

- Carta de condução do veículo adequado

- Carta de Qualificação/Certificado de Aptidão para Motorista (CQM e CAM) - Certificado de ADR (European Agreement concerning the International Carriage of Dangerous Goods by Road, isto é, certificação para transporte de matérias perigosas, quando aplicável)

Segundo o Boletim do Trabalho e Emprego (2018c), os custos de obtenção dos certificados são suportados pelos indivíduos e as empresas estão comprometidas à assunção dos custos de renovação das certificações. Como contrapartida, o trabalhador deverá permanecer na empresa por um período de 5 anos ou será obrigado a devolver o valor proporcional ao período em falta.

McKinnon, Flöthmann, Hoberg & Busch (2017) indicam que os custos de obtenção da formação necessária são habitualmente significativos, sobretudo para os jovens que estiverem interessados em iniciar atividade. De acordo com IRU (2019), os custos elevados da licença/formação para iniciar a atividade constituem a maior barreira de acesso para as gerações mais jovens a esta classe profissional. McKinnon et al. (2017) destaca que os custos com seguros na contratação de motoristas com idade inferior a 25 anos ou em início de carreira são agravados face aos outros trabalhadores uma vez que se trata de uma profissão de risco significativo e de grande responsabilidade. Destacam ainda que as penalizações às empresas no caso de contratações informais são consideráveis e o sistema de fiscalização é apertado (McKinnon et al., 2017).

O acesso a formação por parte dos potenciais trabalhadores é condicionado ainda pela idade dos jovens uma vez que existe idade mínima para iniciar a formação (que varia de país para país). Essa idade mínima regista, na maior parte dos casos, uma diferença substancial quando comparada com a formação para outro tipo de áreas (Kidd & Padgett, 2016). Por exemplo, em Portugal, apenas aos 21 anos é possível tirar a carta de veículos pesados (categorias C+E) ou mediante um certificado adicional poderão iniciar a formação aos 18 anos. Tendo em conta que os jovens escolhem a sua área de formação a partir dos 16

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21 anos, compreende-se que esta profissão não seja a primeira escolha das gerações mais jovens (Kidd & Padgett, 2016).

A exigência em termos de formação e certificações constitui uma barreira uma vez que obriga a processos custosos e demorados até que um individuo tenha as competências necessárias para as funções.

Dada a especificidade deste mercado de trabalho, os quadros salariais do setor regem-se pelo Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) celebrado entre a ANTRAM (Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias) e a FECTRANS (Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicação). O acordo mais recente foi efetivado em 2018 (Boletim do Trabalho e Emprego, 2018c). A retribuição base dos motoristas foi atualizada para valores entre 610€ e 630€, consoante o tipo de veículo, à qual acrescem diversos complementos mensais tais como:

- Diuturnidades: o trabalhador recebe um acréscimo mensal de 16€ por cada no completo que se mantenha no setor.

- Complemento salarial de transporte nacional/ibérico/internacional: o trabalhador aufere um complemento que depende do tipo de veículo que conduz assim como do âmbito geográfico onde atua, pode variar entre 0% (ligeiros, nacional) e 10% (pesados, internacional) da remuneração base.

- Ajuda de custo TIR: os motoristas que operem camiões pesados TIR recebem 110€ se trabalharem no âmbito ibérico e 130€ se trabalharem no internacional.

- Remuneração do trabalho noturno obrigatório para ibérico/internacional: o trabalhador que atue no âmbito ibérico ou internacional recebe 25% da remuneração diária como recompensa pelo trabalho noturno.

- Remuneração de trabalho suplementar em dias úteis: o trabalhador recebe 50% salário/hora pela primeira hora de trabalho suplementar e 75% pelas horas seguintes.

- Abono para falhas: todos os motoristas que exerçam funções de caixa, cobrador, empregados de serviço externo e tesoureiro recebem 23€/mês adicionais.

- Subsídio de risco: todos os motoristas com certificado de formação válido que efetuem serviços de transporte de matérias perigosas sujeito e não isento ao cumprimento do ADR (ver página 20) recebem 7,5€/mês adicionais.

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22 - Estipulação de valores mínimos de ajudas de custo correspondentes a despesas de pequeno-almoço, almoço e ceia para motoristas que trabalhem em horários irregulares, seja no âmbito nacional, ibérico ou internacional.

De acordo com o CCT, enquanto que o salário base de um motorista ronda os 610€-630€, a remuneração acrescida dos devidos complementos consoante o tipo de veículo e âmbito geográfico da atuação, será superior.

À luz da teoria dos diferenciais salariais compensatórios, as partes da remuneração que são exclusivas desta profissão e/ou as que são remuneradas acima da média dos ganhos de outras profissões consideradas semelhantes (por exemplo, face à mesma escolaridade) consideram-se como os diferenciais salariais compensatórios uma vez que servem o propósito de tornar esta profissão mais atrativa em relação a outras profissões. Assim, é relevante analisar quais as partes da remuneração que são exclusivas desta profissão e as que não o são. Podemos aferir que a parte de remuneração referente ao trabalho noturno e trabalho suplementar estão também previstas no setor da produção têxtil (Boletim de Trabalho e Emprego, 2018b), sendo que no complemento de trabalho noturno, os valores praticados pelo setor têxtil são até superiores. Podemos verificar ainda que as diuturnidades e o abono para falhas estão igualmente previstos para a área da indústria e comércio de produtos de confeitaria e conservação de fruta, com valores semelhantes aos praticados para os motoristas, de 15.6€ e 21€ respetivamente. O mesmo acontece com a componente das ajudas de custo (Boletim do Trabalho e Emprego, 2018a), com a ressalva de que esta, no caso dos motoristas, inclui um leque variado de valores consoante o horário/localização geográfica de trabalho (Boletim do Trabalho e Emprego, 2018c). Desta forma, as diuturnidades, o abono para falhas e as ajudas de custo também não podem ser consideradas como diferenciais salariais compensatórios pois também estão previstos noutras classes profissionais com valores idênticos e, portanto, não servem o propósito de tornar esta profissão mais atrativa perante outros empregos. Porém, as partes de remuneração dos motoristas que se designam como complemento salarial de transporte nacional/ibérico/internacional, ajuda de custo TIR e subsídio de risco são exclusivas desta profissão pelo que estas podem ser consideradas como diferenciais salariais compensatórios pois compensam aspetos específicos desta função.

Bienstock & Stafford (2014) sugerem que os motoristas valorizam significativamente salários elevados assim como pagamentos atempados e existência de prémios monetários. Os

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23 autores enumeram estas características como fundamentais quando os motoristas procuram uma oportunidade de emprego.

Em relação aos custos das empresas, segundo Min & Lambert (2002) o setor dos transportes rodoviários tem sofrido múltiplos aumentos de custos inerentes à área, tais como: o aumento dos custos dos combustíveis, veículos e tecnologia utilizada. Dada a intensa concorrência do setor em termos de preço de serviço, estes fatores colocam uma pressão elevada nos lucros das empresas transportadoras e também nas remunerações dos profissionais do setor. No entanto, se é verdade que o aumento de custos salariais pode pôr em causa a competitividade das empresas, também é verdade que a falta de motoristas impede a concretização de negócios o que também compromete o lucro das empresas.

Existem ainda outros aspetos com um impacto na rentabilidade das empresas e na sua capacidade de oferecer melhores condições aos seus trabalhadores. Min & Lambert (2002) referem a existência de setores que concorrem com o setor dos transportes rodoviários em termos de contratação de trabalhadores. A concorrência entre setores é benéfica para o trabalhador uma vez que permite uma maior escolha de oportunidades de emprego (Levanon et al., 2014). No entanto, para os empregadores, a elevada concorrência pressiona a subida dos salários de forma a atrair mais e melhores candidatos. Segundo Levanon et al. (2014), a pressão sobre os salários e, consequente, aumento com o custo do trabalho, afeta a empresa por duas vias: aumentando os preços dos produtos/serviços ou, não tendo essa opção, diminuindo os lucros da empresa.

Segundo EU Skills Panorama (2014) e McKinnon et al. (2017), atualmente a tecnologia usada pelos motoristas (uso do GPS, guias de transporte eletrónicas, ligação permanente ao centro de tráfego, etc.) obriga a um “upskilling” dos profissionais no manuseamento de diferentes equipamentos eletrónicos. Este processo apresenta vantagens e desvantagens no que toca à atração de novos profissionais. Por um lado, facilita o trabalho, aumenta o controlo e a rapidez das tarefas. Por outro lado, o aumento de controlo pode ser percecionado de forma negativa pelos indivíduos uma vez que perdem autonomia e liberdade (McKinnon et al., 2017). À luz do estudo de Harlow (2004), estes desenvolvimentos tecnológicos podem também estar associados a um desvirtuamento da natureza das funções. Além disso, a adaptação às novas tecnologias para os trabalhadores mais velhos pode ser mais demorada e difícil. Estes fatores podem levar a que os motoristas se desinteressem pela profissão, se sintam desencorajados e desincentivados e abandonem os seus postos de

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24 trabalho mais cedo quando lhes surja uma nova oportunidade de emprego ou, por exemplo, optem pela reforma antecipada o que agrava o problema da falta de trabalhadores.

O setor dos transportes rodoviários de mercadorias também é referido como tendo adquirido ao longo do tempo uma imagem pouco atrativa devido sobretudo às condições de trabalho associadas à profissão dos motoristas (Bollérot, 2002; Min & Lambert, 2002; Nikolov et al., 2018). Aspetos como: exigência do ponto de vista físico (carregamentos e descarregamentos de carga), a monotonia das tarefas (longas jornadas a conduzir), a exigência de períodos fora de casa e de horários de expediente incomuns contribuem para uma imagem do setor pouco apelativa para as novas gerações de profissionais (Min & Lambert, 2002; McKinnon et al., 2017). O estudo da IRU (2019) concluiu que a imagem da profissão é um dos fatores fundamentais que contribuem para a fraca atratividade do setor. Em termos de condições de trabalho, mais de 70% dos motoristas inquiridos no estudo referem que passar períodos longos fora de casa e isolados da família e amigos é a principal causa para a escassez de mão-de-obra na profissão. Bienstock & Stafford (2014) sugerem que a flexibilidade nos horários de trabalho e nas jornadas fora de casa são dos aspetos mais valorizados pelos motoristas na aceitação por um novo emprego. Neste âmbito, um estudo do World Bank Group (2017) referencia ainda que o aumento das vendas online e as entregas em 24 horas contribuem para aumentar o stress e sobrecarga de trabalho a que os motoristas estão sujeitos.

Chen, Fang, Guo & Hanowski (2016) e Staats, Lohaus, Christmann, & Woitschek (2017) estudaram as doenças mais associadas aos motoristas e concluíram que a classe é mais propensa a adquirir doenças cardiovasculares e distúrbios de sono devido aos hábitos adquiridos no posto de trabalho. O estudo refere que os horários rígidos moldam os hábitos de sono dos indivíduos de forma permanente. Também o facto de ser uma profissão que exige se esteja sentado por longos períodos aumenta a possibilidade de os indivíduos sofrerem de obesidade e de doenças cardiovasculares. A monotonia do ato de conduzir o veículo e a exigência no cumprimento de horários de chegada contribui fortemente para a acumulação de cansaço e fatiga, aumentando o risco de acidentes de trabalho. Segundo os dados mais recentes, o setor dos transportes e armazenagem é o terceiro numa listagem dos 22 setores com maior risco de acidentes fatais e não-fatais9.

9 Fonte: Eurostat Statistics Explained “Fatal and non-fatal accidents at work, by NACE Section, EU-28, 2015”

Disponível em:

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25 Com o propósito da melhoria das condições de trabalho e da segurança rodoviária, a União Europeia tem, progressivamente, aumentado as diretivas que regem o setor (Lodovici et al., 2009; McKinnon et al., 2017). As medidas que têm sido objeto de regulamentação abrangem aspetos como: número de horas de condução, pausas obrigatórias, melhoria das infraestruturas dos parques direcionados aos camionistas, entre outros. Apesar de as empresas transportadoras poderem ver estas medidas como limitadoras do funcionamento do setor e da rentabilidade da atividade (uma vez que limitam a circulação o número de horas de condução e, assim, a circulação do veículo) (Kidd & Padgett, 2016), a longo-prazo estas medidas poderão ter um impacto positivo na imagem dos motoristas (McKinnon et al., 2017). Por outro lado, Kidd & Padgett (2016) referem o impacto que as regulações legais ao limitar a rentabilidade das empresas, pois, desta forma, estão também a colocar entraves a possíveis aumentos salariais para os motoristas.

De acordo com os estudos de Lodovici et al. (2009), de McKinnon et al. (2017) e de IRU (2019) relativos à falta de mão-de-obra no setor, a escassez de motoristas rodoviários de mercadorias pode ser compreendida à luz de um conjunto de fatores que caracterizam o setor, nomeadamente, custos de formação elevados e idade mínima de entrada; e condições de trabalho adversas, nomeadamente, períodos longos fora da zona residência, horários irregulares e desgaste físico e psicológicos significativos; a literatura sugere ainda uma imagem pouco apelativa da profissão associada às condições de trabalho assim como índices de doenças e risco de acidente de trabalho consideráveis.

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26 Recordando os objetivos do presente estudo, procura-se identificar a diversidade de razões que explicam a escassez de motoristas do setor dos transportes rodoviários de mercadorias em Portugal e, ainda, compreender de que forma as empresas empregadoras lidam com este problema de falta de mão-de-obra.

Assim, exploraram-se dois quadros teóricos: o primeiro referente à teoria dos diferenciais salariais compensatórios, que explora especificamente as dinâmicas do mercado de trabalho de uma profissão que se carateriza com condições de trabalho adversas, fornecendo assim uma base de conhecimento para melhor compreendermos o comportamento das empresas deste setor; e o segundo que distingue dois tipos de escassez, quantitativa e qualitativa, caracterizando assim razões que contribuem para uma situação de falta de mão-de-obra.

Tendo em conta a literatura analisada, podemos fazer uma síntese sobre os contributos da mesma para o problema da escassez de mão-de-obra no setor em estudo. McQuillan et al. (2003) refere que o desequilíbrio de competências no mercado de trabalho é estrutural (abordagem qualitativa) e que o estreitamento da população ativa vem desvendar e destacar esse problema de forma mais acelerada (abordagem quantitativa). Por outro lado, há referências ao facto do setor dos transportes ter passado recorrentemente por situações de escassez, mais ou menos, acentuados pela conjuntura económica (Bollérot, 2002; Min & Lambert, 2003; Lodovici et al. 2009). Importa então analisar qual a origem, se quantitativa ou qualitativa ou ambas, que mais se destaca no fenómeno da escassez de motoristas do setor dos transportes rodoviários de mercadorias em Portugal. No âmbito da compreensão da dinâmica da escassez de mão-de-obra, pretende-se ainda verificar o papel dos incentivos monetários existentes à luz da teoria dos diferenciais salariais compensatórios.

No capítulo que se segue propomo-nos a analisar o caso de nove empresas que atuam no setor, através de uma metodologia qualitativa. O propósito é percecionar se os fatores avançados pela literatura também se aplicam ao caso português, e em caso afirmativo, oferecer uma análise mais pormenorizada da situação do país. Procura-se compreender se existe mais algum fator que explique a escassez de oferta de trabalho de motoristas, na perspetiva dos responsáveis das empresas. Havendo um diagnóstico construído, pretendemos identificar que tipo de medidas é que as empresas podem levar a cabo para atrair mais trabalhadores, e sobretudo, identificar que incentivos podem ser oferecidos e que entraves existem a esses incentivos dentro da própria empresa e/ou do mercado.

Imagem

Figura 1 - Organização Esquemática dos Tipos de Escassez de Mão-de-Obra  Fonte: Elaboração própria
Gráfico 3 - Representação gráfica da população  empregada no setor dos transportes rodoviários de
Figura 2 - Sistema de categorias 1 “Considerações do setor”
Gráfico 4 - Representação gráfica das idades dos motoristas empregados nas empresas participantes deste estudo  Fonte: elaboração própria

Referências

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